Faculdade de Comunicação da UFBA. Projeto Experimental de Conclusão de Curso. Orientador: Profo Messias Bandeira. Formando: José Luciano Azevedo de Aguiar. Elaboração de um produto cultural: “CD demo do grupo Matita Perê” 2 1a parte: Breves considerações sobre Música e Comunicação A música é uma forma clara de se comunicar. Ela tem um caráter psicológico fundamental que pode, em algumas situações, alterar os estados emocionais humanos. Sabe-se, de antemão, como ela transmite entre os seres algo que lhes parece familiar e como, neste caso, lhes atrai a atenção e dá prazer. “Há na música qualquer coisa de inefável e íntimo; além disso, ela passa perto de nós semelhante à imagem de um paraíso familiar, embora eternamente inacessível” (Schopenhauer, 1995). A música é uma linguagem1. Há intencionalidade de se comunicar da parte daquele que a emite e há entendimento por parte daquele que a escuta. Contudo, a forma em que ela se expressa é singular e traz peculiaridades sobre o seu caráter psicológico, que trafega mais pelos domínios da emoção. Essa associação entre o campo emocional e os possíveis intervalos musicais que se dão no tempo, além das texturas musicais, evocadoras de climas, dos timbres, enfim, fazem e fizeram da música, por exemplo, elemento fundamental na estrutura complexa do cinema. Não só deste como também das aberturas de programas na TV, de suas trilhas sonoras e todas as associações entre a música e a imagem. Muito antes do cinema, a música já suscitava imagem e associava, na imaginação humana, cores, formas, texturas e aromas numa verdadeira profusão de sentidos. Relembra-se, então, a idéia fenomenológica de uma imersão no mundo, com todos os nossos órgãos sensoriais interconectados. Assim, a música atravessa não só a audição, mas cria elementos que trafegam por toda a nossa percepção. 3 A música popular e, no caso, a MPB (Música Popular Brasileira) tem um fator ainda mais comunicativo: ela é toda estruturada no formato canção. Num sentido menos erudito, a canção significa a união entre letra e melodia, o que a torna ainda mais complexa, fazendo conexões entre a fonética das frases poéticas e as “frases melódicas”. Em relação à prosódia, Antônio Adolfo coloca que “...uma melodia, assim como uma letra, possui seus acentos” e que “o entrosamento perfeito (entre as duas) faz-se necessário”, salvo algumas canções de “compositores mais capazes que sabem tirar partido dessa acentuação incorreta” (Adolfo, 1997: p.50). Dessa forma, no formato canção, letra e música se inserem num mesmo contexto comunicacional; dizem algo em conjunto. Seus sentidos fundem-se agora, como se uma explicasse o que a outra diz. É notável como a música parece sugerir a letra e vice-versa. Torna-se bastante estranho quando não há este encaixe. É justamente dentro deste universo da Música Popular Brasileira que o grupo musical Matita Perê se envereda. O seu trabalho vai da composição, passa pelo arranjo musical e segue para a interpretação das músicas; ou seja, percorre todo o trajeto emissão na comunicação musical. Segundo Alexander Goehr (1995), a execução do músico é complementar nesta comunicação em que há um ouvinte como receptor e toda uma ambiência casual somada às predisposições do receptor. Faz-se necessário, também, colocar que o grupo Matita Perê parece ter a imagem musical2 como uma das marcas do seu trabalho. Isso se deve à influência de movimentos e artistas como o Clube da Esquina, onde as notas soavam longa e fortemente, dando idéia de distâncias e espaços. Além de alguns talentos do famoso movimento mineiro (Milton Nascimento, Toninho Horta, etc.), outros grandes compositores do Brasil, como Tom 1 GOEHR, Alexander. A música enquanto comunicação. In: MELLOR, D.H. (org.). Formas de comunicação. Lisboa: Editorial Teorema, 1995. 2 Sobre este assunto, ver: ADOLFO, Antônio. Composição: Uma discussão sobre o processo criativo brasileiro. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1997, p. 43. 4 Jobim, Dori Caymmi, Edu Lobo, têm em suas músicas uma forte carga de momentos, lugares e espaços os quais elas contextualizam. Um pouco sobre a indústria da música no Brasil No Brasil, a exemplo de quase todo o mundo, o mercado fonográfico é praticamente dominado pelas cinco grandes empresas transnacionais: a EMI-Odeon, a Sony Music, a WEA, a Universal (que recentemente comprou a Polygram) e a BMGAriola, que possuem as maiores condições de distribuição e marketing de seus objetos de comercialização (CDs, fitas cassete e vídeos musicais). Elas fazem vultosos investimentos no intuito de encontrar sempre aquele produto que será bem vendido e que lhes dê uma grande rentabilidade. Pode-se inferir a partir daí que elas estão buscando artistas supostamente talentosos e carismáticos e que tenham trabalhos bastante atrativos para serem facilmente aceitos pelo público. A maioria dos produtos nos quais estas gravadoras investem, hoje, após ter passado por diversas experiências de modismos e tendências musicais, está moldada de acordo com os formatos estéticos padronizados que já foram previamente aprovados pelo grande público, como o pagode, a música brega e o axémusic. Não se quer aqui criticar a formatação e a padronização musicais enquanto tais; ao contrário: sabe-se, acompanhando o pensamento fenomenológico, que o homem compreende as coisas e o mundo através das estruturas em que estes se apresentam, das suas completudes estruturais absorvidas pelos nossos sentidos e não pela simples associação simbólica de um elemento percebido por nós à sua respectiva significação. O formato ao qual o texto se refere é a própria estrutura musical. Ela guarda uma relação entre suas notas, timbres e outros elementos, conforme assinalado em Merleau Ponty (1983), em seu texto sobre o papel psicológico da música no cinema. Estes formatos 5 seriam aquela silhueta musical dentro da qual perceberíamos a unidade de um produto. O problema é que, com estas formatações estéticas, características dos produtos musicais da grande indústria cultural, tornam-se comuns a repetição e, mais grave ainda, a fixação de estruturas estereotipadas. A maior parte da produção musical nacional – e, provavelmente, do mundo - tem sido sufocada ou omitida por este processo seletivo meramente comercial. Muitos produtores da área de música trabalham e criam artistas que se adequam a estes formatos estéticos estereotipados, sem a menor pretensão de valorizar ou contemplar qualquer tipo de trabalho brotado da originalidade artística de alguém, a menos que este já esteja naturalmente adequado aos esquemas privilegiados pelo mercado. Por este motivo, com a pequena diversidade musical – consequência dessa política midiática de padronização dos gostos – vivemos, hoje, respeitando sempre a ordem das demandas do mercado. À medida que vai se apresentando apenas uma pequena e pobre variedade musical à sociedade, mais ela se torna inapta à discernir, avaliar ou aceitar outros estilos ou poéticas musicais. As pretensões do grupo autoral Matita Perê, formado por Borega (Alexandre Requião), Luciano Aguiar e Carol Carvalho3, são de, no futuro, gravar um CD; realizar um trabalho para além das formatações estéticas musicais que imperam no mercado. Assim, o Matita Perê, prima pela singularidade de seus compositores, apesar de terem em suas raízes influências fortes de determinados segmentos e personalidades da Música Popular Brasileira, a exemplo dos já citados integrantes do Clube da Esquina, de Edu Lobo, Dori Caymmi, Tom Jobim, entre outros. Nenhuma forma é genuinamente nova; sempre depende de outras formas que a ela dão origem. Porém, o estilo do trabalho do grupo Matita Perê 3 Os três integrantes do grupo se conheceram na Faculdade de Comunicação da UFBA (FACOM), onde, além de terem vivido um grande período de troca de informações e amizades, despertaram para o interesse e o dom em comum – a música. De início, encontraram-se Luciano Aguiar e Borega, que já tinham um vasto trabalho composicional, esperando apenas o momento de sua maturação. De lá para cá, foram dois anos e meio de afinco e, neste ínterim, descobriu-se o talento da flautista Carol Carvalho, que aos poucos foi se integrando definitivamente ao grupo. 6 dará a ele a marca final de sua autoria. É no estilo que se reconhece a autenticidade de um autor; no seu modo de fazer, pois na obra está contido todo o percurso feito pelo mesmo no processo de elaboração (Pareyson: 1989). Sem fazer concessões, o grupo pretende chegar a um produto cultural marcado pela autenticidade musical de seus membros, com todas as limitações e vantagens que isso possa trazer. O primeiro grande desafio do grupo é, justamente, fazer jus ao nome Matita Perê, título de uma canção de Tom Jobim e Paulo César Pinheiro e de um dos grandes LPs de Jobim (Matita Perê, 1974). Contudo, se, por um lado, o Matita Perê sente a responsabilidade de usar este nome, por outro, o mesmo traz força ao grupo tanto em termos de sonoridade como de significado. Antes de mais nada, “matita perê” é a denominação de uma ave brasileira de cor parda, amarelada, com peito e pescoço brancos e crista vermelha, hoje, pouco encontrada em nosso território; essa palavra também é sinônimo de Saci Pererê, entidade cheia de magias que assombra os viajantes, tem uma perna só e vive fumando o seu cachimbo vermelho. O grupo Matita Perê revela neste nome as suas referências artísticas e culturais, o universo no qual o seu trabalho está inserido: o Brasil lendário, imenso, de culturas diversas e grandes desigualdades sociais. Assim como é rico e belo em natureza, o Brasil tem uma musicalidade incrível e sem igual. É notável como a música brasileira tem a capacidade de trabalhar e conjugar elementos musicais diversos, contrariando àqueles que dizem não haver, na arte, mais nada para se criar. O Matita Perê acredita que a música é ilimitada, principalmente se adentrarmos no campo da música brasileira. A prova disso é a originalidade e a diversidade dos trabalhos de seus grandes compositores. O talento e o estilo original dos seus jovens integrantes e a capacidade de incrementação harmônica, melódica e rítmica são um dos elementos mais atraentes do Matita Perê, sendo assim uma grande promessa para a música brasileira e um alento para aqueles que querem ver a continuidade da autêntica MPB. 7 Sente-se que não será fácil inserir o trabalho do Matita Perê no mercado musical, devido à inadequação do seu produto em relação aos formatos estéticos ditos comerciais. Porém, nem sempre as regras mercadológicas imperam na indústria cultural, contrariando as idéias dos filósofos da escola de Frankfurt, Theodor W. Adorno e Max Horkheimer (1978), os quais demonstram em seu texto A indústria cultural: o iluminismo como mistificação de massas que esta indústria imprime modos de produção artística, submetendo a arte ao poder do capital. Mesmo sem ter aderido aos padrões estéticos das músicas produzidas atualmente pela indústria fonográfica, é possível encontrar uma maneira de se estabelecer como músico cantor, arranjador, instrumentista e compositor no mundo de hoje; principalmente, após o surgimento de inúmeras possibilidades comunicacionais na contemporaneidade, como a Internet e toda tecnologia digital de gravação, por exemplo. Através delas consegue-se fazer a elaboração, a publicização e a venda de produtos com baixos custos. Pode-se produzir videoclipes para serem veiculados na MTV, festivais e outros eventos midiáticos. A própria sequência de “shows” de um artista ou grupo musical pode angariar admiradores e encontrar um determinada fatia de público “sintonizada” com as suas músicas. Ainda que não se consiga a projeção dada por um desses grandes esquemas de produção midiática, é possível encontrar outras formas de se lançar no mercado, vender o seu produto e ser reconhecido pelo seu trabalho musical. Alguns artistas vêm conseguindo, dessa forma, chamar a atenção dos meios de comunicação, agendar shows, fazer gravações, buscar saídas estratégicas para irem criando, paulatinamente, as suas inserções na sociedade, mesmo sem estarem formatados por padrões estéticos estabelecidos pelo mercado. Portanto, a gravação em CD de um trabalho do grupo musical Matita Perê terá como marca a sua autenticidade e veracidade, respeitando as idéias originais dos autores. Destarte, será definida uma maneira adequada de inseri-lo no campo midiático musical e, consequentemente, no mercado fonográfico. 8 O objetivo deste projeto experimental é dar um primeiro passo na direção da gravação deste CD; neste sentido, optamos pela elaboração de um CD demo no Laboratório de Multimídia (áudio) da FACOM. O termo “demo” é uma abreviação da palavra demonstração. Portanto, a fita ou o CD demo é um material da produção para que o artista ou grupo possa apresentar o seu trabalho musical – da maneira mais clara possível – a outras pessoas. Este CD será distribuído para gravadoras, produtores, jornalistas e outros interessados, os quais poderão avaliar o produto. A inserção no mercado fonográfico, por sua vez, é algo imprevisível. São muitos os compositores, bandas e artistas que disputam uma ascensão no mercado tentando encontrar uma maior visibilidade para o seu trabalho. Nessa hora, prevalecerão a qualidade e o amadurecimento do artista. O CD demo, juntamente com o portfolium e outros materiais sobre a música e a carreira do grupo, são bastante importantes para que este possa se apresentar no mercado, funcionando como um bom cartão de visita. Do trabalho ao CD Para se fazer a gravação de um CD, antes de tudo, é preciso se ter um trabalho musical já amadurecido, ou seja, que tenha passado por alguns estágios de elaboração – tanto na parte composicional quanto na qualidade dos seus músicos e intérpretes – e esteja pronto para ser gravado, evitando deixar dúvidas quanto aos seus propósitos musicais. A elaboração de um trabalho artístico musical, até chegar a este ponto, carece de tempo, para que músicos envolvidos no projeto (compositores, arranjadores, instrumentistas) possam concebê-lo e alcançar um resultado desejável. Todos os elementos musicais entram em conjugação única, resultado da concepção de seus autores. Por isso mesmo eles se 9 debruçam sobre os instrumentos, ensaiam, testam e escutam, pensam nas notas, nos timbres, nos tempos e harmonias, equalizações, efeitos, entre outros. Apesar deste texto argumentar a favor da maturação de um trabalho musical e da precisão na sua elaboração, isso não quer dizer que estes detalhes sejam uma exigência da indústria fonográfica. Esta última, muitas vezes, coloca nas prateleiras produtos musicais de qualidade duvidável, primários e sem condições de apresentação.4 Isso acontece porque estes mesmos produtos são bem aceitos por uma determinada categoria de consumidores, posto que nem todo mundo tem capacidade de perceber os detalhes de uma má gravação ou de uma música mal executada. Porém, dentro do gênero musical ao qual o trabalho do grupo Matita Perê está inserido, fica impossível qualquer tentativa de apresentação e apreciação de um produto sem que este seja instituído de um certo grau de qualidade. Como este tipo de trabalho de MPB geralmente é bastante elaborado, são necessários uma boa qualidade na execução e um bom nível técnico de gravação; de outra forma, alguns detalhes de harmonias e arranjos musicais podem vir a ficar imperceptíveis, prejudicando a audição do trabalho. Também, em boa parte, essa cobrança de qualidade se deve ao público da MPB, que é um dos mais exigentes quanto à resolução técnica e estética de um produto. Por estes motivos, o grupo musical tem que estar preparado para se lançar no mercado e a sua capacidade é demonstrada com um resultado já amadurecido de seu trabalho. O CD DEMO Segundo os autores do livro Manual de produção de CDs e fitas demo, Marcelo C. de Oliveira e Rodrigo de C. Lopes (1997), preferencialmente, uma fita ou CD demo devem 10 ser gravados com boa qualidade, mas da maneira mais simples possível, com faixas limitadas apenas a um instrumento (geralmente o violão) e a voz. Neste caso, o produtor ou a gravadora iriam ter mais facilidade de conceber o resultado final do produto, já que as músicas ainda estariam em estado bruto e sem nenhuma definição; a única coisa a ser apresentada seria o próprio trabalho composicional. Supostamente, num mercado que gera grandes lucros, estes profissionais sabem ou deveriam saber quais os produtos artísticos musicais que se enquadram no perfil do consumidor e de que forma este produto deve ser lançado para ganhar espaço dentro de um segmento ou público alvo. Para poderem trabalhar sobre a “matéria bruta”, os profissionais da área, segundo os autores citados acima, preferem um CD ou fita demo mais “enxuto”, o qual tem mais chance de atraí-los pelo conteúdo do material apresentado. Contudo, essa idéia funciona se aplicada a um produto cultural mais simples, em que os arranjos e as harmonias já não façam parte da própria composição. As músicas do Matita Perê são bastante elaboradas já na sua fase composicional – algo comum em determinados segmentos da MPB – quando surgem idéias de arranjos e outras sonoridades para a canção. Além disso, o Matita Perê tem a pretensão de mostrar não apenas um trabalho composicional, mas, também, os seus propósitos dentro da Música Popular Brasileira, em termos de composição, harmonia e arranjo, e, como já foi dito anteriormente, isso seria impossível sem pelo menos tornar audíveis os elementos mais característicos da sua intenção. Tenta-se deixar claro, nas faixas do cd, que não se quer mostrar nada além dos arranjos musicais ou, mesmo, de um trabalho bem elaborado com elementos quase que indissociáveis. Decerto, o produto a ser apresentado aqui é apenas uma demonstração do trabalho composicional do grupo Matita Perê; são idéias próximas da finalização, porém, gravadas sem uma qualidade técnica desejada. Trata-se apenas de um prospecto do que será a obra 4 Podemos citar diversos erros de uma má gravação, como: desafinações, choques de harmonização, ritmos fora do compasso, enfim, um sem número de detalhes que podem comprometer por demais um trabalho musical. 11 final do grupo. É importante dizer que este CD demo traz em si a concepção artística do Grupo, como por exemplo, a forma em que ele é concebido e executado, sem perder nunca o seu direcionamento musical. No período de gravação, foram evitados, portanto, solos desnecessários, sem um prévio estudo, exacerbação de caracterização rítmica, adequação a modismos musicais, timbres e efeitos mal colocados, etc. Para o grupo, as composições, antes de serem produtos, são obras artísticas e devem ser encaradas como tal. Qualquer redução feita neste projeto foi apenas por falta de recursos materiais ou humanos para realizá-lo. Tecnicamente, a gravação de um CD demo representa uma série de passos ligados intimamente aos recursos de sua produção. Deve-se dominar os equipamentos de execução: desde os instrumentos musicais até os aparelhos tecnológicos do processo de gravação. Sérgio Bairon (1995), explanando sobre a relação da arte com a técnica, comenta: “Mal sabia Benjamin5 que a tecnologia no final de seu século iria, não só multiplicar e subjetivar os conceitos de autoria e reprodução, como também possibilitar a existência de uma técnica como arte”. Neste caso, Bairon faz referência a todas as possibilidades artísticas surgidas a partir de processos tecnológicos. O resultado do CD é o somatório dos dotes musicais de cada integrante do grupo e das manipulações técnicas do trabalho em cada um dos equipamentos utilizados, perfazendo as etapas de elaboração. Esta manipulação dos recursos e ferramentas se dá de maneira empírica, através de sucessivos testes ou tentativas para se chegar a bons resultados. Conta, portanto, a sensibilidade daquele que está manipulando os sons com tais equipamentos, para saber a hora de repetir ou dar como terminada mais uma etapa do processo. Por fim, o CD demo tem que ser produzido de forma tal que as pessoas a quem este trabalho se destina possam entender com clareza o que lhes é apresentado, podendo fazer 5 Walter Benjamin, autor de A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: LIMA, Luiz Costa (ORG.) Teoria da cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. 12 um julgamento do material sem que haja ruídos na comunicação entre o produto (mensagem) e seu receptor. É preciso, portanto, dominar ao máximo todos os processos referentes à elaboração de um CD, evitando que o trabalho seja comprometido numa de suas etapas. No caso do trabalho do Matita Perê, não são apenas composições a serem apresentadas, mas o resultado da sua concepção musical. Muitas composições fortalecemse, ganham brilho com as suas rearmonizações, arranjos, e se tornam indissociáveis destes elementos. 13 Segunda parte: Memorial da elaboração do CD demo do grupo Matita Perê: Pré-produção Nessa primeira etapa, há uma organização de toda a produção que se seguirá na elaboração do cd. Serão definidos os arranjos e consequentemente os timbres musicais para cada canção, o que exigirá um estafe de músicos. A escolha dos músicos, a adequação dos horários de estúdio para gravações e todo um calendário a ser cumprido apontam para a necessidade de uma pré-produção, etapa que, obviamente, antecede a entrada dos músicos no estúdio. Muitas coisas estão envolvidas neste processo e muito há para se resolver previamente, antes da gravação, como por exemplo: a minimização de custos e tempo em cada uma das etapas acima citadas, mesmo que se trate apenas de um CD demo. Um estúdio de gravação cobra por período de utilização de seus equipamentos. Normalmente estes períodos variam de 3 a 4 horas e são bastante caros, a depender do estúdio. É preciso, então, fazer um agendamento das horas que serão gastas com este trabalho, treinando a execução dos arranjos antecipadamente para não se perder tempo dentro do aquário de gravação. O tempo dentro do estúdio custa dinheiro. Este não é propriamente o caso da gravação do CD demo do Matita Perê. O estúdio utilizado para a gravação é da Faculdade de Comunicação da UFBA (FACOM), sendo oferecido ao grupo como espaço para realização deste projeto. Mesmo assim, houve que se agendar horários para utilização do estúdio da FACOM, dividindo-o com outros trabalhos que lá eram realizados. Teve-se, também, que marcar com os músicos horários, conciliando estes com os de liberação do estúdio. 14 A pré-produção, portanto, inclui desde a familiarização técnica com os equipamentos do estúdio, iniciada no ano anterior, até o registro autoral de todas as músicas que foram gravadas, mesmo sabendo que o CD é um documento datado de registro, principalmente, um CD realizado no meio acadêmico. Deve-se fazer uma agenda para garantir a ordenação dos trabalhos. Durante a gravação do CD demo do Matita Perê, fez-se também um memorial de tudo que ia sendo realizado. Gravação Para se fazer uma gravação organizada e criteriosa, devemos ordenar o que será gravado. Antes de mais nada, faz-se necessário marcar o andamento de cada música, a duração de seus tempos de compasso. Pouquíssimas pessoas conseguem executar uma música inteira dentro de um ritmo6 frequente, sem acelerá-la ou atrasá-la; isso é extremamente natural e humano; inclusive, causa-nos uma certa estranheza a execução de uma melodia com tamanha precisão de tempo por um computador. É preciso, então, marcar os andamentos das músicas em um metrônomo para que os músicos possam se basear durante a gravação. Em algumas canções pode ser bastante interessante esta naturalidade com que o homem, simplesmente, aplica o seu tempo interno à música (este foi o caso da faixa Nascente, gravada sem metrônomo), sem a influência de uma marcação de tempo externo. Preparadas as marcações de tempo em um metrônomo, foram iniciadas as gravações no dia 20 de março. Primeiramente, escolhemos algumas canções do trabalho do grupo Matita Perê para iniciar o processo. As cinco primeiras foram: Rosiana, Já na Lua, 6 Sobre ritmo, melodia e outros elementos da música, ver: KIEFER, Bruno. Elementos da Linguagem Musical. 2a ed. Porto Alegre: Movimento; Brasília: Instituto Nacional do Livro-MEC, 1973. 15 Menino de Feira, Tão longe e tão perto de Jobim e Nem dinheiro nem Maria, músicas prontas para a gravação, ou seja, com o arranjo concebido, e que facilitavam a produção por poderem ser gravadas apenas pelos membros do grupo. Colocamos, antes de mais nada, as bases de cada canção. As bases das canções do Matita Perê, no caso das músicas aqui gravadas, estão sempre nos violões, pois os seus compositores trabalham mais com este instrumento, transferindo para ele toda a alma do conjunto. Então, começou-se a gravar os violões base de cada uma das cinco músicas, para, em seguida, ir preenchendo-as com os outros instrumentos. Este primeiro período de gravação das bases durou aproximadamente quatro períodos de gravação (doze horas) em dois dias, pois uma base deve ser gravada com uma boa execução, sem perder o tempo do compasso e fazendo soar as notas com clareza, afinal, ela irá nortear toda a música e pode induzir erros nas gravações dos outros instrumentos. Neste dois dias, gravamos quase todos os violões referentes às cinco músicas, sendo que as bases de Nem dinheiro nem Maria foram feitas por Luciano Aguiar e o restante por Borega. Voltamos ao estúdio da FACOM nos dias 27 e 28 de março, quando foram gravados os baixos das músicas pelo multinstrumentista Borega. Completamos, também, a gravação dos violões. Os trabalhos se davam quase sempre aos finais-de-semana. Casualmente, entrava-se no estúdio no meio da semana para adiantar algum serviço e facilitar os momentos de gravações. Isso acontecia, como já fora dito anteriormente, a produção deste projeto dividia os horários do estúdio com outros trabalhos realizados no mesmo; era preciso um agendamento. Somente no dia 10 de abril retornamos ao estúdio para a gravação das flautas por Carol Carvalho, integrante do grupo, nas faixas Rosiana, Já na Lua e Menino de Feira. Este trabalho foi concluído no dia 15 de abril. Enquanto isso, Borega já ia gravando alguns elementos dos arranjos com timbres de um módulo de sons midi pertencente ao próprio estúdio; os famosos timbres eletrônicos. Para gravar estes detalhes de arranjo, foram feitas 16 exaustivas seleções das timbragens existentes no módulo, buscando aquelas que melhor se adequavam às faixa em termos de casamento de timbres. Alguns destes timbres estão presentes em outras faixas do CD demo, pois assim daríamos uma unidade estética para o trabalho. As músicas já estavam prontas, faltando somente a inserção das vozes. No dia 21 de abril, o Matita Perê recebeu a visita da cantora Cláudia Cunha, que lhe emprestou a voz na canção Já na Lua, juntamente com Borega. A partir daí, as vozes foram sendo gravadas uma a uma, respectivamente, no período de 21 a 24 de abril, menos a voz de Menino de Feira, devido a algumas complicações técnicas. Esta música acabou ficando à espera somente da voz para a sua finalização. As canções restantes começaram a ser gravadas em 1o e 2 de maio. Durante estes dias foram feitas as bases de Nascente e Triângulo e foram aproveitadas as bases de Antenado e Mão a palmatória, que haviam sido feitas desde janeiro, quando o grupo já se preparava para o projeto. Colocamos, também, os outros violões destas músicas (Os dados técnicos destas gravações podem ser conseguidos na “Ficha Técnica” do CD). Após este fim-de-semana, o grupo Matita Perê voltou a se reunir nos dias 15 e 16 de maio para a gravação dos baixos e instrumentos midi das músicas citadas logo acima. No dia 26 de maio foram gravadas as bases de Ciclo retirante e De Itajubá. Logo no dia 1o de junho, Carol Carvalho gravou as flautas em De Itajubá. Os outros instrumentos que restavam para finalizar as músicas foram gravados até o dia 12 de junho, faltando apenas os violoncelos de Mão à palmatória e Nascente e o triângulo da música Triângulo, única que leva algum instrumento de percussão. Entre os dias 13 a 18 de junho foram gravadas as vozes das faixas restantes. Logo em seguida, no dia 19, o maestro João Omar chega de Vitória da Conquista para gravar o cello em Mão à palmatória e Nascente e Luciano Aguiar grava o triângulo, encerrando assim o ciclo de gravações. 17 Considerações sobre os detalhes técnicos da gravação A mesa de gravação utilizada é um software (Session8) de P.C. (Personal Computer) que funciona no computador, conectada a uma mesa de som da Mackee (16 canais) através de uma placa de som especial do próprio Session8. Os instrumentos são gravados como arquivos “wave” (.wav) e são processados dentro do próprio computador para dali sair o CD demo. A apropriação técnica dos recursos e ferramentas utilizadas nesta gravação se deu de maneira empírica, do mesmo modo que se explicou anteriormente. O grupo, a partir da própria prática e uso do equipamento, foi aprendendo, paulatinamente, a trabalhar com o mesmo. Esta prática, de certa forma, influenciou no resultado do trabalho, ou seja, o equipamento exigiu um desenvolvimento à parte no modo de fazer o CD – provavelmente seria diferente com um outro. Assim, além de se esforçar para conhecer bem o equipamento com o qual estava lidando, a equipe técnica do CD tentou, ao máximo, dominar os seus recursos de maneira a extrair o melhor som das gravações. Para as próximas etapas, seria bem mais fácil se trabalhar num arquivo que já havia sido bem gravado. O grupo Matita Perê trabalha — basicamente — com instrumentos acústicos, fazendo uso, de vez em quando, de timbragens eletrônicas. A captação do som de um instrumento, a exemplo do violão, é feita por microfone e isso exige uma qualidade no equipamento, assim como o uso correto deste. Para o violão, o ideal é usarmos microfones unidirecionais apontados para o 14o traste e para a tampa do bojo do violão, nunca direcionando o microfone para a boca do mesmo. Detalhes como este foram sendo descobertos no próprio decorrer das gravações, à medida que íamos conseguindo textos sobre como se gravar, mixar e masterizar. Os violões, por exemplo, de De Itajubá e Ciclo retirante foram sensivelmente melhores do que os outros, no que se refere à qualidade das gravações. 18 Os violoncelos foram gravados pelo mesmo processo: dois microfones, um na tampa do bojo, atrás do cavalete, e outro na região inferior do braço. O primeiro capta melhor as regiões graves do instrumento, assim como o segundo capta melhor os agudos. Estes microfones entram em dois canais na mesa de gravação (programa: Session8). A conjunção dos dois canais, buscando um balanceamento para o som dos instrumento através da regulação de seus volumes, será o resultado final da gravação do instrumento. Dessa forma, podemos evitar “graves” que estouram o som e “agudos” trastejantes (no caso do violão) e metálicos, sons de unhas nas cordas, etc. Estes são alguns detalhes que expressam o quanto o conhecimento técnico favorece a gravação de um CD. Mixagem É muito difícil na elaboração de um CD saber dizer exatamente o que diferencia o momento de mixagem, de equalização e colocação de efeitos. Pressupostamente, a equalização e a colocação dos efeitos fazem parte da própria mixagem da música, sendo muito comum o trabalho com estes processos durante o período de mixagem. Só podemos entender realmente a mixagem de uma música se escutarmos por inteiro, fazendo uma soma de todos os “reverbs7” que nela são colocados, dos graves, médios e dos agudos em cada instrumento e dos volumes destes. Em contrapartida, deve se ter, no momento em que se aplica algo às gravações, uma noção prévia do que será a música na mixagem final. É preciso, também, fazer relações entre a qualidade dos sons (equalizações, intensidades e etc.) dos outros elementos e o efeito que será aplicado no instrumento em que se está trabalhando. 7 Reverb é um efeito sonoro que dá uma noção de espacialidade, simulando ambientes onde reverberam as ondas sonoras, por exemplo: corredores, cavernas, salas grandes e muitos outros. 19 Quando se aplica uma equalização a um instrumento pode-se estar imprimindo ganho ou perda de volume ao mesmo. O processo de mixagem começou a ser realizado logo após a primeira gravação. A partir daí, todos os instrumentos vão sendo balanceados com os outros. Não há necessidade de se gravar um instrumento se este não será escutado no “bolo musical”, se este ficará escondido atrás dos outros elementos. Na música, tudo tem que se complementar e quem trará todos os seus detalhes à tona, numa perfeita conjunção, será justamente a mixagem. Esta é, pode-se afirmar, uma etapa não somente técnica da gravação, mas responsável por uma condição estética da música. Uma mixagem pode embelezar ou destruir um trabalho. A mixagem é, propriamente, o balanceamento entre os instrumentos gravados, não deixando que uma coisa se sobreponha à outra, porém, este encontro sonoro entre os elementos gravados se deverá, em boa parte, ao trabalho de equalização e colocação de efeitos em cada uma deles, formando o já citado “bolo musical”. Portanto, é mais fácil dizer que estas duas etapas do processo estão inclusas na mixagem, apesar de serem identificadas separadamente. A mixagem final começou a ser feita no dia 10 de junho, juntamente com o processo final de equalização e colocação dos efeitos. Para o melhor entendimento das questões aqui levantadas, prefere-se abordar, de início, estes dois processos: a equalização e a colocação dos efeitos no trabalho do grupo Matita Perê. Equalização e Efeitos No momento em que começamos a trabalhar os arquivos originais das gravações, foram feitos “backups”8 destes para não se correr risco de perdas. Os arquivos podem ser 8 Backups são cópias de segurança dos arquivos. 20 alterados e não haver mais como mudar este resultado, ou seja, perde-se o arquivo ou aceita que ele fique do jeito que está. As equalizações foram iniciadas quando foi finalizada a etapa de gravação das primeiras faixas do CD. Logo após, na última semana de abril, entre 25 e 28 deste mês, foi iniciado um trabalho de colocação de efeitos (reverbs) nos instrumentos e suas equalizações. Este processo de equalização e de colocação de efeitos não foi tão ordenado; ocorria conforme a necessidade e o tempo disponível. As músicas só chegaram a ser realmente equalizadas quando o projeto se aproximava do final das gravações, dia 10 de junho. Dali em diante, as músicas foram sendo trabalhadas de acordo com uma sonoridade que desse unidade ao disco. Pelo menos, esta foi a tentativa: ter no conjunto das músicas, além de uma unidade composicional e de arranjos, uma ambientação sonora específica para o CD. A colocação de efeitos ocorreu, em boa parte dos casos, no próprio momento da gravação, diminuindo em muito o trabalho no final. Isso aconteceu para facilitar o trabalho dos músicos que iam colocando os outros instrumentos: “é mais fácil gravar um instrumento quando a base, à qual se tem que acompanhar, chega mais clara em seus ouvidos”, como disse o integrante do grupo, Borega. Para os últimos dias, juntamente com a equalização, foram colocados os efeitos nos instrumentos que faltavam e nas vozes, fazendo alguns retoques e complementações. A colocação dos reverbs (efeito mais utilizado neste trabalho) segue, no período final do projeto, praticamente o mesmo cronograma das equalizações. Considerações técnicas sobre a equalização e a colocação de efeitos Os arquivos gravados, conforme dito no item anterior, são processados dentro do computador – esta é a condição do equipamento digital de gravação do estúdio de áudio da FACOM. Existem dois softwares instalados no computador de trabalho que podem usados 21 para a equalização das músicas, o Sound Forge e o Session8. O Sound Forge se adequa melhor ao trabalho de equalização de arquivos wave, podendo ser usado para a colocação de diversos efeitos, masterização, criar “bounces9” estéreos, entre outros, porém, no caso específico da equalização, o Session8 facilita, em muito, o trabalho do técnico. A questão é que os arquivos wave geralmente são muito grandes e demoram de ser processados, além de que, para se escutar a música por inteiro, com todos os instrumentos tocando ao mesmo tempo, só é possível através da mesa do Session810, no qual a equalização tem uma aplicabilidade imediata sobre a onda gravada. Já no Sound Forge, este processo é muito demorado. Para testar uma equalização a ser aplicada num arquivo gravado, o programa trabalha num processo muito lento e só coloca o efeito sobre um pequeno trecho do arquivo, que muitas vezes não é suficiente para o técnico perceber a alteração ocorrida. Esta aplicação não é imediata, levando algum tempo para acontecer. Por estas e outras, o Session8 se torna mais prático na hora de equalizar. Um outro problema enfrentado na equalização foi a não fidelidade dos monitores – ou caixas de som – utilizados em relação ao que realmente está gravado. Têm-se a impressão, a partir de testes feitos em gravações de fitas para serem escutadas em outros equipamentos, de que o aparelho da FACOM esconde os graves que soam durante a música. Às vezes, o que parece ser agudo nos monitores do laboratório fica bastante grave em outros aparelhos de reprodução sonora. Melhor, então, usar o “fone”. Mesmo assim, foram necessárias constantes gravações de fitas para melhor apurar os resultados. Quanto à colocação dos efeitos, o programa utilizado foi o Sound Forge, o único no computador que possui esta qualidade. Este processo de colocação de efeito se tornou A palavra “Bounce”, em português significa: pulo, salto, elasticidade, vivacidade, etc. No caso deste texto, o significado da palavra “bounce” é o mesmo da terminologia técnica utilizada pelo programa Session8: é a junção de dois ou mais outros arquivos, dando origem a um terceiro. Por exemplo: quando se junta as flautas de uma música num só arquivo. 10 O programa simula uma mesa de som na tela do computador. 9 22 demasiadamente lento por conta da não imediatibilidade do software e do computador de trabalho, um pentiun 166 Mhz. Mixagem no Session8 O disco vinha sendo mixado desde o início das gravações, como já fora dito, pois, para poderem gravar os seus instrumentos, os músicos precisam escutar o que foi gravado anteriormente com volumes minimamente equilibrados. Afinal, eles terão que acompanhar aquela música, não podendo esta lhes parecer confusa. Quando o processo de mixagem final foi iniciado, no dia 10 de junho, já havia, portanto, um bom equilíbrio entre os instrumentos que haviam sido gravados nas faixas e já se sabia com mais precisão o rumo que se iria tomar neste sentido. Do dia 10 até o dia 21 de junho, todas as mixagens foram feitas, em horas exaustivas dentro do estúdio e nos intervalos entre uma gravação e outra. Havia três pessoas trabalhando diretamente nesse trabalho, além de Luciano Aguiar, revezavam-se Carlos Paiva e Borega no apoio, isso quando não estavam os três. Era super importante ter a opinião de mais de uma pessoa, pois ninguém consegue estar sempre atento a todos os detalhes; algo pode escapar. Apesar de haver boas discussões argumentativas, as decisões eram tomadas sempre em consenso, tornando mais difícil a possibilidade de três pessoas incorrerem no mesmo erro. Assim, as músicas foram devidamente mixadas e o trabalho é dado por encerrado quando todos os arquivos das faixas recebem os decibéis que lhes foram estimados na mixagem, isto pode ser feito no Sound Forge ou no próprio Session8. Dispensa-se, então, o controle de ganho de volume da mesa de som do Session8, deixando-a em flat (com os arquivos no 0 dB). Este trabalho é feito para que se possa dar início à próxima fase. 23 Considerações técnicas sobre a mixagem O software utilizado neste processo é o Session8, pois o mesmo oferece 8 canais para o trabalho de mixagem. Nele, é possível trabalhar o equilíbrio entre os instrumentos – agora já equalizados e com reverb – através da mesa de som apresentada na mesa de computador. O sistema é simples: são oito faixas dispostas paralelamente e na horizontal. Em cada uma destas faixas são colocados arquivos que foram gravados (um ou mais, desde que não fiquem superpostos). Para cada uma delas há um controle de ganho (volume) e este pode ser regulado de acordo com o arquivo que está presente naquele momento do canal, por exemplo: duas ou três partes de uma flauta num mesmo canal - que nem sempre são gravadas com a mesma intensidade, além de que, elas estão em pontos diferentes da música e necessitam de uma avaliação de suas alturas de acordo com contexto geral – provavelmente devem ser mixadas com volumes diferentes. Não se pode, portanto, fazer uma regulagem geral do volume naquele canal, tem que se dar ganhos diferenciados em pontos do mesmo. Para esse tipo de trabalho existem recursos no Session8. É bom notar mais um detalhe: o volume geral da música e o volume de seus arquivos individuais não podem passar do limite permitido pela potência do equipamento. Se isto ocorre, o arquivo terá um som destorcido, com má qualidade de audição, prejudicando o trabalho. O próprio Session8 mostra quando o arquivo estoura, ou ultrapassa este limite. Mix-instrumental estéreo Esta etapa serve para transformar a música, que ainda é mono (toda regulada numa única direção) para estéreo, ou seja, com diferença nas duas saídas L e R (Left e Right) de um som comum, amaciando mais ainda o trabalho, depois de todos os efeitos e equalizações. O efeito estéreo, neste caso, em termos simples, consiste no deslocamento de 24 um instrumento mais para uma caixa do que para a outra. Por exemplo: um violão pode pender mais para o lado esquerdo enquanto o outro para o lado direito, dando uma sensação de ambiência ao ouvinte, de espacialidade da música. Esse efeito é bastante trabalhoso. Não é apenas a aplicação de um equipamento que o faça por si só. Ele é calculado, pensado em termos de decibéis, e, ainda aí, há uma escolha estética no seu equilíbrio. O mix-instrumental estéreo é a colocação deste efeito apenas sobre a parte instrumental da música, excluindo-se daí a voz e os instrumentos solos, como o solo de baixo em Nem dinheiro nem Maria ou a sanfona de Ciclo retirante. Estes últimos são mixados, depois, sobre o mix-instrumental (esta é uma recomendação encontrada no próprio manual do Sound Forge). Segue abaixo o exemplo dos cálculo de um mix-instrumental: De Itajubá Viola_bo Viola_lu Baixo Flautas Jazz1 Fra_jazz Viointro cama harmo Left +1.2dB - 1.2dB +0.8dB -0.8dB +2.2dB -2.2dB 0dB 0dB 0dB Right -1.2dB +1.2dB -0.8dB +0.8dB -2.2dB +2.2dB 0dB 0dB 0dB Voz(start 3.715) Vale ressaltar que há uma compensação dos ganhos para cada instrumento. O arquivo Viola_bo, por exemplo, perde 1,2dB na caixa da direita, mas ganha 1,2 dB na esquerda. Também ocorre que os dois lados das caixas devem ficar razoavelmente equiparados em relação às suas intensidades sonoras, senão causaria um efeito incomodo no ouvinte, que escutaria uma caixa mais alta do que a outra. 25 Para finalizar esta explicação, levanta-se aqui o fato de que nem todos os instrumentos da música De Itajubá estão soando ao mesmo tempo, portanto, o equilíbrio deve ser feito considerando o momento da música, e isso é muito complicado. O mix-instrumental começou a ser preparado na noite do dia 21 de junho. Tinha-se a impressão de que seria fácil e sem maiores complicações. Este trabalho demorou dois dias para a sua conclusão, pois o computador demorava bastante para processar os dados. Considerações técnicas sobre a elaboração dos mix-instrumentais estéreos O primeiro passo para a elaboração de um mix-instrumental é fazer um bounce no Session8 de todos os arquivos instrumentais da música, considerando os parâmetros de alturas da saída esquerda e um outro para a direita. A partir destes dois bounces (bnc_l.wav e bnc_r.wav), segue-se para o Sound Forge, onde transforma-se estes arquivos em dois lados de um arquivo estéreo. Junção das vozes com os mix-instrumentais A junção da voz e de alguns instrumentos solo com o mix-instrumental deve ser feita por último, conforme relatado anteriormente. Apesar do pequeno comentário sobre este processo, o mesmo requer bastante cuidado e preciosismo. A voz, ou um instrumento solo, tem que se sobressair na música, deixando clara a letra e a melodia da canção. Porém, deve-se encontrar um ponto certo entre a intensidade dos instrumentos e a da voz, evitando, assim, a supressão de alguns elementos mais baixos ante o volume desta. A voz é gravada sem diferença nas saídas, com o mesmo volume para ambos os lados. Um outro detalhe interessante é que em muitas músicas gravadas o volume de voz aparece mais alto que os demais instrumentos, situando-a num outro plano: a voz fica fora 26 do “bolo musical”. O ideal é que ela fique imersa neste conjunto, sem que se perceba esta separação. Fazer isso é muito difícil e requer muita precisão. O bounce das vozes foi feito no mesmo momento em que se acabou de fazer os mix-instrumentais, durando três dias consecutivos, varando-se as madrugadas. Algumas vezes, descobrimos detalhes imprecisos na mixagem, equalização, etc., reiniciando todo o processo para corrigir erros anteriores. O programa e o computador demonstraram as suas máximas lentidões, gastando bastante tempo no processo de aplicação das vozes nos mix-instrumentais. Cada vez que se testava um volume da voz no mix, demorávamos em torno de 20 mim para o computador processar e muitas vezes o trabalho ainda não estava no ponto. Foi bastante desgastante. O trabalho foi finalizado no dia 25 de junho. Masterização De acordo com a explicação de Mauro Cogo, técnico de masterização profissional, em entrevista concedida ao site Usina, na Internet (http://i.am/usina, 1999), “a masterização surgiu como uma nova etapa da produção musical. Até meados da década de 80 os discos de vinil eram prensados à partir da fita da mixagem, sem passar por nenhum outro processo. Com a chegada do CD e gravadores e processadores digitais, novas possibilidades no tratamento do áudio surgiram, incluindo a finalização, onde trabalha-se os canais L e R da música já mixada. Em outras palavras, para as músicas serem gravadas no CD, elas tem que ser transferidas para um computador, com softwares específicos de edição de áudio, e, nesse processo, o som é processado melhorando sua qualidade”. Fazem parte do processamento de masterização: compressão, equalização, ambientação, etc. Enfim, o que se faz nos canais isolados de mixagem, pode-se fazer, agora, nos canais L e R. 27 Na elaboração do CD demo do Matita Perê, dos processos envolvidos numa masterização completa, fez-se apenas uma compressão manual das ondas sonoras nos canais L e R, diminuindo os picos, ou pontos de máximo das ondas – infelizmente, não tínhamos um equipamento que fizesse a compressão completa dos canais. Estes picos da gravação distorcem o som reproduzido e podem danificar os aparelhos de som. No próprio Sound Forge, que é, basicamente, um software de edição sonora, o técnico de som pode verificar a onda gravada e reduzir os picos desta, sem que ninguém perceba alguma alteração audível no decorrer da música. Mudar um pouco um pequeno trecho da onda é imperceptível ao ouvido humano, mas melhora sensivelmente a reprodução por parte dos equipamentos. Este processo de redução de picos nas músicas aconteceu em dois momentos: durante a mixagem, em alguns arquivos que estavam com pontos muito altos em relação ao seu nível de gravação, e na masterização, para limpar os momentos em que a música esta “estourando”. Em ambos os casos, tivemos bastante cuidado para não retirar os harmônicos dos instrumentos ou alterar a própria interpretação dos músicos, a dinâmica que eles dão à suas gravações. A masterização não pode corromper o trabalho ou alterá-lo no seu propósito. Na masterização, fizemos, também, uma equalização final das faixas, sem alterá-las por demais. As músicas já estavam praticamente concluídas. O início das masterizações se deu a partir do dia 25 de junho, quando os arquivos estéreo já estavam com as vozes adicionadas. No arquivo estéreo, pode-se fazer a masterização dos dois lados separadamente ou em conjunto. 28 Finalizações No momento em que realizávamos a masterização dos arquivos estéreo, aproveitamos para fazer a limpeza dos mesmos, cortando os excessos no início e no fim, retirando ruídos destas regiões, aplicando fades, etc. Enfim, trabalhando a música para que ela não contenha indesejáveis. Partiu-se, então, para a gravação das músicas no CD. O programa Corel Cd faz este trabalho, convertendo o arquivo wave num arquivo de áudio para CD. O tempo médio para reprodução de cada CD foi de 1 hora para ser reproduzido no equipamento aqui utilizado. Conclusão Gravar um CD, cumprindo todas as suas etapas, é um processo árduo e exige grande dedicação. Para realizar este projeto, o grupo musical Matita Perê já vinha se preparando desde o ano passado, quando havia gravado três músicas num outro trabalho acadêmico (uma delas foi adicionada ao CD demo, Casa do Fogo – última faixa do disco). Estas três músicas demoraram quase um ano para serem finalizadas, demonstrando o quanto seria difícil a realização deste projeto, que aliás só foi possível graças à experiência de trabalho que o grupo já havia adquirido anteriormente. O processo é lento e exigiu dedicação máxima por parte do grupo. Obtivemos uma boa qualidade no produto final. Vale lembrar que se trata de um CD demo. Conseguimos, com os recursos disponíveis, demonstrar as composições e os elementos de arranjo de forma clara em quase todas as músicas, sem deixar dúvidas para quem vai ouvir. O maior problema ocorrido aconteceu na mixagem das vozes. O técnico de 29 mixagem foi enganado pelos monitores, que dão uma resposta diferente do som reproduzido pelo CD. As vozes das músicas acabaram ficando um pouco altas. Houve problema, também, de saturação na reprodução dos CDs. As faixas foram registradas num volume (intensidade) que, no equipamento do estúdio, não apontava nenhum problema, mas está estourando em equipamentos normais de som. Este mesmo CD será utilizado agora como parâmetro para uma nova mixagem, guardando as devidas proporções entre o que nele se escuta e o que se ouve nos monitores do estúdio. A não gravação de instrumentos percussivos nas músicas foi uma opção do próprio grupo (com exceção do triângulo na faixa de mesmo nome – neste caso, o instrumento faz parte da própria concepção musical do autor). Seria por demais trabalhoso e pouco demonstrativo, já que a concepção rítmica está embutida na própria execução dos instrumentos e nos arranjos. Seguindo a cadência de cada uma destas faixas gravadas no CD demo, o Matita Perê já tem idéia de qual será a aplicação dos instrumentos percussivos nas suas músicas. O CD demo do Matita Perê ainda é uma obra aberta, sujeita a alterações. Foram feitos backups de todos os arquivos, tornando possível retrabalhar os mesmos, e há, até mesmo, a possibilidade de regravar alguns instrumentos, apesar de que para isso necessitese de bastante tempo e esforço. De posse do CD demo, o grupo Matita Perê tem maiores chances de se inserir no mercado, podendo almejar a próxima etapa de sua produção. 30 Bibliografia 1. ADOLFO, Antônio. Composição: Uma discussão sobre o processo criativo brasileiro. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1997. 2. BAIRON, Sérgio. Multimídia. São Paulo: Global, 1995. 3. KIEFER, Bruno. Elementos da Linguagem Musical. 2a ed. Porto Alegre: Movimento; Brasília: Instituto Nacional do Livro-MEC, 1973. 4. GOEHR, Alexander. A música enquanto comunicação. In: MELLOR, D.H. (org.). Formas de comunicação. Lisboa: Editorial Teorema, 1995. 5. HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. A indústria cultural: O iluminismo como mistificação de massas. 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