ENTRE A TRADIÇÃO E A INVENÇÃO: A Diabetes Infante-Juvenil. Dialogo entre a Psicanálise e a saúde pública infantil no México. Mtra. Mireya Zapata1 O tema que a FEPAL nos convoca a discutir neste seu 29 Congresso é o da Tradição- Invenção, concordo com a abordagem de Viñar (2011) sobre a relação complementaria expressa no tema deste Congresso. O objetivo deste trabalho é comunicar-lhes e discutir com vocês um assunto que acho prioritário para a saúde presente e futura das crianças e jovens do meu país, ao mesmo tempo encoraja-me a certeza do que a psicanálise pode ajudar a encontrar soluções: o encontro da psicanálise com a saúde publica infantil mexicana em torno à diabetes infante-juvenil. Segundo os dados da Federação Mexicana de Diabetes em 2011 esta doença ocupou o primeiro lugar em mortes com um incremento de 6000 mortos y 400 000 novos casos por ano. No México há 8000000 de pessoas com esta doença, é um grave problema de saúde pública. A DM infantejuvenil apresenta um panorama ainda mais critico, é já a doença crônica que mais incrementou nos últimos anos ainda que não seja possível determinar quantas crianças e adolescentes a sofrem pois só há um registro de aqueles casos que são hospitalizados no sistema de saúde pública. Se a isto se acrescentar que a obesidade na população infantil localizada entre os 5 e 11 anos acende ao 26% e em adolescentes ao 31%, o panorama se torna até trágico para as crianças e adolescentes mexicanos e suas famílias. Neste trabalho apresento umas breves vinhetas para dois casos diferentes que acho, ilustram aspectos- chave das crianças com diabetes e as suas famílias: um paciente pré-escolar com DMTI e um escolar que é o único membro saudável da sua família que sofre diabetes. Começo com um breve e certamente não extensivo percorrido pelo sustento teórico- clinico psicanalítico. A. Freud (1952) estuda as implicações psíquicas que a terapêutica médica produz nas crianças: as restrições alimentícias, as feridas constantes para medir os níveis de glicose e, sobretudo as injeções cotidianas de insulina são um ataque cotidiano ao corpo infantil que promove fantasias de fusão e ansiedades de castração com fixações na passividade dentro do par antitético masoquismo/ sadismo e isto produz avatares específicos das líneas de desenvolvimento. Será no Centro Anna Freud onde se levarão a cabo os estudos fundamentais atuais sobre este tema. Os investigadores liderados por Fonagy e Moran se têm avocado a demonstrar a pertinência do tratamento psicanalítico com crianças e adolescentes doentes, destacam aqueles estudos com pacientes com algum baixo apego ao tratamento que tem dado pé ao conceito de diabetes frágil em espanhol e brittle diabetes em inglês, ao mesmo tempo em que postulam o conceito de mentalização para explicar os recursos psíquicos com os que conta o paciente para estabelecer ou não o apego ao tratamento. Estes psicanalistas compartilham a necessidade de estabelecer uma comunicação com outros conhecimentos e dum trabalho interdisciplinares; realizam uma grande 1 Membro do pessoal acadêmico da UAM-X Psicanalista membro de IPA; FEPAL; APM; AMERPI; WAIMH. quantidade de trabalhos que integram investigações empíricas com psicanalíticas utilizando metodologias não psicanalíticas com a intenção de dotar de fundamentos baseados na evidencia cientifica sobre a utilidade da psicanálise no tratamento desta doença. 2 Segundo Kramer (1988) é preciso observar vários fatores que nos permitem compreender a localização da doença no desenvolvimento da criança e assim pensar no possível prognóstico do tratamento: a maneira em que reagem ao diagnostico tanto a criança como a família?, Qual é a inscrição inconsciente da doença?, Como se integra a informação e o tratamento na criança e a família?, a qualidade da aliança terapêutica com os membros da equipa de saúde. Na América do Sul a presença dos psicanalistas tanto na pratica privada como nos hospitais para trabalhar não só com estes pacientes e suas famílias senão com o pessoal da saúde que os atende é muito importante, ponho só como exemplo os trabalhos de Baruj (1988), Calabrese (2000), Colaiacovo e colaboradores (2009), são uma prova muito pequena do esforço dos psicanalistas para colaborar no tratamento desta patologia. No meu país, México, a realidade é outra, por isso acho que é muito importante que comecem os trabalhos psicanalíticos sobre este tema. A doença orgânica, neste caso a DM, afeta a toda a família e às vezes podemos encontrar-nos com vários membros duma família diagnosticados. Normalmente os sistemas de saúde não costumam parar a pensar em aqueles membros que não tem a doença, só quando esta se apresenta os reconhecem, e assumem que tem sido uma carga genética que causou o aparecimento da diabetes. Desconhecendo, na sua totalidade a intervenção dos procedimentos de identificação. A psicanálise tem muito a contribuir neste sentido. Vinheta #1 Sam tinha 2.8 anos, quando chegou a meu escritório e 7 quando se foi. O diagnostico foi feito três meses atrás, ao ser hospitalizado por pneumonia uma semana depois teve uma crise que levou ao diagnostico de diabetes tipo I. Em sua família não há antecedentes deste tipo de diabetes e seu avô paterno tem a tipo II devido à idade. É importante ressaltar que três meses antes a mãe de Sam sofreu um aborto espontâneo e uma depressão que a teve quase um mês no hospital. As primeiras sessões entrava no consultório com sua mãe ou seu pai e os temas foram variando de pintar caracóis e tartarugas enquanto invitava a seu pai principalmente a colorir as distintas conchas. Decidiu entrar só quando dentro dum circulo fazia um rascunho e dizia que era seu nome, mais tarde jogou, por muito tempo, a ser o Homem-Aranha. 2 Pessoalmente acho que a psicanálise não precisa de nenhuma evidencia que parta do positivismo para justificar seu lugar dentro dos conhecimentos humanos, o qual não impede destacar a labor tão importante destes psicanalistas e o papel que tanto o Centro Anna Freud como a Clinica Tavistok (neste casso não procuram o sustento) têm nos comitês governamentais do Reino Unido para ditar a política de saúde pública infante juvenil. Quando tinha quatro anos numa sessão novamente convidou a sua mãe e pediu-me que tirara um livro com folhas muito grandes sobre o corpo humano. Sentamos-nos os três em volta da mesa no consultório e disse, enquanto passava as folhas diferentes com ilustrações do corpo humano. Estes são os ossos parece um esqueleto e estes são os olhos e a nariz, etc. Mas ao chegar ao sistema digestivo parou e olhando a sua mãe: vês a comida, entra por aqui, passa-se ao estomago, passa por aqui e logo sai a cocó, então se volta para mim e disse-me: apresentas-me ao do açúcar? Eu digo: o pâncreas é o que tu queres ver, sim, é este e o apontei. Sam continuou passando as folhas e a mãe saiu do consultório. Voltou à folha do sistema digestivo: vês Mireya, o pâncreas, a comida entra pela boca, passa por aqui, e continuou apontando o caminho até os intestinos. A partir desse momento o tema foi a alimentação e Sam começou a estabilizar-se nos seus níveis de glicose. Quando se trabalha com uma criança desde os 2.8 anos até os 7 passam muitas cosas, eu poderia narrar uma infinidade de sessões que dão conta do importante que pode ser uma intervenção analítica, mas por agora basta dizer que Sam ingressou a uma escola regular, ele media os seu níveis de glicose, tinha um bom grupo de amigos e tinha começado a diferenciar o que ele dizia “acho que isto é uma baixinha ou uma altinha”, tinha um muito bem desempenho escolar e manejava seu tratamento segundo sua idade. É importante pensar a problemática clinica que representa uma grave doença crônica do pai, do mesmo sexo, sobre os avatares identificatórios de seus filhos saudáveis. Para que a batalha edípica se estabeleça é necessária a preexistência duma identificação com o pai do mesmo sexo. Mas, que acontece se este rival edípico colapsa por morte ou doença crônica grave?. Nesta batalha e derrota há, entre outras coisas, um fortalecimento do mundo interno e externo ao comprovar que os desejos edípicos não se realizam na vida cotidiana da criança, mas com um pai ou mãe doente cronicamente, esta realidade se altera e resulta muito complicado construir e distinguir entre as imagens mentais e a percepção externa, a culpa se volta incontrolável e os processos se patologiam(Gil 1987). Este processo que aparece na relação imediata acho que da conta da aparição dos fantasmas sustidos pelo complexo de identificação do que fala Mijolla (1986). Este complexo de identificação é um processo inconsciente que subjaz a todos os aspectos pré-conscientes ou conscientes e que se remonta a três gerações. Defendo que, nestas condições, estes fantasmas tomam posse do Eu infantil e esperam o momento adequado para suster uma retaliação sobre o sujeito. Vinheta #2 Eme chegou a meu consultório em 4 anos, foi remitido comigo porque no seu jardim de infância insistiram em que tinha TDA com hiperatividade, pois ele não se adaptava ao programa educativo que é certo, diziam eles, o capacitaria para ser um empresário de sucesso. Alem disso, afirmavam que a terapia psicanalítica não lhe tinha servido para nada, pois meu paciente insistia em não superar a grave doença metabólica de seu pai, quem padece diabetes tipo I desde a adolescência, e justo quando meu paciente fez 3 anos teve que ser transplantado dum rim e depois de um mês, sua irmã de um ano foi diagnosticada com diabetes tipo I, alguns anos depois, a mãe de Eme é diagnosticada com outra uma doença sistemática. Eme é uma criança brilhante que não tem dificuldade com os conteúdos escolares, nem ter amigos, não é violento, só quando se angustia não pode ficar quieto e resolve as tarefas dos seus companheiros incumprindo as suas. Apresento um resumo de duas sessões quando Eme tem 9 anos. Eme- você já viu que o Chicharito está na Inglaterra? T- sim, no Man... Eme-. Interrompe: Manchester United, o Chicharito (jogador mexicano de futebol) e eu somos iguais, agora ele esta com a cabeça rapada, mas antes éramos iguaizinhos. T- sim, antes era das Chivas, teu avô e tu são das Chivas Eme-. Claro e meu pai também, olha, deve haver um chicharito, um chicharo e um chicharote, assim podemos continuar até os chichanossauros, e assinala os dinossauros do consultório. T- sim, é verdade, parece que nas famílias pode haver algo mais que doença. Eme fica olhando-me já na porta do consultório e diz: bom, acho que sim. Na seguinte sessão chega e atira-se ao chão e diz: olha lá, vamos jogar que eu era um mutante que estava dormido e sonhava, tu eras um humano. T- então vai, faz um milênio. Eme.- não, humano não compreendes. Olha lá, faz mil anos havia futebol? T- acho que não. Eme- então era um pesadelo. Tu e eu lutávamos, eu feria-te, mas te curavas. Quando digo: tu também te curavas, me diz: Eme- não, eu era um mutante. Então volta a cair no chão e diz: da diabetes de meu pai não estou salvado, não a quero e agora não a tenho, mas não sei se algum dia vou estar a salvo. No jogo duma criança se contem muito mais que seu presente e passado, há um sentido de futuro que é contido pelos pais e o analista. No tratamento se aspira ao estabelecimento, entre outras coisas, de identificações antecipatórias saudáveis e esperadas. Acho que no jogo, os fantasmas identificatórios portadores do transtorno metabólico que habitam no Eu do paciente, anunciam sua possível entrada em cena na adolescência para gerar, ao igual que no pai, uma diabetes púbere. Pensar uma possível intervenção psicanalítica para os familiares de doentes orgânicos crônicos abre uma porta de prevenção para aqueles sujeitos habitados por fantasmas doentios, e dos que os sistemas de saúde só esperam que se apresente isso que chamam destino genético. BIBLIOGRAFIA Baruj W. Jorge. N.R.Baruj de Solvey(1988) Defensa, Relación de Objeto, Fijación en un caso de diabetes juvenil. Revista de Psicoanalisis. Vol#5,p.965-982. Calabrese María Teresa(2000) Diabetes Infanto-juvenil, consideraciones psicoanalíticas y endocrinólogas. Revista de la APA. Calabrese Maria Teresa. Psicoterapia Psicoanalíticamente orientada en niños diabéticos. XXVII Congreso Interno y XXXVII Symposium: Desafíos Clínicos actuales. Calabrese María Teresa.(2000) Abordaje psicoterapéutico del niño diabético. ¿Análisis terminable o interminable? APA. Colaiacovo D y etal(2009) Condiciones de emergencia en la diabetes infantil. Un aporte psicoanalítico. Un Modelo psicoanalítico para pensar la diabetes infantil. Desde la Clínica. Asociación Escuela Argentina de Psicoterapia para Graduados. Freud Anna (1952)The role of bodily Illness in the mental life of children. Psychoanal.St. Child,7-69-81. Kramer B.(1988) La expresión somática: aspectos psiquíatricos de la diabetes juvenil. En Lebivici s. R. Diatkine. y M. Soulé Tratado de psiquiatría del niño y del adolescente tomo IV. Trad. Ignacio Avellanosa. Biblioteca Nueva . España. Fonagy,P. Moran,G. (2009) Psychoanalysis and diabetic control: Asingle-case study. En Midgley N. Anderson, J Grainger E. Nesic-Vuckovic T. y Urwin C. Child Psychotherapy and Research. New Approaches, Emerging Findings. New Uork. USA Viñar Marcelo(2011) Tradición/Invención. Trabajo Prepublicado. 29 Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis.