1 Artigo de Revisão DISFUNÇÕES CICATRICIAIS HIPERPROLIFERATIVAS: CICATRIZ HIPERTRÓFICA Bernardo Hochman1 Carlos Koji Ishizuka2 Lydia Masako Ferreira3 Leonardo Quicoli Rosa de Oliveira4 Rafael Fagionato Locali5 1. Mestre em Cirurgia Plástica pelo Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica Reparadora da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). Aluno de Pós-Graduação em nível Doutorado do Programa de PósGraduação em Cirurgia Plástica Reparadora da UNIFESP-EPM. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. 2. Médico Residente da Disciplina de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia da UNIFESP-EPM. 3. Professora Titular e Chefe da Disciplina de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia da UNIFESP-EPM. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica Reparadora da UNIFESP-EPM. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. 4. Aluno do 2º ano do Curso de Graduação em Medicina da UNIFESP-EPM. 5. Aluno do 2º ano do Curso de Graduação em Medicina da UNIFESP-EPM. Introdução A cicatriz hipertrófica é definida como uma lesão elevada, que não ultrapassa os limites da ferida inicial, ou seja, respeita a extensão original da lesão, e apresentam tendência à regressão.1 É uma resposta exacerbada do tecido conjuntivo cutâneo a ferimentos, intervenções cirúrgicas, queimaduras ou quadros inflamatórios. Mesmo a pele sendo um órgão complexo derivado de duas camadas germinativas (ectoderma e mesoderma), recupera-se de um ferimento mediante a formação de uma cicatriz formada por tecido predominantemente fibroso. Se a ferida seciona ou destrói a camada papilar da derme se produzirá uma cicatriz permanente propriamente dita. Essa cicatriz poderá ser em alguns casos clinicamente quase inaparente, porém em outros poderá ocorrer uma hipertrofia cicatricial, que poderá repercutir de uma cicatriz apenas hipertrófica até cicatrizes com aspecto desfigurável, como no caso do quelóide. O tema da qualidade cicatricial é comumente abordado de forma apenas superficial nos textos gerais de técnica cirúrgica. Porém, para o cirurgião uma cicatriz poderá ser apenas o único indício, similar a uma “marca registrada” de uma operação por ele realizada. E, como citou FitzGibbon em 1968, em relação aos mandamentos de Gillies, “sereis julgados por vossas cicatrizes”.(7) A incidência de cicatriz hipertrófica, assim como de quelóide, é maior em pessoas não brancas (negros, pardos, asiáticos e europeus da região mediterrânea). Entre indivíduos brancos, a cicatriz hipertrófica é menos freqüente nos loiros em relação aos morenos. No Brasil, devido a grande miscigenação étnica, há uma dificuldade em estimar a prevalência de cicatrizes hipertróficas e queloideanas. A freqüência de cicatriz hipertrófica é, provavelmente, maior que de quelóide, mas ainda não há estudos estatísticos mais detalhados.35 A cicatriz hipertrófica pode 2 ocorrer em qualquer faixa etária, mas tende a se desenvolver mais freqüentemente na puberdade, sendo mais rara em pessoas acima dos 60 anos de idade. Não é relatada maior prevalência em relação ao sexo.7 Etiopatogenia / Fisiopatologia A cicatriz hipertrófica é causada por uma produção aumentada de todos os componentes da matriz extracelular, principalmente do colágeno, incluindo também as proteoglicanas.27 Esses achados sugerem que os mecanismos de controle reguladores das etapas de formação e proliferação da matriz estão preservados, porém exacerbados. Indivíduos jovens possuem uma pele que apresenta um maior turgor e tensão intrínseca, quando comparada com a pele mais flácida e inelástica dos idosos.15 Mesmo assim, a taxa de síntese de colágeno também pode estar aumentada nessa faixa etária.3 Geralmente, essas lesões ocorrem na superfície do corpo que ficam sujeitas a uma maior tensão dinâmica da pele sobre ferimentos ou incisões cirúrgicas, ou seja, que não estão a favor das linhas de menor tensão da pele (fig 1). Todavia, independente da orientação de uma incisão ou ferimento cutâneo, a tensão na sutura da pele ou na superfície da lesão tem sido implicada como o fator crítico predisponente na formação da cicatriz hipertrófica, assim como no quelóide.39,40 Figura 1 – Cicatriz hipertrófica quase perpendicular às linhas de menor tensão da pele (deveriam estar no sentido do sulco nasolabial - “bigode chinês”) Outros fatores predisponentes decorrem por suturas por técnica inadequada, presença de hematomas ou corpos estranhos sob a sutura, lacerações ou abrasões cutâneas mais profundas e/ou extensas, queimaduras ou suturas cutâneas infectadas. A cicatriz hipertrófica pode ainda desenvolver-se a partir de feridas cutâneas provocadas por acne, vacinações, picadas de insetos, uso de brincos, tatuagens ou outros processos inflamatórios da pele.2,12 A hipertrofia da cicatriz também ocorre mais freqüentemente em lesões onde o fechamento cutâneo se dá por segunda intenção, principalmente se o processo de restauração do tegumento tiver uma duração maior que 3 semanas.16 Em relação à taxa de síntese de colágeno, a atividade da enzima prolina-hidroxilase está significantemente aumentada na cicatriz hipertrófica e no quelóide em relação à pele normal, aproximadamente 3 e 20 vezes, respectivamente.9 Contudo, a atividade da colagenase, 3 relacionada à taxa de lise e remodelação do colágeno, também está aumentada na cicatriz hipertrófica e no quelóide em relação à pele normal, em cerca de 4 e 14 vezes, respectivamente.14,29 Apesar da cicatriz hipertrófica ser também considerada como uma manifestação fenotípica de menor intensidade da cicatriz queloideana, apresenta em seu tecido imunoglobulinas IgG, IgA e IgM em menores teores que nesta última. 10 Em relação ao metabolismo das cicatrizes, alguns estudos indicam que a hipóxia pode contribuir para a formação dessas cicatrizes patológicas.25 Níveis elevados de lactato podem ser mediadores entre a hipóxia tecidual e o aumento da síntese de colágeno, uma vez que essa substância demonstrou aumentar a síntese de colágeno em culturas de fibroblastos.13,26 Alguns fatores de crescimento estão envolvidos na contração cicatricial. O Transforming Growth Factor-beta (TGF-β) e o Platelet Derived Growth Factor (PDGF) são moduladores da contração nos fibroblastos da pele normal. O TGF-β promove uma quimiotaxia dos fibroblastos para o local da inflamação, para produzir proteínas da matriz extracelular. Em situações de normalidade cicatricial, a atividade do TGF-β retorna a níveis basais quando a cicatrização está completa. Na cicatriz hipertrófica existe um aumento nos níveis de secreção do TGF-β.42 Fatores neurogênicos também estão presentes na cicatriz hipertrófica. A mesma é freqüentemente caracterizada por sintoma de dor, ao contrário da cicatriz normotrófica, que é caracterizada por uma redução na sensibilidade. Esse fenômeno deve-se ao fato das cicatrizes hipertróficas possuírem maior densidade de filetes nervosos que as cicatrizes normais.34,43 Ainda, a presença de calcitonin gene-relates peptide (CGRP) na base da epiderme, neuropeptídeo liberado por terminações nervosas sensoriais nociceptivas, somente observada nas cicatrizes hipertróficas, caracterizaria nessas cicatrizes também um processo inflamatório neurogênico, além do componente inflamatório vascular.34 Quadro clínico A cicatriz hipertrófica geralmente se desenvolve a partir de 6 a 8 semanas após o término da epitelização, mas podem se desenvolver logo após a lesão tecidual. Apesar disso, as cicatrizes podem atingir um tamanho considerável, causando alargamento importante das margens da cicatriz, assim como um aumento do seu relevo em relação à pele adjacente. Clinicamente, a superfície epitelial da cicatriz hipertrófica apresenta-se lisa, brilhante e, por vezes, telangiectásica, não se observando pêlos ou secreção sebácea ou sudorípara (fig. 2). Figura 2 – (A )Cicatriz hipertrófica hipercrômica em perna; (B) cicatriz hipertrófica avermelhada (hiperêmica) em mama pósmastoplastia redutora . 4 A região esternal, as regiões deltóideas, a região cervical anterior e as superfícies flexoras dos membros e da região cervical são os locais mais freqüentemente acometidos por cicatrizes hiperproliferativas (fig. 3).11 A palma das mãos e a planta dos pés são raramente acometidas. Figura 3 – (A) Cicatriz hipertrófica pré-esternal pós-cirurgia cardíaca; (B) cervical; (C) superfície extensora do joelho. É freqüente o encontro de cicatrizes hipertróficas mistas, ou seja, a parte do trajeto da cicatriz sob maior tensão torna-se hipertrófica, enquanto que a parte do trajeto da mesma sob menor tensão torna-se normotrófica (fig. 4). Figura 4 - Cicatriz hipertrófica mista por estar em fase de regressão, que se inicia pelas extremidades (onde já apresenta-se com melhor qualidade cicatricial (seta mais fina), sendo que a parte central tende a melhorar posteriormente (seta mais larga). 5 Observa-se que as cicatrizes hipertróficas oriundas de queimaduras profundas e/ou extensas, podem desenvolver-se em pessoas que nunca apresentaram tendência a esse tipo de cicatrização. Este fato é devido, provavelmente, ao aumento em todas as direções da tensão cutânea na região queimada, e pela perda do tecido por ação do calor (fig. 5). Ainda, a detecção em pacientes queimados de níveis séricos de alfa-globulinas aumentados até 60 dias após a queimadura, parece favorecer a hipertrofia dessas cicatrizes, por inibição da colagenase.19 Figura 5 – Cicatriz hipertrófica por queimadura abrangendo o ombro e região axilar, acarretando em restrição funcional do membro superior. A cicatriz hipertrófica e o quelóide apresentam uma densidade aumentada de vasos sanguíneos, quando comparados à cicatriz normotrófica e pele normal.17 Com isso, além de poderem apresentar um aspecto hiperêmico nas fases iniciais, essas cicatrizes podem apresentar sintomas de natureza vascular como eritema. Acresce, ainda, as manifestações decorrentes da presença de mecanismos inflamatórios mediados por prostaglandinas, histamina e CGRP, como prurido e dor. Nessa fase, pode ocorrer também crescimento da cicatriz. Esse período, apresentando sinais e sintomas inflamatórios, caracteriza a fase de atividade da cicatriz, sendo facilmente detectável pelo simples sinal de dígito-pressão positivo (hiperemia ativa)(fig. 6). 6 Figura 6 – Cicatriz hipertrófica em atividade, hiperêmica, apresentando sinal de dígito-pressão positivo (palidez fugaz após dígito-pressão) Quando ocorre maturação do processo cicatricial, e o aspecto da cicatriz torna-se estável, com ausência dos sinais e sintomas acima citados, esse período passa a ser considerado como fase de inatividade da cicatriz (fig. 7). Essa classificação em fases de atividade e inatividade não guarda relação com a noção de fase aguda ou crônica da cicatriz, uma vez que uma cicatriz hipertrófica ou quelóide pode apresentar-se em fase de atividade durante meses. Figura 7 – Cicatriz mista pós-mastoplastia redutora.1- cicatriz hipertrófica em atividade; 2- cicatriz alargada após regressão de cicatriz hipertrófica; 3cicatriz hipertrófica inativa; 4- cicatriz normotrófica (normal, estética). 7 Quando as cicatrizes hipertróficas entram na fase de inatividade, geralmente sofrem regressão durante o processo de remodelação do processo cicatricial. Essa regressão, não raro, é relativamente rápida, a ponto do próprio paciente perceber semanalmente a melhora na qualidade cicatricial (fig. 8). Figura 8 – (A) Cicatriz hipertrófica pós-abdominoplastia; (B) início da regressão gradativa da cicatriz após 8 meses, a partir das extremidades para o centro. Diagnóstico diferencial clínico / histológico O principal diagnóstico diferencial da cicatriz hipertrófica é a cicatriz queloideana. Por isso, a primeira tem sido até denominada de pseudoquelóide.7 O diagnóstico diferencial é importante, à medida que o tratamento a ser instituído difere entre esses dois tipos de distúrbios cicatriciais. Na microscopia de luz, a diferenciação histopatológica entre ambas as cicatrizes às vezes torna-se difícil; sendo necessário o auxílio da microscopia eletrônica de varredura. Na pele normal os feixes de fibras colágenas dirigem-se, na sua maioria, paralelos à superfície epitelial. Esses feixes estão, ao acaso, conectados a outros feixes por finas fibrilas de colágeno. Na cicatriz hipertrófica, esses feixes fibrilares de colágeno estão menos agrupados e arranjados, seguindo um padrão relativamente ondulado. Na cicatriz queloideana os feixes praticamente não existem, e as fibras 8 estão conectadas umas as outras ao acaso, porém formando verdadeiras nodulações de fibras colágenas.35 Em todas as cicatrizes hipertróficas os feixes normais de fibras colágenas são substituídos por um colágeno fibrilar, o qual também se orienta paralelamente à superfície epitelial. Observa-se uma proporção aumentada de colágeno tipo III (colágeno fetal) em relação ao colágeno tipo I (colágeno adulto). Existe um aumento de vasos sanguíneos dilatados, geralmente orientados perpendicularmente à superfície cutânea. A epiderme usualmente está mais fina e achatada, sem assumir o aspecto típico das papilas dérmicas. Cicatrizes hipertróficas recentes apresentam fibroblastos estelares, mucina e um infiltrado inflamatório misto predominantemente perivascular. Em cicatrizes mais antigas, já em fase de inatividade, os fibroblastos apresentam-se mais delgados e alongados. A quantidade de mucina torna-se mínima e desaparece o infiltrado celular inflamatório. Em qualquer caso, os fibroblastos alinham-se paralelamente à superfície cutânea. Não são observadas as unidades glandulares pilosebáceas. As glândulas sudoríparas com seus ductos aparentemente são mais persistentes, porém nas cicatrizes mais antigas, ambos tornam-se obliterados. Em técnicas de coloração especiais para fibras elásticas, estas são ausentes em cicatrizes hipertróficas.3 Clinicamente, a cicatriz hipertrófica respeita a extensão da lesão ou incisão cutânea inicial. O quelóide, por outro lado, geralmente estende-se espacialmente em relação ao tamanho original da lesão. Ainda, entre 6 semanas e 6 meses após o fechamento da lesão, a cicatriz hipertrófica torna-se mais deprimida e diminui suas dimensões, embora algumas cicatrizes possam manter seu tamanho durante anos. O quelóide geralmente continua se desenvolvendo durante meses após a lesão inicial, e às vezes por alguns anos, e comumente não apresenta regressão. Outro diagnóstico diferencial da cicatriz hipertrófica a ser considerado também é o dermatofibroma.3 Conduta e tratamento o compressão da cicatriz Baseia-se no uso de peças de vestuário ou malhas compressivas e elásticas, cuja pressão de compressão exceda a pressão capilar normal (24 mmHg). Para atingir um melhor resultado, a compressão deve ser realizada de 18 a 24 horas por dia durante pelo menos 6 meses. As cicatrizes hipertróficas assim tratadas amadurecem e entram na fase de inatividade mais precocemente, passando a diminuir sua espessura.28 Deve-se periodicamente re-ajustar a peça ou malha compressiva, ou até trocá-la se necessário, para manter a pressão recomendada. o placas de silicone O uso tópico de placa de silicone é uma modalidade de tratamento recentemente instituída, não invasiva e indolor, para cicatrizes hipertróficas e queloideanas. A placa de silicone é simplesmente colocada sobre a superfície da cicatriz e fixada por meio de fitas adesivas ou malhas compressivas. O seu uso deve ser de pelo menos 12 horas por dia durante 2 meses, reduzindo assim o tempo de maturação da cicatriz. O mecanismo de ação ainda não está completamente esclarecido. Fatores como pressão, redução na disponibilidade de oxigênio, aumento da temperatura da pele, alteração da voltagem cutânea local pela presença da placa (fenômeno piezelétrico), e até mesmo a ação química do silicone tem sido temas de debate sobre o mecanismo de ação dessas placas. Alguns fabricantes impregnam essas placas em óleo mineral apostando na importância da hidratação da cicatriz hipertrófica.4,22,31 9 o beta-terapia A maioria dos estudos8,33 indica um índice de sucesso de 92% quando a irradiação é aplicada como adjuvante à excisão da lesão. Doses de 150 a 200 cGy de beta-terapia pelo radioisótopo do estrôncio (90Sr), a partir de 48 horas de pós-operatório, por 5 a 10 sessões, em dias alternados, tem mostrado uma diminuição no índice de recorrência. A irradiação utilizada no pré-operatório, de forma preventiva, não demonstrou nenhum benefício. As complicações mais freqüentes são as discromias, além de teleangiectasias no local. Até o momento, não existem casos relatados de transformações malignas resultantes da irradiação de cicatrizes hipertróficas ou quelóides.23 o farmacoterapia inibidores da síntese protéica / antiinflamatórios A utilização precoce de corticosteróide, na fase inflamatória da cicatrização, diminui a produção dos fibroblastos e a quantidade de vasos sanguíneos, além da ação anti-inflamatória. Tradicionalmente, a aplicação tópica ou intralesional de corticosteróide tem sido o primeiro tratamento de eleição para cicatrizes hipertróficas. Quando usadas isoladamente, a injeção com corticosteróide tem efeito favorável na diminuição efetiva da espessura dessas cicatrizes, produzindo também um alívio nos sintomas. As complicações mais freqüentes dessas aplicações, mais intensamente pela via intralesional do que pela via tópica, são a atrofia da derme, as telangiectasias e alterações locais na pigmentação cutânea. O corticosteróide mais comumente utilizado para aplicação intralesional é o acetonido de triancinolona, na dose máxima de 40 mg por sessão. Para injeção intradérmica também pode ser utilizado o acetato de metilprednisolona, também até 40 mg por sessão. Na aplicação intralesional, a fim de evitar o desconforto da dor, relativamente intensa pelo alto grau de compactação da fibrose e maior quantidade de terminações nervosas existente, pode-se previamente anestesiar o tecido celular subcutâneo adjacente à cicatriz com lidocaína a 2%. As injeções podem ser administradas a cada 3 semanas e repetidas quando necessárias. Os tecidos fibróticos mais densos necessitam, freqüentemente, múltiplas injeções. Deve-se tomar cuidado especial no sentido de evitar que o medicamento seja infiltrado na pele normal circunjacente à cicatriz, sob o risco de poder causar atrofia cutânea e despigmentação, que pode durar de 1 a 2 anos.32 Ainda, quando a espessura da cicatriz regredir ao nível do relevo desejado de normotrofia cicatricial, não há necessidade de prevenir novo crescimento da cicatriz com outras infiltrações; existe o risco da cicatriz hipertrófica torna-se atrófica, a qual também é considerada patológica. Cuidados similares, e pelos mesmos motivos, devem ser tomados em relação à aplicação tópica de corticosteróide, geralmente também o acetonido de triamcinolona, por longo prazo. Existem no mercado fitas adesivas embebidas com estes fármacos, na forma de patch, mais especificamente a flurandrenolida. Porém, o uso contínuo também pode causar uma pigmentação linear ao longo das duas margens da fita, na pele normal na qual a mesma também possa estar aderida. Em geral, os corticosteróides fluorados, em aplicação tópica, têm maior tendência de causar pigmentação cutânea. Além dos corticosteróides, outro fármaco inibidor da síntese de colágeno é a colchicina, porém tem sido pouco utilizada devido aos seus efeitos tóxicos.18 O 5-fluor-uracil, um antimetabólito que inibe por mecanismo de competição a divisão celular, tem sido usado no controle da proliferação dos fibroblastos do tecido escleral e subconjuntival.24 Porém, faltam estudos que comprovem sua eficácia na cicatriz hipertrófica e queloideana. Outros fármacos estão sendo pesquisados, como inibidores da síntese protéica. 10 Os anti-inflamatórios não hormonais, como os inibidores da ciclo-oxigenase (ácido acetilsalicílico, ibuprofeno, naproxeno, dentre outros), inibem a produção de prostaglandinas, mediadores inflamatórios nesses distúrbios cicatriciais hiperproliferativos. estimuladores de proteases (enzimas proteolíticas) Uma das estratégias terapêuticas para limitar a cicatriz está baseada na aceleração da degeneração da matriz. A interleucina-1 (IL-1) estimula a atividade de proteases, principalmente da colagenase pelos fibroblastos, representando um potente estimulador da remodelação da matriz e da fibrose.21. Uma forma diferente de tratamento envolve o uso de inibidores de calmodulina (trifuorperazina) e de proteína C-quinase (Verapamil). Medidas terapêuticas mais específicas para incrementar a produção da colagenase também estão sob pesquisa. o criocirurgia A criocirurgia tem sido utilizada com sucesso no tratamento da cicatriz hipertrófica. Os efeitos terapêuticos da criocirurgia estão diretamente relacionados ao dano celular, e ao fato de que a temperaturas extremamente baixas, ocorre dano vascular e estase sanguínea, levando a anóxia celular. Durante cada sessão de tratamento, a lesão inteira deve ser submetida a 2 ou 3 ciclos por 30 segundos cada. O processo de cicatrização dura cerca de 1 mês, tempo que o paciente deverá ser avaliado para outras sessões. A idade da lesão é um fator preditivo para o sucesso do tratamento. As cicatrizes hiperproliferativas mais recentes, com menos de 12 meses de duração, respondem melhor a criocirurgia que as mais antigas. A dor da aplicação do nitrogênio líquido é suportável, principalmente nas lesões maiores. Um certo grau de atrofia e hipopigmentação são praticamente inevitáveis com esse método terapêutico.37 o ressecção cirúrgica Ao contrário das cicatrizes queloideanas, onde o tratamento cirúrgico é a primeira opção de tratamento, nas cicatrizes hipertróficas, como ocorre uma regressão temporal da lesão na maioria dos casos, a ressecção cirúrgica constitui-se numa opção de exceção. Sendo a tração nas margens de uma ferida ou sutura um fator crítico predisponente para a hipertrofia de uma cicatriz, um dos princípios na correção cirúrgica de cicatrizes hipertróficas é, além da ressecção do tecido fibroso excedente, a reorientação cirúrgica do eixo longitudinal da cicatriz o mais paralelo possível das linhas de menor tensão da pele. Para isso, pode-se lançar mão de princípios básicos da Cirurgia Plástica, como a sutura por planos, a realização de zetaplastia e w-plastia, assim como retalhos cutâneos ou qualquer outro procedimento cirúrgico com a finalidade de minimizar a tensão na ferida.6,36,38 Ainda, devem ser seguidos os preceitos básicos de utilizar instrumentos delicados, fios de sutura finos e de boa qualidade, e agulhas de pequeno diâmetro e atraumáticas para conseguir cicatrizes de melhor qualidade. Por outro lado, é necessário orientar o paciente com uma cicatriz hipertrófica recente, ainda em fase de atividade, para que aguarde por um período de tempo, talvez alguns meses, antes de submeter-se a uma possível ressecção cirúrgica da cicatriz. Com essa finalidade, existem dois argumentos que geralmente tranqüilizam a ansiedade dos pacientes que se querem ver livres de uma cicatriz inestética, principalmente após uma operação estética. O primeiro argumento é que a cicatriz hipertrófica possui tendência à regressão. Assim, a vantagem seria a possibilidade do paciente ficar, não raramente, satisfeito com a cicatriz final naturalmente resultante, não precisando se submeter a outra intervenção cirúrgica. Se a operação for necessária, uma atrofia parcial durante esse período de espera diminuirá o porte cirúrgico da ressecção. O segundo argumento é que cicatrizes hipertróficas maduras, operadas na fase de inatividade da lesão, apresentam menor índice de recidiva e complicações. Se durante o período 11 de espera houver sintomas incômodos, como prurido e/ou dor, pode-se utilizar métodos conservadores coadjuvantes, como a colocação de placas de silicone, ou aplicação de córticosteróide por via tópica ou intralesional. Nos casos onde não for possível aguardar a maturação da cicatriz hipertrófica, com o intuito de diminuir a possibilidade de recidiva, pode-se ressecá-la de forma subtotal, isto é, por meio de incisões intralesionais ou intramarginais, a cerca de 2 mm por dentro de cada margem, assim como no quelóide.20 o Laser O laser é utilizado com relativo sucesso em cicatrizes hipertróficas. Uma melhora clínica de 57 a 83% tem sido observada após 1 ou 2 aplicações de dye laser de 585 nm pulsados.5 A dor associada com o pulso normal de dye laser é suportável, podendo-se tornar mais dolorosa em crianças ou quando são usados mais de 100 pulsos em adultos. Após o tratamento, a dor praticamente não existe, e não há necessidade de nenhum cuidado após a aplicação. Uma suave discromia é observada até 7 a 10 dias após a aplicação. O uso do dye laser melhora a coloração da cicatriz, tornando os seus contornos menos perceptíveis, diminuindo o aspecto esbranquiçado da cicatriz.30 As desvantagens dos pulsos de dye laser são a necessidade de programação, tempo de tratamento e o custo do tratamento. Os pacientes são agendados para o tratamento a cada 3 ou 4 semanas, durante 4 ou 6 meses. A duração de cada aplicação é de apenas alguns minutos.30 Essa modalidade de tratamento apresenta algumas vantagens para o paciente e para o médico, como a menor necessidade de revisões cirúrgicas das cicatrizes e de injeções de corticosteróide. Prognóstico / Prevenção Contrariamente à crença geral, a qualidade de uma cicatriz não é determinada principalmente pela técnica de sutura, mas pela forma na qual se produziu a ferida. No momento do ferimento existe uma série de fatores que influirão sobre o resultado estético, o tratamento e o prognóstico da cicatriz. Dentre estes, os três mais importantes são, em ordem decrescente, a região corporal onde se situa a cicatriz, a direção da mesma em relação às linhas de menor tensão da pele, e o seu comprimento, podendo invadir mais de uma unidade anatômica ou superfícies flexoras. As cicatrizes nas regiões esternal, deltóide e escapular, perpendiculares às linhas de menor de tensão da pele, e as que atingem dobras cutâneas flexoras são as que possuem pior prognóstico, principalmente em pessoas negras. O tratamento ideal para a cicatriz hipertrófica é a prevenção. O fechamento precoce das lesões, diminuindo a duração da fase inflamatória diminui a quantidade de fibrose cicatricial, assim como suturas por planos e de forma precisa, para evitar tensão na linha de sutura.41. Ainda, com a finalidade de minimizar a tensão na sutura cutânea, pode ser aplicada na mesma uma relativa imobilização cutânea regional, por meio do entrelaçamento de fitas microporosas adesivas antialérgicas para curativo (“microporagem”).19 Esses curativos protetores e imobilizadores devem ser utilizados pelo período mínimo de 30 dias, podendo ser trocados cada 3 ou 4 dias (fig. 9). Para que os curativos não soltem durante os banhos, a pele deve ser previamente desengordurada com éter ou álcool etílico, e antes de aderir as fitas adesivas aplica-se uma fina camada de resina de benjoim. Para conseguir maior imobilização e conseqüente minimização da tração nas margens de sutura, pode-se utilizar órteses e até goteiras gessadas no pós-operatório por períodos que variem conforme o caso. 12 Figura 9 – Entrelaçamento de uma cicatriz com fita adesiva (“microporagem”) para prevenção de cicatriz hipertrófica. Em casos de intervenção cirúrgica em pacientes com história pregressa de cicatriz hipertrófica, pode-se realizar uma compressão mecânica e elástica da região da cicatriz,41 e/ou colocar placas de silicone, embebidas ou não com óleo mineral. As placas devem ser aplicadas 1 semana após o procedimento. Também pode ser útil na prevenção da cicatriz hipertrófica o uso de terapia de aquecimento por ultra-som e a massagem diária sobre a cicatriz com óleo de rosa mosqueta. Apesar dos avançados conhecimentos científicos a respeito dos mecanismos da cicatrização, e dos modernos equipamentos e instrumentais cirúrgicos disponíveis, os cirurgiões ainda não possuem controle total sobre a qualidade das cicatrizes obtidas. Portanto, a cicatrização cutânea ainda continua sendo um desafio para a Medicina, mais enfaticamente para a Cirurgia Plástica. Porém, empiricamente, a experiência e sensibilidade de cada cirurgião também possuem um poder preditivo sobre a qualidade de uma cicatriz em determinado paciente. Por isso, nada mais adequado do que reviver o pensamento hipocrático: “Se um médico, ao visitar seus pacientes, for capaz de dizer-lhes não somente os sintomas passados e presentes, mas também o que vai suceder-lhes no futuro [...] aumentará sua reputação como médico e as pessoas não terão escrúpulos em se colocarem sob seu cuidado”.– Hipócrates. Referências 1. Abla LEF, Ishizuka MMA: Cicatriz hipertrófica e queloideana. In: Manual de Cirurgia Plástica / Lydia Masako Ferreira. 1a ed. São Paulo, Brasil: Editora Atheneu; 1995. p.11-2. 2. Abrams BJ, Benetto AV, Huneniuk HM: Exuberant keloidal formation. J AOAC Int, 93:863-5, 1993. 3. Ackerman B, Chongchitnant N, Sanchez J, Guo Y, Bennin B, Reichel M, Randall MB. Fibrosing dermatitis. 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