Nem a morte iguala as diferenças que a gente inventa

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Nem a morte iguala as diferenças que a gente inventa
Miren Maite Uribe Arregi11
Em 2016, 250 mil crianças serão diagnosticadas com câncer no mundo. Segundo Lima Barreto, “Não
é só a morte que iguala a gente. O crime, a doença e a loucura também acabam com as diferenças
que a gente inventa.” Na realidade, nem a morte iguala as diferenças que a gente inventa. Em países
desenvolvidos, após cinco anos de doença, 80% das crianças com câncer estão vivas. Em países com
menos recursos, somente 40% estarão vivas.
Um dos papéis mais importantes do monitoramento ou vigilância epidemiológica é identificar os
problemas que levam a essas diferenças, quanto à chance de sobrevida. Algumas, certamente, dependem das condições de vida da criança e outras estarão relacionadas com o sistema de atenção
à saúde.
O sistema de vigilância, através da coleta sistemática de dados sobre fatores de risco, incidência,
mortalidade e o cuidado do câncer para cada criança diagnosticada com neoplasia, deveria permitir
a análise de um vasto leque de questões que causam impactos sobre o acesso, qualidade e equidade na atenção à saúde; e, no final, sobre os desfechos a um longo prazo. Este sistema é fundamental para entender a etiologia e epidemiologia das neoplasias e, ademais, ajuda a identificar os
sobreviventes com risco maior de desfechos adversos, tais como: toxicidade, recidivas ou segundos
primários.
Na vigilância epidemiológica, os registros de câncer, populacionais e hospitalares, são um componente relevante. Por eles obtemos informação sobre a ocorrência do câncer (incidência), sobre os
tipos de câncer que acontecem (histologia, morfologia e comportamento), a localização anatômica
(topografia), a extensão da doença no momento do diagnóstico (estadiamento), os tipos de tratamentos recebidos pelos pacientes de câncer e os desfechos após o tratamento e manejo clínico
(mortalidade e sobrevida).
A partir desses dados podemos:
• Identificar áreas com proporções elevadas de crianças diagnosticadas com neoplasias
avançadas;
• Avaliar padrões e qualidade de diagnóstico e tratamento do câncer infantil;
• Identificar áreas com incidência elevada de determinadas neoplasias e levantar hipóteses
sobre associação a fatores de risco no local (como exposição a agrotóxicos);
Médica, Mestre em Saúde Pública, Coordenadora do Registro Hospitalar de Câncer do Instituto do Câncer
do Ceará.
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• Identificar variabilidade geográfica nas práticas de tratamento de câncer como meio para
avaliar o uso do estado da arte no tratamento do câncer; e
• Desenvolvimento, implementação e avaliação de novos modelos de abordagens abrangentes }
e integrados para a prevenção e controle do câncer.
O seguimento posterior dessas crianças, por parte dos sistemas de vigilância, é muito importante.
Já que 60% das crianças sobreviventes enfrentam efeitos colaterais físicos e mentais em longo prazo. Na coorte do hospital St. Jude (Estados Unidos), referência mundial no tratamento do câncer
infantil, pesquisadores analisaram uma coorte de 1713 adultos sobreviventes de câncer na infância
e mostraram que 98% deles apresentaram ao menos um problema de saúde crônico, novas neoplasias, problemas cardíacos, pulmonares, de memória ou outros problemas neurocognitivos. Assim,
da mesma forma que é necessário garantir as condições para atravessar a doença, são necessárias
intervenções para garantir a qualidade de vida posterior.
Evidentemente, vivendo em circunstâncias que não conseguem garantir qualidade de vida a crianças
saudáveis, é difícil pensar em assegurar qualidade de vida a adultos sobreviventes de câncer, mas
devemos fazer o possível, pensando sempre nas mudanças necessárias para atingir o desejável.
Para serem úteis, estes sistemas devem estar integrados ao processo de decisão gerencial e na condução e avaliação de intervenções específicas e políticas de saúde em geral. As informações decorrentes destes sistemas devem também ser disponibilizadas à população com linguagem adequada e
inteligível, de forma que o cidadão possa tomar conhecimento do processo e ser um elemento ativo
(e não somente paciente) na avaliação das atividades de controle do câncer.
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