Agência de Notícias Brasil-Árabe - SP 27/04/2015 - 07:00 Tunísia: história em construção Definido por seus habitantes como local de encontro de civilizações desde a antiguidade, país trilha caminho para a democracia inédito na região, mas não está livre de ameaças. Alexandre Rocha, enviado especial* Túnis – A Tunísia se define como um local de encontro de civilizações. E de fato é. Desde a antiguidade, o país foi habitado, ocupado e colonizado por povos de diferentes origens e religiões. Primeiro pelos nativos berberes, que até hoje vivem no Norte da África; depois pelos fenícios, originários do atual Líbano, que fundaram Cartago, potencia comercial e militar que rivalizou com a Roma republicana pelo controle do Mediterrâneo; pelos próprios romanos, que dominaram o território após as Guerras Púnicas; pelos Vândalos, Bizantinos, árabes, otomanos e, por fim, pelos franceses, até a independência em 1956. Já no século 20, a Tunísia foi palco de batalhas entre os aliados e as potencias do eixo comandadas pelo marechal Rommel na 2ª Guerra Mundial. Túnis abriga cemitérios de soldados alemães, italianos e o único cemitério de soldados norte-americanos do continente africano. Outras migrações também ocorreram. Judeus se estabeleceram na região após a queda do primeiro templo de Jerusalém e, segundo dizem, usaram duas pedras do edifício mítico na construção da sinagoga de Djerba, uma das mais antigas do mundo ainda em uso. Russos ortodoxos se exilaram no país depois da revolução bolchevique de 1917 e seus descendentes ainda mantém uma comunidade. As marcadas deixadas por todas estas civilizações estão lá para ser vistas hoje. Parte do interesse de diferentes povos na região se explica pela posição geográfica do país, no extremo Alexandre Rocha/ANBA Medina de Túnis, marco da ocupação árabe Norte da África, apenas a 135 quilômetros da costa da Sicília; pelo seu estabelecimento como polo de comércio desde tempos remotos e por sua tradição agrícola também milenar. A Tunísia está na ponta de lança das transformações que sacodem o mundo árabe desde a Primavera Árabe, em 2011. Sua população foi a primeira da região a se levantar contra um regime autoritário naquele ano. O regime do presidente Zine El Abdine Ben Ali, então há mais de 20 anos no poder, foi o primeiro a cair, e o país é o único do Oriente Médio e Norte da África que desde então conseguiu se manter num processo de transição democrática, promulgando uma nova constituição e elegendo os membros do parlamento e o presidente pelo voto direto. Isso não significa que a Tunísia esteja imune às tensões sectárias que atingem outros países da região, como deixou claro o atentado terrorista ao Museu do Bardo, em Túnis, no dia 18 de março, que deixou um trágico saldo de 21 mortos. O ataque lembrou ao país e ao mundo que a estabilidade e a democracia ainda estão sob risco (leia mais sobre sítios históricos, o Museu do Bardo e a gastronomia local nas seções Turismo e Oriente-se ou nos links abaixo). Economia Alexandre Rocha/ANBA Primeiro-ministro Habib Essid: governo eleito pelo povo O atentado atingiu a Tunísia em uma de suas principais atividades econômicas, o turismo, que vinha se recuperando desde o levante popular em 2011, após ter batido todos os recordes em 2010. O governo se apressou em lançar uma campanha e pedir a ajuda de parceiros internacionais para promover o destino, às vésperas do início da temporada de verão, numa tentativa de minimizar os danos causados à imagem do país. Os dados mais recentes do Ministério do Turismo mostram que o número de visitantes estrangeiros ficou em 911 mil de janeiro a 10 de abril, 18% a menos do que no mesmo período de 2014. Alexandre Rocha/ANBA A redução do número de turistas é especialmente preocupante num momento em que a retomada do desenvolvimento econômico é um dos principais desafios nacionais. A taxa de desemprego está em cerca de 15%, então é grande a preocupação com a geração de postos de trabalho, especialmente entre os jovens. O país tem também necessidade de financiamento externo e o turismo é um dos principais geradores de divisas. O governo tem recorrido a acordos com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ministério das Finanças: necessidade de atração de divisas Na Tunísia, a economia precisa ser capaz de criar perspectivas para uma parcela da população que é jovem e pobre. A falta de perspectivas torna pessoas com este perfil presa fácil para movimentos radicais. Em Túnis, falase abertamente que o país se tornou exportador de combatentes para conflitos sectários em outras nações da região. Editorial da revista tunisiana Leaders deste mês diz, por exemplo: “Todo um mundo subterrâneo se agita sob nossos pés, suborna nossas crianças e as vira ferozmente contra a pátria, seu modelo de sociedade, seus valores comuns, sua liberdade e sua democracia nascente”. O alvo do aliciamento, de acordo com a publicação, é a “uma juventude entregue à ignorância, à precariedade e à ociosidade, ávida por um heroísmo mítico”. Liberdade Há, porém, otimismo. A transição democrática, embora ainda não tenha trazido a prosperidade desejada, provocou uma transformação quase que imediata: a liberdade de expressão. Comerciantes, taxistas, guias de turismo, funcionários do governo e empresários falam sem inibição sobre qualquer assunto: política, economia, terrorismo e religião. Falam para os visitantes e uns na frente dos outros, aparentemente sem receio de patrulhamento. Alexandre Rocha/ANBA Kaïs Habib, ao centro de camiseta preta, mostra sítio histórico para visitantes “Há alguns anos não estaríamos tendo esta conversa”, exemplificou o guia de turismo Kaïs El Habib, após falar de suas impressões sobre a economia e a política nacional durante um almoço com tunisianos e estrangeiros. Na época de Ben Ali, o medo de estar sendo ouvido por alcaguetes e de sofrer perseguição inibia tais manifestações. *O jornalista viajou a convite do governo tunisiano http://www.anba.com.br/ www.inovsi.com.br