A FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA, LUTAS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL Simone Santos da Silva1 Marcella Miranda da Silva2 Daniela Lopes de Andrade3 Jacqueline Southier Klein4 Resumo Este artigo objetiva analisar de forma sucinta a formação econômica, política e social brasileira a partir do período colonial seus reflexos na cultura participativa do país abordando como ocorreram as lutas sociais e a forma que foram tratadas pelo governo, dando destaque especial as conquistas sociais e ampliação dos espaços de participação assegurados na Constituição Federal de 1988. Palavras-Chaves: Formação Social, Lutas Sociais e Constituição de 1988. Abstract His article aims to examine brieflay the economic formation. Policy and social fron the Brazil colonial period, its effects on partitipatory culture of the country were addressing how the social struggles and the way they were treated by the government, giving especial attention to social achievements and expansion of participatory spaces provided in the Constitution of 1988. Keywords: Social Formation, Social Struggles and Constitution of 1988. 1 Estudante de Pós Graduação. Universidade Federal do Pará – UFPA. [email protected] Estudante de Pós Graduação. Universidade Federal do Pará – UFPA. [email protected] 3 Estudante de Pós Graduação. Universidade Federal do Pará – UFPA. [email protected] 4 Estudante de Pós Graduação. Universidade Federal do Pará – UFPA. 2 I. INTRODUÇÃO A colonização brasileira é marcada por uma intricada e complexa dinâmica do mercado mundial juntamente com os movimentos internos da economia e na sociedade. O escravismo deixou marcas na cultura, nos valores, na ética, na estética e seus reflexos nas relações sociais e condições de trabalho da sociedade brasileira. A história do Brasil o período do império e da república não alterou significativamente essa tendência de subordinação ao mercado internacional, mas modificam condições históricas dessa relação. O autoritarismo é uma marca histórica e reflete na imagem que se tem de sociedade como debilitada, sem capacidade de ser organizar, incompetente, que necessita tutela. É necessário romper com essa marca deixada pelo autoritarismo e repensar as políticas sociais numa perspectiva de classe, em uma dimensão coletiva. É importante o debate sobre a formação econômica, política e social brasileira para entender a atual organização da sociedade, assim esse trabalho está estruturado em três eixos. O primeiro tópico discorre sobre o Brasil desde o período colonial até a República Velha. O segundo tópico discute como as lutas sociais aconteceram a partir da Era Vargas e o terceiro e último tópico, apresenta as mudanças nas formas de participação social a partir da Constituição Federal de 1988. 2. CONTEXTUALIZANDO A FORMAÇÃO BRASILEIRA: NOTAS INTRODUTÓRIAS A ocupação econômica das terras americanas representou uma etapa da expansão comercial européia. Ao Brasil, enquanto colônia tropical cabia a função de fornecer ao comércio europeu alguns gêneros tropicais ou minerais de grande importância como açúcar, ouro, algodão. Assim a agricultura acabou se constituindo a base econômica da construção do Brasil, que de acordo com Prado Jr (2006) possui três características principais que se combinam e se completam: a grande propriedade, a monocultura, o trabalho escravo. Apesar da experiência técnica portuguesa para produção de açúcar financiada pelos holandeses, havia um problema quanto a escassez de mão-de-obra para produção, pois para atrair europeus seria preciso pagar salários mais elevados que o da Europa o que tornaria a empresa agrícola antieconômica. Outra possibilidade seria retribuir com terras o trabalho do colono realizado por certo números de anos. (PRADO JR, 2006) Nesse período, Portugal já possuía um completo conhecimento sobre o mercado de escravos africanos. A escravidão tornou-se necessária, devido a resistência do colono europeu. Tal fato representa uma das principais características da sociedade do período colonial brasileiro, um agregado heterogêneo composto por uma pequena minoria de brancos, empresários senhores da terra e parceiros da metrópole, do outro lado, a massa da população majoritariamente escrava. Após três séculos de colonização, o Brasil permanecia diretamente ligado à metrópole. Na verdade, não há modificações substanciais no sistema colonial, somente o fato natural do aumento populacional, que proporcionou a construção e desenvolvimento de um mercado interno, alterando a economia que deixa de ser exclusivamente de exportação e passa a atender as necessidades da colônia (PRADO JR, 2006). Ao se tornar independente em 1822, o Brasil adotou uma forma monárquica de governo, onde o soberano era o próprio príncipe herdeiro da dinastia portuguesa, mantendo o sistema escravista nas relações de trabalho e dependente economicamente da coroa britânica. De acordo com Andrade (1980) esta estrutura reprimiu os anseios mais liberais de grupos políticos que almejavam a implantação da independência com uma República e sufocou com grande violência as revoltas populares que no período regencial se realizaram em várias províncias do Império – Cabanagem no Grão-Pará, Balaiada, Guerra dos Canudos e Sabinada em Províncias do Nordeste. A República aconteceu a partir de 1889, liderada pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Durante os cinco primeiros anos a República foi governada por militares que agiam com intensa repressão contra quem apoiava a monarquia. Destaca-se que esse período foi marcado por mudanças significativas na política como a elaboração de uma nova Constituição que garantiu 5 alguns avanços políticos e instituiu o voto universal , além do presidencialismo. 3. OS REFLEXOS DA FORMAÇÃO BRASILEIRA NAS LUTAS SOCIAIS De acordo com Gohn (1995) essas lutas sociais ocorridas no período de 1800 – 1850 que são registrados como levantes e insurreições pela histografia brasileira constituíram eventos importantes para a construção da cidadania sociopolítica do país: 5 Apesar da instituição do voto universal mulheres, analfabetos, e militares de baixa patente não votavam. Se considerarmos as condições de desenvolvimento econômico do Brasil na época, e as dificuldades de comunicação em todas as áreas, observamos que aquelas lutas se constituíram em atos revolucionários. (...) As principais características das lutas e movimentos sociais do período eram motins caóticos; faltava-lhes projetos bem delineados ou estavam fora do lugar, importados de outros países; as reivindicações básicas giravam em torno da construção de espaços nacionais, no mercado de trabalho, nas legislações, no poder político etc.[...]. (GOHN, 1995, p. 23-5 apud FIALHO, 2006, p. 77) Vemos assim que a estrutura brasileira era de miséria, de concentração da propriedade rural, de elites políticas que impediam com violência que o povo assumisse algum protagonismo na história do país. O desenvolvimento econômico do país, o crescimento de uma indústria leve e a formação de uma classe média urbana, assim como de um proletariado industrial iriam provocar rupturas no sistema, de vez que novos elementos desejavam participar do poder e não tinham condições de fazê-lo, face às estruturas montadas. (ANDRADE, 1980, p. 21) A Revolução de 1930 teve uma importância para a evolução econômica, política e social do país, pois introduziu um novo período, rompendo com a política da Velha Republica do café com leite, que mantinha no poder elites agrárias, cujo último presidente Washington Luís afirmou: “a questão social é uma questão de polícia”. Este presidente reprimia com polícia manifestações e não encaminhou ao Parlamento as propostas em lei dos trabalhadores organizados em sindicatos. Para Andrade (1980) a Revolução de Trinta é o processo de transformações de estruturas econômicas e sociais que se opera em um período histórico relativamente curto. “Na verdade, a Revolução de Trinta foi um processo cujos primeiros sintomas foram sentidos durante a campanha civilista, pelas greves que ocorreram na segunda década do século XX e pelas insurreições armadas de 1922 e 1924” (Andrade, p. 07) Nesse período temos uma incipiente organização da classe operária, inquietações sociais influenciadas pela Revolução Russa (1917), a Coluna Prestes que representou uma das fases épicas das insurreições, nas palavras de Andrade: “Constitui, assim, uma formidável experiência de guerrilha e de guerra de movimentos na América Latina (...). Constitui um marco preparatório à semente que abalaria os alicerces das instituições políticas, contribuindo para que elas ruíssem tão facilmente em 1930.” Apesar da Coluna não ter sido militarmente vitoriosa e de não ter entusiasmado as grandes massas do interior, despertando-os para a reivindicação de seus direitos, vemos sua importância na influencia política do país naquele momento. Com a Revolução de 1930 assume a presidência Getúlio Vargas, iniciando um governo que se estendeu por 15 anos (primeiro mandato), no seu governo o Estado assumiu responsabilidades sobre direitos sociais, passando a se referir aos brasileiros, em seus discursos, como “trabalhadores do Brasil”. Para Sader (2010), o fundamental de seu legado foi a criação de um Estado nacional sucedendo a um consórcio de elites econômica e políticas regionais. (p.12) Nessa época, mediante políticas sociais, sindicalização dos trabalhadores, um projeto nacional e um discurso popular, fez-se o reconhecimento de proporções crescentes de brasileiros em um Estado que priorizou o desenvolvimento como o Norte do país. (SADER, 2010, p. 12) No período de 1932-33 ocorreram discussões ideológicas, debates sobre problemas nacionais a fim de contribuir com a Constituição a ser elaborada em 1934, esta representou um avanço em relação à Constituição de 1891, pois absorveu várias reivindicações da questão operária, no entanto sua aplicação foi por um período curto sendo suspensa em 1935 e revogada por uma nova Constituição corporativa de 1937. Pretende-se mostrar nesse brevíssimo resumo as origens do movimento popular brasileiro, que como se sabe precedem a Revolução de Trinta, esta deu o inicio ao que seria o movimento popular brasileiro das décadas seguintes, caracterizado segundo Sader (2010) pela centralidade no nacionalismo como ideologia, em um bloco de forças entre o empresariado brasileiro, o movimento sindical urbano, e as classes médias, comandadas pelo novo Estado brasileiro, sendo o primeiro com dimensão e ideologia nacional, com um projeto nacional. As origens do movimento popular brasileiro precedem a Revolução de 30: provêm do sindicalismo anarquista, do comunismo e socialista, que, pela primeira vez, levantaram no Brasil a necessidade de uma alternativa ao sistema de poder dominante. Suas bandeiras, diretamente classistas, forma influenciadas pela interpretação da Revolução Russa (1917) como uma revolução “operáriocamponesa” e pelas lutas do movimento operário europeu. Tiveram grande mérito ao dar início à organização autônoma do movimento popular, centrada na atuação dos trabalhadores imigrantes, que por sua vez, trouxeram experiências com as doutrinas fundadoras da esquerda na Europa – de composição urbana, sem raízes no campo. No entanto, no Brasil, a maioria da população residia na zona rural, de modo que a vertente de esquerda que se formou não elaborou estratégias específicas, assentadas na realidade brasileira. Por isso, temas candentes, como a luta contra o latifúndio, a dominação externa e a elaboração de estratégias nacionais, não eram ainda centrais para a esquerda. (EMIR SADER, 2010, p. 15) No período que Getúlio Vargas esteve no governo houve forte repressão policial o que gerou certa inibição no operariado urbano e nos grupos sociais excluídos economicamente, outro importante elemento que possa explicar tal fato é a concessão de leis trabalhistas, que passou uma imagem de Getúlio como “Pai dos Pobres” amortizando as lutas. 4. A CONSTITUIÇÃO DE 1988: AVANÇOS PARA A PARTICIPAÇÃO SOCIAL Durante o período de ditadura militar (1964 – 1985), as políticas sociais brasileiras, além de ter acesso restrito, foram utilizadas como estratégia de legitimação a partir da abertura de espaços para serviços privados de saúde, educação e previdência, configurando-se como um sistema dual no acesso as políticas sociais para quem pode e quem não pode pagar. (BEHRING & BOSCHETTI, 2007). Ao final da década de 1970, com a crise do “milagre econômico” brasileiro, há um reflorescimento dos movimentos sociais de base popular e operária, com variadas matizes. Tais movimentos se espalharam pelo país constituindo uma teia que passou a dinamizar o processo de mobilização em defesa, conquista e ampliação de direitos civis, políticos e sociais em torno de temáticas como trabalho, moradia, saúde, educação etc. A década de 1980 ficou conhecida como “década perdida” do ponto de vista econômico, mas apresentou avanço no campo social principalmente com a retomada do Estado democrático. O movimento operário e popular foi um elemento decisivo nesse período da história do Brasil, que ultrapassou o controle das elites e influenciou a agenda política ao longo da década e pautou alguns eixos da Constituição Federal de 1988. Assim, foi uma arena de disputas e também de esperanças dos trabalhadores brasileiros que incomodaram as classes dominantes brasileiras. (BEHRING & BOSCHETTI, 2007). A Constituição Brasileira de 1988 assegurou inúmeros direitos de cidadania que abrangem a esfera política, civil e social, o poder passa a ser exercido tanto por meio de representantes eleitos como pela participação direta através do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular de lei. Outro destaque é a criação de um sistema descentralizado e participativo, por meio de organizações representativas, no controle das ações de Estado. De acordo com Arretche (1999), tal processo redesenhou o sistema brasileiro de Proteção Social, diversas áreas da política social como educação fundamental, assistência social, saúde, saneamento e habitação popular passaram a ser implementados por meio de programas descentralizados que transferiram paulatinamente as atribuições da gestão para as esferas estaduais e municipais de governo. Em meio a essa nova configuração social e política brasileira, destaca-se a gestão democrática e participativa por meio da criação de conselhos de políticas e de direitos. Atualmente os conselhos têm o desafio de interferir na gestão pública, bem como potencializar o interesse público nas ações de governo, com o envolvimento da sociedade nos assuntos governamentais num exercício de cidadania ativa. Os conselhos de políticas públicas são resultantes das lutas dos movimentos sociais, pelo reconhecimento de direitos sociais, pela reivindicação por uma redemocratização da sociedade brasileira e representam um marco para a participação da sociedade civil que sempre foi excluída dos processos decisórios. A participação nos conselhos se constitui numa arena de conflitos em que diferentes projetos políticos estão em disputa devido a participação de diferentes sujeitos: dos representantes do poder público e da sociedade civil. Outra forma de participação da sociedade civil são as experiências de Orçamentos Participativos (O.P), cuja criação não está juridicamente estabelecida pela Constituição de 1988, a iniciativa depende da gestão local. Neste sentido houveram algumas experiências de O.P em cidades governadas pelo Partido dos Trabalhadores. De acordo com Avritzer (2009) o O.P é uma forma de balancear a articulação entre representação e participação ampla da população por meio da cessão da soberania daqueles que a detêm decorrente do processo eleitoral, a soberania passa a ser partilhada com um conjunto de assembleias regionais e temáticas que operam a partir de critérios de livre participação. Dessa forma vemos que a participação social teve avanços importantes, porém esse processo deve ser ampliado por outras formas de lutas sociais, pois a participação não deve ser restrita aos canais institucionais. 5. CONSIDERAÇÕES A história política, social e cultural do Brasil é marcada pelo autoritarismo que refletiu diretamente nas ações governamentais e que se constitui um obstáculo as novas estruturas das políticas públicas a partir de 1988. A Constituição de 1988 instituiu o arcabouço jurídico que permitiu a consolidação do regime democrático no Brasil. Um conjunto de direitos sociais foi ali estabelecido como resultado de um longo e conflituoso processo de mobilizações sociais e políticas que marcaram os anos 1970 e 1980. Nessa trajetória, buscou-se ampliar o envolvimento dos atores sociais nos processos de decisão e implementação das políticas sociais, respondendo a demandas em torno da descentralização e da democratização do Estado brasileiro. A reafirmação das liberdades democráticas, a luta contra a desigualdade descomunal, a afirmação dos direitos sociais, a soberania social. A busca de soluções para problemas essenciais do país apresenta um caráter híbrido com elementos do velho e do novo. A industrialização e urbanização criaram condições para o movimento operário e popular e para a refundação da esquerda. A Constituição apesar de ser pragmática e eclética em algumas ocasiões deixa a responsabilidade de regulamentação às legislações complementares. Apresenta também inovações democráticas: o estatuto dos municípios como entes federativos autônomos e os conselhos paritários de política (BERINHG & BOSCHETTI, 2007). A abertura de novos canais de participação é resultado da luta e da conquista de vários movimentos sociais organizados em defesa da Constituição de 88. A nova concepção de cidadania pressupõe direitos pautados na universalização dos direitos sociais, políticos, econômicos e culturais. 6. REFERÊNCIAS ANDRADE, Manuel Correia de. 1930: a atualidade da revolução. São Paulo: Moderna, 1980. ARRETCHE, Marta T. S.. Políticas Sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais - Vol. 14 Nº 40, junho 1999. AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil e participação no Brasil democrático. In: Experiências Nacionais de Participação Social. Leonardo Avritzer (org). São Paulo: Cortez, 2009. BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2007. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. FIALHO Nascimento, N.S. Amazônia e Desenvolvimento Capitalista: Elementos para uma abordagem da “Questão Social” na região. (Tese de Doutorado). Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2006. GONH, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais-a construção da cidadania. São Paulo: Loyola. 1995. PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ed Brasiliense, 2006. SADER, Emir. Brasil de Getúlio à Lula. In: Brasil, entre o passado e o futuro. SADER, Emir & GARCIA, Marco Aurélio [org]. São Paulo: Ed Fundação Perseu Abramo; Boitempo, 2010.