a nova geografia da produção de coco no brasil

Propaganda
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
A NOVA GEOGRAFIA DA PRODUÇÃO DE COCO NO BRASIL
LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE1
Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar algumas das principais características da nova
geografia da produção de coco no Brasil, evidenciada a partir de uma importante reestruturação
produtiva que atinge esse setor desde meados dos anos 1990, responsável, dentre outras coisas,
pela reorganização do circuito espacial de produção do fruto, pela modernização do seu cultivo e pela
dispersão da sua produção pelo país, trazendo fortes rebatimentos socioespaciais e territoriais.
Palavras-chave: Produção de coco; reestruturação produtiva; dispersão espacial da produção.
Abstract: The objective of this paper is to present some of the main features of the new geography of
coconut production in Brazil, evidence from a major restructuring process that reaches this sector
since the mid-1990s, responsible, among other things, for the reorganization of the spatial circuit fruit
production, the modernization of cultivation and the dispersion of production across the country,
bringing strong socio-spatial and territorial repercussions.
Keywords: coconut production; productive restructuring; spatial dispersion of production.
1 – Introdução
Nota-se que sobretudo a partir de meados da década de 1990 a produção
agrícola brasileira passa a receber com mais intensidade influência direta da
tecnologia, da ciência e da informação, signos do atual período histórico chamado
por Santos (1996, 2009) de técnico-científico-informacional, que tem na globalização
da produção e do consumo um de seus pilares fundamentais, conforme indica Elias
(2003, 2007). Com isso, é visível a intensificação do processo de reestruturação
produtiva da agricultura nacional, responsável por modernizar e reorganizar o cultivo
de diversos gêneros agrícolas, alterando sobremaneira seus sistemas produtivos e
abrindo margem para a territorialização do capital nos principais cultivos realizados
no país, notadamente aqueles voltados para atender importantes parcelas do
mercado consumidor, seja ele nacional e/ou internacional.
Essa reestruturação produtiva da agricultura brasileira, além de se processar
de maneira espacialmente seletiva e socialmente excludente (ELIAS, 2006), vem
privilegiando somente alguns gêneros agrícolas, que passam por uma modernização
de seus processos produtivos e que são reorganizados com a finalidade de auferir
1
Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. Email de contato: [email protected]
2709
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
uma maior rentabilidade ao capital, abrindo espaço para o desenvolvimento de uma
agricultura científica e de mercado. Esse processo vai culminar em uma
reconfiguração dos principais circuitos espaciais de produtivos agrícolas e de seus
respectivos círculos de cooperação (SANTOS, 1994, 1996), implicando em novos
usos
do
território
ao
reestruturar
as
tradicionais
formas
de
produção,
comercialização, distribuição e consumo desses produtos.
Exemplo disso é o que vem ocorrendo com a produção de coco, que passou
a ser diretamente inserida nesse contexto de reestruturação produtiva há
aproximadamente duas décadas e que a partir desse período observa seu cultivo
ser completamente reorganizado. Enquanto que anteriormente não existia uma
produção de coco realmente estruturada no país, onde o mesmo era cultivado em
pequenas quantidades sob os moldes semiextensivos, hoje observa-se a
configuração de uma nova geografia da produção brasileira de coco, com destaque
para um aumento do cultivo do fruto nos moldes da agricultura de mercado e da
agricultura científica, inaugurando um novo momento para o seu circuito espacial
produtivo, trazendo, inclusive, fortes rebatimentos socioespaciais e territoriais.
Como já pudemos indicar em outros momentos (CAVALCANTE, 2012, 2013,
2014), essa nova geografia da produção de coco no Brasil pode ser caracterizada,
dentre outros processos, pelo expressivo aumento da quantidade produzida e da
área plantada com o fruto, impulsionada principalmente pelo considerável aumento
do consumo de água de coco e pela expansão do cultivo de coqueiros anão e
híbrido; pela incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo, com a
utilização de modernos insumos e implementos na produção; pela consolidação de
determinados agentes, notadamente grandes empresas agrícolas, agroindustriais e
de pesquisa; e pela dispersão espacial da produção de coco por todas as regiões do
país.
Com isso, somente através de uma análise mais aprofundada é que
perceberemos quais são as novas relações que se dão no novo sistema de
produção do coco a partir da reestruturação produtiva que atinge o setor. Desse
modo, esse trabalho visa apresentar algumas das principais características dessa
nova geografia da produção do fruto no Brasil, atentando especialmente para a
identificação e análise de algumas dinâmicas socioespaciais observadas a partir da
2710
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
materialização desse processo, sobretudo a reorganização de seu circuito espacial
de produção, a modernização do seu cultivo e a sua dispersão espacial produtiva
pelo país.
Para tanto, nos baseamos em uma metodologia constituída basicamente por
um levantamento bibliográfico acerca da temática, pela organização de um banco de
dados e pela realização de trabalhos de campo em alguns dos mais importantes
municípios produtores de coco do país, notadamente aqueles localizados no Estado
do Ceará, o segundo principal produtor nacional do fruto. Destaca-se que neste
artigo estamos apresentando apenas alguns resultados de uma investigação maior
acerca
das
mais
importantes
dinâmicas
socioespaciais
advindas
com
a
reestruturação produtiva do setor do coco, realizada em virtude da consecução de
nossa pesquisa de mestrado, finalizada na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne e
em curso na Universidade Estadual do Ceará2.
2 – A atual configuração da produção brasileira de coco
Especialmente após os anos 1990 é válido afirmar que a produção brasileira
de coco já não é mais a mesma, uma vez que agora ela é realizada em moldes
intensivos e inserida em uma agricultura de mercado, se contrapondo a uma
produção mais tradicional e de caráter de subsistência que caracterizava
praticamente todo o setor até o final do século passado. É somente a partir da
reestruturação produtiva que puderam-se edificar as bases para uma verdadeira
reviravolta no cultivo desse fruto no país, dotando-lhe de características que até
então não eram observadas.
Nota-se, de um modo geral, que em apenas 20 anos a produção brasileira de
coco mudou completamente, uma vez que o cultivo desse fruto deixa de ser
realizado quase que exclusivamente por comunidades litorâneas localizadas no
Nordeste do país e em pequenas quantidades sem a utilização de quaisquer
insumos, passando a ser cultivado em larga escala em todas as grandes regiões e a
receber importantes aportes de capital, ciência e tecnologia, levando ao
2
Sob orientação da professora Denise Elias e com bolsa do CNPq.
2711
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
desenvolvimento de uma nova maneira de se produzir coco, ampliando a quantidade
produzida3 e a produtividade.
Analisando os dados divulgados pelo IBGE (tabelas 01 e 02), nota-se que de
1990 a 2010 essa produção de coco no Brasil obteve um aumento considerável, por
volta de 158%. Já a área plantada com coqueiros acompanhou o aumento da
produção do fruto, porém mais modestamente, tendo um crescimento de
aproximadamente 28%, o que demonstra que há uma expansão do cultivo de
coqueiros em território brasileiro. Associada ao aumento da área plantada e da
quantidade produzida, a produtividade também obteve um crescimento importante,
indicando uma modernização do processo produtivo do fruto, relacionado à difusão
do uso de modernos insumos e implementos pelos coqueirais do país.
Tabela 01 – Brasil. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em
mil frutos) e produtividade (mil frutos/ha). 1990 – 2010.
1990
2000
2010
Área plantada
215.652
266.577
276.934
Quant. produzida
734.418
1.301.411
1.895.635
Produtividade
3,41
4,88
6,85
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Tabela 02 – Brasil. Área plantada com coqueiros (em hectares), quantidade produzida de coco (em
mil frutos) e produtividade (mil frutos/ha). Variações absoluta e relativa (em %). 1990 – 2010.
Variação Absoluta
Variação Relativa
1990 2000 1990 1990 2000 1990 2000
2010
2010
2000
2010
2010
Área plantada
50.925
10.357
61.282
23,61
3,89
28,42
Quant. produzida
566.993
594.224 1.161.217
77,20
43,57
158,11
Produtividade
1,48
1,96
3,44
43,35
40,21
101,00
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Esse aumento da produção, da área plantada e da produtividade está
intimamente relacionado com o novo momento pelo qual passa o cultivo de coco.
Percebe-se, grosso modo, que a expansão da produção desse fruto no Brasil está
diretamente associada a três processos que estão interligados: o aumento do
consumo de água de coco, a proliferação do cultivo sobretudo de coqueiros anões e
a modernização de seu processo produtivo agrícola. Esses três processos, além de
vários
outros,
como
a
crescente
participação
de
empresas
agrícolas
3
e
O Brasil é, atualmente, conforme apontam os dados da FAO, o quarto maior produtor de coco do
mundo, enquanto em 1990 o país ocupava apenas a décima colocação no ranking mundial.
2712
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
agroindustriais na regulação do setor do coco, vêm contribuindo para dotar o cultivo
desse fruto de novas e importantes características.
O crescimento do consumo de água de coco é um dos fatores que nos ajuda
a entender a reestruturação produtiva do setor e a organização do mercado do fruto
em âmbitos tanto nacional quanto internacional. Nota-se que a expansão do
consumo de coco, e mais precisamente da água, vem alavancando a quantidade
produzida do fruto por todo o país, favorecendo o aumento da área plantada com
coqueiros e, consequentemente, a sua dispersão espacial produtiva. A esse
respeito, Cavalcanti et al (2006, p. 138) apontam que a “expectativa do crescimento
do mercado de água de coco tem animado os produtores a expandir suas áreas com
espécies precoces”, a exemplo do coqueiro anão, que fornece o coco ainda verde.
O coco é apontado por Cavalcanti et al (2006) como sendo o “produto da
moda”, e isso se deve ao extraordinário aumento no consumo da sua água. Em
virtude das investidas do mercado explorando as qualidades nutricionais da água de
coco, seu consumo in natura está em larga expansão por todo o Brasil sobretudo
desde meados dos anos 1990, e em caixinhas Tetra Pak após 2010, a grande
novidade do setor4. Com isso, aos poucos a água de coco, um produto tipicamente
associado ao litoral do Nordeste, transforma-se em um sinônimo de verão e difundese para as demais regiões do país, especialmente a Sudeste. Também a partir de
2010 a água de coco em caixinha começa a ser amplamente exportada, sobretudo
para os Estados Unidos.
Para atender à demanda por água de coco, aumentam os plantios de
coqueiro anão, o mais indicado para a produção de coco verde (fotos 01 e 02). O
cultivo dessa variedade de coqueiro está em ampla expansão pelo território
nacional, passando a ocupar até mesmo áreas não tradicionais no cultivo de coco,
conforme nos indicam Fontes et al (2002) e Martins e Jesus Júnior (2011), com
destaque também para a variedade híbrida5. Foram essas as variedades de
4
Dentre as principais empresas que controlam o mercado de água de coco em caixinha no Brasil
destacamos: Sococo, Ducoco, Coco do Vale e PepsiCo (que adquiriu em 2009 a empresa Amacoco).
5
A expansão dos cultivos de coqueiros anão e híbrido se dá pari passu da redução do cultivo de
coqueiro gigante, o mais indicado para a produção de coco seco e encontrado sobretudo ao longo do
litoral nordestino.
2713
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
coqueiro mais contagiadas pela reestruturação produtiva e as que mais absorveram
as inovações advindas com a agricultura científica (SANTOS, 2003).
Além disso, destaca-se que é também nas áreas de cultivo de coqueiro anão
e híbrido onde o capital encontrou meios mais favoráveis de se difundir e de se
territorializar, uma vez que foram essas as áreas elencadas por grandes produtores
para alavancar a quantidade produzida de coco. Associado a isso, observa-se por
todo o Brasil o crescente número de grandes empresas agrícolas e agroindustriais
investindo no cultivo do fruto, a exemplo da Sococo (no Pará), Ducoco, Cohibra e
Unique (no Ceará), Aurantiaca (na Bahia), Kero Coco e Queiroz Galvão (em
Pernambuco), Coco do Vale (na Paraíba), dentre outras, muitas das quais em
atividade há pouquíssimos anos e que cultivam exclusivamente coqueiros anão e
híbrido visando a produção sobretudo de água de coco.
Foto 01 – Produção de coco verde em Acaraú (CE).
Fonte: Leandro Cavalcante, 2014.
Foto 02 – Cultivo de coqueiro anão em Paraipaba (CE).
Fonte: Leandro Cavalcante, 2014.
Todas essas empresas, além de outros grandes e médios produtores, e em
certos casos também pequenos produtores, estão investindo pesado em novas
tecnologias voltadas para o cultivo de coco. Assim, o incremento e a difusão de
diversas inovações técnico-científicas e agronômicas são processos também em
curso evidenciado a partir da reestruturação do setor. A partir da utilização dessas
inovações foi-se possível ampliar consideravelmente a produtividade dos coqueiros,
abrindo espaço para a modernização do processo produtivo agrícola do fruto.
Assim, observa-se pelos coqueirais do Brasil uma propagação de diversas
inovações, como àquelas relacionadas ao uso de novos métodos de irrigação, a
2714
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
exemplo
das práticas de
irrigação
localizada
e
totalmente
automatizada,
representada pelo uso dos microaspersores, onde cada coqueiro é irrigado
individualmente e recebe uma quantidade exata de água. Esse método de irrigação
por microaspersão é o mais utilizado atualmente pelos produtores de coco,
especialmente por aqueles que se dedicam ao cultivo de coqueiro anão e híbrido.
Há ainda uma difusão no uso de técnicas de adubação que garantem uma maior
precisão e uma maior produtividade, sendo a mais importante dessas a técnica de
fertirrigação, onde cada coqueiro recebe uma quantidade pré-determinada de
fertilizantes diluídos junto com a água e aplicada pelos microaspersores.
Acrescidos ao sistema de irrigação, observa-se a difusão de toda uma
variedade de máquinas agrícolas que servem de apoio à produção de coco, como
arados, roçadeiras, tratores, pulverizadores motorizados, dentre outros. O uso de
todo esse maquinário agrícola é bastante recente e vem contribuindo para reduzir o
tempo destinado ao trato dos coqueiros, modificando as relações de trabalho
historicamente associadas ao seu cultivo. Vem se difundindo também toda uma
série de defensivos, adubos e fertilizantes dos mais variados tipos.
Além disso, os chamados tratos culturais também foram readaptados às
novas exigências do setor, difundindo-se algumas inovações agronômicas que vem
modificando as tradicionais formas de produção de coco, a exemplo da adoção de
um sistema de espaçamento entre as árvores conhecido como triangulação,
indicado para melhor distribuir os coqueiros em uma determinada área, como
também dos frequentes investimentos em análises foliar e de solo em laboratórios
especializados, visando determinar as principais deficiências dos coqueiros e da
área onde estão plantados. Esse é o contexto na nova produção de coco realizada
no Brasil, mais científica e mecanizada.
3 – A nova configuração espacial da produção de coco
Com essa reestruturação produtiva, erguem-se as bases para se desenhar
ainda um novo arranjo espacial relacionado ao cultivo do fruto no Brasil. Desse
modo, essa nova geografia da produção de coco no país pode ser caracterizada
também especialmente pela dispersão espacial produtiva em direção às regiões não
2715
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
tradicionais do cultivo do fruto e por uma consequente consolidação de espaços
especializados na sua produção, modificando sobremaneira a divisão territorial do
trabalho e as dinâmicas socioespaciais que passam a ser observadas em tais
espaços. Se anteriormente o coco (e o coqueiro) era um sinônimo exclusivo de
litoral, sobretudo o nordestino, atualmente observamos a emergência de novos
espaços que estão se especializando no cultivo do fruto.
O coco começou a ser cultivado no Brasil pelos portugueses que aqui
começaram a chegar depois de 1500, produção essa concentrada incialmente em
terras baianas. Martins e Jesus Júnior (2011, p. 15) indicam que a partir da Bahia, “o
coqueiro disseminou-se pelo litoral nordestino, especialmente por ser uma frutífera
típica de clima tropical onde encontrou condições favoráveis para cultivo, e
posteriormente acabou se adaptando em outras regiões do país”. Do Nordeste essa
produção se disseminou também para os Estados do Pará e do Espírito Santo,
ainda na década de 1980, passando a ser cultivado em escala comercial pela
primeira vez no Norte e no Sudeste. Assim, até o início dos anos 1990 o cultivo de
coco se restringia apenas às regiões Nordeste, Sudeste e Norte, mas ainda
continuava sendo produzido majoritariamente no litoral nordestino, em uma área que
ia basicamente da Bahia ao Ceará, além do nordeste do Pará e do litoral norte do
Espírito Santo.
Entretanto, esse quadro começou a ser alterado com a reestruturação
produtiva do setor, que aos poucos vem sendo responsável por uma importante
dispersão do cultivo de coco pelas cinco grandes regiões do país. Depois de já
produzida em todo o Nordeste, essa produção passou a ser realizada também nos
outros Estados do Norte e Sudeste, como também no Centro-Oeste e no Sul. Os
dados divulgados pelo levantamento da Produção Agrícola Municipal (PAM/IBGE)
indicam que a produção de coco em larga escala no Centro-Oeste começou no
início dos anos 1990, e já no Sul apenas depois dos anos 2000. Esses dados (tabela
03) indicam ainda um aumento da produção e da área plantada em todas as regiões,
garantindo uma performance positiva quando observamos o contexto brasileiro
como um todo.
2716
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
Tabela 03 – Regiões do Brasil. Quantidade produzida de coco (em mil frutos) e
área plantada com coqueiros (em hectares). 1990 – 2010.
1990
2000
2010
Área plantada
13.352
18.120
28.493
Norte
Quantidade produzida
104.053
162.175
255.048
Área plantada
199.746
232.426
224.293
Nordeste
Quantidade produzida
619.698
932.960
1.297.528
Área plantada
2.551
14.144
20.411
Sudeste
Quantidade produzida
10.646
186.239
300.517
Área plantada
0
0
202
Sul
Quantidade produzida
0
0
2.282
Área plantada
3
1.887
3.535
Centro-Oeste
Quantidade produzida
21
20.037
40.260
Área plantada
215.652
266.577
276.934
BRASIL
Quantidade produzida
734.418
1.301.411
1.895.635
Fonte: IBGE/PAM. Elaboração: Cavalcante, 2013.
Assim como as grandes regiões do Brasil ocupam um papel diferenciado na
configuração socioespacial e produtiva do coco, o mesmo se pode dizer dos Estados
do país, que apresentam dinâmicas bem distintas uns dos outros, porém que estão
inseridas em um mesmo processo regido pela reestruturação produtiva do setor. Em
2010, dos 26 Estados, apenas quatro ainda não apresentam uma produção
significativa de coco ao ponto de aparecerem nas estatísticas oficiais: Roraima,
Amapá, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Por outro lado, todas os demais já são
produtores de coco, algumas bem mais recentemente, como é o caso do Mato
Grosso, do Tocantins e do Paraná, já outros com a produção consolidada já a um
certo tempo, a exemplo, sobretudo, da Bahia, do Ceará e de Sergipe.
Desse modo, percebe-se que está havendo uma dispersão espacial da
produção de coco no Brasil, que pode ser caracterizada um avanço da fronteira
agrícola do fruto em direção ao semiárido nordestino e em direção às demais
regiões, sobretudo Sudeste e Norte. Na imagem a seguir (imagem 01), podemos
observar a distribuição espacial do cultivo de coco no Brasil e sua evolução entre
1990 e 2010. Através dessa imagem é possível notar claramente essa dispersão
espacial da produção de coco e em quais Estados ela é mais significativa. Essa
expansão do cultivo do fruto em Estados não-Nordestinos só foi possível graças,
sobretudo, aos pesados investimentos realizados no melhoramento genético dos
coqueiros e na grande quantidade de insumos e implementos que passaram a ser
utilizados, especialmente os adubos e o microaspersores.
2717
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
Desse modo, como se percebe, nessas últimas duas décadas vem se
desenhando um novo arranjo espacial da produção de coco no Brasil, onde o cultivo
do fruto vem passando a ser realizado nacionalmente e deixando de ser
regionalmente localizado, incorporando novos espaços de produção à medida que o
setor vem sendo reestruturado, modificando consideravelmente as paisagens do
interior do país. Além disso, o que deve ser destacado é que o recente aumento da
área plantada com coqueiros em todas as regiões do país demonstra especialmente
que o cultivo de coco é uma variável importante que pode nos auxiliar na
compreensão das recentes transformações que vem sendo observadas no espaço
rural brasileiro.
Imagem 01 – Distribuição espacial da produção de coco no Brasil, em 1990 e 2010.
Organização: Cavalcante e Mendoza (2015).
4 – Considerações finais
De um modo geral, a reestruturação produtiva do setor do coco no Brasil vem
significando, antes de mais nada, a emergência de um novo tempo, de um tempo
2718
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
marcado pelo ritmo do coco. Ao ter seu sistema produtivo modificado e ao passar a
ser produzido em novos espaços, o cultivo do fruto induziu ao desenrolar de uma
série de novas dinâmicas anteriormente não observadas, alterando a forma e o
conteúdo espaciais, que foram reorganizados visando atender a expansão e
consolidação da produção do fruto. Nesse sentido, Santos (1985, p. 68) considera
que “cada produção organiza o espaço segundo uma modalidade própria”, e com o
coco isso não foi diferente, já que o espaço, bem como a sociedade, teve de ser
adaptado às novas exigências do novo modelo de produção desse fruto.
Assim, com a chegada do coco, tudo que existia antes foi chamado a se
adaptar ao seu novo sistema produtivo e a nova racionalidade imposta por esse
cultivo, gerador de conflitos das mais diversas naturezas, uma vez que passaram a
entrar em choque direto as antigas relações que se davam nos espaços elencados
para a difusão dessa produção com os novos processos resultantes da
reestruturação produtiva, associada à territorialização do capital no setor. Tudo isso
contribuiu, sobremaneira, para a mudança na forma de uso e ocupação dos espaços
agrícolas ocupados pela produção de coco, já que tais espaços tiveram seus
conteúdos alterados em virtude da difusão de uma agricultura de caráter empresarial
e científica, modificando as relações sociais que lá se reproduziam.
Nesse sentido, é necessário, portanto, aprofundar essa discussão acerca da
reestruturação produtiva do setor do coco e que vem culminando na territorialização
do capital nas áreas produtoras do fruto, intentando revelar qual é a real
reestruturação pela qual a produção de coco vem passando e descobrir a quem ela
verdadeiramente atende. Assim, poderemos continuar contribuindo na apreensão de
algumas das inúmeras nuances do desenvolvimento do capitalismo no campo
brasileiro, tomando como base os processos observados a partir da produção de
coco, que é um reflexo da reprodução ampliada do capital no processo produtivo
agrícola, controlado cada vez mais por pouquíssimos agentes que detém
praticamente todo o controle dos circuitos espaciais produtivos no país.
2719
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO DE 2015
5 – Referências bibliográficas
CAVALCANTE, Leandro Vieira. Os circuitos espaciais e os círculos de
cooperação da produção de coco no Litoral Oeste do Ceará. Monografia
(Graduação em Geografia). Universidade Estadual do Ceará: Fortaleza, 2012.
CAVALCANTE, Leandro Vieira. A reestruturação produtiva chega aos coqueirais do
Brasil. Anais do VI Simpósio Internacional de Geografia Agrária – SINGA: João
Pessoa, 2013.
CAVALCANTE, Leandro Vieira. La restructuration de la production de noix de
coco au Brésil: enjeux et défis. Le cas des nouvelles dynamiques socio-spatiales
du Périmètre Irrigué Curu-Paraipaba. Mémoire de recherche (Master en
Géographie). Université Paris 1 – Panthéon Sorbonne: Paris, 2014.
CAVALCANTI, Josefa Salete et al. Transformações recentes nos espaços da
fruticultura do Nordeste do Brasil. In: ELIAS, Denise; PEQUENO, Renato. (Orgs.).
Difusão do agronegócio e novas dinâmicas socioespaciais. Fortaleza: Banco do
Nordeste, p. 117-150, 2006.
ELIAS, Denise. Globalização e agricultura. São Paulo: EdUSP, 2003.
ELIAS, Denise. Agronegócio e desigualdades socioespaciais. In: ELIAS, Denise;
PEQUENO, Renato. (Orgs.). Difusão do agronegócio e novas dinâmicas
socioespaciais. Fortaleza: Banco do Nordeste, p. 25-82, 2006.
ELIAS, Denise. O meio técnico-científico-informacional e a reorganização do espaço
agrário nacional. In: MARAFON, Cláudio; RUA, João; RIBEIRO, Miguel Ângelo.
(Orgs.). Abordagens teórico-metodológicas em Geografia Agrária. Rio de
Janeiro: EdUERJ, p. 49-66, 2007.
FONTES, Humberto Rollemberg et al. Sistema de produção para a cultura do
coqueiro. Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, 2002.
MARTINS, Carlos Roberto; JESUS JÚNIOR, Luciano Alves de. Evolução da
produção de coco no Brasil e o comércio internacional - Panorama 2010.
Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, 2011.
SANTOS, Milton. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985.
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. 3. ed. São Paulo: Hucitec,
1994.
SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1996.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. 10. ed. Rio de Janeiro: Record,
2003.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. 4. ed. São Paulo: EdUSP, 2009.
2720
Download