Genoma da Árvore Nacional de Portugal entrou na recta final da

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ID: 60608492
18-08-2015
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Genoma da Árvore
Nacional de Portugal
entrou na recta final
da descodificação
Sobreiro
A árvore escolhida vive numa herdade em Montargil. A sequenciação do sobreiro,
um projecto português, incluiu ainda a criação, num viveiro, de 266 árvores com
pedigree conhecido, para perceber a hereditariedade e confirmar resultados. Até ao
fim do ano, a equipa de cientistas quer publicar os primeiros resultados
Catarina Rocha
A
primeira etapa
do projecto de
sequenciação do
genoma do sobreiro (Quercus suber),
que arrancou em
2013, está agora
na sua fase final. O
genoma da árvore
está prestes a ser
descodificado e a ideia é submeter
os resultados para publicação à revista Nature já no final deste ano.
A equipa portuguesa liderada por
Sónia Gonçalves, investigadora do
Centro de Biotecnologia Agrícola
e Agro-Alimentar do Alentejo
(Cebal), em Beja, e que engloba
cientistas de várias instituições,
está encaixar as últimas peças de
um quebra-cabeças genético nunca
antes desvendado.
“O nosso objectivo era identificar os genes que são únicos para
o sobreiro — isto é, perceber por
que é que há árvores que são me-
lhores do que outras, quais são os genes que provocam essa diferença”,
explica ao PÚBLICO José Matos, do
Instituto Nacional de Investigação
Agrária e Veterinária (INIAV), envolvido no projecto. “Neste momento,
estamos a montar as últimas peças
do puzzle do genoma.”
O projecto GenoSuber estava já
preparado para arrancar há mais de
oito anos, mas não começou antes
por falta de financiamento. A evolução das metodologias de trabalho
veio baixar o custo da sequenciação
do genoma e possibilitou o avanço
dos estudos. Em Outubro de 2012,
assinou-se o plano de trabalho, orçado em 1,13 milhões de euros. Deste
montante, 85% foram financiados
pelo Quadro de Referência de Estratégia Nacional (QREN) e o restante
assegurado por entidades privadas,
com destaque para a Corticeira Amorim, que também colabora no projecto e garantiu 7,5% do dinheiro.
A entrada no projecto da Corticeira Amorim, a maior produtora mundial de cortiça, veio tornar possível o
contacto com a fileira florestal, per-
mitindo à equipa conhecer mais de
perto os problemas associados à produção e à transformação da cortiça,
orientando também a investigação
no sentido de os resolver.
Em busca da melhor árvore
Além do Cebal, a entidade promotora do GenoSuber, e do INIAV, participam ainda no projecto o Instituto de
Tecnologia Química e Biológica da
Universidade Nova de Lisboa (ITQB),
o Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (IBET), o Instituto
Gulbenkian de Ciência (IGC), os três
em Oeiras, e o parque Biocant, em
Cantanhede. Com 28 investigadores,
o projecto da descodificação do sobreiro por uma equipa portuguesa
tem ainda como consultores o belga
Yves van de Peer, da Universidade de
Ghent (Bélgica), e o norte-americano Gerald Tuskan, do Laboratório
Nacional de Oak Ridge, nos Estados
Unidos.
Escolher a árvore que iria ser
sequenciada não foi um processo
simples. Os sobreiros cruzam-se
frequentemente com outros car-
valhos (árvores também do género
Quercus), resultando em híbridos do
ponto de vista genético, mas que,
visualmente, são sobreiros. Numa
fase inicial, a equipa seleccionou 50
sobreiros a nível nacional, para daí
encontrar o sobreiro com o mínimo
de heterozigotia possível, ou seja,
menor variabilidade genética.
O trabalho de selecção envolveu
a recolha de material vegetal das 50
árvores, com identificação geográfica e fotográfica, a extracção de ADN
das folhas e ainda a caracterização
molecular com marcadores de microssatélites já disponíveis para sobreiro (pequenas sequências de ADN
repetidas, que são utilizadas como
marcador genético em estudos de
parentesco). Daqui resultou a identificação da árvore a ser sequenciada:
um sobreiro, com idade entre 120 e
150 anos, localizado na Herdade dos
Leitões, em Montargil, no concelho
de Ponte de Sor.
Os investigadores começaram por
retirar ADN de folhas desta árvore,
para ser sequenciado em laboratórios dos Estados Unidos e da China
e também em Portugal, no Biocant
e no INIAV. Estando este trabalho
quase completo, a equipa portuguesa tem agora em mãos milhares de
pequenas sequências de ADN, que
serão montadas até ao final deste
ano. O genoma do sobreiro tem 24
pares de cromossomas (o humano
tem 23 pares), com milhares de genes ali contidos.
“Não queremos olhar só para os
genes, também queremos olhar para os transcriptomas”, explica Sónia Gonçalves. Um transcriptoma é
um conjunto de ARN resultante da
transcrição de ADN, que irá sintetizar proteínas a partir dos genes.
“Isto permitirá perceber as bases
genéticas do sobreiro.”
O processo de montagem do genoma já sequenciado veio exigir novas competências de bioinformática
para tratar um tão grande número
de informação. Por esse motivo, a
equipa contratou cinco especialistas
para realizar a análise, e que poderão trabalhar em futuros projectos
de sequenciação de genomas.
Ao longo da primeira fase, os in-
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MIGUEL MANSO
Os resultados do projecto serão
importantes para a indústria da
cortiça; em baixo, experiências
de polinização, que incluíram a
protecção das flores com sacos
de plástico
vestigadores depararam-se ainda
com a necessidade de ter uma nova
população de sobreiros cujos progenitores fossem conhecidos. Esta população, de um viveiro em Pegões,
conta já com 266 sobreiros que têm
o pedigree bem estabelecido e vai
ajudar os trabalhos de organização
do genoma em cromossomas.
“Esta nova geração foi obtida a
partir do conhecimento dos pais e
das mães de cada uma das árvores.
Para isso, tivemos de proteger as
flores das árvores-mães com sacos
de plástico, que apenas deixavam
passar o ar, para assim controlarmos
o pólen que iriam receber do pai”,
explica José Matos.
“Os novos 266 filhos já germinados vão ajudar a montar o ‘esque-
leto’ do genoma, para percebermos
melhor como funciona o processo
de hereditariedade”, diz José Matos. “Será um grande apoio ao nosso trabalho, pois tornará possível
confirmar a localização dos genes
já determinada em rascunho na primeira fase do projecto.”
A segunda fase, a da sequenciação
dos 266 novos indivíduos e também
dos seus progenitores, será um processo mais demorado. “Esta segunda
etapa demorará pelo menos um ano
para ficar concluída”, acrescenta o
investigador.
Os frutos deste projecto contribuirão para o avanço no conhecimento
e melhoramento genético da espécie, sendo possível seleccionar as
árvores com características de interesse para a produção e indústria da
cortiça. Com o primeiro mapa genético do sobreiro estabelecido, vai ser
possível olhar para genes específicos
e procurar os marcadores genéticos
que indiquem as características mais
vantajosas para a indústria corticeira. “É importante distinguir entre
manipulação e selecção genética. O
que vamos fazer não é manipular geneticamente o sobreiro, mas sim seleccionar as árvores mais adequadas
a partir do conhecimento dos seus
genes”, explica José Matos.
Um dos objectivos será identificar os genes que se activam quando
a árvore luta contra infecções. A fitóftora (Phytophthora cinnamomi) é
um organismo unicelular que ataca
as raízes do sobreiro, impedindo a
árvore de chegar aos nutrientes do
solo, e esta pode ser uma das razões
do seu actual declínio. “Nas zonas
afectadas pela fitóftora, nunca mais
se poderão plantar árvores sem que
fiquem infectadas, mas nesses sítios sabemos que existem também
árvores saudáveis. E a que se deve
isto?” A razão está escondida nos
genes do sobreiro, acrescenta José
Matos, e os investigadores querem
agora identificá-la para contornar
a praga.
Outra finalidade será identificar
geneticamente se um sobreiro vai
dar boa cortiça. Esta característica
é obtida através de marcadores moleculares que permitirão a identificação da árvore ainda jovem como
aquela que desenvolverá cortiça de
boa qualidade no futuro.
E, afinal, o que é a boa cortiça?
“A boa cortiça não é uma característica biológica, mas sim industrial.
Queremos uma árvore cuja cortiça
seja bastante densa, muito homogénea (sem estar picada por insectos)
e espessa”, explica José Matos.
A informação do património
genético do sobreiro, classificada
pela Assembleia da República, em
2011, como “Árvore Nacional de
Portugal”, assume uma importância estratégica para o sector económico e ecológico. Responsável
por mais de metade da produção
mundial de cortiça, Portugal tem
uma área de 730 mil hectares de
montado de sobro, segundo os
resultados preliminares do 6.º
Inventário Florestal Nacional, de
Fevereiro de 2013. Além de produzir, é também o país que mais processa cortiça, com valores entre os
60% e os 70% a nível mundial.
Árvore característica da paisagem do Centro e Sul do país, o sobreiro é já uma espécie protegida
pela legislação portuguesa desde
2001. Mas essa legislação nem sempre tem sido capaz de proteger
eficazmente a árvore, que se encontra em regressão no território
português, devido, entre outros, às
excepções à lei criadas constantemente, que permitem abater árvores para favorecer empreendimentos, segundo disse anteriormente
ao PÚBLICO Miguel Rodrigues, da
associação Árvores de Portugal.
Se a revista Nature aceitar, o artigo será então aí publicado. Os
resultados do projecto GenoSuber e a informação obtida vão ser
disponibilizados à comunidade
científica e industrial numa base
de dados pública — para que o sobreiro ocupe cada vez mais um
lugar especial na ciência. Texto
editado por Teresa Firmino
ID: 60608492
18-08-2015
Genoma do sobreiro
está na fase final
da descodificação
Até fim do ano, a equipa de
cientistas portugueses quer
publicar resultados p30/31
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