Você mataria seu anjo da guarda?

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JP ■ 9
GERAL
■ Terça-feira,
14 de abril de 2009
FEBRE AMARELA
Você mataria seu anjo da guarda?
Bugios estão morrendo em todo o estado vítimas do desconhecimento de uma população indignada
> PATRÍCIA MIRANDA
Infelizmente, não só os homens estão sendo vítimas da febre amarela. O
bugio, primata típico das matas do Rio
Grande do Sul, também está pagando
duplamente com sua vida devido à doença e à falta de informação da população. Relatos por todo o estado indicam
que nas regiões de ocorrência do bugiopreto e do bugio-ruivo, ambos encontrados nas matas de Cachoeira do Sul,
os bugios estão morrendo não só pela
febre amarela, mas também por envenenamento causado pelo homem, que
teme o avanço da doença e acredita que
eles sejam os grandes vilões da história.
É com a frase “Você mataria seu anjo da
guarda?” que o professor e doutor Júlio
César Bicca-Marques, professor do grupo de pesquisa em primatologia da
PUC/RS, está liderando uma campanha
de conscientização da preservação da
espécie. A campanha já chegou a Cachoeira do Sul e foi abraçada pelo médico veterinário Edson Salomão, um
dos maiores defensores dos animais no
município.
A febre amarela silvestre já provocou a morte de seis pessoas e de centenas de bugios em uma extensa área do
Rio Grande do Sul desde o final de
2008, inclusive em Cachoeira do Sul,
onde a doença já foi confirmada na
localidade de Cerro dos Peixotos, no
Piquiri. No entanto, ao contrário da
maioria das pessoas, os bugios são
extremamente sensíveis à doença,
morrendo em três a sete dias após
contraí-la. Esses macacos já estão ameaçados de extinção no estado devido à
destruição de seu hábitat natural (as
florestas), à caça e ao comércio ilegal
de mascotes e agora ainda sofrem com
a doença e o desconhecimento do homem.
Bicca-Marques ressaltou que não
existe uma forma de proteger os animais da doença assim como os seres
humanos, para quem existe a vacina.
Além disso, a captura dos primatas
para talvez fazer uma vacina, o que
ainda nem existe para os macacos,
poderia ser também bastante prejudi-
UMA PERGUNTA
Os bugios que estão aparecendo mortos em
Cachoeira do Sul e em outras cidades do Rio
Grande do Sul podem estar morrendo mais
envenenados do que da febre amarela?
Dificilmente. Não se pode ignorar o fato de muitos
macacos virem a perder a vida devido a cursos d’água
contaminados por veneno de lavouras. No entanto, há
muitos casos já confirmados da febre amarela nestes
animais. O Laboratório Adolfo Lutz, de São Paulo, responsável pela análise das vísceras dos macacos, realiza apenas
exame para saber se o primata morreu devido à febre
amarela. Se o resultado for negativo não há um exame
posterior para saber qual foi a real causa. Salomão destacou que no ano passado em Cachoeira do Sul quatro
animais morreram em uma propriedade rural vítimas de
veneno em uma lavoura de milho.
cial para sua vida. “Durante a captura
eles poderiam até morrer. Seria preciso subir em árvores e anestesiá-los.
Antes disso eles poderiam fugir ou cair
e se machucar. Seria um trabalho extremamente complicado”, ressalta ele.
No entanto, uma atitude simples e de
grande importância também para a
saúde do homem é mantê-lo vivo. “Não
existe o perigo do macaco contaminar
o homem, mas muitas pessoas, como
pensam que ele é o transmissor, acabam matando o animal. No entanto, já
se discute em nosso estado a possibilidade do ser humano ter levado o vírus
novamente para a mata. Os bugios se
deslocam em pequenos espaços, já o
homem não. Se uma pessoa doente
entrar em uma mata e for picada pelo
mosquito transmissor, o inseto certamente vai transmitir o vírus da doença
para o macaco”, alertou o professor.
SEM PESQUISA - Salomão lamentou a falta de uma pesquisa que possa realmente mostrar alternativas de
preservação da vida dos bugios no Rio
Grande do Sul. Ele destacou que segundo relato de autoridades da região noroeste do estado, onde a doença começou a se manifestar no Rio
Grande do Sul, há áreas onde os bugios foram totalmente dizimados.
Além de ilegal - já que os bugios são
considerados uma espécie em extinção
- e de tornar mais crítico o estado de
conservação desses animais, a morte
dos macacos é uma atitude prejudicial para o próprio homem. A morte de
bugios por febre amarela alerta os órgãos de saúde sobre a circulação do
vírus na região. Assim é possível iniciar campanhas de vacinação da população, como já está acontecendo em
272 municípios gaúchos. O Ministério
da Saúde considera esses macacos importantes “sentinelas” da circulação
do vírus. Por este motivo a campanha
considera os bugios como nossos anjos da guarda. Se eles forem mortos
pelo homem a descoberta da doença
em determinada região ocorrerá somente quando as pessoas contraírem
a doença.
LISTA
Os apoiadores da campanha
> Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre
> Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul
> Faculdade de Biociências, Museu de Ciências e Tecnologia e
Instituto do Meio Ambiente da PUC/RS
> Associação para Conservação da Vida Silvestre (Convidas) de
Passo Fundo (RS)
> Programa Macacos Urbanos da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
> De novembro de 2008 até a última
quinta-feira o estado registrou um
total de 26 notificações de casos
suspeitos de febre amarela silvestre.
> Destes
Destes, 13 casos foram confirmados e seis evoluíram para o óbito
(letalidade de 46,2%).
> Outros nove casos permanecem
em investigação e quatro foram descartados.
> Os locais prováveis de infecção
dos confirmados foram Santo Ângelo, Pirapó, Augusto Pestana, Jóia,
Bossoroca, Espumoso, Vera Cruz e
Santa Cruz do Sul.
> De outubro de 2008 até a última
quarta-feira foram notificados 615
eventos envolvendo a morte de
primatas que totalizaram 1.436 animais mortos, distribuídos em 123
municípios do estado.
> O primeiro caso foi confirmado
em 10 de dezembro de 2008 e o
último em 15 de março de 2009.
FONTE: Secretaria Estadual da
Saúde
PATRÍCIA MIRANDA
PARA SABER MAIS
A febre amarela no RS
>> IMPORTANTE
O professor da PUC/RS Júlio César
Bicca-Marques ainda alertou que
muitas pessoas estão utilizando o
fato do envenenamento de macacos por veneno de lavouras para
culpar este fator pela morte dos
animais, sendo que muitas vezes
foram os próprios responsáveis
por oferecer o veneno ao bicho.
Salomão: também entrou na luta pela proteção dos macacos pelo homem
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