Artigo de Revisão DISFUNÇÕES CICATRICIAIS

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Artigo de Revisão
DISFUNÇÕES CICATRICIAIS HIPERPROLIFERATIVAS: CICATRIZ HIPERTRÓFICA
Bernardo Hochman1
Carlos Koji Ishizuka2
Lydia Masako Ferreira3
Leonardo Quicoli Rosa de Oliveira4
Rafael Fagionato Locali5
1. Mestre em Cirurgia Plástica pelo Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica
Reparadora da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina
(UNIFESP-EPM). Aluno de Pós-Graduação em nível Doutorado do Programa de PósGraduação em Cirurgia Plástica Reparadora da UNIFESP-EPM. Membro Titular da
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
2. Médico Residente da Disciplina de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia da
UNIFESP-EPM.
3. Professora Titular e Chefe da Disciplina de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia
da UNIFESP-EPM. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica
Reparadora da UNIFESP-EPM. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica.
4. Aluno do 2º ano do Curso de Graduação em Medicina da UNIFESP-EPM.
5. Aluno do 2º ano do Curso de Graduação em Medicina da UNIFESP-EPM.
Introdução
A cicatriz hipertrófica é definida como uma lesão elevada, que não ultrapassa os limites da
ferida inicial, ou seja, respeita a extensão original da lesão, e apresentam tendência à regressão.1
É uma resposta exacerbada do tecido conjuntivo cutâneo a ferimentos, intervenções cirúrgicas,
queimaduras ou quadros inflamatórios.
Mesmo a pele sendo um órgão complexo derivado de duas camadas germinativas
(ectoderma e mesoderma), recupera-se de um ferimento mediante a formação de uma cicatriz
formada por tecido predominantemente fibroso. Se a ferida seciona ou destrói a camada papilar
da derme se produzirá uma cicatriz permanente propriamente dita. Essa cicatriz poderá ser em
alguns casos clinicamente quase inaparente, porém em outros poderá ocorrer uma hipertrofia
cicatricial, que poderá repercutir de uma cicatriz apenas hipertrófica até cicatrizes com aspecto
desfigurável, como no caso do quelóide.
O tema da qualidade cicatricial é comumente abordado de forma apenas superficial nos
textos gerais de técnica cirúrgica. Porém, para o cirurgião uma cicatriz poderá ser apenas o único
indício, similar a uma “marca registrada” de uma operação por ele realizada. E, como citou
FitzGibbon em 1968, em relação aos mandamentos de Gillies, “sereis julgados por vossas
cicatrizes”.(7)
A incidência de cicatriz hipertrófica, assim como de quelóide, é maior em pessoas não
brancas (negros, pardos, asiáticos e europeus da região mediterrânea). Entre indivíduos brancos,
a cicatriz hipertrófica é menos freqüente nos loiros em relação aos morenos. No Brasil, devido a
grande miscigenação étnica, há uma dificuldade em estimar a prevalência de cicatrizes
hipertróficas e queloideanas. A freqüência de cicatriz hipertrófica é, provavelmente, maior que de
quelóide, mas ainda não há estudos estatísticos mais detalhados.35 A cicatriz hipertrófica pode
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ocorrer em qualquer faixa etária, mas tende a se desenvolver mais freqüentemente na puberdade,
sendo mais rara em pessoas acima dos 60 anos de idade. Não é relatada maior prevalência em
relação ao sexo.7
Etiopatogenia / Fisiopatologia
A cicatriz hipertrófica é causada por uma produção aumentada de todos os componentes
da matriz extracelular, principalmente do colágeno, incluindo também as proteoglicanas.27 Esses
achados sugerem que os mecanismos de controle reguladores das etapas de formação e
proliferação da matriz estão preservados, porém exacerbados. Indivíduos jovens possuem uma
pele que apresenta um maior turgor e tensão intrínseca, quando comparada com a pele mais
flácida e inelástica dos idosos.15 Mesmo assim, a taxa de síntese de colágeno também pode estar
aumentada nessa faixa etária.3
Geralmente, essas lesões ocorrem na superfície do corpo que ficam sujeitas a uma maior
tensão dinâmica da pele sobre ferimentos ou incisões cirúrgicas, ou seja, que não estão a favor
das linhas de menor tensão da pele (fig 1). Todavia, independente da orientação de uma incisão
ou ferimento cutâneo, a tensão na sutura da pele ou na superfície da lesão tem sido implicada
como o fator crítico predisponente na formação da cicatriz hipertrófica, assim como no
quelóide.39,40
Figura 1 – Cicatriz hipertrófica quase perpendicular às linhas de
menor tensão da pele (deveriam estar no sentido do sulco nasolabial
- “bigode chinês”)
Outros fatores predisponentes decorrem por suturas por técnica inadequada, presença de
hematomas ou corpos estranhos sob a sutura, lacerações ou abrasões cutâneas mais profundas
e/ou extensas, queimaduras ou suturas cutâneas infectadas. A cicatriz hipertrófica pode ainda
desenvolver-se a partir de feridas cutâneas provocadas por acne, vacinações, picadas de insetos,
uso de brincos, tatuagens ou outros processos inflamatórios da pele.2,12 A hipertrofia da cicatriz
também ocorre mais freqüentemente em lesões onde o fechamento cutâneo se dá por segunda
intenção, principalmente se o processo de restauração do tegumento tiver uma duração maior que
3 semanas.16
Em relação à taxa de síntese de colágeno, a atividade da enzima prolina-hidroxilase está
significantemente aumentada na cicatriz hipertrófica e no quelóide em relação à pele normal,
aproximadamente 3 e 20 vezes, respectivamente.9 Contudo, a atividade da colagenase,
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relacionada à taxa de lise e remodelação do colágeno, também está aumentada na cicatriz
hipertrófica e no quelóide em relação à pele normal, em cerca de 4 e 14 vezes,
respectivamente.14,29 Apesar da cicatriz hipertrófica ser também considerada como uma
manifestação fenotípica de menor intensidade da cicatriz queloideana, apresenta em seu tecido
imunoglobulinas IgG, IgA e IgM em menores teores que nesta última. 10
Em relação ao metabolismo das cicatrizes, alguns estudos indicam que a hipóxia pode
contribuir para a formação dessas cicatrizes patológicas.25 Níveis elevados de lactato podem ser
mediadores entre a hipóxia tecidual e o aumento da síntese de colágeno, uma vez que essa
substância demonstrou aumentar a síntese de colágeno em culturas de fibroblastos.13,26
Alguns fatores de crescimento estão envolvidos na contração cicatricial. O Transforming
Growth Factor-beta (TGF-β) e o Platelet Derived Growth Factor (PDGF) são moduladores da
contração nos fibroblastos da pele normal. O TGF-β promove uma quimiotaxia dos fibroblastos
para o local da inflamação, para produzir proteínas da matriz extracelular. Em situações de
normalidade cicatricial, a atividade do TGF-β retorna a níveis basais quando a cicatrização está
completa. Na cicatriz hipertrófica existe um aumento nos níveis de secreção do TGF-β.42
Fatores neurogênicos também estão presentes na cicatriz hipertrófica. A mesma é
freqüentemente caracterizada por sintoma de dor, ao contrário da cicatriz normotrófica, que é
caracterizada por uma redução na sensibilidade. Esse fenômeno deve-se ao fato das cicatrizes
hipertróficas possuírem maior densidade de filetes nervosos que as cicatrizes normais.34,43 Ainda,
a presença de calcitonin gene-relates peptide (CGRP) na base da epiderme, neuropeptídeo
liberado por terminações nervosas sensoriais nociceptivas, somente observada nas cicatrizes
hipertróficas, caracterizaria nessas cicatrizes também um processo inflamatório neurogênico, além
do componente inflamatório vascular.34
Quadro clínico
A cicatriz hipertrófica geralmente se desenvolve a partir de 6 a 8 semanas após o término
da epitelização, mas podem se desenvolver logo após a lesão tecidual. Apesar disso, as cicatrizes
podem atingir um tamanho considerável, causando alargamento importante das margens da
cicatriz, assim como um aumento do seu relevo em relação à pele adjacente. Clinicamente, a
superfície epitelial da cicatriz hipertrófica apresenta-se lisa, brilhante e, por vezes, telangiectásica,
não se observando pêlos ou secreção sebácea ou sudorípara (fig. 2).
Figura 2 – (A )Cicatriz hipertrófica hipercrômica em perna; (B)
cicatriz hipertrófica avermelhada (hiperêmica) em mama pósmastoplastia redutora .
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A região esternal, as regiões deltóideas, a região cervical anterior e as superfícies flexoras
dos membros e da região cervical são os locais mais freqüentemente acometidos por cicatrizes
hiperproliferativas (fig. 3).11 A palma das mãos e a planta dos pés são raramente acometidas.
Figura 3 – (A) Cicatriz hipertrófica pré-esternal pós-cirurgia cardíaca; (B)
cervical; (C) superfície extensora do joelho.
É freqüente o encontro de cicatrizes hipertróficas mistas, ou seja, a parte do trajeto da
cicatriz sob maior tensão torna-se hipertrófica, enquanto que a parte do trajeto da mesma sob
menor tensão torna-se normotrófica (fig. 4).
Figura 4 - Cicatriz hipertrófica mista por estar em fase de regressão, que se
inicia pelas extremidades (onde já apresenta-se com melhor qualidade
cicatricial (seta mais fina), sendo que a parte central tende a melhorar
posteriormente (seta mais larga).
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Observa-se que as cicatrizes hipertróficas oriundas de queimaduras profundas e/ou
extensas, podem desenvolver-se em pessoas que nunca apresentaram tendência a esse tipo de
cicatrização. Este fato é devido, provavelmente, ao aumento em todas as direções da tensão
cutânea na região queimada, e pela perda do tecido por ação do calor (fig. 5). Ainda, a detecção
em pacientes queimados de níveis séricos de alfa-globulinas aumentados até 60 dias após a
queimadura, parece favorecer a hipertrofia dessas cicatrizes, por inibição da colagenase.19
Figura 5 – Cicatriz hipertrófica por queimadura abrangendo o ombro e
região axilar, acarretando em restrição funcional do membro superior.
A cicatriz hipertrófica e o quelóide apresentam uma densidade aumentada de vasos
sanguíneos, quando comparados à cicatriz normotrófica e pele normal.17 Com isso, além de
poderem apresentar um aspecto hiperêmico nas fases iniciais, essas cicatrizes podem apresentar
sintomas de natureza vascular como eritema. Acresce, ainda, as manifestações decorrentes da
presença de mecanismos inflamatórios mediados por prostaglandinas, histamina e CGRP, como
prurido e dor. Nessa fase, pode ocorrer também crescimento da cicatriz. Esse período,
apresentando sinais e sintomas inflamatórios, caracteriza a fase de atividade da cicatriz, sendo
facilmente detectável pelo simples sinal de dígito-pressão positivo (hiperemia ativa)(fig. 6).
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Figura 6 – Cicatriz hipertrófica em atividade, hiperêmica, apresentando sinal de
dígito-pressão positivo (palidez fugaz após dígito-pressão)
Quando ocorre maturação do processo cicatricial, e o aspecto da cicatriz torna-se estável,
com ausência dos sinais e sintomas acima citados, esse período passa a ser considerado como
fase de inatividade da cicatriz (fig. 7). Essa classificação em fases de atividade e inatividade não
guarda relação com a noção de fase aguda ou crônica da cicatriz, uma vez que uma cicatriz
hipertrófica ou quelóide pode apresentar-se em fase de atividade durante meses.
Figura 7 – Cicatriz mista pós-mastoplastia redutora.1- cicatriz hipertrófica
em atividade; 2- cicatriz alargada após regressão de cicatriz hipertrófica; 3cicatriz hipertrófica inativa; 4- cicatriz normotrófica (normal, estética).
7
Quando as cicatrizes hipertróficas entram na fase de inatividade, geralmente sofrem
regressão durante o processo de remodelação do processo cicatricial. Essa regressão, não raro, é
relativamente rápida, a ponto do próprio paciente perceber semanalmente a melhora na qualidade
cicatricial (fig. 8).
Figura 8 – (A) Cicatriz hipertrófica pós-abdominoplastia; (B) início da regressão
gradativa da cicatriz após 8 meses, a partir das extremidades para o centro.
Diagnóstico diferencial clínico / histológico
O principal diagnóstico diferencial da cicatriz hipertrófica é a cicatriz queloideana. Por isso,
a primeira tem sido até denominada de pseudoquelóide.7 O diagnóstico diferencial é importante, à
medida que o tratamento a ser instituído difere entre esses dois tipos de distúrbios cicatriciais. Na
microscopia de luz, a diferenciação histopatológica entre ambas as cicatrizes às vezes torna-se
difícil; sendo necessário o auxílio da microscopia eletrônica de varredura. Na pele normal os feixes
de fibras colágenas dirigem-se, na sua maioria, paralelos à superfície epitelial. Esses feixes estão,
ao acaso, conectados a outros feixes por finas fibrilas de colágeno. Na cicatriz hipertrófica, esses
feixes fibrilares de colágeno estão menos agrupados e arranjados, seguindo um padrão
relativamente ondulado. Na cicatriz queloideana os feixes praticamente não existem, e as fibras
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estão conectadas umas as outras ao acaso, porém formando verdadeiras nodulações de fibras
colágenas.35
Em todas as cicatrizes hipertróficas os feixes normais de fibras colágenas são substituídos
por um colágeno fibrilar, o qual também se orienta paralelamente à superfície epitelial. Observa-se
uma proporção aumentada de colágeno tipo III (colágeno fetal) em relação ao colágeno tipo I
(colágeno adulto). Existe um aumento de vasos sanguíneos dilatados, geralmente orientados
perpendicularmente à superfície cutânea. A epiderme usualmente está mais fina e achatada, sem
assumir o aspecto típico das papilas dérmicas.
Cicatrizes hipertróficas recentes apresentam fibroblastos estelares, mucina e um infiltrado
inflamatório misto predominantemente perivascular. Em cicatrizes mais antigas, já em fase de
inatividade, os fibroblastos apresentam-se mais delgados e alongados. A quantidade de mucina
torna-se mínima e desaparece o infiltrado celular inflamatório. Em qualquer caso, os fibroblastos
alinham-se paralelamente à superfície cutânea.
Não são observadas as unidades glandulares pilosebáceas. As glândulas sudoríparas com
seus ductos aparentemente são mais persistentes, porém nas cicatrizes mais antigas, ambos
tornam-se obliterados. Em técnicas de coloração especiais para fibras elásticas, estas são
ausentes em cicatrizes hipertróficas.3
Clinicamente, a cicatriz hipertrófica respeita a extensão da lesão ou incisão cutânea inicial.
O quelóide, por outro lado, geralmente estende-se espacialmente em relação ao tamanho original
da lesão. Ainda, entre 6 semanas e 6 meses após o fechamento da lesão, a cicatriz hipertrófica
torna-se mais deprimida e diminui suas dimensões, embora algumas cicatrizes possam manter
seu tamanho durante anos. O quelóide geralmente continua se desenvolvendo durante meses
após a lesão inicial, e às vezes por alguns anos, e comumente não apresenta regressão. Outro
diagnóstico diferencial da cicatriz hipertrófica a ser considerado também é o dermatofibroma.3
Conduta e tratamento
o
compressão da cicatriz
Baseia-se no uso de peças de vestuário ou malhas compressivas e elásticas, cuja pressão
de compressão exceda a pressão capilar normal (24 mmHg). Para atingir um melhor resultado, a
compressão deve ser realizada de 18 a 24 horas por dia durante pelo menos 6 meses. As
cicatrizes hipertróficas assim tratadas amadurecem e entram na fase de inatividade mais
precocemente, passando a diminuir sua espessura.28 Deve-se periodicamente re-ajustar a peça
ou malha compressiva, ou até trocá-la se necessário, para manter a pressão recomendada.
o
placas de silicone
O uso tópico de placa de silicone é uma modalidade de tratamento recentemente instituída,
não invasiva e indolor, para cicatrizes hipertróficas e queloideanas. A placa de silicone é
simplesmente colocada sobre a superfície da cicatriz e fixada por meio de fitas adesivas ou
malhas compressivas. O seu uso deve ser de pelo menos 12 horas por dia durante 2 meses,
reduzindo assim o tempo de maturação da cicatriz. O mecanismo de ação ainda não está
completamente esclarecido. Fatores como pressão, redução na disponibilidade de oxigênio,
aumento da temperatura da pele, alteração da voltagem cutânea local pela presença da placa
(fenômeno piezelétrico), e até mesmo a ação química do silicone tem sido temas de debate sobre
o mecanismo de ação dessas placas. Alguns fabricantes impregnam essas placas em óleo
mineral apostando na importância da hidratação da cicatriz hipertrófica.4,22,31
9
o
beta-terapia
A maioria dos estudos8,33 indica um índice de sucesso de 92% quando a irradiação é
aplicada como adjuvante à excisão da lesão. Doses de 150 a 200 cGy de beta-terapia pelo
radioisótopo do estrôncio (90Sr), a partir de 48 horas de pós-operatório, por 5 a 10 sessões, em
dias alternados, tem mostrado uma diminuição no índice de recorrência. A irradiação utilizada no
pré-operatório, de forma preventiva, não demonstrou nenhum benefício. As complicações mais
freqüentes são as discromias, além de teleangiectasias no local. Até o momento, não existem
casos relatados de transformações malignas resultantes da irradiação de cicatrizes hipertróficas
ou quelóides.23
o
farmacoterapia
inibidores da síntese protéica / antiinflamatórios
A utilização precoce de corticosteróide, na fase inflamatória da cicatrização, diminui a
produção dos fibroblastos e a quantidade de vasos sanguíneos, além da ação anti-inflamatória.
Tradicionalmente, a aplicação tópica ou intralesional de corticosteróide tem sido o primeiro
tratamento de eleição para cicatrizes hipertróficas. Quando usadas isoladamente, a injeção com
corticosteróide tem efeito favorável na diminuição efetiva da espessura dessas cicatrizes,
produzindo também um alívio nos sintomas. As complicações mais freqüentes dessas aplicações,
mais intensamente pela via intralesional do que pela via tópica, são a atrofia da derme, as
telangiectasias e alterações locais na pigmentação cutânea.
O corticosteróide mais comumente utilizado para aplicação intralesional é o acetonido de
triancinolona, na dose máxima de 40 mg por sessão. Para injeção intradérmica também pode ser
utilizado o acetato de metilprednisolona, também até 40 mg por sessão. Na aplicação intralesional,
a fim de evitar o desconforto da dor, relativamente intensa pelo alto grau de compactação da
fibrose e maior quantidade de terminações nervosas existente, pode-se previamente anestesiar o
tecido celular subcutâneo adjacente à cicatriz com lidocaína a 2%. As injeções podem ser
administradas a cada 3 semanas e repetidas quando necessárias. Os tecidos fibróticos mais
densos necessitam, freqüentemente, múltiplas injeções.
Deve-se tomar cuidado especial no sentido de evitar que o medicamento seja infiltrado na
pele normal circunjacente à cicatriz, sob o risco de poder causar atrofia cutânea e
despigmentação, que pode durar de 1 a 2 anos.32 Ainda, quando a espessura da cicatriz regredir
ao nível do relevo desejado de normotrofia cicatricial, não há necessidade de prevenir novo
crescimento da cicatriz com outras infiltrações; existe o risco da cicatriz hipertrófica torna-se
atrófica, a qual também é considerada patológica. Cuidados similares, e pelos mesmos motivos,
devem ser tomados em relação à aplicação tópica de corticosteróide, geralmente também o
acetonido de triamcinolona, por longo prazo. Existem no mercado fitas adesivas embebidas com
estes fármacos, na forma de patch, mais especificamente a flurandrenolida. Porém, o uso
contínuo também pode causar uma pigmentação linear ao longo das duas margens da fita, na
pele normal na qual a mesma também possa estar aderida. Em geral, os corticosteróides
fluorados, em aplicação tópica, têm maior tendência de causar pigmentação cutânea.
Além dos corticosteróides, outro fármaco inibidor da síntese de colágeno é a colchicina,
porém tem sido pouco utilizada devido aos seus efeitos tóxicos.18 O 5-fluor-uracil, um antimetabólito que inibe por mecanismo de competição a divisão celular, tem sido usado no controle
da proliferação dos fibroblastos do tecido escleral e subconjuntival.24 Porém, faltam estudos que
comprovem sua eficácia na cicatriz hipertrófica e queloideana. Outros fármacos estão sendo
pesquisados, como inibidores da síntese protéica.
10
Os anti-inflamatórios não hormonais, como os inibidores da ciclo-oxigenase (ácido
acetilsalicílico, ibuprofeno, naproxeno, dentre outros), inibem a produção de prostaglandinas,
mediadores inflamatórios nesses distúrbios cicatriciais hiperproliferativos.
estimuladores de proteases (enzimas proteolíticas)
Uma das estratégias terapêuticas para limitar a cicatriz está baseada na aceleração da
degeneração da matriz. A interleucina-1 (IL-1) estimula a atividade de proteases, principalmente
da colagenase pelos fibroblastos, representando um potente estimulador da remodelação da
matriz e da fibrose.21. Uma forma diferente de tratamento envolve o uso de inibidores de
calmodulina (trifuorperazina) e de proteína C-quinase (Verapamil). Medidas terapêuticas mais
específicas para incrementar a produção da colagenase também estão sob pesquisa.
o
criocirurgia
A criocirurgia tem sido utilizada com sucesso no tratamento da cicatriz hipertrófica. Os
efeitos terapêuticos da criocirurgia estão diretamente relacionados ao dano celular, e ao fato de
que a temperaturas extremamente baixas, ocorre dano vascular e estase sanguínea, levando a
anóxia celular. Durante cada sessão de tratamento, a lesão inteira deve ser submetida a 2 ou 3
ciclos por 30 segundos cada. O processo de cicatrização dura cerca de 1 mês, tempo que o
paciente deverá ser avaliado para outras sessões. A idade da lesão é um fator preditivo para o
sucesso do tratamento. As cicatrizes hiperproliferativas mais recentes, com menos de 12 meses
de duração, respondem melhor a criocirurgia que as mais antigas. A dor da aplicação do
nitrogênio líquido é suportável, principalmente nas lesões maiores. Um certo grau de atrofia e
hipopigmentação são praticamente inevitáveis com esse método terapêutico.37
o
ressecção cirúrgica
Ao contrário das cicatrizes queloideanas, onde o tratamento cirúrgico é a primeira opção de
tratamento, nas cicatrizes hipertróficas, como ocorre uma regressão temporal da lesão na maioria
dos casos, a ressecção cirúrgica constitui-se numa opção de exceção.
Sendo a tração nas margens de uma ferida ou sutura um fator crítico predisponente para a
hipertrofia de uma cicatriz, um dos princípios na correção cirúrgica de cicatrizes hipertróficas é,
além da ressecção do tecido fibroso excedente, a reorientação cirúrgica do eixo longitudinal da
cicatriz o mais paralelo possível das linhas de menor tensão da pele. Para isso, pode-se lançar
mão de princípios básicos da Cirurgia Plástica, como a sutura por planos, a realização de zetaplastia e w-plastia, assim como retalhos cutâneos ou qualquer outro procedimento cirúrgico com a
finalidade de minimizar a tensão na ferida.6,36,38 Ainda, devem ser seguidos os preceitos básicos
de utilizar instrumentos delicados, fios de sutura finos e de boa qualidade, e agulhas de pequeno
diâmetro e atraumáticas para conseguir cicatrizes de melhor qualidade.
Por outro lado, é necessário orientar o paciente com uma cicatriz hipertrófica recente,
ainda em fase de atividade, para que aguarde por um período de tempo, talvez alguns meses,
antes de submeter-se a uma possível ressecção cirúrgica da cicatriz. Com essa finalidade,
existem dois argumentos que geralmente tranqüilizam a ansiedade dos pacientes que se querem
ver livres de uma cicatriz inestética, principalmente após uma operação estética. O primeiro
argumento é que a cicatriz hipertrófica possui tendência à regressão. Assim, a vantagem seria a
possibilidade do paciente ficar, não raramente, satisfeito com a cicatriz final naturalmente
resultante, não precisando se submeter a outra intervenção cirúrgica. Se a operação for
necessária, uma atrofia parcial durante esse período de espera diminuirá o porte cirúrgico da
ressecção. O segundo argumento é que cicatrizes hipertróficas maduras, operadas na fase de
inatividade da lesão, apresentam menor índice de recidiva e complicações. Se durante o período
11
de espera houver sintomas incômodos, como prurido e/ou dor, pode-se utilizar métodos
conservadores coadjuvantes, como a colocação de placas de silicone, ou aplicação de
córticosteróide por via tópica ou intralesional. Nos casos onde não for possível aguardar a
maturação da cicatriz hipertrófica, com o intuito de diminuir a possibilidade de recidiva, pode-se
ressecá-la de forma subtotal, isto é, por meio de incisões intralesionais ou intramarginais, a cerca
de 2 mm por dentro de cada margem, assim como no quelóide.20
o
Laser
O laser é utilizado com relativo sucesso em cicatrizes hipertróficas. Uma melhora clínica de
57 a 83% tem sido observada após 1 ou 2 aplicações de dye laser de 585 nm pulsados.5 A dor
associada com o pulso normal de dye laser é suportável, podendo-se tornar mais dolorosa em
crianças ou quando são usados mais de 100 pulsos em adultos. Após o tratamento, a dor
praticamente não existe, e não há necessidade de nenhum cuidado após a aplicação. Uma suave
discromia é observada até 7 a 10 dias após a aplicação. O uso do dye laser melhora a coloração
da cicatriz, tornando os seus contornos menos perceptíveis, diminuindo o aspecto esbranquiçado
da cicatriz.30
As desvantagens dos pulsos de dye laser são a necessidade de programação, tempo de
tratamento e o custo do tratamento. Os pacientes são agendados para o tratamento a cada 3 ou 4
semanas, durante 4 ou 6 meses. A duração de cada aplicação é de apenas alguns minutos.30
Essa modalidade de tratamento apresenta algumas vantagens para o paciente e para o médico,
como a menor necessidade de revisões cirúrgicas das cicatrizes e de injeções de corticosteróide.
Prognóstico / Prevenção
Contrariamente à crença geral, a qualidade de uma cicatriz não é determinada
principalmente pela técnica de sutura, mas pela forma na qual se produziu a ferida. No momento
do ferimento existe uma série de fatores que influirão sobre o resultado estético, o tratamento e o
prognóstico da cicatriz. Dentre estes, os três mais importantes são, em ordem decrescente, a
região corporal onde se situa a cicatriz, a direção da mesma em relação às linhas de menor
tensão da pele, e o seu comprimento, podendo invadir mais de uma unidade anatômica ou
superfícies flexoras. As cicatrizes nas regiões esternal, deltóide e escapular, perpendiculares às
linhas de menor de tensão da pele, e as que atingem dobras cutâneas flexoras são as que
possuem pior prognóstico, principalmente em pessoas negras.
O tratamento ideal para a cicatriz hipertrófica é a prevenção. O fechamento precoce das
lesões, diminuindo a duração da fase inflamatória diminui a quantidade de fibrose cicatricial, assim
como suturas por planos e de forma precisa, para evitar tensão na linha de sutura.41. Ainda, com a
finalidade de minimizar a tensão na sutura cutânea, pode ser aplicada na mesma uma relativa
imobilização cutânea regional, por meio do entrelaçamento de fitas microporosas adesivas
antialérgicas para curativo (“microporagem”).19 Esses curativos protetores e imobilizadores devem
ser utilizados pelo período mínimo de 30 dias, podendo ser trocados cada 3 ou 4 dias (fig. 9). Para
que os curativos não soltem durante os banhos, a pele deve ser previamente desengordurada
com éter ou álcool etílico, e antes de aderir as fitas adesivas aplica-se uma fina camada de resina
de benjoim. Para conseguir maior imobilização e conseqüente minimização da tração nas
margens de sutura, pode-se utilizar órteses e até goteiras gessadas no pós-operatório por
períodos que variem conforme o caso.
12
Figura 9 – Entrelaçamento de uma cicatriz com fita adesiva
(“microporagem”) para prevenção de cicatriz hipertrófica.
Em casos de intervenção cirúrgica em pacientes com história pregressa de cicatriz
hipertrófica, pode-se realizar uma compressão mecânica e elástica da região da cicatriz,41 e/ou
colocar placas de silicone, embebidas ou não com óleo mineral. As placas devem ser aplicadas 1
semana após o procedimento. Também pode ser útil na prevenção da cicatriz hipertrófica o uso
de terapia de aquecimento por ultra-som e a massagem diária sobre a cicatriz com óleo de rosa
mosqueta.
Apesar dos avançados conhecimentos científicos a respeito dos mecanismos da
cicatrização, e dos modernos equipamentos e instrumentais cirúrgicos disponíveis, os cirurgiões
ainda não possuem controle total sobre a qualidade das cicatrizes obtidas. Portanto, a cicatrização
cutânea ainda continua sendo um desafio para a Medicina, mais enfaticamente para a Cirurgia
Plástica. Porém, empiricamente, a experiência e sensibilidade de cada cirurgião também possuem
um poder preditivo sobre a qualidade de uma cicatriz em determinado paciente. Por isso, nada
mais adequado do que reviver o pensamento hipocrático: “Se um médico, ao visitar seus
pacientes, for capaz de dizer-lhes não somente os sintomas passados e presentes, mas também
o que vai suceder-lhes no futuro [...] aumentará sua reputação como médico e as pessoas não
terão escrúpulos em se colocarem sob seu cuidado”.– Hipócrates.
Referências
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