CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO - UNIFIEO PROGRAM A DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM DIREITO SANDRA REGINA PAVANI FOGLIA DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: EFETIVIDADE DO DIREITO AO LAZER Osasco 2011 2 SANDRA REGINA PAVANI FOGLIA DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: EFETIVIDADE DO DIREITO AO LAZER Diss er taç ão apr es entada à Banca Ex am inador a do UNIF IEO – Centr o Univers itár io F IEO , c om o ex igênc ia parc ial, par a a obtenç ão do título de Mes tr e em Dir eito, tendo c om o ár ea de c onc entraç ão: Pos itivaç ão e Concr etizaç ão J ur ídic a dos Dir eitos Hum anos inser ido na linha de pes quis a Dir eitos F undam entais em s ua Dim ens ão Mater ial, sob a or ientaç ão do Pr ofess or Doutor Dom ingos Sávio Z ainaghi. Osasco 2011 3 SANDRA REGINA PAVANI FOGLIA DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: EFETIDADE DO DIREITO AO LAZER Diss er taç ão apr es entada à Banca Ex am inador a do UNIF IEO – Centr o Univers itár io F IEO , c om o ex igênc ia parc ial, par a a obtenç ão do título de Mes tr e em Dir eito, tendo c om o ár ea de c onc entraç ão: Pos itivaç ão e Concr etizaç ão J ur ídic a dos Dir eitos Hum anos inser ido na linha de pes quis a Dir eitos F undam entais em s ua Dim ens ão Mater ial, sob a or ientaç ão do Pr ofess or Doutor Dom ingos Sávio Z ainaghi. BANCA EXAMINADORA ________________________________ ________________________________ ________________________________ Osasco, _____/______/_____ 4 Dedico este estudo à minha Mãe que me ensinou a perseverar sempre para alcançar meus objetivos. 5 Agradeço ao Professor Domingos Sávio Zainaghi pela honrosa oportunidade de ser sua orientanda, e pelos conselhos afortunados. Agradeço Candida da especialmente Cunha Ferraz à pelo Professora apoio e Anna incentivo permanentes nessa trajetória, algumas vezes dif ícil. Algumas outras pessoas foram demasiadamente importantes Nadja neste Polezer, contexto, Marcelo assim Domingues agradeço de a Andrade, Ana Cristina Moreira, Elizabeth Cavalcante Nantes, e à Professora Debora Gozzo, amigos queridos que estarão sempre próximos. 6 RESUMO As constantes transformações nas relações de trabalho, a influência das exigências econômicas nessas, o impacto da globalização, da revolução tecnológica, e a busca da constitucionalização de normas, trazem um repensar das horas destinadas ao trabalho e ao lazer. Detectar a relevância que o tempo livre, regulado pelo tempo de trabalho possui na vida do cidadão, para o simples descanso, para o aperfeiçoamento sociedade, ou profissional, buscar para interagir desenvolvimento com cultural a e família e intelectual, exercendo o direito ao lazer é o desafio proposto. O estudo desenvolvido demonstra de maneira racional, e calcado em disposições jurídicas, bem como em reflexões inter e transdisciplinares as reivindicações sociais emergentes a concretizar o exercício do direito ao lazer. Por fim, se torna manifesta a assertiva de que o Direito se revela como consequência de um construído histórico por meio de lutas e reivindicações do homem, e se instala no meio social como um dos elementos de transformação modernizadora da sociedade. Palavras-chave: Direitos fundamentais. Transformações no mundo do trabalho. Regulação do tempo de trabalho. Lazer. Direito ao lazer. 7 ABSTRACT The hours for labor and pleasure, according to the present legislation in the process of Law constitucionalization are under the influence of the huge economic demands due to the impact globalization phenomenom as well the tecnology revolution. The main goal is relevant given the importance of the leisure hours to the professional improvement, the family interaction and the social life, and also to the cultural and intelectual development of the person, once it is vital to the analysis of this fundamental right. The present work is based on juridical issues and inter and transdisciplinaries thoughts shows effectively the social emerging demands to accomplish the leisure right. Finally, it is possible to assume that the Law is a consequence of the historical process of struggle and demands of the human being. It instals itself in the social life as one of the elements of the transformation of modern society. Key- words: Fundamental Rights – labor changes – labor regulation working hours – leisure – right to leisure. 8 SUMÁRIO Introdução .................................................................................. 10 1 Direitos fundamentais: aspectos gerais ...................................... 12 1.1 Conceito e terminologia ..................................................... 12 1.2 Evolução histórica ............................................................ 18 1.2.1 Antiguidade .................................................................... 19 1.2.2 Magna Carta. A Petição de Direitos. A Lei de Habeas Corpus de 1679. Declaração de direitos inglesa de 1689 .............. 23 1.2.3 O iluminismo. Declaração de A Declaração Independência de Direitos dos de Estados Virginia. Unidos e Constituição Norte-Americana .......................................... 29 1.2.4 Revolução francesa. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 ............................................................. 34 1.2.5 A Constituição francesa de 1848. O Manifesto do Partido Comunista. A Encíclica Rerum Novarum ........................... 39 1.2.6 A Constituição mexicana de 1917. A Constituição alemã de 1919. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 .............................................................................. 44 1.3 As diversas dimensões dos direitos fundamentais ............... 48 1.3.1 Os direitos fundamentais da primeira dimensão ................ 50 1.3.2 Os direitos fundamentais de segunda dimensão: econômicos, sociais e culturais ........................................................... 51 1.3.3 Os direitos fundamentais de terceira dimensão: os direitos de solidariedade e de fraternidade ........................................ 55 1.3.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão ........................ 57 2. As transformações no mundo do trabalho .................................. 58 2.1 O trabalho da Antiguidade grega à modernidade .................... 59 2.2 Direitos sociais e sua positivação nas Constituições brasileiras ........................................................................ 71 2.3 Pós-modernidade: o debate sobre a centralidade do trabalho.. 88 2.4 A regulação do tempo de trabalho ......................................... 91 9 2.4.1 A regulação do tempo de trabalho na organização capitalista produtiva – de Marx à superação do binômio pós-fordismo ................................................................... 99 2.4.2 Flexibilização da jornada de trabalho ............................... 113 2.4.2.1 Banco de horas ......................................................... 114 2.4.2.2 Turnos de revezamento ............................................. 117 2.4.3 Normas fundamentais de limitação do tempo de trabalho ......................................................................... 119 3 Direito ao lazer ....................................................................... 125 3.1 Conceito sociológico .......................................................... 125 3.2 Conceito jurídico ................................................................ 129 3.3 Positivação constitucional do direito social ao lazer ............. 131 3.4 Efetivação do direito social ao lazer .................................... 134 Conclusões ............................................................................... 140 Referências bibliográficas .......................................................... 142 10 Introdução As profundas desenvolvimento e constantes tecnológico jungidas alterações à crise trazidas econômica pelo e ao desequilíbrio social, refletem diretamente nas relações de trabalho, surgindo, inclusive, uma flexibilização dos processos do trabalho, criando várias categorias de trabalhadores. Além disso, essas transformações submetem o tempo livre dos trabalhadores, destinado ao exercício do direito ao lazer, às necessidades do mercado capitalista e à competitividade entre as empresas. A atual Constituição Federal consagra inúmeros dispositivos à proteção da pessoa, aos direitos sociais, aos direitos individuais dos trabalhadores e aos direitos coletivos, como direitos fundamentais de aplicabilidade imediata, que devem ser concretizados. Nesse viés, o artigo 6º da Carta Magna tutela, dentre outros direitos sociais fundamentais, o direito ao lazer, a proteção ao tempo livre do trabalhador, direcionando a um repensar das disposições contidas nas regras de direito e no comportamento social. Desde Montesquieu e Rousseau afirma-se que o trabalho é um direito do homem, princípio fundante do próprio direito à vida, tendo em vista que para viver o homem necessita prover a sua subsistência através de um trabalho digno, inegável, portanto, a dimensão pessoal e social do tempo de trabalho. No entanto, importa perceber que o tempo livre do trabalhador também possui relevante conotação em sua vida, quer seja para o simples descanso, quer seja para o aperfeiçoamento profissional, para interagir-se com a família e sociedade, buscar desenvolvimento cultural e intelectual, efetivamente exercer o direito ao lazer. 11 O tema proposto para pesquisa desperta interesse em razão das condições e reflexos sociais concretos, buscando demonstrar as exigências de transformação social que propiciará o crescimento do indivíduo, colaborando, ainda, com a multiplicidade de aspectos que a realidade se manifesta. Neste estudo se demonstrará de maneira racional, e calcada em disposições jurídicas, bem como em reflexões inter e transdisciplinares as reivindicações sociais emergentes a concretizar o exercício do direito ao lazer. Concordam os doutrinadores quanto ao reconhecimento da autorização estatal em defender e garantir ativamente os direitos fundamentais vaticinados na ordem constitucional, consequência do processo histórico de afirmação dos direitos fundamentais. Não se pode olvidar, no estudo do tema, que a globalização exacerba as desigualdades econômico-sociais, fortalecendo os poderes privados, e, assim, denotando a importância da tutela dos direitos dos trabalhadores. A limitação da duração de trabalho é condição vital para assegurar o pleno desenvolvimento da personalidade, através de práticas do direito social ao lazer, previsto no artigo 6º da Carta, bem como para afirmação dos direitos fundamentais individuais da intimidade e da vida privada, para o repouso, para o desenvolvimento da formação da personalidade da pessoa, participação social e convivência com a família. Por fim, numa sociedade em permanente transformação, deve-se atentar para a tutela dos direitos fundamentais individuais e sociais, especialmente constitucionalmente. na efetivação dos direitos garantidos 12 1 Direitos fundamentais: aspectos gerais 1.1 Conceito e terminologia Ao longo da história, a doutrina e o direito positivo internacional usaram várias expressões ao tratar o assunto, cada qual espelhando em variações terminológicas conquistas da época, a exemplo das expressões direitos do homem, direitos humanos, direitos individuais, liberdades individuais e direitos humanos fundamentais. 1 No entendimento de Norberto Bobbio, essa variação terminológica seria um itinerário de desenvolvimento dos direitos humanos, pois nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares quando cada Constituição incorpora Declarações de Direitos, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais 2. Direitos do homem seriam aqueles direitos naturais ainda não positivados, possuindo conotação marcadamente jusnaturalista por sua mera condição humana de direitos não positivados. Quanto aos direitos humanos, seriam aqueles positivados na esfera do direito internacional, guardando relação com posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que aspiram validade universal. E direitos fundamentais seriam os direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado. No Brasil, pouco se desenvolveu sobre o tema de 1948, ano em que foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e 1 2 O es tu do des e n vol vido no pró xim o c apí tulo - E voluç ão f undam e ntais - d em ons t ra rá po ntua dam en te os m om ent os c on quis t as e te rm inolo gia util i zada . his t óric a dos dire itos his t óric os , res p ec ti vas BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho, 5ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 37 a 42. 13 1964 quando do golpe “descobertos” por militar. organizações Mas, da os direitos sociedade humanos civil como são “uma gramática utilíssima para o confronto com a ditadura” 3 na década de 1970. Na década de 1980 com a valorização da democracia como valor universal, nasce a luta pela concretização dos direitos humanos. 4 Tirante o curto espaço de tempo do processo de redemocratização iniciado em 1985, é promulgada em 1988 nossa Constituição da República que “integra no ordenamento jurídico a gramática dos direitos humanos”, e mesmo com “erros de ortografia” 5, pois “relevantes medidas ainda necessitem ser adotadas pelo Estado brasileiro para o completo alinhamento do país à causa da plena vigência dos direitos humanos” 6 é considerada ( ...) c om o m arc o jurídic o da instituc ionaliza ç ão dos dir eitos hum anos e da tr ans ição dem ocr átic a do País , ineditam ente, c ons agr a o pr im ado do r es peito aos dir eitos hum anos c om o 7 par adigm a pr opugnado para a or dem internacional. Nossa Constituição da República trata os direitos fundamentais com uma diversidade semântica, ora encontram-se expressões como direitos humanos, a exemplo do inciso II, artigo 4º, ora direitos e garantias fundamentais, parágrafo 1º do artigo 5º, neste mesmo artigo inciso LXXI a expressão direitos e liberdades constitucionais, e no inciso IV, parágrafo 4º do artigo 60 direitos e garantias individuais, e 3 V IEI R A, J os é C arlos . Dem oc raci a e d i rei tos hu mano s no B ras il. São Pa ulo: Ediç ões Lo y ola, 200 5, p . 7 . 4 Ib idem , p . 7, 8 e 15. Im p ort a aqui , c om o um s ut il c om plem ento , o pe ns am en to de N or ber to Bobb io em s ua o br a A e ra dos di re it os . Trad . de C arl os Nels on C outin ho, 5ª r eim p. Rio de J an eiro : Els e vier , 2004 , p. 22, in v er bis : [. ..] Dir eitos do hom em , dem oc rac i a e pa z s ão três m om en tos n ec es s ár ios do m es m o m o vim e nto his tór ic o: s em di rei tos d o h om em rec onhec idos e p rot egidos , não há dem oc rac ia ; s em dem oc rac ia , n ão e xis tem as c ond iç ões m í nim as pa ra a s oluç ão pac ífic a d os c onfl itos . Em out ras pa la vr as , a d em oc rac ia é a s oc ied ade dos c idadãos , e os s údi tos s e tornam c id adãos qu ando lh es s ão rec o nhec i dos algu ns dire itos fun dam en tais ; h a verá p az es t á vel, um a pa z que não tenh a a gue rra c om o alte rnat i va, s om e nte quand o e xis tir em c i dadãos não m ais ape nas d es te ou d aqu ele Es ta do, m as d o m und o. 5 V IEI R A, J os é C arlos . Dem oc raci a e d i rei tos hu mano s no B ras il. São Pa ulo: Ediç ões Lo y ola, 200 5, p . 1 0. 6 P I OV ES A N, Fla via . Temas de di rei tos huma nos. 3ª e d. São Paul o: Sara iv a , 200 9, p . 36 e 37. 7 I bid em , p . 36 e 38. 14 dessa positivação seguem as diversas opções de nomenclatura justificadas pelos estudiosos da matéria como analisado a seguir. José Afonso da Silva adota a expressão direitos fundamentais do homem, pois entende que essa ( ...) r ef er e-s e a pr incípios que r es um em a c onc epção de m undo e inform am a ideologia polític a de c ada or denam ento j ur ídic o, é r es er vada par a des ignar , no nível do dir eito pos itivo, aquelas prerr ogativas e ins tituiç ões que ele c oncr etiza em gar antias de um a c onvivênc ia digna, livr e e igual de todas as pess oas . No qualitativo fundam entais ac ha-s e a indic aç ão de que s e tr ata de s ituaç ões j ur ídic as s em as quais a pess oa hum ana não s e r ealiza, não c onvive e, às vezes , nem m esm o s obr evive; f undamentais do hom em no s entido de que a todos , por igual, devem s er , não apenas f orm alm ente r ec onhecidos , m as c oncr eta e m ater ialm ente efetivados . Do hom em, não c om o o m ac ho da es péc ie, m as no s entido de pess oa hum ana. Direitos fundam entais do hom em s ignifica dir eitos f undam entais da pess oa hum ana ou 8 dir eitos f undam entais. Paulo Bonavides entende aceitável a utilização das expressões direitos humanos e direitos fundamentais como sinônimas, mas afirma que razões didáticas exigem que a expressão direitos humanos seja adotada quando o assunto versar sobre direitos da pessoa humana antes de sua constitucionalização ou positivação nos ordenamentos, e a expressão direitos fundamentais quando esses direitos estiverem normatizados. 9 Esclarece Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a igualdade de direitos entre homem e mulher eliminou politicamente a expressão direitos do homem, impondo, em substituição, a terminologia direitos humanos fundamentais, sendo direitos fundamentais sua abreviação correspondente. 10 Para Sergio Rezende de Barros a semântica correta é direitos humanos fundamentais, afirmando ser um instituto uno e indivisível, 8 Curso de direito constitucional positivo. 19ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 182. 9 Os direitos humanos e a democracia. In: SILVA, Reinaldo Pereira e. [org.] Direitos humanos como educação para a justiça. São Paulo: LTr, 1998, p. 16. 10 D i re ito s h uman os fun dam ent ais . 8ª ed. , re v. e a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 14. 15 que não comporta divisão em seus termos, sob pena de afetar o instituto jurídico, justificando que Na ver dade, o ins tituto nasc eu uno e nunca f oi s enão um , c onquanto adm ita, com o outr os ins titutos e c onc eitos j ur ídic os, níveis ou c am pos de c om pr eens ão e de ex tens ão que podem var iar do m ais ger al e f undam ental ao m ais 11 par tic ular a oper ac ional. Para Ingo W olfgang Sarlet os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem com as constituições nas quais foram reconhecidos e assegurados. Distingue o autor as expressões direitos humanos de direitos fundamentais a partir do critério de seu plano de positivação, optando em sua obra pela utilização da segunda expressão 12. Sobre a distinção terminológica aduz: ( ...) o term o dir eitos f undam entais se aplica par a aqueles dir eitos do s er hum ano r ec onhec idos e pos itivados na esfera do dir eito cons tituc ional pos itivo de determ inado Estado, ao pass o que a ex pr ess ão dir eitos hum anos guarda r elaç ão com os doc um entos de dir eito inter nac ional, por r efer ir-s e àquelas pos iç ões j urídic as que s e r ec onhec em ao s er hum ano com o tal, independentem ente de s ua vinc ulaç ão com determ inada or dem c ons tituc ional, e que, por tanto, as piram à validade univers al, par a todos os povos e tem pos , de tal 13 s or te que r evelam um inequívoc o c ar áter s upranac ional. Já Vidal Serrano Nunes Junior conceitua direitos fundamentais como ( ...) o s istem a aber to de pr incípios e regr as que, or a c onfer indo dir eitos subj etivos a s eus des tinatár ios , or a c onform ando a f orm a de s er e de atuar do es tado que os r ec onhec e, tem por obj etivo a pr oteção do s er hum ano em s uas divers as dim ens ões , a s aber : em sua liber dade (dir eitos e gar antias individuais) , em s uas nec ess idades ( dir eitos s oc iais , ec onôm ic os e c ultur ais ) e em r elaç ão à sua 14 pr es er vaç ão (s olidar iedade). 11 D i re ito s h uman os : pa ra doxo da ci viliz ação . Bel o Hori z onte : Del Re y , 200 3, p. 3 9. 12 SARLET, Ingo W olfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 35 a 42. 13 Ibidem, p. 35 e 36. 14 A c id adan ia soc ial n a Co nst itu içã o de 1988 : es t rat égias de p os iti vaç ão e e xi gibili dade ju dic ial dos dire itos s oc iais . São Paul o: Ve rbat im, 200 9, p . 1 5. 16 E, explicita seu entendimento de serem os direitos fundamentais um sistema afirmando Aponta- se que os dir eitos f undam entais c onstituem um s is tem a, na m edida em que s uas norm as estão em cons tante interação, r ec onduzindo s em pr e ao m esm o obj eto: a pr oteção do ser humano. Ass im , um dir eito f undam ental im plic a outr o e um inf luenc ia o c onteúdo do outr o, de tal m odo que, fora de um a anális e s is tem ática, não poder iam s er enfoc ados c omo um a es péc ie de s om atór ia de 15 dis pos iç ões analitic amente is oladas. Analisando a relação conceitual entre direitos fundamentais e direitos humanos, Vidal Serrano Nunes Junior afirma que o objeto de ambos é idêntico, germinando para o mesmo fim, qual seja, “a proteção do ser humano em todas as suas dimensões” 16, e se nota uma relação de derivação. O autor segue o entendimento que afirma serem os direitos fundamentais aqueles positivados internamente pelos Estados, e direitos humanos aqueles identificados em declarações e tratados internacionais, mas entende não ser apenas essa diferença, ressaltando duas funções essenciais dos direitos humanos 15 • f unção nor mogenétic a, na m edida em que s er vir ão de f undam ento par a a c ons agr aç ão de dir eitos f undam entais nas r es pec tivas ordens inter nas . T er ão, em outr as palavr as , um a f unç ão de s ubstanc iaç ão dos direitos f undam entais , quer pela inc or por aç ão às r es pec tivas c ons tituiç ões , quer pelo r ec onhec im ento, pela or dem interna, dos tr atados e c onvenções de direitos hum anos . • f unção tr ans lativa, na m edida em que, ver if ic ada a ins uf ic iênc ia de um Es tado no r ec onhec im ento e na pr oteção dos direitos ess enc iais ao s er hum ano, a questão s e des loc a da or dem inter na para o cenár io internac ional. N U N ES J UN IO R, Vidal S er rano. A ci dada nia s ocia l na C ons ti tuiçã o de 19 88 : es tra tégias d e pos iti v aç ão e e xi gibil idad e j udic ia l dos dir eitos s oc i ais . S ão Pau lo: V erb atim , 200 9, p 15 . 16 I bidem , p 23. 17 Para enfeixar esta linha de reflexão, sobre a relação conceitual entre direitos humanos e direitos fundamentais, merece nota a questão que floresceu com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, ao incorporar à ordem interna os tratados internacionais de direitos humanos, incluindo um § 3º ao artigo 5º 17, pois apesar da densidade normativa do artigo 5º, § 2º da Constituição da República 18, entendia o Supremo Tribunal Federal que esses tratados mesmo relacionados a direitos fundamentais equivaleriam em nosso ordenamento a lei ordinária 19. Nesse período, o Supremo Tribunal Federal não admitia a força de convenção internacional, mesmo não menosprezando o objetivo nela contido. 20 17 § 3 º . Os tra tados e c on v enç ões i nte rnac io nais s ob re di rei tos hum a nos q ue forem ap ro va dos , em c ad a Cas a do Con gres s o Nac i onal , em dois tu rnos , por três qu intos d os v o tos d os r es pec t i vos m em b ros , s er ão e qui val entes às em endas à Cons t ituiç ão. 18 § 2 º. Os dire itos e ga rant ias e xpr es s os nes t a Cons tituiç ão não exc lu em outros dec or rent es do r egim e e dos pri nc ípios por ela ado tados , ou dos tra tados in tern ac ionais em que a Repú blic a Fede rati v a do B ras il s eja part e. 19 P ara m el hor en tendim ento des s a as s erti v a, ler d ec is ã o s o b a relat ori a d o Mi n is tr o Cels o de Me llo que dem ons tra es s a pos iç ão d o S upr em o Tribu nal Fede ral. D is pon í vel em < http :// www. s tf .jus .br /port al/ju ris p rude nc ia. > Ac es s o em 1 8.11 .200 9. D ec is ão do Tr ibu nal Ple no. A DI 1480 MC / D F - Dis trit o Fede ral Medid a Cau tela r n a A ç ão Di ret a d e I nc ons ti tuc io nalid ade. Rel . Mi n. Cels o De Me llo . j. 04/ 09/1 997. DJ 18 .05. 2001 . p. 00 429. 20“ E ME N TA: I. Me dida pr ov is ó ria : a q ues tã o do c on trol e ju ris dic i onal dos pr es s upos tos de r ele vâ nc ia e u rgê nc ia e a d a pr átic a das r eediç ões s uc es s i vas , agr a vada pe la ins e rç ão nas reed iç ões da m ed ida p ro vis ória n ão c on ve rtid a, de no rm as es tran has ao s eu c on teúd o or igina l: res e rv a pelo rela tor de ree xam e do en tend im ent o ju ris p rude nc ial a r es pei to. II . Repo us o s em an al rem un erad o p ref er entem ente aos dom i ngos ( CF, ar t. 7º, XV ) : his tóric o legis lati vo e int eligê nc ia: ar guiç ã o plaus í vel de c ons eque nte inc ons ti tuc ion alida de do a rt. 6 º da M. Pr o v. 1539 -35 /97 , o q ual - ind ependen tem en te de ac o rdo o u c on venç ão c ol eti va - fac ul ta o f unc ion am ent o aos dom i ngos do c om érc io v a rejis ta: m edi da c aut ela r defe rida . A C ons ti tuiç ão n ão fa z abs o luta a opç ão pelo r epous o aos dom in gos , qu e s ó im pôs "p ref eren tem e nte" ; a rel ati vi dade da í dec o rre nte nã o p ode, c ont udo, es vaz ia r a no rm a c ons ti tuc iona l de p refe rênc i a, em rel aç ão à q ual as e xc eç ões - s ujei tas à ra zo abili dade e ob jetiv id ade dos s eus c ri tér ios - n ão po de c on v ert er -s e em reg ra, a arb ít rio unic am ente de em p reg ador . A Con v enç ão 12 6 d a OI T r efo rç a a arg uiç ão d e inc ons tituc ional idade : ai nda quand o não s e qu eira c om p rom e ter o Tr ibu nal c om a tes e da hie ra rquia c o ns tituc i onal dos t rat ados s ob re di reit os f undam e ntais rati fic ados ant es da Co ns tit uiç ão , o m ínim o a c o nfe rir -lhe é o valo r de po der os o re forç o à i nte rpr etaç ã o do te xt o c ons tituc i onal qu e s ir va m el hor à s ua e feti vi dade : não é de pr es um i r, em Co ns ti tuiç ão t ão c ios a da p rot eç ão dos d irei tos f undam e ntais qu anto a nos s a, a rup tur a c om as c on ve nç ões int ern ac io nais que s e ins piram na m es m a p reoc up aç ão. ” B R ASI L. Sup rem o T rib una l Fed er al. Tr ibu nal Pleno . A D I 167 5 MC / D F - D is t rito Fed eral . Medi da Caut elar na Aç ão Di ret a de I nc ons ti tuc io nalid ade. Rel . Min. Sepúl v era P ertenc e. J . 24/ 09/1 997. DJ 19 .09 .2003 . pp 00 014. Dis po ní vel em <ht tp: // www. s tf. jus .br /po rtal /ju ris pr udenc ia.> Ac es s o em 18 .11 .2009 . 18 Mas, a necessidade de evolução e atualização da jurisprudência por conta da Emenda nº 45 foi realçada em decisão sob a relatoria do Ministro Celso de Mello, ao tratar da prisão civil do depositário judicial, incorporando, a partir de então, a noção de que os tratados internacionais teriam caráter supralegal. E, recentemente o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral nos recursos extraordinários que versem sobre a questão da ilicitude de prisão civil de depositário infiel. 21 Nesta análise, por fim, se constata que os direitos fundamentais são direitos dinâmicos que acompanham a evolução do homem em sociedade, possuindo íntima relação com a dignidade da pessoa humana, vez que asseguram, dentre outros, o direito à vida, à integridade física e moral da pessoa, as condições mínimas para uma vida digna, como também, a exemplo, o pleno desenvolvimento da personalidade da pessoa humana. E mais, e principalmente, resguardam as liberdades do indivíduo frente aos poderes ou atos arbitrários do Estado, limitando-os na ordem democrática e constitucional 22, e em consonância com o sistema de direitos e garantias consagrados na Constituição da República e nos tratados internacionais de direitos humanos. 1.2 Evolução histórica Do estudo da evolução histórica das religiões, da filosofia e da ciência se nota a preocupação especial em assegurar alguns direitos do homem considerados fundamentais, irrompendo a história, no mais 21 B R AS IL. Sup re mo T ri bu nal Fede ra l. Segu nda Tu rm a . HC 9677 2/ SP – Sã o Pa ulo. H abe as C orp us . Rel. Mi n . Cels o de Mel lo. D J e- 157. Di v ulg 2 0.08 .20 09. Pub lic . 21 .08 .2009 . Dis poní v el em <h ttp: // www. s tf. jus . br/ por tal/j uris prud enc ia .> Ac es s o em 18 .11 .2009 . Sob re a ques t ão da ilic it ude de p ris ão c i vil de de pos it ário i nfiel , o Sup rem o Tr ibu nal F ede ral rec onh ec eu a e xis t ênc ia de re perc us s ão ge ral n os rec urs os e xt rao rdi nári os q ue v ers em s ob re a q ues tã o, c onf orm e dec is ão do RE 5620 51 R G/ MT – Ma t o G ros s o . Re perc us s ão Ge ral no Rec u rs o E xt rao rdin ário . Re l. Min. Ce za r Pe lus o. J ul g. 14.04 .200 8. DJ e -17 2. Di vu lg. 11.0 9.20 08 . P ublic . 12 .09. 2008 . D is pon í vel em < http :// www. s tf .jus .br /port al/ju ris p rude nc ia. > Ac es s o em 1 8.11 .2009 . 22 MA R ME L S TE IN , Ge org e. C ur so de d ir eit os fu nd amen tais . Sã o Paul o: A tlas , 2008 , p. 20 . 19 das vezes, quando necessária a resposta a agressões de várias espécies que violaram a dignidade da pessoa humana. 1.2.1 Antiguidade “Embora não tenham sido os primeiros a refletir sobre a natureza da justiça, os gregos foram pioneiros na avaliação do indivíduo e na relação entre legisladores e governados” 23. Sua religião e cultura política antecedem reivindicações de uma lei universal que norteia o conceito moderno de direitos humanos. Ensinavam que a humanidade estava dentro da harmonia transcendente do universo, com origem na lei divina, e entrelaçada a vida humana pela lei da cidade-Estado. 24 Após Platão, defensor da ideia de que a sabedoria, a coragem, a sobriedade e a justiça eram as principais virtudes humanas, e orientados por essas virtudes o cidadão guardaria um autocontrole capaz de tornar o Estado menos injusto; e Aristóteles salientando que a virtude, a justiça e os direitos seriam preservados num governo misto com um corpo de cidadãos economicamente fortes 25, surge um novo ideal filosófico, o estoicismo. A escola estóica, fundada em Chipre por Zenão e Cítio no período de 335-263 a.C., traz a ideia da lei natural nascida da lei cósmica da razão. Segundo os estóicos, todo homem possui uma centelha de divindade e a Terra e o cosmo faziam parte de um processo indissolúvel. Um exemplo clássico dessa lei natural é consagrado em Antígona de Sófocles, quando essa desafia a ordem de Creonte para sepultar seu irmão 26. 23 P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 14 . 24 I bidem , m es m a pági na. 25 I bid. , p .16. 26 S O F OCL ES . An tíg ona. Tr ad . De Dona ldo Sc hül er . Por to Aleg re: L & M, 200 8, p. 3 5-3 6. 20 A filosofia dos estóicos funda-se na ideia da lei natural, na ideia de unidade moral do ser humano, e na “dignidade do homem, considerado filho de Zeus e possuidor, em consequência, de direitos inatos e iguais em todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais e grupais.” 27. Esta filosofia influenciou o direito romano subsistindo em toda a Idade Média, e além dela. Os romanos herdaram dos estóicos o desenvolvimento do direito natural, introduzindo a crença em direitos universais para todos, que se estendiam para além dos direitos da cidadania romana. Assim, Roma adquiriu uma grande dívida com os gregos, relativamente impacto sobre os direitos humanos. 28 No início da República romana a luta pelo poder político entre patrícios e plebeus causou uma tensão entre Estado e indivíduo, quando apenas os ricos conseguiam se eleger para os cargos políticos, apesar de todos poderem concorrer. A Lei das XII Tábuas foi uma conquista marcando a luta dos plebeus, pois o direito civil romano, suas penalidades e processos passaram a ser conhecidos por todos os cidadãos. Daí em diante, os plebeus conseguiram alçar cargos na magistratura, os filhos de escravos libertos foram admitidos no Senado, sem olvidar da força da riqueza para conquista de cargos. 29 Mas, o direito natural, diferentemente dos termos atuais, legitimou a escravidão em Roma, elemento essencial da economia na época. Já a igualdade de direitos das mulheres teve sua origem no período romano, quando a condição das mulheres sofreu grandes 27 C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev. e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 16. 28 P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 18 -19 . 29 I bid em , p . 20 . 21 alterações. Como o casamento sine manu, quando as mulheres permaneciam como parte de sua família. 30 Em relação às crianças, adquiriram os direitos iguais à herança, apesar da possibilidade de serem vendidas quando as famílias pobres não as desejassem, ou poderiam também matá-las, especialmente, as doentes ou meninas. 31 Como legado do Império Romano pode-se citar suas realizações administrativas e jurídicas. O direito romano estabeleceu “padrões imparciais, adotou o precedente jurídico, era conhecido das pessoas e compelia até mesmo o imperador; entretanto, o direito nem sempre cumpriu sua promessa.” 32 Além dos estóicos, os antigos teóricos dos direitos naturais e o humanismo religioso influenciaram o moderno entendimento dos direitos humanos. Na Bíblia, textos budistas, o Novo Testamento e o Alcorão ditaram inúmeros princípios morais, mesmo que em forma de deveres. Subsídios do conceito de direitos humanos foram extraídos das lições de amor fraterno universal pregadas por Miquéias, na Bíblia, por São Paulo, Buda e outros, bem como o conceito da ética universal, que é fruto desses conceitos seguidos por judeus, cristãos e muçulmanos. 33 O princípio fundamental do judaísmo, abraçado pelo cristianismo, de igualdade entre os homens, inclusive se homem na 30 O cristianismo contribuiu para a evolução do direito em relação às mulheres, “Na é p o c a d o N o v o T e s t a m e n t o , r e c o n h e c i a - s e q u e a s v i ú v a s , p o r e xe m p l o , e r a m merecedoras da caridade de seus semelhantes (Atos 6: 1). Como as virgens, adquiriam p r e r r o g a t i v a s e u m a p o s i ç ã o r e c o n h e c i d a n a I g r e j a ( I Ti m 5 : 3 - 1 6 ) . ” I n : P O OL E, H ilar y . [ org .] e t al D i rei tos huma nos : r efe rênc i as es s enc i ais . Sé rie Di reit os Hum an os , 3 . Trad . F abio La rs s on. S ão Paulo : Edito ra da Un i vers i dade de S ão Paul o: Núc l eo de Es t udos da V iolên c ia (N EV ), 2007 , p. 2 5 . 31 I bid em , p . 22 -23 . 32 I bid ., p. 2 3. 33 I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos po lític os , ens a ios , dis c u rs os e doc um ent os d es de a B íblia a té o pres ente . S éri e Di reit os H um an os , 2. Tra d. Fabi o D u art e J ol y . São Pa ulo: E dito ra da Un i vers i dade de S ão Paulo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 17 -18 . 22 condição de escravo 34, configurado no ditame de que todo homem tem um valor inato e merece respeito, apenas pelo fato de ser humano, contribuiu fortemente para a atual concepção de direitos humanos, especialmente para o conceito de fraternidade. No judaísmo também está enfatizado a relevância de se trabalhar em prol de um mundo mais justo. 35 Analisando os Dez Mandamentos e os textos da Bíblia nota-se a sua influência no mundo ocidental, como o direito de garantir a vida sob o mandamento “não matarás”, o direito a propriedade no dever de “não roubarás”, o dever de respeitar o estrangeiro respaldado no direito de hospitalidade, o direito à liberdade, a exigência de uma justiça distributiva na Lei do Talião, e o direito à remuneração equitativa no Êxodo. Influenciado pela doutrina platônica, o pensamento de Santo Agostinho impactou profundamente a teologia e a teoria dos direitos humanos, e a “autoridade conferida a suas obras pela Igreja católica romana em toda a Idade Média contribuiu para garantir um lugar permanente para os pontos de vista platônicos no cristianismo latino.” 36 34 F ábio K onde r Com para to s ali enta qu e, apes ar des s e p rec ei to de igu aldade , os c ris tãos adm iti ram du rant e m uit os s éc ulos a es c ra v idã o, a i nfe rior idade da m u lher , a in fer iori dade d os po vos am e ric an os , af ric a nos e as i átic os c oloni z ados , bem c om o s us tent aram alg uns teólog os q ue os in díge nas não pod eriam s e r ig uais ao hom em b ranc o em di gnida de. In: A afi rm ação h ist ór ica do s di rei tos h uman os. 6ª ed . re v. e a tual. São Pau lo: Sar ai va , 200 8, p. 18. J á no juda ís m o, as s oc ieda des an tigas ac e ita vam a es c r a vidão , des de qu e res pe itas s em um elabo rado c ód igo de reg ras em r elaç ã o ao tra tam en to c om os es c r a vos c om o a c onc es s ão da li berd ade após s ete anos ; a pro ibiç ão de es c ra v os la v arem os p és de s eu am o , c oloc ar s eus s a patos ou c a rre gálos ; e os s enho res não p odem c om e r p ão fres c o enq uant o os es c r a vos c om em pão v el ho, ou do rm ir em c am as m ac ias e nquan to s eus es c r a vos do rm em em palha . In : P O OL E, Hi lar y . [o rg .] e t a l Di re ito s h uman os : r ef erênc ias es s enc iais . S é rie Di reitos H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 27 . 35 P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 24 -25 . 36 P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 26 . 23 Já no Budismo, os códigos morais, escritos ou não em textos esparsos, nascidos entre o século VI e o século IV a.C. que influenciaram os direitos humanos modernamente são a busca das seis perfeições (generosidade, moral, paciência, vigor, concentração e sabedoria) por meio da renúncia a matar, roubar, mentir, ingerir tóxicos e participar de sexo pernicioso. No Alcorão, por meio de uma orientação moral universal, se encontra o dever de ajudar os necessitados, a proteção dos órfãos, a regulamentação dos direitos das mulheres, a luta em defesa própria, a busca de ajuda e amizade, dentre outros conceitos. 37 1.2.2 Magna Carta. A Petição de Direitos. A Lei de Habeas Corpus de 1679. Declaração de direitos inglesa de 1689. “A partir do século XI, delineia-se uma clara tendência, em toda a Europa Ocidental, no sentido da centralização do poder, tanto na sociedade civil quanto na eclesiástica”. 38 Inclusive na Europa feudal, instituiu-se a predominância de um suserano sobre o outro, estando o rei acima dos barões. A Igreja foi palco do movimento de reforço da autoridade papal. Contra essa centralização do poder, os senhores feudais manifestaram-se por meio petições, como analisado a seguir. “As Cruzadas inadvertidamente, cristãs para as de inúmeras declarações e 39 contra vitórias os muçulmanos dos direitos contribuíram, humanos na 37 I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos po lític os , ens a ios , dis c u rs os e doc um ent os d es de a B íblia a té o pres ente . S éri e Di reit os H um an os , 2. Tra d. Fabi o D u art e J ol y . São Pa ulo: E dito ra da Un i vers i dade de S ão Paulo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 21 . 38 C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev. e atu al., Sã o Paulo : Sarai va , 20 08, p. 71. 39 I bidem , p. 71 -72. 24 Inglaterra.” 40 A urgência de uma taxação excessiva de impostos para financiar a Terceira Cruzada e pagar o resgate de Ricardo I fez crescer as dificuldades financeiras inglesas. Essa carga excessiva de impostos ocasionou a instabilidade interna culminando com a exigência de poderes maiores e mais diretos pelos barões. 41 “O produto dessa luta é a Magna Carta de 1215, também conhecida pelo nome de “Artigos dos Barões”.” 42 A Magna Carta foi uma estratégia dos barões para limitar os desmandos do rei João, submetendo-o a assiná-la para resguardar suas finanças e liberdades. No entanto, os ditames da Grande Carta das Liberdades, por um feliz acidente, contribuíram beneficiando o homem comum. O rei João autorizou a leitura pública de cópias manuscritas da Magna Carta em todos os condados ingleses, comprometendo-se a conceder para todos os homens livres do reino os direitos e liberdades nela protegidos, mesmo que à época não existissem muitos homens livres, pois, em sua maioria, eram servos. Também, concordou em não determinar impostos sem permissão de um conselho. Esse documento positivou, pela primeira vez na história, a vinculação do rei às próprias leis que edita. E não foi apenas isso. Trouxe em seus ditames o germe de exterminação do regime feudal, ao reconhecer os direitos do homem livre, restringindo os poderes do rei, “pedra angular para a construção da democracia moderna: o poder dos governantes passa a ser limitado, não apenas por normas superiores, fundadas no costume ou na religião, mas também por direitos subjetivos dos governados.” 43. 40 I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos po lític os , ens a ios , dis c urs os e doc um ent os des de a B íblia a té o pr es ent e. S éri e Di reit os H um an os , 2. Tra d. Fabi o Du art e J o l y. São P aulo : E dito ra da Un i vers i dade de S ão Pau lo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 21 . 41 I bidem , m es m a pági na. 42 I S HA Y, Mic hel ine R. [o rg .], op. c it ., p . 2 1. 43 C O MP A R A TO , Fá bio Kond er. A af i rmaçã o h ist ór ica do s d ir eit os huma no s. 6 ª ed . re v. e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 80. 25 Tratou de muitos temas, mas algumas disposições transcenderam para os direitos humanos modernamente como a liberdade eclesiástica; o embrião da ordenação do exercício do poder de tributar pelos representantes dos súditos; o princípio da legalidade; a visão da Justiça como função de interesse público tendo o rei o poder dever de fazer justiça quando provocado pelos súditos; as bases para o tribunal do júri; a busca pelo equilíbrio entre os delitos e as penas; o respeito do soberano e seus oficiais à propriedade privada; o nascedouro do princípio do devido processo legal; dentre outras disposições, iniciou-se o processo de abolição do regime monárquico. 44 Foi de extrema relevância a contribuição histórica da Magna Carta, pois além das disposições anotadas, é considerado marco fundamental contra a opressão, tanto que “invocada por cada geração subsequente para proteger suas próprias liberdades ameaçadas.” 45 Prova de tal assertiva encontra-se na Petição de Direitos de 1628 e na Lei de Habeas Corpus de 1679 que invocaram textualmente o artigo da Magna Carta que estabelecia “nenhum homem livre pode ser detido, ou mantido em prisão, ou privado de sua propriedade [...] a não ser por julgamento legal de seus pares de acordo com a lei da terra.” 46 Também as Constituições dos Estados Unidos, nacional e estaduais, espelham ideias ou transcrevem frases da Magna Carta, incorporando o pensamento moderno. Todo esse movimento da sociedade também ecoou nos meios escolásticos. Teólogo que influenciou sobremaneira o conceito atual de direitos humanos foi Giovanni Pico Della Mirandola (1463-1496), 44 I bidem , p. 81 -83. 45 I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos po lític os , ens a ios , dis c u rs os e doc um ent os d es de a B íblia a té o pres ente . S éri e Di reit os H um an os , 2. Tra d. Fabi o D u art e J ol y . São Pa ulo: E dito ra da Un i vers i dade de S ão Paulo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 21 . 46 I bid em , p . 21 -22 . 26 que escreveu sobre vários centros de reflexão numa complexidade de pensamento que declarava uma nova visão de mundo 47. Não jurando as palavras dos filósofos antigos para estudo, mas superando-as. Na Oratio, muito claramente, em sua primeira parte, discorre sobre a dignidade do homem. Para ele ( ...) o hom em é um ser entr e dois m undos – o m undo c eles te que é s uper ior e o m undo terr estr e, inf er ior – e entr e dois tem pos -, a f initude e a eter nidade – m as é tam bém um s er dotado de corpo, de s ens ibilidade e de r azão e, c om o s upr em a e m ais perf eita c r iatur a de Deus , é por tador de um a <<natur eza indef inida>> que nec ess ita de ser c oncr etizada, is to é, r ealizada de ac or do c om es ta s ua ess ênc ia. Nes te s entido, o hom em é livr e e r es ponsável perante a vida que tem e a vida que quer ter , visto que esta é obr a s ua. Podes e, ass im , f alar de um a natur eza anim al, um a natur eza pr opr iam ente hum ana e um a natureza divina que c oex is tem no hom em vis to, nes te s entido, c om o um m icr oc osm os de toda a realidade. Resulta dessa contemplação o pensamento filosófico posterior sobre a dignidade humana, que não “pode ser separada do princípio de que o homem governa os elementos e controla a natureza.” 48 Pensamento característico da modernidade, e, um dos pontos sobre a função que a ciência experimental e a tecnologia ocuparam na vida humana, assim, pode-se afirmar que Giovanni Pico Della Mirandola foi um pensador que se preocupou, dentro das limitações de sua época, com a tecnologia. 49 Abertos os caminhos pela Magna Carta e no decorrer dos tempos pelos pensamentos dos meios escolásticos, a história dos direitos humanos vê positivada a Petição de Direitos de 1628, na Inglaterra, passo decisivo para reduzir os privilégios dos monarcas. 47 E s s a no va vis ã o de m un do, c onc ebida pelo C onde Dell a Mira ndola , ins pi rou a c on denaç ão, por ente nde r h eré tic o, o bl oc o de s uas n o vec en tas t es es , em ra zão, es p ec ialm e nte, das tr e ze prim eiras tes es da s egu nda par te d a Ora tio , po r Inoc ênc io V II I, s en do abs o l vido em 14 93 po r Al e xand re IV . MI RA N D OLA , G io vanni Pic o Del la. D isc ur so sob re a di gnid ade do h omem . Ediç ão bil íngu e l atin a e po rtugu es a Tra d. e ap res e ntaç ã o Ma ria de Lo urd es Sirg ado Ganho . Es t udo peda gógic o in trod utó rio Luís Lo ia. Lis bo a/ Por tuga l: Ediç ões 7 0, 2 006, p. XVII I e XI X. 48 MI R A N D OLA , Gio va nni P ic o Della . Disc ur so so br e a d ign ida de d o ho mem. Ediç ão bi líng ue lat ina e po rtu gues a. Trad. e apr es ent aç ão Ma ria d e Lou rdes Si rgado Ganho. E s tud o ped agóg ic o in trodu tór io L uís Loia. Lis b oa/ Po rtu gal: Ed iç ões 70, 200 6, p. XLV . 49 I bid em , p . XLV . 27 Em razão, inclusive, da política fiscal empreendida pelo rei Carlos I, quando exigiu dos proprietários de terra empréstimo compulsório sem autorização do Parlamento, e prendeu setenta e seis fidalgos pelo não pagamento desse imposto. Três Parlamentos foram convocados em quatro anos, e dissolvidos por não concordarem com o monarca. Quando Carlos I aceitou assinar a Petição de Direitos em 1628, o Parlamento aprovou o imposto. Esse documento estabelecia quatro princípios, o rei não poderia instituir impostos sem o consentimento do Parlamento; a recusa de qualquer fidalgo ao pagamento de imposto não o levaria à prisão, e nenhuma prisão ocorreria sem justa causa; os soldados não seriam alojados em casas de civis para economizar verbas da Coroa; nenhuma lei marcial seria imposta em tempos de paz. Mas, Carlos I ficou irritado com essas regras e dissolveu o Parlamento por onze anos e tentou levantar finanças de maneira forçada, culminando com a guerra civil inglesa da década de 1640, resultando na execução de Carlos I pelo Parlamento. 50 Em 1660, a restauração da monarquia dos Stuart, anunciou um período repleto de conflitos, pois foi um reinado de monarcas católicos com um Parlamento protestante. Nessa ocasião, com o objetivo de limitar os poderes do rei, em especial, a ordem de prisão de seus opositores políticos, inclusive, retirando a oportunidade de defesa, o Parlamento revitalizou o habeas corpus que existia antes mesmo da Magna Carta. Essa garantia judicial ordenava a apresentação imediata do prisioneiro em juízo para impedir a prisão arbitrária. A relevância histórica da Lei de Habeas Corpus de 1679, cingese ao fato de ser uma garantia judicial que objetivava proteger a liberdade de locomoção, norte para todas as leis que foram criadas posteriormente como proteção de liberdades fundamentais. Fabio 50 P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 30 . 28 Konder Comparato comenta que “na América Latina, por exemplo, o juicio de amparo” e o mandado de segurança copiaram do habeas corpus a característica de serem ordens judiciais dirigidas a qualquer autoridade pública acusada de violar direitos líquidos e certos.” 51 A rivalidade religiosa entre o catolicismo e o protestantismo desse século XVII na Inglaterra traz como consequência rebeliões e guerras civis, especialmente no reinado de Jaime II, de 1685 a 1688, quando pretende impor a qualquer custo a religião católica ao Parlamento. Mas, essa atitude suscitou a nobreza e o alto clero que convidaram Guilherme III e Maria II, filha de Jaime II, príncipes de Orange a assumir o trono da Inglaterra, desde que assinassem a Declaração de Direitos votada pelo Parlamento em 1689. Esse documento proclamava os direitos e liberdades dos súditos, regulava a sucessão à coroa, provocando uma mudança dinástica. Colocou termo aos direitos divinos dos monarcas e, apesar do anglicanismo ser a igreja instituída, os protestantes poderiam exercer seu culto e instituir centros de ensino. Os pontos relevantes dessa Declaração de Direitos inglesa que, inclusive, contribuíram para a história dos direitos humanos foram a derrocada do poder absoluto do monarca na Inglaterra; a garantia de liberdades dos governados; a divisão dos poderes, instituindo o Parlamento como o órgão encarregado de defender os governados perante o monarca; vedou a cobrança de impostos sem autorização do Parlamento; proibiu a prisão sem culpa formalizada; fortaleceu a instituição do júri; reafirmou o direito de petição e a proibição de penas inusitadas e cruéis. 52 51 A a fi rm ação h ist ór ica do s di rei tos h uman os. 6ª ed . re v . e atual . Sã o Pau lo: S ara iva, 20 08, p. 89. 52 P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo: N úc leo de Es tud os da Viol ênc ia (N EV ), 2007 , p. 31 -32 . C O MP A RA TO , F ábi o Ko nde r. A a fi rmaç ão h is tó rica dos di rei tos hu mano s. 6 ª e d. re v. e a tual . S ão Pau lo: Sa rai va, 20 08, p. 92- 96. 29 Interpretando esta fase histórica, Fabio Konder Comparato ensina A transf orm aç ão s oc ial provocada pelo Bill of Rights não pode deix ar de s er encar ec ida. Não é ex agero s ustentar que, ao lim itar os poder es gover nam entais e gar antir as liber dades individuais, es s a lei f undam ental s upr im iu a m aior par te das peias j urídic as que em baraçavam a atividade pr of iss ional dos bur gues es . É s abido, aliás, que a G lor ious Rev olution contou c om o apoio m ac iç o dos c om erc iantes e arm ador es ingles es , dec ididos a enfr entar a c oncorr ênc ia fr anc es a no c am po do c om érc io m arítim o. Ness e s entido, c ontr ar iando o es quem a m arx is ta de interpr etaç ão his tór ic a, pode-s e dizer que, pelo m enos na G rã- Br etanha, a r evoluç ão polític a cr iou c ondiç ões par a a r evoluç ão industr ial do s éc ulo s eguinte, e não o c ontr ár io; ou s ej a, as r elações s oc iais preceder am e tornar am poss ível a 53 tr ansform aç ão das f orças pr odutivas . No século XVII, até o ano de 1689, entre essa disputa do Parlamento e monarcas surgem ideias como a tolerância religiosa; a luta contra a tirania do rei; a consagração dos direitos à vida, à liberdade e à propriedade emanados da natureza do homem e não por concessão do monarca; a liberdade de imprensa; as reformas educacionais; a família como instituição; e a separação dos poderes políticos, dentre outras. Todas estas ideias contribuíram para o desenvolvimento constitucional na Inglaterra e Estados Unidos, influenciando o iluminismo. 1.2.3 O iluminismo. A Declaração de Direitos de Virginia. Declaração de Independência dos Estados Unidos e Constituição Norte- Americana. O impacto da filosofia iluminista sobre a vida das pessoas foi de ampla abrangência, se comparado com a filosofia dos direitos naturais, pois desafiou diretamente o absolutismo, colocando em 53 A a f irm ação hi stó r ica d os di rei tos hum anos . 6ª ed . re v. e a tual . São P aulo : Sar ai va, 20 08, p. 95. 30 confronto inúmeros aspectos da sociedade europeia, e, irradiando seu pensamento para toda a Europa e América do Norte. Estes filósofos acreditavam na liberdade e divulgavam que os seres humanos deveriam ser regidos por leis próprias, e não por governantes que tomavam o poder em razão de seu nascimento. Defendiam a educação infantil e o desenvolvimento intelectual por toda a vida. Dos filósofos mais influentes do iluminismo estão Voltaire, Montesquieu, Diderot e Rousseau, estes defendiam a limitação dos poderes do governante, a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa, a soberania popular, a separação dos poderes, a convicção de que os governantes possuem responsabilidade direta sobre o bem-estar dos governados, dentre outros. Obra que influenciou profundamente a nova ideologia, contribuindo para a concepção atual de direitos humanos, foi escrita por Adam Smith, na Inglaterra - A Riqueza das Nações – em 1776, apoiando adequados os trabalhadores aos e os trabalhadores, fazendeiros, um exigindo movimento salários trabalhista livre, liberdade para o mercado e para a concorrência, uma política em que o governo não interferisse muito no comércio, diminuição de tarifas, e uma produção de bens de consumo com maiores benefícios para a maioria. 54 Jean-Jacques Rousseau defendia – em sua obra Contrato Social - a ideia de uma federação mundial com a finalidade de manter a paz social, mas tinha precauções quanto à realização desse pensamento, pois uma harmonia e estabelecimento de direitos internacionais nunca seria promovido por príncipes interesseiros ou ampliação do comércio. Acreditava em Estados agrários auto-suficientes com apoio em direitos populares, representados pela vontade geral, e em direitos 54 S MI TH , Ad am . A r i quez a das naç ões . 3ª ed . Trad . e no tas d e Lu ís Cris tó vã o Aguia r. V. I I, Lis boa : F undaç ã o Calous te Gu lbenk i an, 1999 , pas s i m. 31 universais distantes da escravidão ou sujeição, sendo esses direitos inalienáveis, mesmo em tempos de guerras. Nesse período, a obra de Cesare Beccaria – Dos Delitos e das Penas – também é considerada um legado para os direitos humanos, quando tratou dos direitos criminais, considerando que as penas deveriam ser impostas de acordo com a gravidade do crime cometido, e apenas quando provada a culpa do indivíduo, e sempre vislumbrando a segurança e ordem sociais. Thomas Paine denunciou o tráfico de escravos africanos em suas obras, e defendeu a independência da América, fornecendo argumentos incorporados à Declaração de Independência Americana de 1776. Propagava este autor que os direitos naturais são aqueles inerentes ao homem antes mesmo da sociedade civil, como os direitos à proteção e à propriedade. Era fervorosamente contra a monarquia e acreditava que a revolução francesa contribuiria para o nascimento de governos republicanos em todo o mundo. A Magna Carta, a Petição de Direitos de 1628, a Lei de Habeas Corpus de 1679, o pensamento iluminista e a teoria dos direitos naturais contribuíram para a formação intelectual da guerra da independência dos Estados Unidos, e os conceitos criados a partir de então sobre os direitos do homem culminaram em 1776, com a Declaração de Independência dos Estados Unidos, escrita em grande parte por Thomas Jefferson, influenciado por John Locke e Thomas Paine, que proclamou a separação das treze colônias americanas ditando um contrato social com base em doutrinas fundamentais dos direitos naturais, pregando a igualdade entre os homens dotados de direitos inalienáveis, como a vida, a liberdade e a busca da felicidade, repercutindo mundialmente. Fabio Konder Comparato ensina que, em algumas partes da Declaração de Independência notadamente se identifica a lição dos 32 filósofos clássicos, como Aristóteles e o conceito de felicidade, sem deslembrar que Jefferson era esclarecido o suficiente para entender que “ninguém possui um direito inato à felicidade” 55, sabedor “com apoio na lição dos clássicos, que a dignidade humana exige que se dêem, a todos, as condições políticas indispensáveis à busca da felicidade.” 56 A geografia das colônias americanas contribuiu para tornar os americanos liberais. As treze colônias juntas eram muito maiores que a Inglaterra, dotadas de terra virgem gratuita ou com preço muito inferior que as terras na Inglaterra, propiciando mesmo às famílias humildes uma vida melhor que a de seus parentes abastados na Inglaterra. A mobilidade social contribuía para a rápida mudança, na hipótese de algum vizinho ou magistrado inconveniente. Nesse ambiente, nasceram muitas comunidades agrícolas igualitárias, e construtores comuns, artesãos e trabalhadores não especializados fizeram fortuna dada a escassez de mão de obra, mesmo trabalhando cinco, sete ou mais anos para quitar passagem e treinamento. 57 Esses aspectos somados à distância da Inglaterra, às restrições coloniais, e às leis injustas, especialmente as tributárias, tornam lógica e clara a resistência em nome da liberdade. Assim, a rebelião americana nasce com viés econômico, mas dotada de protesto ideológico. A Declaração de Independência Americana é considerada “o primeiro documento cívico que satisfez a definição moderna de direitos humanos” 58, pois além dos direitos já citados vaticinava 55 A a f irm ação hi stó r ica d os di rei tos hum anos . 6ª ed . re v. e a tual . São P aulo : Sar ai va, 20 08, p. 107. 56 I bid em , m es m a pá gina. 57 P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 43 . 58 I bidem , p. 45. 33 “direitos universais aplicáveis à população em geral, incluía obrigações legais e morais e estabelecia padrões de avaliação e legitimidade dos atos do Estado.” 59 As declarações de direitos americanas são declarações essencialmente individuais, pioneiras no assunto, proclamando a emancipação do indivíduo em relação a família. 60 A Declaração de Direitos de Virginia, datada de 12 de junho de 1776, possui estilo retórico, “refletindo a mentalidade puritana” 61, as regras de direito foram consideradas ligadas à moralidade pessoal. Em sua abertura, proclamou a igualdade dos homens em liberdade e independência, como todas as fundamentou expressamente o reconhecidos os direitos declarações regime inalienáveis do seguintes. democrático, homem, Também, declarando bem como a soberania popular. Tutelou várias formas de liberdade, como a de imprensa, que se torna um dos pilares da democracia americana, e, a religiosa, apesar de impor as virtudes cristãs. Defendeu a instituição do júri. E, fundamentou a soberania externa do novo Estado, germe para a trágica guerra civil que se desencadeou no século seguinte. 62 Em 1789 foi ratificada a Constituição americana, escrita pela Convenção Constitucional, estabelecendo um novo governo nos Estados Unidos, dividindo o poder em três ramos federais, distribuindo o poder em governo com autoridades nacionais e locais, concedendo amplos poderes ao Congresso, apoiado pela Suprema Corte, sendo o povo a autoridade suprema do governo. 59 I bidem , m es m a pági na. 60 C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev. e atu al., Sã o Paulo : Sarai va , 20 08, p. 111 -112 . 61 I bidem , p. 115 . 62 I bid em , p . 11 5-1 18. 34 Poucas emendas foram necessárias após esse período, apenas para assegurar com maior amplitude ( ...) que todos os amer ic anos gozavam de plenos dir eitos c ivis ou hum anos. Entr e elas podem os c itar a 13ª Em enda, que aboliu a esc ravidão ( 1865) ; a 14ª Em enda, que def iniu os dir eitos dos c idadãos ( 1868, m esm o que os “ índios” nãotr ibutados c ontinuas s em exc luídos do r ateio par a a eleiç ão pr oporc ional de r epr es entantes e o voto foss e restr ito as hom ens de m ais de 21 anos) ; a 15ª Em enda, que perm itiu o voto de hom ens negr os ( 1870); a 19ª Em enda, que c oncedeu o dir eito de voto às m ulher es ( 1920); a 23ª Em enda, que perm itiu o voto par a pr es idente aos habitantes do dis tr ito de Colum bia ( 1961); e a 24ª Em enda, que pr oibiu a inter diç ão de voto nas eleiç ões f ederais por falta de pagam ento de 63 im posto ( 1964) . Estes fatos históricos americanos foram únicos, eliminando instituições ineficazes e as substituindo por uma nova forma de governo com base na razão, ocorrência reconhecida por europeus e latinos, inflamando, inclusive, a revolução francesa. 64 1.2.4 Revolução francesa. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Eric J. Hobsbawm constrói em poucas palavras a expressão da Revolução Francesa para a história Se a ec onom ia do m undo do s éc ulo X IX foi c ons tr uída pr inc ipalm ente s ob a inf luênc ia da Revoluç ão Indus tr ial br itânic a, s ua polític a e ideologia f or am c ons tituídas f undam entalm ente pela Revoluç ão Fr anc es a. A G r ã- Br etanha f or neceu o m odelo para as fer r ovias e fábr icas , o ex plos ivo ec onôm ic o que rom peu c om as es tr utur as soc ioec onôm icas tr adic ionais do m undo não- eur opeu. No entanto, foi a F r ança que f ez s uas r evoluç ões e a elas deu s uas ideias, a ponto de bandeiras tr ic olor es de um tipo ou de outr o ter em -se tor nado o em blem a de pr aticam ente todas as naç ões em er gentes, e as polític as europeias ( ou m esm o m undiais) , entr e 1789 e 1917, f or am em gr ande parte lutas a favor ou c ontr a os pr inc ípios de 1789, ou os ainda m ais inc endiár ios pr incípios de 1793. A Fr anç a f or nec eu o voc abulár io e os tem as da polític a liber al e r adical- dem ocr átic a par a a m aior parte do 63 64 P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 46 . I bid em , m es m a pá gina. 35 m undo. A F ranç a deu o pr im eir o gr ande ex em plo, o c onc eito e voc abulár io do nac ionalism o. Ela f or nec eu os c ódigos legais, o m odelo de or ganizaç ão técnica e c ientíf ic a e o s is tem a m étr ic o de medidas para a m aior ia dos país es . A ideologia do m undo m oder no atingiu, pela inf luênc ia fr anc es a, as antigas civilizaç ões que até então r es is tiam às 65 ideias eur opeias . Esta f oi a obra da Revoluç ão Fr anc es a. Afirma o autor, ainda, que essa obra da Revolução Francesa ao mundo moderno se deu por vários fatores, como ocorrer no mais populoso e poderoso Estado da Europa; ser a única revolução ecumênica, pois seus exércitos revolucionaram o mundo, como era seu objetivo, a exemplo, dos levantes que ocorreram para libertação da América Latina em 1808, e sua influência direta até Bengala. Também, é considerado o primeiro movimento de ideias cristãs ocidentais que influenciou o mundo islâmico; forneceu padrão para as revoluções que a sucederam, incorporando lições ao socialismo e comunismo, de acordo com as interpretações realizadas. 66 As origens da Revolução Francesa devem ser resgatadas em sua situação específica, pois no século XVIII apesar de ser o maior rival da Grã-Bretanha, tendo em vista que seu comércio estava em franca expansão, e, “seu sistema colonial era mais dinâmico que o britânico. Mesmo assim, a França não era uma potência como a Grã-Bretanha, cuja política externa já era substancialmente determinada pelos interesses da expansão capitalista.” 67 Nasceram nesse período forças sociais que pregavam uma exploração mais eficiente da terra, comércio e empresas livres, defendiam uma administração eficiente e padronizada de um único território nacional, lutavam pela igualdade social, pois entendiam que a desigualdade retardava o desenvolvimento dos recursos nacionais, e, buscavam uma administração e taxação coerentes. Essas diretrizes não seriam incompatíveis com a monarquia absolutista se interesses despóticos e político-sociais não impedissem essas alterações. 65 H O B SB AW M, Eric J . A r e vo luçã o f ranc esa. Tr ad . Ma ria Ter e za Lopes Tei xei ra e Ma r c os Penc h el. 7ª e d. R io de J a neir o: Pa z e Ter ra , 200 8, p. 9 . 66 I bidem , p. 10 -12. 67 I bid. , p . 13 . 36 A centelha inicial da Revolução Francesa foram as políticas doutrinárias e repressivas da monarquia. Luis XV objetivando erradicar a heresia religiosa provocou a fuga de manufatureiros, artesãos e mercadores huguenotes, representantes do desenvolvimento econômico, despojando a indústria francesa. Outros elementos contribuíram para a revolta, como a dissensão religiosa e o rígido sistema tributário. Além, da insatisfação popular reunindo os fatores mencionados e a excessiva dívida pública e falência do Tesouro, consequência das guerras dos séculos XVII e XVIII, do auxílio na revolução americana, “a vitória contra a Inglaterra foi obtida ao custo da bancarrota final, e, portanto, a revolução americana pôde proclamar-se a causa direta da Revolução Francesa” 68, o desperdício puro e simples são fatos somados à revolta. A Revolução Francesa não teve um líder, tão pouco foi liderada por um partido ou movimento organizado, surpreendente consenso de ideias. 69 mas nasceu de um A estrutura social francesa, no final do século XVIII, era determinada pela aristocracia conservando a marca de sua origem. A terra poderia ser considerada como praticamente a única riqueza, e os proprietários dessas terras eram considerados donos das pessoas que precisavam da terra para o trabalho e para viver. 70 Georges Lefebvre lembra que, no século XVII, ocorreu a última revolta dos aristocratas, quando o monarca retirou dos senhores o poder político, submetendo os nobres e o clero à sua autoridade, “mas, 68 69 70 lhes deixara o primeiro lugar na hierarquia social: eles H O B SB AW M, Er ic J . A r e voluç ão fra nces a. Tr ad . Mar ia Te re za Lopes Tei xe ira e Ma r c os Penc h el. 7ª e d. R io de J a neir o: Pa z e Ter ra , 200 8, p. 1 8. Ibidem , p . 19 . L EF EB VR E, Ge org es . 17 89 o su rgi men to da re volu ção f rance sa. Tr ad . Claudia S c hilli ng. 2ª ed. re v. R io de J ane iro : P a z e Te rra , 20 08, p. 37. 37 continuavam sendo privilegiados, embora incessantemente terem se tornado súditos.” 71 lamentassem Assim, continuavam detentores de privilégios, como a isenção de impostos e o direito de receber tributos feudais. 72 Uma nova classe social surgiu nesse período, com uma nova forma de riqueza, a classe social era a burguesia, e a riqueza a mobiliária, assumindo a burguesia desde o século XVI lugar nos Estados Gerais, Terceiro Estado, beneficiados pelas descobertas marítimas dos séculos XV e XVI, pela exploração dos novos mundos e pela cooperação com o Estado monárquico, contribuindo com dinheiro ou administradores competentes. Nesse período, houve um renascimento do comércio e da indústria, assumindo relevante papel na economia nacional, e era a burguesia que auxiliava o Tesouro real em épocas de necessidade. Consequentemente, a nobreza decrescia em seu papel social e o clero seguia os mesmos passos em razão da perda de seu prestígio. A Revolução Francesa harmonizou o fato e a lei, pois a burguesia era detentora do poder econômico, da capacidade, e perspectivas de futuro. Georges Lefebvre ensina que ( ...) A bur gues ia, s em dis por de um intérpr ete legal, não tinha m eios de for çar o r ei a c onvoc ar a naç ão; a m esm a c ois a ac ontec ia c om os c am pones es e oper ár ios . Em c om pens aç ão, os pr ivilegiados dis punham dess es m eios: o c ler o atr avés de s ua Ass em bléia, a nobr eza nos Par lam entos e nos Es tados provinc iais . F or am eles que c oagir am o r ei. “ Os patríc ios”, escreveu Chateaubr iand, “ c om eçar am a r evoluç ão; os plebeus a term inar am .” Ass im, o pr im eir o ato da Revolução, em 1788, f oi m arc ado pelo tr iunf o da ar is tocr ac ia que, apr oveitando a cr ise gover nam ental, acr editou obter s ua revanc he e retom ar a autor idade polític a 71 72 I bid em , m es m a pá gina. H O B SB AW M, Er ic J . A r e voluç ão fra nces a. Tr ad . Mar ia Te re za Lopes Tei xe ira e Ma r c os Penc h el. 7ª e d. R io de J a neir o: Pa z e Ter ra , 200 8, p. 1 5. 38 da qual for a des pojada pela dinas tia dos Capetos. No entanto, tendo par alisado o poder r eal que s er via de esc udo à sua pr oem inênc ia s oc ial, ela abr iu o cam inho par a a r evoluç ão bur gues a, par a a r evolução popular das c idades e, f inalm ente, par a a r evoluç ão c am pones a – e f oi s epultada 73 s ob os esc om br os do Antigo Regim e. Outro marco histórico, inclusive e principalmente, na cruzada em favor dos direitos humanos foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 na França, considerada por Fabio Konder Comparato como o “atestado de óbito do Ancien Regime” 74, e “uma espécie de carta geográfica fundamental para a navegação política nos mares do futuro, uma referência indispensável a todo projeto de constitucionalização dos povos.” 75. Carregou das ideias iluministas de John Locke a doutrina dos direitos naturais; a teoria da vontade geral e da soberania popular foram extraídas dos ensinamentos de JeanJacques Rousseau; a proteção contra ações policiais e judiciais arbitrárias de Cesare Beccaria e Voltaire; ampliando as liberdades defendidas na revolução americana. Apesar subordinadas de ignorar política, os social, direitos das econômica mulheres, e que eram juridicamente, os revolucionários franceses buscaram proteger os direitos à justiça econômica e social, considerando invioláveis o direito de propriedade. O líder jacobino Maximilien de Robespierre defendia trabalho ou ajuda aos necessitados, criação de imposto progressivo sobre a renda e educação universal, por meio de ações do Estado, sem olvidar da “obrigação de fraternidade que une os homens de todas as nações, e seu direito à ajuda mútua. Isso porque aquele que oprime uma única 73 Em obra c lás s ic a no es t udo da Re vol uç ão F ranc es a , Geor ges Le feb vr e dis c or re s obre es s es q uat ro atos d o m o vim e nto, rec ons tituin do-o s em gran des traç os . 1789 o s ur gime nto da r e vo lução f ran cesa . Trad . Clau dia Sc h illing . 2 ª e d. re v. R io de J anei ro: P a z e Te rra , 20 08, p. 39. 74 C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev. e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 151. 75 I bid em , m es m a pá gina. 39 nação tornar-se-á inimigo de todas.” 76 Mas, os dispositivos foram considerados progressistas e rejeitados pela Constituição de 1793. 1.2.5 A Constituição francesa de 1848. O Manifesto do Partido Comunista. A Encíclica Rerum Novarum O período analisado aqui, dos anos de 1792 a 1848, foi marcado por grandes transformações sociais, inúmeras revoluções eclodiram no mundo europeu em confronto aos regimes autocráticos e crises econômicas, em defesa do nacionalismo, do trabalho e da liberdade. A colheita em 1846 foi um desastre, trazendo a fome no campo e, na cidade o operariado demonstrava insatisfação com os excessos capitalistas do rei Luis Felipe de Orléans. A revolução popular de Paris, que visava a derrocada do rei, e a reinstauração da república, baseada nos ideais revolucionários de 1792, iniciou o movimento denominado Primavera dos Povos, que cresceu rapidamente para Alemanha, Baviera, Prússia, Áustria, Hungria, Lombardia, para os Estados Pontifícios e Itália meridional. 77 Formado um governo provisório, convocou-se imediatamente uma assembleia constituinte, fixando uma eleição para os dois meses seguintes, sem esclarecimento do eleitorado, culminando com uma correlação de força parlamentar desfavorável aos revolucionários. 78 Tanto que a solução executada pelo governo provisório para resolver o desemprego nas cidades, a criação de fábricas nacionais que empregaram cem mil operários, foi finalizada, dando azo a uma revolta coibida pelo exército. 76 I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos po lític os , ens a ios , dis c u rs os e doc um ent os d es de a B íblia a té o pres ente . S éri e Di reit os H um an os , 2. Tra d. Fabi o D u art e J ol y . São Pa ulo: E dito ra da Un i vers i dade de S ão Paulo: N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 29 . 77 C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev. e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 167. 78 I bidem , p. 167 -168 . 40 Os direitos sociais, especialmente, o reconhecimento do direito ao trabalho eram as reivindicações desse período. Fabio Konder Comparato doutrina que Adolf o T hiers ( que ir ia c hef iar o governo que negoc iou a paz c om a Pr úss ia vencedor a, e esm agou no s angue a Com una de Par is , em 1871) qualif ic ou ess e direito c om o um a “ her es ia, um a teor ia f als a, j á c ondenada pela ex per iênc ia” . O pr etens o dir eito ao tr abalho, acr es centou, ac abar ia por “ des tr uir o es pír ito de ec onom ia” , pois os oper ár ios , vendo s eu f utur o ass egurado, deixar iam de depos itar s uas ec onom ias nas c ontas popular es de poupanç a. Q uanto a T oc queville, r es pondendo ao deputado Mathieu, par a quem o dir eito ao tr abalho er a o “ dir eito da fom e” , adver tiu que ess a pr oposta im plic ava em transf orm ar o Estado em pr opr ietár io de todos os bens, ou s ej a, “ o c om unism o, um a nova form a 79 de ser vidão”. O direito ao trabalho representava em 1848 para os operários o mesmo que representou no Ano II, para os agricultores que dependiam do máximo dos grãos – “uma forma jurídica do direito à vida.” 80 Dessa forma, a Constituição francesa de 1848 foi uma obra de compromisso, constando a redução gradual das despesas públicas e dos impostos, e objetivando o progresso e a civilização fundada em valores como a família, pela primeira vez nos documentos franceses, a propriedade e a ordem pública, bem como o direcionamento para o ensino público voltado ao mercado de trabalho. 81 Tirante a ambiguidade expressa nessa Constituição, pois consagrava a liberdade submetendo-a a determinações editadas por leis orgânicas, constou “a instituição de deveres sociais do Estado para com a classe trabalhadora e os necessitados em geral [...] 79 I bid. , p . 169 . 80 L EF EB VR E, G eor ges . 178 9 o su rg imen to da R e volu ção f ranc esa. Tr a d. Claudia S c hilli ng. 2ª ed. re v. R io de J ane iro : P a z e Te rra , 20 08, p. 13. 81 C O MP A R A TO, Fábi o Konde r. A af ir mação hi stó rica do s d ir eit os huma nos . 6ª ed. r e v. e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 169. 41 apontando para a criação do que viria a ser o Estado do Bem-Estar Social, no século XX.” 82, em seu artigo 13 Ar t. 13 A Constituiç ão gar ante aos c idadãos a liber dade de tr abalho e de indús tr ia. A s oc iedade favor ec e e enc or aj a o des envolvim ento do trabalho, pelo ens ino pr im ár io gr atuito, a educ aç ão pr ofiss ional, a igualdade nas r elaç ões entr e o patrão e o operár io, as ins tituiç ões de pr evidênc ia e de cr édito, as ins tituiç ões agr íc olas , as ass oc iaç ões voluntár ias e o es tabelec im ento, pelo Es tado, os Depar tam entos e os Municípios , de obr as públicas c apazes de em pregar os br aç os des oc upados ; ela f or nec e as s istênc ia às cr ianç as abandonadas, aos doentes e idosos s em r ecurs os e que não 83 podem s er s oc orr idos por s uas f am ílias . Nessa Constituição, também, foi abolida a pena de morte em matéria política, pela primeira vez na história constitucional, e vedada a escravidão. Quanto ao Manifesto do Partido Comunista elaborado por Karl Marx e Friedrich Engels, em 1848, e a Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, de 1891, são considerados documentos relevantes para a história dos direitos humanos, pois trataram de diversos pontos, inclusive, sobre a condição dos operários da época, ditando propostas diferenciadas. Nessa época iniciou-se a Era da Doutrina Social da Igreja Católica, sendo orientações constantes em encíclicas e pronunciamentos dos papas voltadas para o enfrentamento dos problemas sociais, fixando princípios, critérios e diretrizes sobre a organização social e política dos povos. Na Encíclica Rerum Novarum, o Papa Leão XIII analisa os problemas entre industrial, orientando 82 I bidem , p. 170 . 83 I bid. , p . 172 . capital e sobre trabalho o consequentes princípio da da revolução colaboração em 42 contraposição à luta de classes, sobre a dignidade dos pobres, a obrigação dos ricos e o direito de associação, dentre outros direitos. 84 Especialmente sobre o trabalho, é descrito nesta Encíclica como um direito fundamental, tendo valor de dignidade, além de necessidade para que o homem mantenha sua família, adquira propriedade e contribua para o bem comum, colocando o trabalho como meio universal para prover as necessidades da vida. E, sustenta que a propriedade adquirida como fruto do trabalho, a ele deve servir, tendo a mesma ideia sobre o direito a herança, pensamento comunista, que pregava a sua abolição. Prega essa doutrina cristã uma reforma diverso do 85 agrária, justa e eficiente, condenando o latifúndio e a propriedade estatal da terra, sugerindo que se favoreça a empresa familiar proprietária da terra que a cultiva diretamente. Ao revés, o Manifesto comunista apregoa a abolição da propriedade privada, entendendo que a propriedade privada está abolida para nove décimos dos membros da sociedade 86 . O Papa Leão XIII ainda sustenta que é preciso que o Estado, as empresas, os sindicatos e os setores participantes da vida social promovam políticas de trabalho que não penalizem e não sacrifiquem as famílias, notadamente a dupla jornada de trabalho que reduz o tempo dedicado à vida de família, e os problemas familiares se refletem sobre o rendimento no campo do trabalho. Quanto trata da proteção dos bens da alma assevera 57. Muitas outr as c oisas deve igualm ente o Es tado pr oteger ao oper ár io, e em pr im eir o lugar os bens da alm a. ( ...) A ninguém é líc ito violar im punem ente a dignidade do hom em , do qual Deus m esm o dis põe c om grande r ever ênc ia, nem pôr- lhe im pedim entos, par a que ele s iga o cam inho daquele 84 L E ÃO XIII . Re rum nov ar um : Car ta e nc íc lic a s obr e a c ondiç ão d os op erá rios . 2 ª ed . São P aulo : Ediç ões Lo yo la, 200 2, pas s i m. 85 I bid em , p . 8 -13 . 86 MA R X, K ar l; EN G ELS , F red eric . M an ife sto d o N as s et ti. Sã o P aulo : Ma rt in Cla ret, 200 6, p. 5 9-6 3. pa r tid o com uni sta. Tr ad. Pie tro 43 aperfeiç oam ento que é or denado par a o alc anc e da vida eterna ( ...) 58. Daqui vem , com o cons equênc ia, a nec ess idade do r epous o f estivo. Is to, por ém, não quer dizer que s e deve estar em óc io por m ais lar go espaç o de tem po, e m uito m enos s ignif ic a um a inaç ão total, c om o m uitos des ej am , e que é f onte de víc ios e ocas ião de diss ipaç ão; m as um r epous o c onsagr ado à r eligião. Unido à r eligião, o r epous o tira o hom em dos tr abalhos e das ocupaç ões da vida or dinár ia para o c hamar ao pens am ento dos bens c elestes e ao c ulto devido à Maj es tade divina. Eis aqui a pr inc ipal natur eza e f im do repouso f estivo que Deus, c om lei 87 es pec ial, pr esc reveu ao hom em no velho tes tam ento ( ...) Já no Manifesto Comunista Karl Marx e Friedrich Engels afirmam que a família da época só existe para a burguesia. Mais adiante, na Encíclica Rerum Novarum, o Papa Leão XIII orienta sobre o regime de trabalho 59. No que diz r es peito aos bens natur ais e exter ior es , pr im eir o em tudo é um dever da autor idade públic a s ubtr air o pobr e oper ár io à desum anidade de ávidos es peculador es , que abus am s em nenhum a discr iç ão, das pess oas c om o das c ois as . Não é justo nem hum ano ex igir do hom em tanto tr abalho a ponto de fazer pelo exc es so da fadiga em br utec er o es pír ito e enfr aquec er o c orpo. A atividade do hom em , r es tr ita c om o s ua natur eza, tem lim ites que se não podem ultr apas s ar. O ex erc íc io e o us o a aperfeiç oam , m as é pr ec is o que de quando em quando s e suspenda par a dar lugar ao repous o. Não deve, por tanto, o tr abalho pr olongars e por m ais tem po do que as f orç as perm item . Ass im o núm er o de hor as de trabalho diár io não deve exc eder a forç a dos tr abalhadores, e a quantidade do repous o deve ser pr oporc ionada à qualidade do tr abalho, às circ uns tânc ias do tem po e do lugar , à c om pleiç ão e s aúde dos oper ár ios . O tr abalho, por ex em plo, de ex tr air pedr a, ferr o, chum bo e outros m ater iais esc ondidos debaix o da ter ra, s endo m ais pes ado e noc ivo à s aúde, deve s er c om pens ado c om um a dur aç ão m ais c ur ta. Deve-s e tam bém atender às es taç ões, por que não pouc as vezes um tr abalho que f ac ilm ente s e s upor tar ia num a estação, em outr a é de fato ins uportável ou 88 s om ente s e vence c om dif ic uldade. Como se vê, a Constituição Francesa de 1848 contemplou direitos fundamentais sociais dos trabalhadores, que começaram a tomar corpo pelas ideias dos intelectuais progressistas, bem como por 87 L EÃ O XIII . Re ru m novar um : Ca rta e nc íc lic a s o br e a c ondiç ão dos op erá rios . 2ª ed . São P aulo : Ediç ões Lo yo la, 200 2, p. 2 9. 88 I bid em , p . 30 . 44 meio dos movimentos socialistas, da consciência de classe, e da doutrina social cristã. Saliente-se a forte influência que a Encíclica Rerum Novarum teve sobre as políticas estatais “que passaram a abandonar suas posições liberais de não intervenção na ordem social e jurídica, para intervir, produzindo o arcabouço jurídico-político do Estado do BemEstar Social.” 89 Tanto que, na Inglaterra, França e Alemanha, leis foram editadas para fiscalizar o trabalho nas empresas; a jornada de trabalho foi limitada a oito horas diárias; foram criados o salário mínimo, o seguro saúde, o seguro desemprego e a aposentadoria por idade. 90 1.2.6 A Constituição mexicana de 1917. A Constituição alemã de 1919. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Os direitos fundamentais dos trabalhadores nasceram na Constituição Mexicana de 05 de fevereiro de 1917, em consequência dos movimentos elencados anteriormente, e, em especial, pelo movimento de jovens intelectuais contra a ditadura de Porfírio Diaz, nomeado Regeneración. Esses últimos propagavam ideias de renovação como a proibição de reeleição presidencial, a expansão do sistema de educação pública, a reforma agrária e a proteção do trabalho assalariado. 91 89 P I N TO, Ai rt on Pe rei ra. Di rei to d o tr aba lho , di rei tos h uman os C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr Edit ora Ltda , 20 06, p. 66. so ciai s e a 90 I bid em , p . 67 . 91 C O MP A R A TO, Fábi o Kond er. A a fi rma ção his tór ica dos di rei tos human os. 6 ª ed . re v. e atu al. São Pa ulo: Sa rai va , 20 08, p. 177. P IN TO , Ai rton P erei ra. D ir eito do t rab alh o, d ir eit os huma nos so cia is e a Cons ti tui ção Fe der al. S ão Pau lo: L Tr Edi tor a L tda, 20 06, p. 68. 45 Essa Carta tratou de forma minudente os direitos de proteção dos trabalhadores, refletindo a “preocupação dos movimentos sociais frente à limitação do poder econômico nas relações de trabalho.” 92 Foi a primeira Constituição que desmercantilizou o trabalho, vedando a comparação do trabalho a uma mercadoria qualquer, sujeito à lei da oferta e procura do mercado. Dispôs sobre o princípio da igualdade entre empregado e empregador nas relações contratuais de trabalho. Tratou da responsabilidade dos empregadores em relação a acidentes de trabalho. 93 Para Marthius Sávio Cavalcante Lobato, essa inserção dos direitos fundamentais dos trabalhadores na Constituição Mexicana de 1917, estabeleceu a tutela da violação da dignidade da pessoa humana ao dispor sobre a) jor nada diár ia m áx im a de 8 hor as; b) a jor nada notur na m áx im a de 7 hor as , pr otegendo o c idadão tr abalhador do tr abalho s ubum ano. Gar antiu a pr oteç ão do tr abalho infantil, entendendo, j á naquela époc a, tr atar -se de tr abalho degr adante, quando dis põe pela c) pr oibiç ão do tr abalho do m enor de 12 anos e lim itação da j or nada do m enor de 16 anos a 6 horas diár ias ; pr otegeu o dir eito da m ulher e do nasc itur o ao gar antir a d) pr oteç ão à m ater nidade. Es tabelec eu lim ites par a a atuaç ão dos em pregador es , c ontr a a dis pens a im otivada, com o m ec anism o de gar antir o c ontr ato de tr abalho enquanto ato contínuo e de r es pons abilidade s oc ial, ao prever a e) indenizaç ão c ontr a a dis pens a; gar ante a plena liberdade de as soc iaç ão, r ec onhec endo o f) dir eito à s indic alizaç ão, bem c om o o dir eito à negoc iaç ão c oletiva, ao es tabelecer com o m ec anism o de s oluç ão de c onflitos o g) dir eito à c onc iliaç ão e à ar bitr agem nos c onf litos coletivos . Rec onhec e, ainda, o dir eito do c idadão trabalhador a s ua autonom ia e liber dade de r eivindic aç ão por m elhor es c ondiç ões de tr abalho, r ec onhec endo o direito de c aus ar prej uízo ao s eu em pr egador ao c onfer ir o h) dir eito de greve; r ec onhec e c om o obr igaç ão do Estado a pr oteç ão c ontra os infortúnios das r elaç ões de tr abalho, obr igando- o (Es tado) a um a atuaç ão pos itiva ao gar antir i) o direito a s egur os s oc iais . Adem ais, protege a dignidade do c idadão tr abalhador ao dis por s obr e o m eio am biente de tr abalho digno, pr otegendo c ontr a j) ac identes do trabalho; ins er e o pr inc ípio da 92 N U N ES J UN IO R, Vidal S er rano. A ci dada nia s ocia l na C ons ti tuiçã o de 19 88 : es tra tégias d e pos iti v aç ão e e xi gibil idad e j udic ia l dos dir eitos s oc i ais . S ão Pau lo: V erb atim , 200 9, p. 5 2. 93 C O MP A R A TO, Fábi o Kond er. A a fi rma ção his tór ica dos di rei tos human os. 6 ª ed . re v. e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 181. 46 igualdade entr e os trabalhador es que ex erc em a m esm a f unção par a o m esm o em pr egado, ao determ inar a l) igualdade s alar ial; gar ante a dignidade da pess oa hum ana do tr abalhador ao es tabelec er o m) direito ao s alár io 94 m ínim o. Já a Constituição de W eimar de 1919 ampliou o rol de direitos sociais tutelados, com especial cuidado ao direito à educação, direito à saúde e à previdência. Essa Carta não tratou de forma minudente, como a Constituição Mexicana de 1917, dos direitos fundamentais trabalhistas, mas antecipou alguns institutos como “a preocupação em se estabelecerem padrões mínimos de regulação internacional do trabalho assalariado, tendo em vista a criação, à época ainda incipiente, de um mercado internacional de trabalho.” 95 A Constituição de W eimar reconhece o direito ao trabalho, impondo ao Estado o dever de desenvolver políticas de pleno emprego, dispondo em seu artigo 163 que ( ...) A todo alem ão dá-s e a poss ibilidade de pr over à sua s ubs is tênc ia pelo s eu tr abalho. Enquanto não se lhe puder pr opic iar um a oportunidade de tr abalho, c uidar- se-á de s uas nec ess idades de s ubs is tênc ia. As par tic ular idades loc ais 96 s er ão atendidas m ediante leis es pec iais do Es tado c entr al. Também, como característica dessa Constituição,, saliente-se o caráter social democrático e preocupação humanística apresentando, inclusive, sentido universalista, de forma a influenciar outras constituições contemporâneas, quando ditou “O Estado lutará pela obtenção de uma regulamentação internacional das relações jurídicas de trabalho, com o objetivo de assegurar a toda humanidade um mínimo geral de direitos sociais.” 97 94 L O BA TO , Ma rthi us S á vio Ca v alc an te. O val or co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e d os d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 3 6-37 . 95 C O MP A R A TO , Fá bio Kond er. A af i rmaçã o h ist ór ica do s d ir eit os huma no s. 6 ª ed . re v. e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 195- 196. 96 I bid em , p . 19 9. 97 N U N ES J UN IO R, Vidal S er rano. A ci dada nia s ocia l na C ons ti tuiçã o de 19 88 : es tra tégias d e pos iti v aç ão e e xi gibil idad e j udic ia l dos dir eitos s oc i ais . S ão Pau lo: V erb atim , 200 9, p. 5 3. 47 A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 nasce como instrumento de revigoração dos direitos humanos, sob o impacto das atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Este documento pautouse pelos princípios da Revolução francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – ditando em seu preâmbulo que “uma de suas preocupações específicas com os direitos humanos era o de colocar o homem a salvo da necessidade, bem como promover o progresso social e melhores condições de vida.” 98 Nessa Declaração de 1948 houve um amplo reconhecimento dos direitos sociais, inclusive como direitos intrínsecos à natureza humana, como expressam, dentre outros, alguns de seus artigos Ar tigo 22. T oda pessoa, c om o m em br o da s oc iedade, tem dir eito à s egur anç a s oc ial e à r ealizaç ão, pelo esfor ço nac ional, pela c ooper aç ão inter nac ional e, de ac or do c om a or ganizaç ão e r ec urs os de c ada Es tado, dos dir eitos ec onôm ic os, s oc iais e c ultur ais indis pens áveis à s ua dignidade e ao livr e des envolvim ento da s ua pers onalidade. Ar t. 23. § 1. T oda pess oa tem dir eito ao tr abalho, à livre esc olha de em pr ego, a c ondiç ões j us tas e f avor áveis de tr abalho e à pr oteç ão c ontr a o des em pr ego. § 2. T oda pess oa, s em qualquer dis tinç ão, tem dir eito igual a r em uner aç ão por igual tr abalho. § 3. T oda pess oa que tr abalhe tem dir eito a um a r em uner aç ão j us ta e s atisf atór ia, que lhe ass egure, ass im c om o à sua fam ília, um a ex is tênc ia c om patível com a dignidade hum ana, e a que s e acr esc entar ão, se nec ess ár io, outr os m eios de pr oteç ão s oc ial. § 4. T oda pessoa tem direito a or ganizar s indic atos e neles ingr es sar par a pr oteç ão de s eus inter ess es . Ar t. 24. T oda pess oa tem direito a r epous o e lazer , inc lus ive a lim itaç ão r azoável de hor as de tr abalho e f ér ias per iódic as r em uner adas. Ar t. 25. § 1. T oda pess oa tem dir eito a um padr ão de vida c apaz de as segur ar a s i e a s ua f am ília s aúde e bem -es tar , inc lus ive alim entaç ão, ves tuár io, habitaç ão, c uidados m édic os e os s er viç os s oc iais indis pens áveis , e dir eito à s egur anç a em c as o de des em pr ego, doenç a, invalidez, viuvez, velhic e ou o utr os c as os de per da dos m eios de s ubs is tênc ia f or a de c ontr ole. § 2. A m aternidade e a infânc ia têm dir eito a cuidados e ass is tênc ia es pec iais . 98 Ibidem , p . 54 . 48 T odas as c r ianç as nasc idas dentr o ou f or a do m atr im ônio 99 gozar ão da m esm a pr oteç ão s oc ial. Airton Direitos Humanos Pereira de Pinto, 1948, ao conclui comentar a que é o “ela Declaração de culminar do amadurecimento e evolução dos direitos humanos, especialmente em direção aos direitos humanos sociais dos trabalhadores, expressão mais firme do respeito pelos seres humanos que trabalham para viver dignamente.” 100 1.3 As diversas dimensões dos direitos fundamentais Analisada no capítulo anterior a evolução dos direitos fundamentais desde seu reconhecimento até nossos dias, verificou-se o reconhecimento progressivo de novos direitos com caráter cumulativo, de complementariedade e não de alternância, pois não houve substituição de direitos ao longo do tempo. Nessa concepção, adota-se a diretriz de Ingo W olfgang Sarlet que utiliza a expressão “dimensões” de direitos e não “gerações” como defendem outros autores, pois a expressão gerações leva à ideia de substituição gradativa de uma geração por outra. 101 A teoria das gerações de direitos foi lançada por Karel Vasak, jurista tcheco, naturalizado francês, em 1979, quando da abertura dos cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, afirmando, inclusive, a existência da terceira dimensão (geração como ele denominou) sendo a tutela dos direitos de fraternidade, prestigiando o lema da Revolução Francesa: liberdade (primeira geração/ dimensão), 99 B I TTA R, Ed uar do C. B. ; A L ME ID A, G uilhe rm e As s is de [or g.] . M i ni- cód igo de di rei tos h uman os. 1ª ed. S ão Pau lo: J uar e z de Oli vei ra, 2008 , p. 223 . 100 P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , P. 75 . 101 hum anos s ocia is e a S A RLE T, Ing o W olfga ng. A e f i cáci a d os di rei tos fu ndam ent ais . 8ª ed ., P o rto Alegre: Li v ra ria d o Ad voga do, 2007 , p. 54. 49 igualdade (segunda geração/ dimensão) e fraternidade (terceira geração/ dimensão). Para Norberto Bobbio, analisando os momentos históricos dos direitos fundamentais Ess a m ultiplic aç ão ( ia dizendo “ pr olif er aç ão”) oc orr eu de tr ês m odos: a) porque aum entou a quantidade de bens c ons ider ados m er ec edor es de tutela; b) por que f oi es tendida a titular idade de alguns dir eitos típicos a suj eitos divers os do hom em ; c ) por que o pr ópr io hom em não é m ais c ons ider ado com o ente genér ico, ou hom em em abs tr ato, m as é visto na es pec if ic idade ou na c onc retic idade de s uas divers as m aneir as de s er em s oc iedade, c om o cr ianç a, velho, doente, etc. Em s ubstânc ia: m ais bens , m ais s uj eitos , m ais status do indivíduo. É s upérf luo notar que, entr e ess es tr ês pr oc es sos, ex istem r elaç ões de interdependênc ia: o r ec onhec im ento de novos dir eitos de ( onde “ de” indic a o s uj eito) im plic a quas e s em pr e o aum ento de dir eitos a ( onde “ a” indic a o obj eto) . Ainda m ais s upérf luo é obs er var , o que im por ta par a noss os fins , que todas as tr ês c aus as dess a m ultiplicação c ada vez m ais ac eler ada dos dir eitos do hom em r evelam , de m odo c ada vez m ais evidente e ex plíc ito, a nec ess idade de fazer r ef er ênc ia a um contex to 102 s oc ial determ inado. ( ...) Com r elaç ão ao pr im eir o pr oc es so, oc orr eu a pass agem dos dir eitos de liber dade – das c ham adas liberdades negativas, de r eligião, de opinião, de im pr ens a, etc . – par a os dir eitos polític os e s oc iais , que r equer em um a inter venç ão dir eta do Es tado. Com r elaç ão ao segundo, oc orr eu a pas sagem da c ons ider aç ão do indivíduo hum ano uti s ingulus , que foi o pr im eir o s uj eito ao qual s e atr ibuír am dir eitos natur ais ( ou m or ais) – em outr as palavr as , da “ pes soa” - , par a s ujeitos diferentes do indivíduo, c om o a f am ília, as m inor ias étnic as e r eligios as, toda a hum anidade em seu c onj unto (c om o no atual debate, entr e f ilós ofos da m oral, s obre o dir eito dos pós teros à s obr evivênc ia) ; e, além dos indivíduos hum anos c ons ider ados s ingularm ente ou nas diversas com unidades r eais ou ideais que os r epr es entavam , até m esm o par a s uj eitos difer entes dos hom ens, c om o os anim ais . Nos m ovim entos ecológicos , es tá em ergindo quas e que um dir eito da natur eza a s er r es peitada ou não ex plor ada, onde as palavr as “ res peito” e “ ex plor aç ão” s ão ex atam ente as m esm as us adas tr adicionalm ente na def iniç ão e j us tificação dos direitos do hom em. Com r elaç ão ao terc eir o pr oc es so, a pass agem oc orr eu do hom em genér ic o – do hom em enquanto hom em – par a o hom em es pec íf ic o, ou tom ado na divers idade de s eus divers os s tatus s oc iais, c om bas e em difer entes cr itér ios de diferenc iação (o s ex o, a idade, as condiç ões f ís ic as) , c ada 102 B O BB I O, N orbe rt o. A e ra d os di rei tos . Tr ad. Car los Ne ls on Couti nho. 5 ª re im p. Rio de J an eir o: Els e vie r, 2004 , p . 83 . 50 um dos quais r evela dif er enç as es pec ífic as , que não perm item igual tr atam ento e igual pr oteção. A m ulher é diferente do hom em ; a c r ianç a do adulto; o adulto, do velho; o s adio, do doente; o doente tem por ár io, do doente cr ônic o; o doente m ental, dos outr os doentes ; os f is ic am ente norm ais , dos def ic ientes ; etc . Bas ta ex am inar as c artas de dir eitos que s e s uc eder am no âm bito internac ional, nes tes 103 últim os quar enta anos, para perc eber o f enôm eno ( ...) Também quanto ao número de dimensões não há consenso entre os doutrinadores, Celso Lafer 104 e Paulo Bonavides 105 afirmam a existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, sendo direitos à democracia direta, à informação e direito ao pluralismo, resultado da globalização dos direitos fundamentais. Já para Manoel Gonçalves Ferreira Filho existem três dimensões, a primeira denomina liberdades públicas, a segunda, os direitos econômicos e sociais, e, a terceira os direitos de solidariedade ou de fraternidade 106 . 1.3.1 Os direitos fundamentais de primeira dimensão As primeiras Constituições, produto do pensamento liberal burguês do século XVIII, trazem a marca do individualismo, tutelando o direito do homem frente ao Estado, e tendo a liberdade individual como essência do sistema, bem como defendendo a limitação dos poderes do soberano. Objetivavam essas leis superiores a proteção do homem em confronto com o Estado absolutista, sendo pressuposto para o exercício de outras faculdades constitucionais. Surgiu, ainda nesse período, a separação entre duas importantes estruturas sociais, a sociedade civil e o poder público, em razão do reconhecimento de 103 I bidem , p. 83 -84. 104 A r e con st ruç ão do s dir ei tos huma nos : um d iá log o com o pen samen to d e Ha nna Ar e nd t. 2ª e d. São Pa ulo : Cia d as Le tr as , 1 988, p . 13 1. 105 106 C u rso de di rei to con sti tu cio nal. 8ª ed. Sã o P aulo : Malh eir os , 1 997, p. 524 e s s . F E RR EI RA FIL H O, Ma noel G onç al ves . D ir eit os hu mano s fu ndam ent ais . 8ª ed. , re v. e a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 06. 51 direitos irrenunciáveis como o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. E, noutro momento, foi consagrada a liberdade de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação; pelos direitos de participação política, direitos esses que correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental, continuando a integrar os catálogos das Constituições. A independência americana e a revolução francesa criaram, dentre outros, direitos oponíveis ao Estado, e o modo de operá-los, consagrando liberdades, poderes de agir, ou não agir, independentemente da ingerência do Estado, nascendo da liberdade em geral a presunção de inocência, a legalidade criminal, a legalidade processual, assim como a liberdade de resistir à opressão. 107 Criou-se um verdadeiro paradoxo, o indivíduo como titular de direitos oponíveis ao Estado, impedindo-o de interferir em sua situação jurídica, mas devendo proteger direitos individuais. Paradoxo, porque o Estado é o maior violador dos direitos do homem, e possui a obrigação de evitar que esses direitos sejam desrespeitados. 1.3.2 Os direitos fundamentais de segunda dimensão: econômicos, sociais e culturais. Logo se verificou que os direitos à liberdade e à igualdade não produziam a garantia efetiva, pois no século XIX, o impacto da industrialização não trouxe apenas avanços tecnológicos, mas, também, graves problemas sociais e econômicos que desencadearam movimentos reivindicatórios para o reconhecimento progressivo dos direitos. 107 I bid em p. 23. 52 A preocupação não era mais com a intervenção do Estado nos direitos do indivíduo, mas sim de propiciar um direito de participar do bem estar social 108, esses direitos caracterizam-se pela outorgar aos cidadãos de direitos a prestações sociais estatais como assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer dentre outros 109. Neste período, além da reivindicação do exercício dos direitos naturais, busca-se do Estado a consecução de serviços públicos correspondentes ao fim social desses direitos. Nossa Constituição da República enuncia no artigo 6º os direitos econômicos e sociais. As condições de trabalho nas fábricas, minas e outros empreendimentos eram extremamente degradantes, com mulheres e crianças trabalhando em condições de insalubridade pelo pagamento de salários miseráveis, o que deu aos movimentos revolucionários e reformistas. O avanço no desenvolvimento de técnicas de produção ensejou imenso crescimento econômico, em contraponto ao sacrifício dos trabalhadores, pois não havia limitação da jornada de trabalho, salário mínimo, férias, ou descanso semanal remunerado. George Marmelstein, ilustrando o cotidiano da época, se socorre de reportagem da revista inglesa The Lion, de 1828, sobre a vida de Robert Blincoe ( ...) um a das cr ianç as paupérr im as que haviam s ido enviadas par a tr abalhar em um a f ábr ic a em Lowdhan: “ Os m eninos e as m eninas – tinham todos cerc a dez anos – era c hic oteados dia e noite, não apenas pela m enor falta, m as tam bém para des es timular s eu c om por tam ento preguiç os o. E c om par adas c om as de um a fábr ic a em Litton, par a onde Blinc oe f oi tr ansf er ido a s eguir, as c ondiç ões de Lowdhan er am quase hum anas. Em Litton, as cr ianç as dis putavam c om os porc os a lavagem que er a j ogada na lam a par a os 108 L AF ER , Cels o . A re co nst ru ção dos d ir eito s h uman os, um di ál ogo co m o p ensam ent o de Han nah Ar e nd t. 6ª reim p . São P aulo : Com panhi a das Le tras , 2006 , p. 12 7. 109 F E RR EI RA FIL H O, Ma noel G onç al ves . D ir eit os hu mano s fu ndam ent ais . 8ª ed. , re v. e a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 50-51. 53 bic hos c om erem ; eram chutadas, s oc adas e abus adas s ex ualm ente; o patr ão delas, Um tal de Ellic e Needhan, tinha o horrível hábito de belisc ar as or elhas dos pequenos até que s uas unhas s e enc ontr ass em através da c ar ne. O c apataz da f ábr ic a era ainda pior . Pendur ava Blinc oe pelos puls os por c im a de um a m áquina até que s eus j oelhos s e dobr ass em e então coloc ava pes os s obr e s eus om br os . A cr ianç a e s eus pequenos com panheir os de tr abalho viviam quas e nus dur ante o gélido inver no e ( apar entem ente apenas por pur a e gratuita br inc adeir a s ádic a) os dentes deles er am 110 lim itados! ” Nasce aqui a revolta intelectual e política, uma verdadeira luta de classes. A postura reformista do positivismo, do socialismo democrático, com forte apoio da doutrina social da Igreja, a partir da Encíclica Rerum novarum, editada pelo Papa Leão XIII em 1891 111, retomando a tese do bem comum, da essência na vida humana digna de São Tomás de Aquino, levou aos direitos econômicos e sociais. 112 Karl Marx escreve em 1848 o Manifesto Comunista 113 idealizando a união dos trabalhadores do mundo contra o capitalismo. Em 1917 resulta vitoriosa a Revolução Socialista dos operários contra o capitalismo na Rússia. Essas declarações sociais estavam presentes nas declarações de direitos de primeira dimensão como na Declaração Francesa de 1793 em que constava do artigo 21 a garantia de socorros públicos aos necessitados e sem trabalho, bem como, do artigo 22, a garantia de instrução aos cidadãos. Esses mesmos direitos foram garantidos pela Constituição brasileira de 1824 no artigo 179 números 31 e 32. Marcadamente, foi a Constituição francesa de 1848 o documento mais importante de consagração dos direitos de segunda dimensão, 110 Cu rs o de di re ito s f undam ent ais . S ão Paulo : Atlas , 20 08, p. 47. 111 L EÃ O XII I. R er um no varu m: C art a enc íc l ic a s ob re a c o ndiç ão d os ope rár ios . 2ª ed. São P aulo : Ediç ões Lo yo la, 200 2. 112 F E RR EI RA FIL H O, Ma noel G onç al ves . D ir eit os hu mano s fu ndam ent ais . 8ª ed. , re v. e a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 44-45. 113 MA R X, K arl ; E N GE LS, F rede ric . M ani fes to N as s et ti. Sã o P aulo : Ma rt in Cla ret, 200 6. do pa rt ido c omu nis ta. Tr ad . Pie tro 54 ano de revoluções na Europa. A Constituição mexicana de 1917 elencou direitos do trabalhador, tratou da reforma agrária, todavia, pouco repercutiu na América Latina e, mesmo antecipando alguns desdobramentos típicos do direito social, não “espelha a nova versão dos direitos fundamentais.” 114 A Constituição alemã de 1919 nasce ao final da primeira Guerra Mundial, elaborada para uma Alemanha republicana, tem como nota marcante o novo espírito social, tratando do casamento, da juventude, da obrigatoriedade escolar, da sujeição da propriedade à função social, da reforma agrária, da proteção do trabalho, da previdência social, e de outros direitos sociais. 115 Surgem, assim, os direitos fundamentais de segunda dimensão, não como direitos naturais do indivíduo, mas para impor ao Estado a prestação de serviços públicos direcionados à sociedade como um todo. Esses direitos de segunda dimensão configuram-se, além dos direitos trabalhistas, a garantia dos direitos denominados econômicos, sociais e culturais ligados às necessidades básicas dos indivíduos, como alimentação, saúde, moradia, educação, assistência social, lazer dentre outros. A ideia básica é que as liberdades não podem existir se garantias mínimas para sobrevivência não forem garantidas, pois liberdade não é apenas ausência de constrangimentos, mas a real possibilidade de agir e viver em conformidade com as escolhas de cada um. No Brasil, as Constituições de 1934 e de 1946 caminharam para formação do Estado do bem-estar social, tutelando a aposentadoria, a educação, a assistência social, e outros direitos ligados à proteção dos trabalhadores. 114 Em nossa Constituição atual esses direitos F E RR EI RA FIL H O, Ma noel G onç al ves . D ir eit os hu mano s fu ndam ent ais . 8ª ed. , re v. e a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 46. 115 I bidem , p.45-49. 55 encontram-se consagrados no artigo 6º 116 como direitos econômicos e sociais, também denominados pela doutrina de piso vital mínimo. Para Ingo W olfgang Sarlet os direitos fundamentais de segunda dimensão abrangem ( ...) bem m ais do que os dir eitos de c unho pr es tac ional, de ac or do c om o que ainda pr opugna parte da doutr ina, inobstante o c unho “ pos itivo” poss a s er c ons ider ado c om o o m arc o dis tintivo desta nova f as e na evolução dos dir eitos f undam entais . Saliente-s e, c ontudo, que, a ex em plo dos dir eitos da pr im eir a dim ens ão, tam bém os dir eitos s oc iais ( tom ados no sentido am plo or a r efer ido) s e repor tam à pess oa individual, não podendo s er c onf undidos c om os dir eitos c oletivos e/ou dif us os da terc eira dim ens ão. A utilizaç ão da ex pr es s ão “s oc ial” encontr a j us tif ic ativa, entre outros aspec tos que não nos c abe apr of undar nes te m om ento, na c irc uns tânc ia de que os dir eitos da s egunda dim ens ão podem s er c ons ider ados um a dens ificação do pr inc ípio da j ustiça s oc ial, além de c orres ponderem à r eivindic aç ões das c lass es m enos favor ecidas , de m odo es pec ial da c lass e oper ár ia, a título de c om pensaç ão, em vir tude da ex tr em a des igualdade que c ar ac ter izava ( e, de c er ta f orm a, ainda c ar ac ter iza) as r elaç ões c om a c lass e em pr egador a, notadamente detentor a de um m aior ou m enor 117 gr au de poder ec onôm ic o. 1.3.3 Os direitos fundamentais de terceira dimensão: os direitos de solidariedade e de fraternidade. Nasce a Organização das Nações Unidas, ao término da segunda Guerra Mundial, pela Carta das Nações Unidas, assinada por 51 países, em 24 de outubro de 1945, buscando a manutenção da paz e do desenvolvimento em todos os países do mundo. Aqui os direitos se deslocam da figura do homem-indivíduo para a proteção de grupos humanos, como família, povo, nação, e se caracterizam como direitos de titularidade coletiva ou difusa, como o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao 116 A rt . 6 º S ão di reit os s oc iais a educ aç ão, a s aúde, a alim e ntaç ã o, o t rab alho , a m o radi a, o la z er, a s eg uranç a, a pr e vidênc ia s oc ial , a pr oteç ã o à m a te rnida de e à inf ânc ia, a as s is tênc i a aos des am p ar ados , na fo rm a d es ta Cons titu iç ão. 117 A e fic ácia d os di rei tos fu ndam ent ais. 8ª ed ., Po rto A legr e: Li vr aria do A d voga do, 20 07, p. 57- 58. 56 meio ambiente e qualidade de vida, conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural da humanidade e direito de comunicação. Surgem novas reivindicações fundamentais do ser humano, respostas ao impacto tecnológico, possuindo como nota distintiva a titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável. Quanto à titularidade e complexidade desses direitos, esclarecedoras são as palavras de Ingo W olfgang Sarlet: A atr ibuiç ão da titular idade de dir eitos fundam entais ao pr ópr io Es tado e à Naç ão ( dir eitos à autodeterm inação, paz e desenvolvim ento) tem s usc itado s ér ias dúvidas no que c onc er ne à pr ópr ia qualif ic aç ão de gr ande par te des tas r eivindic aç ões com o autêntic os dir eitos f undam entais. Com preende-s e, portanto, por que os dir eitos da terc eir a dim ens ão s ão denom inados us ualm ente c om o dir eitos de s olidar iedade ou fr aternidade, de m odo es pec ial em face de s ua im plic aç ão univers al ou, no m ínim o, trans individual, e por ex igirem esfor ços e r es pons abilidades em esc ala até m esm o m undial par a sua ef etivação. ( ...) Par a outros, por s ua vez, os direitos fundam entais de terc eir a dim ens ão, c om o lec iona Pérez Luño, podem s er c ons ider ados um a res pos ta ao f enôm eno denom inado de “ poluiç ão das liber dades” , que c ar ac ter iza o pr oc ess o de er os ão e degr adaç ão s ofr ido pelos dir eitos e liber dades f undam entais , pr inc ipalm ente em f ac e do us o de novas tec nologias . Nes ta pers pec tiva, as sum em espec ial r elevânc ia o dir eito ao m eio am biente e à qualidade de vida ( que j á foi c ons ider ado c om o dir eito de terc eir a geração pela c or rente doutr inár ia que parte do cr itér io da titular idade tr ans individual), bem c om o o dir eito de inf orm ática ( ou liber dade de inf orm átic a) , cuj o r ec onhec im ento é pos tulado j us tam ente em vir tude do c ontrole c ada vez m aior s obr e a liber dade e intim idade individual m ediante banc os de dados pess oais , m eios de c om unic aç ão, etc ., m as que – em vir tude de s ua vinc ulação c om os dir eitos de liber dade ( inc lus ive de ex pr ess ão e c om unicaç ão) e as gar antias da intim idade e pr ivac idade s usc ita cer tas dúvidas no que tange ao s eu enquadr am ento na ter ceir a dim ens ão dos dir eitos f undam entais . De qualquer m odo, tam bém com relaç ão aos dir eitos da ass im cham ada terc eir a dimens ão im porta r ec onhec er a procedênc ia da liç ão de Ignác io Pinilla ao des tacar a divers if icaç ão ( e, por tanto, a c om plex idade) 118 des tes dir eitos . 118 Ibidem , p . 58 -59 . 57 1.3.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão Existe uma tendência no sentido do reconhecimento dos direitos fundamentais de quarta dimensão, aguardando sua consagração na esfera do direito internacional e das ordens constitucionais internas. Esses direitos seriam as garantias contra as manipulações genéticas, ao direito de morrer com dignidade, ao direito de mudança de sexo. Paulo Bonavides entende que uma quarta dimensão de direitos é composta pelos direitos à democracia direta, à informação e direito ao pluralismo, resultado da globalização dos direitos fundamentais, em sentido de uma universalização no plano institucional, correspondendo à derradeira fase de institucionalização do Estado Social, em tom profético, mas não utópico, assevera o ilustre doutrinador que os direitos de quarta dimensão “compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política.” 119 Ingo W olfgang Sarlet comenta esse entendimento ( ...) a dim ens ão da globalizaç ão dos dir eitos fundam entais , c om o f orm ulada pelo Pr of. Bonavides, longe está de obter o devido r ec onhec im ento no dir eito pos itivo interno ( ress alvando- se algum as inic iativas ainda is oladas de par tic ipaç ão popular dir eta no pr oc ess o dec is ór io, c om o oc orr e c om os Cons elhos T utelares [no âmbito da pr oteç ão da inf ânc ia e da juventude] e es pec ialm ente c om as ex per iênc ias no plano do orç am ento partic ipativo, apenas par a c itar alguns ex em plos) e inter nac ionalm ente, não pass ando, por or a, de justa e s audável es per anç a com r elaç ão e um futur o m elhor par a a hum anidade, r evelando, de tal s or te, sua dim ens ão ( ainda) em inentem ente pr ofétic a, em bor a não nec ess ar iam ente utópic a, o que, aliás , s e 120 depr eende das palavr as do pr ópr io autor c itado (...). 119 B O N AVI D ES, Paulo . Cur so de d ir eit o cons ti tuc iona l. 10ª ed . São Paul o: Malheiros , 20 00 p . 5 26. 120 A e fic ácia d os di rei tos fu ndam ent ais. 8ª ed ., Po rto A legr e: Li vr aria do A d voga do, 20 07, p. 61. 58 2. AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO Analisada fundamentais a evolução histórica de maneira global, que construiu considerações os direitos sobre as transformações no mundo do trabalho, inclusive sobre a regulação do tempo livre como contraposto ao trabalho, são necessárias para caminhar ao encontro da compreensão sobre o surgimento dos direitos sociais, onde se encontra inserido o direito ao lazer. A palavra trabalho sofreu algumas alterações de significado ao longo da história, da acepção relacionada a dor e sofrimento tida até o início do século XV, passou a significar esforço do homem para obter um resultado. Também, pode-se afirmar que a palavra trabalho demonstra a transição da cultura da caça e da pesca para a agrária, modernamente para a industrial, e, em seguida, para a pós-industrial. 121 Alguns autores entendem que a palavra trabalho nasce do latim tripallium, que era um instrumento elaborado com três paus aguçados destinado pelos agricultores a bater o trigo, o linho, ou as espigas de milho. 122 Outros, afirmam que esse instrumento possuía a finalidade de prender bois ou cavalos difíceis de ferrar. 123 Mas, a maioria coloca o instrumento tripallium como objeto utilizado em sessões de torturas para empalar escravos rebeldes. 124 No entanto, pode-se afirmar que justamente a relação desse instrumento traz a acepção de dor e sofrimento que significou trabalho até o século XV. 121 C H E MI N, B eat ris Fr anc is c a . O la ze r c om o p roduto do t rab alho . In: MÜ LLER , Ad em ir ; D A C O S TA, Lam art ine P erei ra [o rg. ] Laz e r e t rab al ho: um ú nic o ou m úl tipl os olha res ? S ant a Cru z do Sul : E D UN I SC , 83 /115 , 20 03, p. 84 . 122 A L BO R N OZ, Su z ana. O q ue é t rab alh o. São Pa ulo : Bras i liens e , 2 000, p. 10 -11 . 123 C A R MO , Pa ulo Se rgio do . A i deol ogi a d o t ra balh o. São Pa ulo: Mode rna, 1996 , p. 16 . 124 L AF AR G UE , P aul. O d ire ito à pre gui ça. Tr ad. O t to Lam y de Co rr ea. Ediç ão b ilíng ue f ranc ês e por tugu ês . São Paul o: Clar idade , 200 3, p. 12. L EI TE, Cels o Bar ros o . O sé cul o d o de semp re go. São Pa ulo: L Tr, 1994 , p. 13. 59 No entanto, “as transformações nas relações sociais historicamente modificaram a forma de conceber o trabalho” que 125 , como se verificará a seguir, alterou o conteúdo semântico relacionado à dor e sofrimento para se esforçar, laborar, obrar e trabalhar. Isso porque para algumas pessoas, além de meio de sobrevivência, é também meio de realização pessoal, mecanismo para o relacionamento social e equilíbrio psicológico. Nesse contexto, emergiu a necessidade de se construir uma legislação trabalhista, regulando, dentre outros aspectos, a jornada de trabalho na sociedade, dado o caráter positivo da nova concepção de trabalho. 2.1 O trabalho da Antiguidade grega à modernidade O final do século VIII e começo do século VII a.C. foi para os gregos um período de transição do regime patriarcal para o oligárquico, bem como da transferência de uma sociedade baseada no coletivo para uma sociedade individualista com base na propriedade privada, ápice da crise agrícola, social e religiosa, quando a posse de terras era a maior fonte de riquezas. 126 Em meio a essa transformação social, surge o trabalho como uma necessidade para sobrevivência do cidadão grego, alterando a concepção do homem vigoroso e exímio soldado cantado por Homero na Ilíada e na Odisséia, para o camponês frente as suas limitações, produzindo na vida dura do campo, com o fruto de seu trabalho, o alimento para sua sobrevivência. 125 MA Ñ A S , Ch ris ti an Marc ell o. Tem po e t ra balh o : a tu tela ju ríd ic a do tem po de t raba lho e do tem po li v re. S ão Paulo : L Tr, 2005 , P. 24. 126 B A S TOS , A na Clar a. A pe rsp ect i va do tr abal ho em di fe ren tes é poc as. D is pon í vel em < http :// www. f rb. br /c iente /2005 .2/ PS I/ PSI .B AS TO S .F3 .pd f>. Ac es s o em 06. 11.2 009. 60 Mas, para Hesíodo, mesmo sendo o trabalho um castigo imposto por Zeus aos homens, é uma luta possível e necessária para o empoderamento do novo homem grego, pois o considera a grande arte transformadora da atividade humana, gerando o direito sobre o que dele advém, oportunizando a ascensão do homem ao nível de herói, e meio para a conquista da justiça e dignidade. Esse pensamento de Hesíodo foi imortalizado em poema escrito para seu irmão Perses. 127 Sobre o tema trabalho, os filósofos gregos não se debruçaram muito, haja vista que não era parte de suas maiores preocupações, como a ética e a política, por exemplo. Eram conscientes que seu bem-estar e de sua família primavam sobre atividades de ordem material, mas não acreditavam que esses trabalhos fossem a engrenagem para tanto. Mudanças nos costumes ocorreram após a Guerra do Peloponeso, que tomou o período de 432 a 404 a. C., influenciando as obras dos filósofos que tomaram posições de ruptura com a realidade. 128 No século V, Heródoto menosprezava o trabalho artesanal, pensamento seguido por Platão. Léopold Migeotte trata o assunto em transcrição de palavras de Xenofonte atribuída a Sócrates 127 E s s e pens am ent o de Hes íodo s e v eri fic a es p ec ia lm ent e nos ve rs os 300 a 3 15 e 380: “ [.. .] Mas tu , lem b rando s em p re do nos s o c ons elho , tr abalh a, ó Pe rs es , di vi na pro gênie , pa ra q ue a fom e te d etes t e e te q uei ra a bem c o roa da e ven era nda Dem éte r, enc hendo t e d e alim en tos o c eleir o; pois a fom e é s em pr e do oc ios o c om p anheir a; deus es e hom ens s e i rri tam c om quem oc ios o vi v e; na índol e s e pa rec e aos z angões s em dard o, qu e o es fo rç o das a belh as , oc ios am ent e des tr oem , c om e ndo -o; qu e t e s eja c aro p rude ntes o bras ord enar, par a que teus c e leir os s e enc ham do s us t ento s a z onal. Po r t raba lhos os h om ens s ão ric os em reban hos e r ec urs os e, t rab alhan do, m u ito m ais c a ros s e rão aos im or tais . O trab alho , des onr a ne nhum a , o óc io des o nra é! Se t raba lha rdes p ara ti, logo te i n veja rá o in vejos o p orq ue p ros pe ras ; à r ique z a gló ria e m é rito ac om pa nham . Po r c o ndiç ão és de tal form a que t rab alha r é m el hor, dos be ns de ou trem des v ia teu ânim o le vi ano e, c om tr abalho , c u idand o d o teu s us ten to, c om o te e xo rto . [.. .] Fac ilm ente im ens a f ort una fo rnec e ria Zeus a m uit os : quan to m aio r for o c ui dado de m u itos , m aior o g anho . S e nas ent ranh as r ique za des ej ar teu â nim o, as s im f a ze: tr abalh o s ob re trab alho tr abalh a.” In : HE SÍ O D O. O s t ra balh os e o s d ias: ( prim eira pa rte ). Hes í odo ; in trod uç ão, tr aduç ã o e c om ent ári os Mar y de C am a rgo Ne ves La fer . 6ª r eim pr . Ed . bilíng ue gr ego e po rtu guês . S ão P aulo: Ilum in uras , 200 6, p. 4 3, 44 e 49. 128 MI G E O TTE , Léop old. Os fil ós ofos g regos e o t rab alho na Anti guida de. In : ME R CURE, D anie l; SP UR K, J an [ orgs .]. O tr aba lho na h istó ri a do pens amen to oci den tal . Tr ad. P at ríc ia Chit toni Ram os R euil lard e Sonia Guim ar ães Tab orda . Ri o d e J ane iro : Vozes , 17 /36 , 20 05, p. 17-1 9. 61 As pr of iss ões (tec hnai) c ham adas de artes anais ( banaus ikai) s ão, de fato, cr iticadas , e é c om r azão que s ão totalm ente m enospr ezadas nas polis . De f ato, elas arr uínam o corpo dos tr abalhadores e daqueles que s e oc upam c om elas, obr igando- os a perm anec er em sentados à som br a; às vezes , até m esm o a pass ar todo o dia j unto ao f ogo. Com o os c or pos f ic am ass im efem inados , as alm as tam bém f icam m ais fr ac as . Mais do que tudo, es sas pr of iss ões c ham adas banaus ikai não deixam nenhum lazer ( asc holia) par a se oc upar dos am igos e da polis . [...] T am bém desc obr im os que as c ois as úteis s ão todas aquelas das quais s abem os s er vir . Par ec eu- nos , pois , imposs ível apr ender todos os s aber es ( épis tèmai) e, após ex am e, c onc or dam os com as polis em desc ar tar as pr of iss ões ditas ar tesanais , pois par ec e que elas arr uínam os c orpos e aniquilam as almas . E diss em os que a pr ova m ais evidente diss o talvez f oss e es ta: s e, dur ante um a invas ão inim iga no c am po, após term os dividido os lavr ador es (géôr goi) e os ar tesãos ( tec hnitai), pedirm os a c ada gr upo s eparadamente s e convém defender o c am po ou abandonar a terr a par a def ender a c idade, pens am os que aqueles que poss uem a ter r a votar iam por def endê- la, m as que os ar tes ãos não gostar iam de lutar e, com o foram educ ados par a is so, perm anec er tr anquilos s em dif ic uldade 129 nem per igo. Platão e Aristóteles apesar de reconhecerem que a evolução natural das sociedades exigia trocas e uso de moeda 130, criticavam o pequeno comércio a varejo, entendendo ser uma atividade antinatural e artificial, recriminando o espírito do lucro, desejavam reservar essa profissão aos estrangeiros e isolá-los dos cidadãos para afastar as más influências. A agricultura era tida como a atividade primeira, proporcionando bens indispensáveis à vida como ditou Hesíoso 131 e Xenofonte, em sua obra Econômica, consagrando os capítulos XII a XXI ao assunto. Também, Xenofonte não deixou de tecer, em outro texto, comentários 129 130 131 I bid em , p . 21 . A R IS TÓ TEL ES . A p olí tica . Trad . Nes to r Sil vei ra Ch a ves . São P aulo: E s c ala, 2005, p . 25 -26 . C on form e po em a trans c ri to na no ta d e r odapé n º 11 8 nes ta. 62 em nome do trabalho bem feito, ao tratar sobre a especialização das tarefas artesanais. 132 Constatamos em Hesíodo que o trabalho era considerado um castigo imposto pelos deuses ao homem, surgindo a necessidade de produzir os bens indispensáveis a sobrevivência 133. Denominados de pénètes eram as pessoas que trabalhavam para viver, eram pessoas do povo, não pobres ou indigentes no sentido moderno das palavras, mas aqueles que formavam a plebe ou a classe trabalhadora. 134 Algumas pessoas, no entanto, possuíam bens materiais suficientes isentando-os do trabalho, dispondo de scholè, origem da palavra escola, lazer para os gregos, pois esses poderiam se dedicar a tarefas mais elevadas como o estudo. Esse lazer era considerado o oposto das atividades produtivas, denominadas, às vezes, de ascholia ou ausência de lazer, exatamente como opunham a paz e a guerra. Para Aristóteles T oda a vida tam bém s e divide em as cholia e sc holé e em guerr a e paz, e, dentre as ações, algum as dizem r es peito ao nec ess ár io e ao útil, as outr as ao belo. Acerc a diss o, deves e f azer a m esm a esc olha par a as partes da alm a e s eus 132 “ Nas p equen as polis , os m es m os h om ens f abric am a c am a, a po rta , o ar ado, a m es a; f requ entem ente t am bém o m es m o hom em c ons t rói tam bém a c as a e f ic a feli z po r enc ont rar m u itos em p rega dor es que o fa z em viv e r. Ora , é im pos s í v el que um h om em p ratic ando in úm er as pro fis s ões e xe rç a to das de m a nei ra c on ven ient e. Nas g randes pó lis , ao c ont rári o, c om o m ui tas pes s oas prec is am de c ada prod uto , um a únic a es p ec iali dade bas ta a c ada um pa ra fa z ê-lo vi v er, e f requ entem ente a té um a f raç ão de p rofis s ão: um f abric a c alç ados pa ra hom e ns , o ou tro , par a m ulhe res , e e xis tem at é m es m o luga res onde um h om em g anha a vid a c os tura ndo c alç ados , o ou tro , c o rtan doos ; out ro, c or tando túnic as , um ou tro apen as jun tand o o c on junt o. Dis s o res ul ta qu e aq uele que s e c ons a gr a a um t rabal ho m ui to delim i tado é fo rç ad o a pr atic á-lo pe rfe itam e nte. ” MI GE O TTE , Lé opold . Os f ilós of os gr egos e o t rabal ho na A ntig uidade. I n: ME R C UR E, Dan iel; S P UR K, J an [ orgs .]. O t ra bal ho n a h ist ór ia do pen same nto o cide nta l. Trad . Pa tríc ia C hit toni Ram os Reu illa rd e Soni a G uim a rães Tabo rda . Ri o de J an eir o: Vo zes , 17 /36, 200 5, p. 2 4. 133 H E SÍ O DO . Os t rab alh os e os di as: (prim eira pa rte ). Hes ío do; i ntr oduç ão , traduç ão e c om e ntá rios Ma r y de C am a rgo Ne ves La fer . 6ª reim pr. Ed. b ilíng ue gr ego e p ort uguês . S ão Paul o: Ilum in uras , 200 6, p. 6 1-6 2. 134 MI G E O TTE , Léo pold . Os fil ós ofos g reg os e o traba lho na A ntig uidad e. In: ME R C URE, D anie l; S P UR K, J an [orgs .]. O t ra balh o na h istó ri a do p ensam ent o oci den tal . Tra d. P at ríc ia C hitt oni Ram os R euil lard e So nia G uim ar ães Tabo rda . Rio de J ane iro : Vo zes , 17 /36 , 20 05, p. 25. 63 atos: a guerr a c om vis tas à paz, a asc holia c om vis tas à 135 sc holè, o necess ár io e o útil com vis tas ao belo. Ainda, segundo o pensamento de Aristóteles, a melhor constituição seria aquela que assegurasse a felicidade aos seus cidadãos, por meio da virtude plena, e, assim, os cidadãos não poderiam dedicar-se às atividades artesanais ou do comércio, tão pouco dedicar-se à agricultura, pois o lazer – scholè – é fundamental para exercer as atividades políticas. 136 As sociedades gregas eram hierarquizadas, fato entrelaçado às circunstâncias do trabalho, assim, compostas de cidadãos que adquiriam esse privilégio por nascimento; e dentre esses cidadãos havia inferiores ou aqueles com limites em seus direitos; e os escravos, privados de liberdade e servidores de toda sorte de mão-deobra. Presentes servidão, como também aquelas nessas sociedades populações que outras viviam em formas de estado de submissão em consequência de guerras ou conquistas. Aos cidadãos que não eram proprietários de latifúndios, e, portanto, camponeses e agricultores, alugavam seus serviços como operários ou exerciam as atividades de artesanato ou comércio. Mas, aqueles que tinham o direito de propriedade possuíam oficinas artesanais e lojas que poderiam alugar para terceiros. Aos estrangeiros cabia a exploração do comércio e do artesanato. Após a Guerra do Peloponeso, muitos cidadãos se dedicaram aos negócios, a exemplo de compra e venda de terras, exploração de minas de chumbo argentífero do Laurion, aluguel de escravos, obtendo fortuna. No período de 325 a 30 a.C. surge em muitas regiões da Ásia Menor ocidental o desenvolvimento de fábricas dedicadas a fabricação de tecidos, roupas, tapetes e cordames. Já no período de 135 136 A R IS TÓ TEL ES . A p olí tica . Tr ad. Nes to r Sil v eira Cha ves . São Paul o: Es c al a, 200 5, p. 13 9. I bid em , p . 20 9-2 10. 64 30 a.C. a 200 d.C., o número de cidadãos dentre os mercadores, empresários, armadores e banqueiros evoluiu substancialmente, apesar de estarem os negócios sob o domínio dos estrangeiros. 137 Desses estrangeiros, alguns arrecadaram fortunas, inclusive, em épocas difíceis, prestaram serviços à sociedade, como a venda de produtos a preço inferior ou doando mercadorias de primeira necessidade, em consequência, receberam por decreto, honras e privilégios, obtendo prestígio. Léopold Migeotte sobre o tema conclui que ( ...) par a além das convicç ões m or alis tas e das c livagens s oc iais , a opinião dos gr egos s obr e as pr of iss ões dependia de inúm er os f atores , dentr e os quais a r iqueza des em penhava um papel im portante. Af inal de c ontas , o tr abalho m anual não er a m enos prezado em s i, m as na m edida em que s e im punha c om o um a nec ess idade. A s ituaç ão m ais degr adante, que os f ilós ofos apr es entavam c om o um a per da de liber dade e um a f orm a de s er vidão, er a o es tado de dependênc ia a que podia levar a pobr eza: aquela do pequeno ar tes ão- loj is ta s em pr e à m erc ê do c liente e, pr inc ipalm ente, aquela do thète, f igur a c láss ica do hom em 138 s em r ec urs os que devia alugar s eu tr abalho a terc eiros. Já, para os romanos, havia dois ofícios nobres e livres, a agricultura e as armas, não sendo obrigados a exercer atividade para sua mantença, pois essa era obrigação do Estado. Aos escravos eram atribuídas as funções de trabalhar nos campos, oficinas, executar as tarefas domésticas dentre outras. 139 Essas ideias greco-romanas subsistiram até a Idade Média, a partir do século V d.C. até o século XV, quando as sociedades se 137 MI G E O TTE , Léop old. Os fil ós ofos g regos e o t rab alho na Anti guida de. In : ME R CURE, D anie l; SP UR K, J an [ orgs .]. O tr aba lho na h istó ri a do pens amen to oci den tal . Tr ad. P at ríc ia Chit toni Ram os R euil lard e Sonia Guim ar ães Tab orda . Ri o d e J ane iro : Vozes , 17 /36 , 20 05, p. 31-3 2. 138 I bid em , p . 33 . 139 C H E MI N, B eat ris Fra nc is c a . O la ze r c om o p rodu to do tra balho . In: MÜLL E R, Adem ir; D A C OS TA, Lam a rti ne Pe rei ra [ org .] Laz e r e t rab alh o: um únic o ou m úl tip los o lhares ? S ant a Cru z do Sul : E D UN I SC , 83 /115 , 20 03, p. 85 . 65 tornaram mais complexas e invenções influenciaram o rumo da humanidade, como o relógio, a bússola, o moinho d’água, a pólvora, a vela, e a imprensa que possibilitaram a substituição da mão de obra escrava pelos servos da gleba. Neste mesmo período, 140 surge a noção de purgatório. O cristianismo teve um papel privilegiado na reflexão sobre o trabalho. Especialmente o pensamento de Santo Agostinho 141 que pertenceu ao mundo pré-industrial, portanto, não conheceu a ideia do trabalho contemporâneo. Sua expressão era em latim, língua que não possui vocábulo que expresse a noção atual de trabalho ou trabalhador. 142 Agostinho tratou de inúmeros assuntos, mas em todas as suas obras, do início ao fim, confirma a ideia de que a agricultura praticada por Adão, antes do pecado, era atividade isenta do peso do esforço. Noutro texto, e comentário a expressão “Tu comerás o pão do suor do teu rosto.”, Agostinho não vê o trabalho como a tradição cristã considera por séculos, uma maldição, ao contrário, sem drama, considera esta expressão como palavra divina a acalentar os homens por sua condição humana. 143 Ainda, contradizendo uma dualidade clássica, este teólogo coloca no mesmo plano o esforço intelectual e o esforço braçal, afirmando que esse esforço não pesará para aqueles que executam sua atividade com amor, quer seja o lazer, quer seja uma tarefa profissional. 140 144 I bid em , p . 86 . 141 S ant o Agos t inho , Bis po de H ipona , foi um dos teó logos m ais b rilhan tes do período pa tr ís tic o da Igre ja ( “pais ” d a Igr eja ). Vi v eu do ano d e 354 a 430 , por tanto , pouc o an tes do fim do Im pé rio Rom a no e f orm aç ão d o fe udalis m o ( Nota 138 des ta) . 142 S AL A MI TO , J ean - Mar ie. Tr aba lho e t rab alhad or es na ob ra d e San to A gos ti nho. In: ME R C U R E, D aniel ; SPU R K, J an [o rgs . ]. O tra balh o na his tó ria d o pen same nto o cide nta l. Tra d. Pat ríc i a C hi tto ni Ram os Re uilla rd e Sonia G uim a rães Tabo rda . Rio de J an eir o: Vo zes , 38 /62, 200 5, p. 3 8. 143 I bid em , p . 40 . 144 Ibid ., p. 4 7-5 3. 66 Também, como pensavam seus antecessores Santo Agostinho idealiza a atividade agrícola. E ao analisar a subjetividade do negociante, pela lente que revela o dom de observação que lhe era próprio, valoriza seu esforço “no transporte das mercadorias de um lugar para outro” 145, operando uma espécie de revolução mental. 146 Nesse período em que nasce o feudalismo 147, se desenvolve também o trabalho artesanal, este último somado aos excedentes da criação de animais e da agricultura surge a intensificação do comércio. Surge a moeda em substituição a troca de mercadorias. Em consequência, surgem comunidades de pessoas autônomas que vivem de rendas das atividades comerciais e não dependem do poder feudal, nascendo a burguesia. Essas responsáveis pessoas pela que expansão formaram capitalista a classe que gerou burguesa a são Revolução Industrial. Pode-se resumir esse fato histórico singelamente como A s ubstituiç ão das f err am entas pelas m áquinas , da ener gia hum ana pela ener gia m otr iz e do m odo de pr oduç ão dom éstic o pelo s istem a f abr il c onstituiu a Revoluç ão Indus tr ial: revoluç ão, em f unç ão do enorm e im pacto s obr e a es tr utura da s oc iedade, num pr oc ess o de tr ansform aç ão ac om panhado por notável evoluç ão tec nológic a. A Revoluç ão Indus tr ial ac onteceu na Inglaterr a na s egunda m etade do s éc ulo X VIII e enc err ou a trans ição entre f eudalism o e c apitalism o, a fase de ac um ulaç ão pr im itiva de c apitais e de pr eponder ânc ia do capital m erc antil s obre a pr oduç ão. Com pletou ainda o m ovim ento da r evoluç ão bur gues a 148 inic iada na Inglaterr a no s éc ulo X VII. 145 I bid. , p . 53 . 146 I bid. , p . 38 -62 . 147 I núm er as m udanç as s o c iais oc or reram n a Idad e Mé d ia, di datic am ente , pe ríod o que s e in ic ia no Séc ulo V (4 76) c om a tom ada de Rom a pelos bá rba ros e term ina no S éc ulo XV ( 1453 ) c om a in vas ão d e C ons ta ntin opla pel os turc os . C om o d ec lín io do Im péri o Rom ano ho u ve a as c ens ão da I grej a C atól ic a qu e dom in ou o c enár io r eligi os o da ép oc a e in flue nc iou p rof undam e nt e a po lític a e a ec onom i a. O pe río do m edi ev al tam bém s e c a rac te ri za pe la fo rm aç ão ( Séc u los V a X – A lta I dade Méd ia) , a poge u (Séc u los XI a XII I – B ai xa Id ade Médi a) e dec a dênc ia d o feuda lis m o ( Séc ul os XI V a XV) , s is tem a ec o nôm ic o , pol ític o e s oc ia l dom i nant e na E uropa Oc iden tal. 148 A R R UD A, J os é J . de A .; P IL E TTI, Nels on. Toda a his tó ria : his tór ia ge ral e his tó ria do B ras i l. São Pau lo: Át ic a, 19 95, p. 178. 67 As doutrinas religiosas exerceram grande influência na concepção do trabalho durante a transição da sociedade pré-industrial para a sociedade industrial. Pregavam os religiosos que o trabalho era a finalidade da vida, comportamento e atitude necessários para alcançar o estado de graça. Contr a as dúvidas religios as e inesc r upulos a tortur a m or al, e c ontr a todas as tentaç ões da c ar ne, ao lado de um a dieta vegetar iana e de banhos frios , pr escr eve-s e: “T rabalha ener getic am ente em tua Voc aç ão”. Mas , o mais im portante é que o tr abalho cons titui, antes de m ais nada, a própr ia f inalidade da vida. A ex pr ess ão paulina “Q uem não tr abalha não deve c om er” é inc ondic ionalm ente válida par a todos . A f alta de vontade de trabalhar é um s intom a da aus ênc ia do 149 es tado de gr aç a. Além desses aspectos, a doutrina metodista influenciou a alteração de comportamento no tempo livre T r atava-s e de um a r es is tênc ia consc iente ao des apar ec im ento de um antigo m odo de vida, fr equentem ente ass ociada ao r adic alism o polític o. Nes ta m udanç a, a perda do tem po livr e e a r epr essão ao des ej o de s e diver tir tiver am tanta im portânc ia quanto a s im ples per da fís ic a dos direitos c om unais e dos loc ais par a r ecr eio. Os pr ec eitos pur itanos de Bun yan ou de Bax ter foram integr alm ente ass im ilados por W esley: “ Evite toda a fr ivolidade, c om o evitar ia o f ogo do inf er no; e os gr ac ej os , c om o as pr agas e as blasfêm ias . Não toque em nenhum a m ulher...” O m etodism o inc luiu entr e s uas pr oibiç ões os j ogos de c ar tas, as r oupas c olor idas , os or nam entos pess oais e o teatr o. Esc r ever am -se opúsculos c ontr as as danç as e as c anç ões “ pr ofanas” . Cons ider avam -se pr ofundam ente s us peitas as artes e a liter atur a que não 150 tivess em m otivaç ões devoc ionais. O pensamento que governava nesse período, contribuição da ética protestante, era a associação do capitalismo a aspectos do protestantismo ascético, “demonstrando que essas religiões viam o 149 W EBE R, MA X. A ét ica p ro tes tan te e o e spí ri to do ca pi tal ismo . 5 ª ed . São Paulo: P ionei ra , 19 87, p. 113. 150 TH O MP S O N , E. P . A fo rma ção da cl asse op er ár ia in gle sa : a m aldiç ão de Adão . V. II Tr ad . Ren ato Bus att o Ne to, C laudi a Roc h a d e A lm eida . 4ª ed. Rio de J an eir o: Pa z e Te rr a, 2002 , p. 300 . 68 trabalho como um fim absoluto por si mesmo, como a própria finalidade da vida, como uma vocação.” 151 Contrapondo-se a esse entendimento, Paul Lafargue escreve, em 1883, manifesto filosófico buscando desmistificar o culto ao trabalho. Inspira-se nas tradições greco-romanas quando o trabalho era destinado aos escravos, e o ócio era cultuado para destinar o tempo livre aos amigos e a República. Nesse manifesto afirma que o trabalho escraviza o corpo e a alma do homem, sendo causa das misérias individuais e sociais. Desenvolve nesse manifesto uma teoria crítica da sociedade e do moderno, refutando o direito ao trabalho, sustentando que Um a es tr anha louc ura dom inou as c lass es operár ias das naç ões onde r eina a c ivilizaç ão c apitalista. Ess a louc ur a tr az c om o c ons equênc ia m is ér ias individuais e s oc iais que há s éc ulos tor tur am a tr iste hum anidade. Ess a louc ur a é o am or ao tr abalho, a paix ão m or ibunda que abs or ve as f or ças vitais do indivíduo e de s ua pr ole até o es gotam ento. Em vez de r eagir c ontr a es sa aberr aç ão m ental, os padres, os ec onom istas , os m oralis tas s ac ross antif icam o tr abalho. Hom ens c egos e lim itados , quis er am s er m ais s ábios do que o pr ópr io Deus deles ; hom ens fr ac os e des pr ezíveis, quis er am r eabilitar aquilo que até mesm o o Deus am aldiç oara. Eu, que não pr of ess o o c redo cr is tão, nem tenho pos iç ão ec onôm ic a e m oral c om o a deles , r ec us o-m e a adm itir os s eus j uízos c om o os do s eu Deus ; r ec us o-m e a adm itir as pr egaç ões dess a m or al religios a, ec onôm ica, livr e-pens ador a, c ons ider ando as ter ríveis cons equênc ias do tr abalho na s oc iedade c apitalista. Na s oc iedade c apitalis ta, o tr abalho é a c aus a de toda degeneraç ão intelec tual, de 152 toda deform aç ão or gânic a. A sociedade industrial sofreu influência do pensamento iluminista, predominando “a razão, a concepção do universo como máquina governada por leis infalíveis, o combate ao absolutismo, 151 C H E MI N, Beat ris F ranc is c a . O l a zer c om o produ to do t raba lho. In: MÜ LL E R, A dem ir ; D A C OS TA, Lam a rti ne Pe rei ra [ org .] Laz e r e t rab alh o: um únic o ou m úl tip los o lhares ? S ant a Cru z do Sul : E D UN I SC , 83 /115 , 20 03, p. 89 . 152 L A GA R GU E, Paul . O d ire ito à p reg uiça . E diç ão b ilíng ue f ranc ês / po rtu guês . Traduç ão de Ott o Lam y de Co rre a. São Pa ulo: Ed ito ra Cla rida de, 2003 , p . 19 . 69 à desigualdade mercantilista.” social, à intolerância religiosa e à política 153 Buscando corrigir os rumos do individualismo liberal criou-se, no final do século XIX e começo do século XX, um novo modelo de Estado que buscava o bem estar social denominado Estado Social 154. Dessa nova concepção, em consequência da exploração sofrida pelos trabalhadores durante a revolução industrial, nasceram os direitos sociais. Isso porque inúmeras foram as injustiças e exploração sofridas pelos trabalhadores da época, fruto das mudanças ocorridas em função do capitalismo. Do panorama do período de 1790 a 1840, dentre outros aspectos, pode-se citar o aumento da população, a evolução tecnológica, a ruptura da economia familiar tradicional, a parcialidade da lei, a redução do homem ao status de instrumento, as horas e condições de trabalho, e a perda do tempo livre e do lazer. Aspecto importante a ser mencionado, também, são 155 as mudanças que o relógio trouxe ao cotidiano das pessoas. Marcou o horário de trabalho nas fábricas, tornando o homem mais disciplinado, reservado e metódico. Uma das consequências dessa mudança de comportamento foi a alteração dos esportes tradicionais para outros 153 C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . 1 ª ed . ( ano 2002 ) 4ª t ir. C uri tiba : J u ruá, 200 5, p. 4 0. 154 P aulo B ona vid es i n Do E sta do li be ral ao E sta do so cia l. 8ª ed. S ão Paul o: Malheiros , 20 07, p. 1 86, afi rm a: “Q uan do o Es t ado, c oa gid o p ela pr es s ão das m as s as , pelas r ei vind ic aç ões q ue a im pac iênc ia do qua rto es tad o fa z a o pode r pol ític o , c onf ere , no E s tad o c o ns tit uc iona l ou fo ra des t e, os d ire itos do t rabal ho, da pre vi dênc ia , da ed uc aç ão , in ter v ém na ec o nom ia des t e c om o dis trib uido r, dita o s al ário , m ani pula a m oe da, reg ula os preç os , c om ba te o des em pr ego, pr oteg e os e nfe rm os , dá ao t raba lhado r e ao bu roc rat a a c as a pr ópri a, c o ntr ola as p rofis s ões , c om pra a pro duç ão, f inanc i a as e xp or taç ões , c o nc ede c rédi to, ins ti tui c om is s ões de ab as tec im en to, pro vê nec es s idad es indi vid uais , en fre nta c r is es ec onôm ic as , c oloc a na s oc i edad e todas as c las s es n a m ais es t rei ta d epe ndênc i a de s eu pode rio ec on ôm ic o, pol ític o e s oc ial, em s um a , es ten de s ua in fluênc ia a quas e t odos os dom í nios que d antes pe rtenc iam , em g rand e par te, à á rea de inic iati va i ndi vid ual, n es s e ins tan te o Es t ado po de, c om j us tiç a, r ec ebe r a den om inaç ã o de Es t ado s oc ial .” 155 TH O MP S O N , E. P . A fo rma ção da cl asse op er ár ia in gle sa : a m aldiç ão de Adão . V. II Tr ad . Re nato Bus a tto Ne to, Clau dia Roc ha de A lm eida . 4ª ed. Rio d e J an eir o: P a z e Te rr a, 2002 , p. 27 . 70 mais sedentários como “criação de pombos, reprodução de canários e cultivo de flores”. 156 Segundo Gerson Lacerda Pistori O r elógio m ec ânico dem arc ou o tem po c om o f inito, de us o do hom em , delim itador da vida e da m orte, e f ez c om que o tem po pass ass e a s ignif ic ar dinheir o, pois quanto m ais se pr oduzia m ais s e ganhava. S. Ber nar do, tr ansm itindo as novas ideias , diss e: “Não há nada m ais prec ios o do que o tem po” (cf. Le G off, 1999: p. 77) . Ess e us o do tem po af etou o tr abalho, pois tam bém m otivou s ua r ac ionalizaç ão e utilizaç ão par a os f ins procur ados : m ais ganhos . Ess a r ac ionalizaç ão proporc ionou nova form a de pens ar com bas es obj etivas, o que veio a r edundar no f utur o c ar tes ianism o. Ess e relógio m ec ânico pass ou a ser parte da pais agem ur bana quando c oloc ado nas torr es ligadas aos c entr os de c om érc io (c om o em Bruges, hoje pertenc ente à Bélgic a, por ex em plo), c ons tr uídas pelas ass oc iaç ões com erc iais e c om apoio dos m es tr es pr inc ipais das c idades; ou então, foram s endo c oloc ados nas torr es das igr ej as , c om apoio dos c lér ic os que s e integr avam politic am ente aos poder es loc ais. T ais r elógios r epr es entavam o c onhec im ento do tem po e s ua im por tânc ia par a a c idade: m uito m enos par a saber -s e a c or reta hor a da m iss a, m arc ada pelos s inos , m as m uito m ais par a s aber-s e o hor ár io de entr ada e saída do trabalho. Af inal, c om o r elógio na pr aç a pr inc ipal da c idade, todos s abiam quem estava atr as ado par a c hegar ao tr abalho e quem s aíra antes da hor a do tr abalho – a c om unidade vigiando a vida da ida e da volta dos que tinham algum hor ár io. Is s o r es ultou em inc ôm odos e até revoltas: por f im , o us o ac um ulado do tem po do trabalho s ignifica um a alteração na f orm a da ex plor aç ão do tr abalho. O s aber da hor a de quem trabalhava pass ou a s er um us o m antido até 157 hoj e. Esta transformação social gerada pelo processo de industrialização que modifica o pensamento isolado e individual para a preocupação com o grupo, com o social, traz o surgimento dos direitos sociais, criação dos tempos modernos, como analisado em capítulos anteriores ao tratarmos dos direitos de segunda dimensão. E, como será detalhadamente estudado em seguida. 156 C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . 1 ª ed . ( ano 2002 ) 4ª t ir. C uri tiba : J u ruá, 200 5, p. 5 5. 157 P IS TO R I, Gers o n Lac e rda . H ist ór ia do d ir eit o do tr abal ho : um bre v e olh ar s obre a id ade m édia. S ão Paulo : L Tr, 200 7, p . 1 14-1 15. 71 2.2 Direitos sociais e sua positivação nas Constituições brasileiras José Afonso da Silva conceitua os direitos sociais c om o dim ens ão dos dir eitos f undam entais do hom em , s ão pr es taç ões pos itivas pr oporc ionadas pelo Es tado dir eta ou indir etam ente, enunc iadas em norm as c ons tituc ionais , que poss ibilitam m elhor es c ondições de vida aos m ais fr ac os , dir eitos que tendem a r ealizar a igualizaç ão de s ituaç ões s oc iais des iguais. São, por tanto, dir eitos que s e ligam ao dir eito de igualdade. Valem com o pr ess upostos do gozo dos dir eitos individuais na m edida em que cr iam c ondiç ões m ater iais m ais pr opíc ias ao auf er im ento da igualdade r eal, o que, por s ua vez, pr oporc iona c ondiç ão m ais c om patível com 158 o exercíc io efetivo da liber dade. A inserção contemporâneas, dos e em direitos especial sociais dos direitos nas Constituições fundamentais dos trabalhadores, foi resultado de um longo processo histórico, como visto anteriormente. No Brasil, também houve diversos períodos que marcaram a positivação dos direitos sociais. A Constituição do Império de 1824 sofreu influência do liberalismo clássico, prestigiando a tutela dos direitos individuais de primeira dimensão e, de forma um pouco tímida, inseriu alguns direitos sociais como a obrigação positiva do Estado em garantir o acesso aos cidadãos à educação gratuita. Assim, também garantiu o direito de organização quando, num silêncio consentido, aboliu as corporações de ofício. 159 Mas, deve-se anotar que a Constituição do Império de 1824 objetivava garantir os direitos da elite aristocrática, pois, como esclarece Emília Viotti da Costa 158 159 S IL VA, J os é A fons o da. C u rso de di re ito con stit uci ona l pos it i vo. 19 ed . Sã o Paulo: Ma l heir os , 2001 , p. 289 - 290. L O BA TO , Ma rt hius S á vio Ca valc a nte . O va lo r co nst itu cio nal p ara a e fe ti vidad e dos d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 4 1-43 . 72 Par a estes hom ens , educ ados à eur opeia, r epr es entantes das c ategor ias dom inantes , a pr opr iedade, a liber dade, a s egur anç a gar antidas pela Cons tituiç ão er am r eais . Não lhes im por tava s e a m aior ia da Naç ão s e cons tituía de um a m ass a hum ana par a a qual os pr ec eitos c ons tituc ionais não tinham a m enor eficác ia. Af irm ava- se a liber dade e a igualdade de todos per ante a lei, m as a m aior ia da populaç ão perm anec ia escr ava. G ar antia-s e o dir eito de pr opr iedade, m as 19/ 20 da populaç ão, s egundo c alc ulava T ollenar e, quando não er a escr ava, com punha- se de ‘m or ador es ’ vivendo nas f azendas em ter r as alheias , podendo ser m andados em bor a a qualquer hor a. G arantia-s e a s egur anç a individual, m as podia- s e m atar im punem ente um hom em . Af irm ava- se a liber dade de pens am ento e de ex pr ess ão, m as não for am r ar os os que com o Davi Pam plona ou Libero Badaró pagar am c ar o por ela. Enquanto o texto da lei gar antia a independênc ia da J ustiça, ela s e transf orm ava num instr um ento dos gr andes pr opr ietár ios . Aboliam -s e as torturas, m as , nas senzalas , os tr onc os, os anj inhos, os aç oites, as gar galheiras , c ontinuavam a ser us ados , e o s enhor era s upr em o juiz, dec idindo da vida e da m orte de 160 s eus hom ens . Quanto à Constituição da República de 1891, Paulo Bonavides comenta que ( ...) os pr incípios c haves que f aziam a es tr utur a do novo Es tado diam etr alm ente opos ta àquela vigente no Im pér io er am dor avante: o s istem a r epublic ano, a f orm a pr es idenc ial de gover no, a f orm a feder ativa de Estado e o f unc ionam ento de um a s upr em a c orte, apta a decr etar a inc ons tituc ionalidade dos atos do poder : enf im , todas aquelas téc nic as de exerc íc io da autor idade pr ec onizadas na époc a pelo cham ado ideal da dem ocr ac ia r epublic ana im per ante nos Es tados Unidos e dali im por tadas par a c or oar um a certa m odalidade de Es tado liber al, que r epr es entava a r uptur a c om o modelo autoc rátic o do abs olutism o m onár quico e s e ins pir ava em valor es de es tabilidade 161 j ur ídic a vinculados ao c onc eito individualista de liber dade. No campo dos direitos fundamentais, essa Constituição seguiu as diretrizes da concepção liberal do documento anterior estendendo 160 C O S TA, Em ili a V iot ti da. Int rod uç ão a o es tudo da em anc i paç ão pol ític a d o B ras il . In: MO TA , C a rlos Gui lhe rm e [o rg.] B ras il em p er sp ect i va. 11 ed. Rio de J an eir o: Difel, 19 80, p. 168. 161 B O N AVI D ES, Paulo . Cur so de d ir eit o cons ti tuc iona l. 11ª ed . São Paul o: Malheiros , 20 01, p. 330 -331 . 73 o rol dos direitos individuais protegidos, destacando-se alguns avanços como ( ...) a previs ão do direito de ass oc iação e de r eunião ( art. 72, § 8º), o direito à am pla defes a ( art. 72, § 16) , a aboliç ão das penas de galés e de banim ento judic ial ( art. 72, § 20) , bem c om o o de pena de m orte, reser vadas as dis pos iç ões da 162 legis laç ão m ilitar em tem po de guer ra ( ar t. 72, § 21). Objetivou, também, esse documento o fim da relação híbrida entre absolutismo e liberalismo, impondo limites aos poderes do Estado e acabando com os privilégios da nobreza. Mas, a alteração do regime parlamentar para o presidencial permitiu o uso demasiado do poder presidencial, trazendo para a década de 20 a primeira reforma constitucional, em consequência da crise de Estado, econômica e social, fruto da não efetivação dos direitos garantidos pela Constituição. Nascem movimentos sociais reivindicando a efetivação dos direitos sociais, especialmente dos trabalhadores, por influência europeia. Eclode a Revolução de 30, objetivando a desestabilização do autoritarismo presidencial, bem como reivindicando o direito ao trabalho, sendo instituída a legislação trabalhista e a Justiça do Trabalho. 163 Já a Constituição da República de 1934, sob a influência da Constituição de W eimar de 1919 e da Constituição Mexicana de 1917, positivou realmente os direitos sociais dando-lhes maior relevância. Na nova Constituição os direitos sociais não ficaram apenas restritos a concepções individuais e do bem-estar da coletividade, foi além, pois determinou que o Estado atuasse de forma positiva, garantindo mecanismos de proteção coletiva, a exemplo do direito de associação profissional. Nessa Constituição foi inserido um capítulo sobre a 162 B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 36 . 163 L O BA TO , Ma rthius Sá v io Ca v alc ant e. O valo r co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e dos d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 4 5-47 . 74 ordem econômica e social, que tratou do direito à educação, economia social e do trabalho. Sobre o 164 trabalho, a Constituição da República de 1934 disciplinou as condições de trabalho no campo e na cidade, vedando a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivos de idade, sexo, nacionalidade, estado civil. Estabeleceu o salário mínimo; a jornada de oito horas diárias de trabalho; férias anuais remuneradas; indenização para dispensa imotivada; meio ambiente de trabalho digno; regulamentação de profissões; organização sindical; reconhecimento das convenções coletivas de trabalho; a proibição de trabalho a menores de 14 anos; assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante. 165 Também, instituiu a Justiça do Trabalho para dirimir as controvérsias individuais e coletivas entre empregados e empregadores. José Afonso da Silva comentando o período esclarece que ( ...) o país j á s e encontrava s ob o im pac to das ideologias que gr ass avam o m undo do pós- guerr a de 1918. Os par tidos polític os ass um iam pos iç ões em fac e da pr oblem átic a ideológic a vigente: s ur ge um par tido f asc ista, bar ulhento e vir ulento – a Aç ão Integr alis ta Br as ileir a, cuj o c hef e, Plínio Salgado, c om o Muss olini e Hitler , se pr epar ava par a em polgar o poder ; r eor ganiza-s e o par tido c om unista, aguerr ido e disc iplinado, c ujo c hef e, Luís Car los Pr es tes, tam bém quer ia o poder , G etúlio Var gas , no poder, eleito que f or a pela Ass em bleia Cons tituinte para o quadr iênio c ons tituc ional, à m aneir a de Deodor o, c om o es te, diss olve a Câm ara e o Senado, r evoga a Constituição de 1934, e 166 pr om ulga a Car ta Constituc ional de 10.11.1937. Assim a Constituição da República outorgada em 10 de novembro de 1937 institui o Estado Novo, institucionaliza um regime autoritário e impõe um poder centralizador, interrompendo o regime 164 Ibidem , p . 47 -49 . 165 B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 41 . 166 S IL VA, J os é A fons o da. C u rso de di re ito con stit uci ona l pos it i vo. 20 ed . Sã o Paulo: Ma l heir os , 2002 , p. 82 . 75 democrático. 167 Interrompeu o processo de positivação dos direitos sociais mantendo-os gravados como na Constituição anterior, mas objetivando o exercício de um controle eficaz da sociedade civil, inclusive, classificando o trabalho como um dever social, a greve como recurso anti-social, e garantindo reconhecer ou não sindicatos profissionais. ao Estado o poder de 168 Quanto aos direitos do trabalhador, além de manter os que já eram tutelados na Carta anterior, estabeleceu ( ...) que o tr abalho à noite, a não s er nos c as os em que é efetuado per iodic am ente por tur nos , s er á r etr ibuído com r em uner aç ão super ior à do diur no e que as ass oc iaç ões de tr abalhador es têm o dever de pr es tar aos seus ass oc iados aux ílio ou ass istênc ia, no que se r ef ere às pr átic as adm inistrativas e judic iais r elativas aos s eguros de ac identes 169 de tr abalho e aos s egur os s oc iais . Já na Constituição da República de 1946, a positivação dos direitos sociais restabeleceu as concepções da Carta de 1934 como consequência da redemocratização. Instituiu a participação obrigatória dos trabalhadores remunerado, nos reconheceu lucros o da empresa, direito de o greve, repouso a semanal aposentadoria espontânea com 35 anos de serviço e inseriu a Justiça do Trabalho na esfera do Poder Público. Em contrapartida, manteve a concepção corporativa de sindicato em exercício de funções delegadas pelo Estado. 170 Para Celso Ribeiro Bastos, a Constituição de 1946 é uma das melhores que tivemos, pois “tecnicamente é muito correta e do ponto 167 de vista ideológico traçava nitidamente uma linha de B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 43 . 168 L O BA TO , Ma rthius Sá v io Ca v alc ant e. O valo r co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e dos d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 4 9-50 . 169 B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 44 . 170 L O BA TO , Ma rthius Sá v io Ca v alc ant e. O valo r co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e dos d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 5 0-51 . 76 pensamento libertária no campo político sem descurar da abertura para o campo social que foi recuperada da Constituição de 1934.” 171 No período que abrangeu a vigência das Constituições de 1967/ 1969 os direitos sociais não foram efetivados, pois o regime militar autoritário impediu o exercício pelos cidadãos de inúmeros direitos fundamentais, devendo ser citado o direito de greve que foi restringido pelo Poder Judiciário reivindicatórios. que atuava para coibir movimentos 172 José Afonso da Silva, sobre a Constituição de 1967, comenta: ( ...) s e pr evia um a declar aç ão de dir eitos , m as o pr inc ípio da s egur anç a nac ional s obr epair ava s ob a ef ic ác ia das dem ais norm as c ons tituc ionais , pela cr iaç ão de uma norm atividade exc epc ional s em c ontem plaç ão par a c om os dir eitos hum anos m ais elementar es . Em nom e da s egur anç a nac ional, tudo poder iam fazer os detentor es do poder : fechar as Cas as Legis lativas , c ass ar m andatos eletivos, dem itir f unc ionár ios , apos entar m agis tr ados, s uspender dir eitos polític os , invadir dom ic ílios , enc arc er ar e até s um ir com as 173 pess oas . A Constituição da República de 1988 sofreu influência da Constituição de Weimar e da Lei Fundamental de Bonn de 1949, ultrapassando-a em alguns pontos no tocante aos fundamentais em relação à técnica, forma e substância direitos 174 . Como exemplo se pode citar o mandado de injunção, objetivando evitar que as regras de direitos sociais desempenhem apenas papel programático por inaplicabilidade e decurso de tempo. Em essência é uma Constituição do Estado Social. 175 171 B A S TOS , Cels o R ibei ro. C u rs o d e d ir ei to cons ti tuc ion al. 22ª ed . São Pau lo: Sa raiva, 20 01, p. 132. 172 L O BA TO , Ma rthius Sá v io Ca v alc ant e. O valo r co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e dos d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 5 2. 173 S IL VA, J os é A fons o da . Po de r con sti tu int e e p ode r p opu lar (es tud os sobre a C on sti tui ção ). São Pa ulo : Malh eir os , 2 002, p. 172 . 174 B O N AVI D ES, Paulo . Cur so de d ir eit o cons ti tuc iona l. 10ª ed . São Paul o: Malheiros , 20 00, p. 335. 175 C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 88. 77 Aos direitos sociais é destinado um capítulo próprio da Constituição da República de 1988, o Capítulo II, encartado no “Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Mas, os direitos sociais elencados nesse capítulo ( ...) não s ão es tanques , são c onj ugados e r em etem s eus c onteúdos ax iológic os a outr os es pec ífic os, c om o aqueles 176 c ontidos no art. 195 da Cons tituiç ão. F ez o legis lador pr im ár io da f orm a m ais im ediata e pr ec is a, por lhe par ec er s alutar dec lar ar or iginar iam ente as efetivas gar antias 177 hum anas s oc iais par a os trabalhador es. Além destes direitos elencados no “Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, a Constituição disciplina direitos sociais em outros artigos, como no “Título VIII – da Ordem Social”, tratando da seguridade social, da educação, da cultura e do desporto, da ciência e da tecnologia, da comunicação social, do meio ambiente, da família, da criança, do adolescente e do idoso. Também, quando a Constituição da República trata da ordem econômica, prevê no artigo 170 a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, e a busca do pleno emprego. Mas, um corte metodológico será necessário para enfocar os direitos sociais dos artigos 6º ao 11º, e estes em relação ao trabalho, direcionando-o como produto do lazer. A propósito, este recorte metodológico conduz à eleição da abordagem dos direitos sociais dos 176 A rt . 195 . A s egu ridad e s oc i al s e rá fi nanc ia da por tod a a s oc i edade , de fo rm a di ret a e in dire ta, nos te rm os da lei , m e dian te rec u rs os pro ve nien tes dos orç am e nt os d a Uniã o, dos Es ta dos , d o Dis tri to Fede ral e d os Munic í pios , e das s eg uintes c on tri buiç ões s oc i ais : (. ..) 177 P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , p . 141 . hum anos s ocia is e a 78 trabalhadores, e especialmente o trabalhador empregado 178, que são os que laboram de forma subordinada e são regidos pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho, pois objeto deste estudo. Assim, preconiza o artigo 6º que São dir eitos s oc iais a educ ação, a s aúde, a alim entaç ão, o tr abalho, a m or adia, o lazer , a s egur ança, a pr evidênc ia s oc ial, a pr oteç ão à maternidade e à inf ânc ia, a ass is tênc ia 179 aos des am par ados, na f orm a desta Cons tituiç ão. É destinatário dessa norma todo brasileiro nato ou naturalizado, inclusive, do direito social ao trabalho, pois todo o cidadão tem o direito e a oportunidade de buscar trabalho. E o Estado deve buscar a realização desse direito por meio de políticas públicas eficientes. O Estado deve buscar a contribuição da sociedade, por meio de incentivos fiscais e sociais na produção, gerando postos de trabalho e oportunidades de pleno emprego. Pois como afirma Airton Pereira Pinto “o trabalho não deixou de ser a maneira vital para a maior parcela de a sociedade produzir os bens de produção e de riqueza capazes de sustentar a vida de todos com dignidade.” 180 O direito à educação, normatizado no artigo 6º da Constituição da República, tem como destinatário todo cidadão capaz de exercitálo, e está disciplinado detalhadamente nos artigos 205 a 214 da Constituição da República. Dita o artigo 204 da Constituição que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada 178 179 180 A Cons olidaç ão das leis do t raba lho de fine o em p rega do em s eu ar tigo 3 º; a L ei nº 5 .889 /73 em s eu a rti go 2 º de fine o t rab alho ru ral s ub ordi nado ; a Lei n º 8. 213/91 c onc eitu a o s egu rado da pre v idênc i a s oc i al. Bem defi ne o tr abalh ador em p regado A ir ton Pe rei ra Pin to, em s ua ob ra Di re ito d o tr ab alh o, di rei tos h uman os so ciai s e a C on sti tui ção Fe der al, p. 149 , c om o: “aq uele que pr es ta s er v iç os d e n atu re za ur bana ou rur al à em p res a, o u a es t a equi para da, em c a rá ter n ão e ven tual , s ob a dep endênc ia e s ubo rdinaç ão d e s eu em p rega dor e m e diant e c on tra pres taç ão .” J á c om a al ter aç ão da Em en da Cons tituc i onal n º 64 , d e 4 de fe ver eir o de 20 10. P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , p . 150 . hum anos s ocia is e a 79 com a colaboração da sociedade, visando a atingir os seguintes objetivos: pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Para Marcos Augusto Maliska a educação como direito de todos ( ...) não s e lim ita em ass egur ar a poss ibilidade da leitura, da escr ita e do c álc ulo. A r igor , deve garantir a todos o pleno des envolvim ento de s uas funç ões m entais e a aquis iç ão dos c onhec im entos , bem c om o dos valor es m or ais que c or respondam ao exerc íc io dess as f unções , até a adaptaç ão 181 à vida s oc ial atual. Para José Afonso da Silva o direito à educação ( ...) s ignif ic a, em pr im eir o lugar, que o Es tado tem que apar elhar-s e par a f or necer, a todos, os s er viç os educ ac ionais , is to é, oferecer ens ino, de ac or do c om os pr inc ípios es tatuídos na Constituiç ão (art. 206) ; que ele tem que am pliar c ada vez m ais as pos s ibilidades de que todos venham a exerc er igualm ente ess e dir eito: e, em segundo lugar, que todas as norm as da Cons tituiç ão, s obr e educ aç ão e ens ino, hão que ser inter pr etadas em f unção daquela dec lar aç ão e no s entido de s ua plena e efetiva r ealizaç ão. A Constituiç ão m esm o já cons ider ou que o ac ess o ao ens ino f undam ental, obr igatór io e gr atuito, é dir eito públic o s ubj etivo; equivale rec onhecer que é direito plenam ente ef ic az e de aplic abilidade im ediata, is to é, dir eito ex igível 182 j udic ialm ente, s e não for pr es tado es pontaneam ente. Analisando o direito à educação em relação ao trabalhador contata-se que o salário mínimo, por exemplo, deve ser o suficiente para suprir suas necessidades básicas e a educação do trabalhador e de seus familiares. Também, capacitação e a educação especialização é fundamental do para trabalhador, a formação, possibilitando o exercício da cidadania e abrindo caminhos para uma vida mais qualitativa. Corrobora com esta assertiva a Declaração sobre o Direito 181 MA L I SK A, Marc os Aug us t o. O d ir eit o à edu caç ão e a C ons ti tuiç ão. P ort o Alegre: S erg io Anto nio Fab ris , 200 1, p. 1 57. 182 S IL VA, J os é Afo ns o da . C u rso de di rei to c ons ti tuci ona l po sit i vo . 19ª ed. , r ev. e a tual. S ão Paulo : Mal heir os , 2001 , p. 312 . 80 ao Desenvolvimento, aprovada na Resolução nº 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986, em que, em seu artigo 24, inciso IV, proclama que a formação para o trabalho encontra-se conjugada com a educação, cabendo ao Estado efetivar o direito à educação visando realizar grandes metas como a erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a melhoria da qualidade de ensino, a formação para o trabalho, e a promoção humanística, cientifica e tecnológica. Mas, uma educação de qualidade necessita de tempo para desenvolvimento, e isso reflete diretamente na jornada de trabalho daquele trabalhador que está em seu posto de trabalho, pois mesmo sendo de oito horas diárias, em alguns casos, seis horas diárias, é normal que o trabalhador prorrogue suas horas laborando em caráter extraordinário, não se permitindo, dessa forma, buscar uma melhor qualificação profissional por conta da falta de tempo. O direito à saúde foi positivado apenas na Constituição do Império e agora na Constituição da República de 1988, sendo consagrado como um direito de todos e dever do Estado, “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” 183 Sobre essa distância na positivação do direito à saúde, José Afonso da Silva leciona que ( ...) é espantos o c om o um bem ex tr aor dinar iam ente r elevante à vida hum ana só agor a é elevado à c ondiç ão de dir eito f undam ental do hom em . (...) há de inform ar-s e pelo pr inc ípio de que o dir eito igual à vida de todos os s er es hum anos s ignif ic a também que, nos casos de doenç a, c ada um tem o direito a um tr atam ento c ondigno de acordo c om o es tado atual da c iênc ia m édic a, independentem ente de s ua 183 B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 76 . 81 s ituaç ão ec onôm ic a, s ob pena de não ter m uito valor sua 184 c ons ignaç ão em norm as c ons tituc ionais . O inciso XXII, do artigo 7º, da Constituição da República, estabelece, dentre outras normas do sistema, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.” Já o inciso XXIII, desse mesmo artigo, determina o pagamento de “adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres e perigosas, na forma da lei.” E o inciso XXVIII disciplina o “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.” Nota-se, assim, que o direito à saúde relaciona-se com o direito ao trabalho, e nesse traduz a efetividade da melhoria das condições do trabalhador, do meio ambiente equilibrado e protegido para a vivência. Airton Pereira Pinto, sobre o direito à saúde em relação ao trabalho, doutrina Conquanto, c om vis ão s ignif ic ativa s obr e a tem átic a da s aúde, a legis laç ão dem onstra um c onj unto norm ativo que im plic a um a s ér ie de aç ões e pr opós itos dos ór gãos públic os, estas se ef etivar ão m ediante políticas públic as com pr es taç ões pos itivas e de f isc alizaç ão dos entes pr ivados que m antenham em s eus quadr os em pr egados . Em verdade, as aç ões e pr opós itos vis am gar antir c ondiç ões par a o 185 tr abalhador pr es er var s ua s aúde. Quanto ao direito ao trabalho propriamente dito, elencado dentre os direitos sociais na Constituição da República, é o fio condutor para 184 S IL VA, J os é Afo ns o da . C u rso de di rei to c ons ti tuci ona l po sit i vo . 19ª ed. , r ev. e a tual. S ão Paulo : Mal heir os , 2001 , p. 307 . 185 P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , p . 171 . hum anos s ocia is e a 82 a realização de inúmeros outros direitos de natureza semelhante, implicando inclusão socioeconômica direta. social 186 Isso porque o trabalho não é apenas um elemento de produção, é meio de valorização e dignidade do homem, além de lhe trazer sustento. Nesse sentido, “o trabalho humano, como propulsor de potencialidades, realizador de emancipações, embora haja exceções pontuais, ainda é uma forma de construção de riquezas sociais.” 187 Dessa forma, a Constituição da República revela o trabalho como valor e direito humano fundamental. Nesse caminho, para Rafael da Silva Marques Valor izar o trabalho hum ano, alç á- lo ele ao loc al em que dever ia, s em pr e, ter perm anec ido, é busc ar o pleno em pr ego, aum entando as of er tas de tr abalho a quem tem qualif ic aç ão e qualif ic ar quem tem m enos qualif ic aç ão, busc ar a s egur anç a de quem tr abalha e dar dignidade no m om ento do exerc íc io de s eu m is ter , não ex igindo tr abalho em c ondiç ões penos as ou per igos as e elim inando a ins alubr idade. Valor izar , de fato, o tr abalho hum ano é dim inuir cons ider avelm ente a alienaç ão, ex tinguir as hor as ex tr aor dinár ias e c oloc ar o s er hum ano, hom em trabalhador, c om o fim em s i m esm o e não c om o m eio a que o c apital 188 atinj a s eu f im . José Afonso da Silva ao analisar o direito ao trabalho salienta que ( ...) o ar t. 6º def ine o tr abalho c om o dir eito s oc ial, m as nem ele nem o ar t. 7º tr azem norm a ex pr es sa c onf er indo o dir eito ao tr abalho. Es te, porém , r ess ai do c onj unto de norm as da Constituiç ão sobr e o trabalho. Ass im , no art. 1º, IV, s e dec lar a que a Repúblic a Feder ativa do Bras il tem c om o f undam ento, entr e outr os , os valor es s oc iais do tr abalho: o ar t. 170 estatui que a or dem ec onôm ica f unda-s e na valor izaç ão do tr abalho, e o ar t. 193 dis põe que a or dem s oc ial tem c om o bas e o pr im ado do tr abalho. T udo is so tem o s entido de r ec onhec er o dir eito s oc ial ao tr abalho, com o c ondiç ão da ef etividade da ex is tênc ia digna (f im da or dem ec onôm ic a) e, pois , da dignidade da pess oa hum ana, 186 I bid em , p . 17 6. 187 Ibid ., p. 1 77. 188 MA R Q U E S, R afael da S il va. V alo r soc ial do t raba lho : na ordem ec on ôm ic a, na C ons t ituiç ão b ras il eira de 1988 . São Pau lo: L Tr , 20 07, p. 112. 83 f undam ento, tam bém , da Repúblic a F ederativa do Br as il ( ar t. 1º, III) . E aqui s e entr oncam o dir eito individual ao livr e ex erc íc io de qualquer tr abalho, ofíc io ou pr of iss ão, c om o dir eito ao tr abalho, que envolve o dir eito de ac ess o a um a pr of iss ão, à or ientação e form aç ão pr ofiss ionais , à livr e esc olha do trabalho, ass im com o à relaç ão de em pr ego ( ar t. 7º, inc . I) e o s egur o-des em pr ego, que vis am , todos, entr e outros, à m elhor ia das c ondiç ões s oc iais dos 189 tr abalhador es . Pode-se afirmar que em torno do trabalho circundam os demais direitos sociais, de forma direta ou indireta, pois o trabalho é um valor fundamental que, permite a efetivação da dignidade inerente ao homem, garantido socialmente pelo Estado por meio de políticas públicas. O direito ao trabalho é fruto de conquista social e exigência econômica, e gradativamente positivado na construção histórica dos direitos fundamentais. Na Constituição da República, os artigos 7º ao 11º garantem alguns direitos dos trabalhadores, tais como a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; a proteção geral ao salário e à remuneração do trabalho humano subordinado; o direito ao décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; a participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; e o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. O direito social à moradia compõe o rol dos direitos sociais a partir da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, sendo de grande importância para a sociedade, e nela incluídos os trabalhadores. 189 S IL VA, J os é Afo ns o da . C u rso de di rei to c ons ti tuci ona l po sit i vo . 19ª ed. , r ev. e a tual. S ão Paulo : Mal heir os , 2001 , p. 288 -28 9. 84 José Afonso da Silva ao tratar do direito à moradia ensina que ( ...) s ignif ic a oc upar um lugar c om o r es idênc ia; oc upar um a c as a, apar tam ento etc., par a nele habitar . No ‘m or ar ’ enc ontr am os a ideia bás ic a da habitualidade de perm anec er oc upando um a edif ic aç ão, o que s obress ai c om sua c or relaç ão com o res idir e o habitar , c om a m esm a c onotaç ão de perm anec er ocupando um lugar perm anentem ente. O dir eito à m or adia não é nec ess ar iam ente dir eito à c as a pr ópr ia. Q uer -s e que s e gar anta a todos um teto onde s e obr igue a fam ília de m odo perm anente, s egundo a pr ópr ia etim ologia do ver bo m or ar , do latim m or ar i, que s ignificava dem or ar , f ic ar . Mas , é evidente que a obtenç ão da c as a pr ópr ia pode ser c om plem ento indis pens ável par a a efetivação do direito à m or adia. O c onteúdo do dir eito à m or adia envolve não s ó a f ac uldade de oc upar um a habitaç ão. Ex ige-se que s ej a um a habitaç ão de dim ensões adequadas , em c ondiç ões de higiene e c onforto e que pr es er ve a intim idade pess oal e a pr ivac idade f am iliar , c om o s e pr evê na Cons tituiç ão por tugues a ( ar t. 65) . Em s um a, que s eja um a habitação digna e adequada, c om o quer a Cons tituiç ão es panhola (art. 47) . Nem s e pense que es tam os aqui r eivindic ando a aplic aç ão dess as c ons tituições ao noss o s is tem a. Não é iss o. É que a com preens ão do dir eito à m or adia, com o dir eito s oc ial, agor a ins er ido expr ess amente em nossa Constituiç ão, enc ontr a norm as e pr inc ípios que ex igem que ele tenha aquelas dim ens ões. Se ela prevê, com o um pr inc ípio f undam ental, a dignidade da pessoa hum ana ( ar t. 1º, inc . III) , as s im c om o o dir eito à intim idade e à pr ivac idade ( art. 5º, inc . X ), e que a cas a é um as ilo inviolável (art. 5º, inc . X I) , então tudo iss o envolve, nec ess ar iam ente, o direito à m or adia. Não f oss e as s im s er ia 190 um direito em pobr ec ido. O direito à moradia integra a natureza humana que busca um local para acomodar-se e nele viver dignamente. Ao poder público resta assegura efetivação desse direito por meio de políticas públicas eficientes e destinação de verbas orçamentárias para tanto. No que concerne ao direito à segurança, cingem-se as relações sociais e individuais, patrimoniais, culturais e econômicas na esteira do artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, seguindo os passos da Carta Magna de João Sem Terra, que assegurou os direitos pessoais, civis e tributários de todos os súditos. 190 Ibidem , p . 31 3. 85 Quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos, trata em seu artigo 25, da segurança na hipótese de desemprego, tornando uma exigência social na comunidade internacional que as legislações nacionais instituam a obrigação de pagamento de prestações de seguro desemprego. A Constituição da República contempla a segurança de diversas formas, como a segurança do domicílio; a segurança das comunicações pessoais, garantindo o sigilo das correspondências, inclusive do trabalhador, se recebê-las na empresa. Nas relações de trabalho, o aviso prévio também pode ser considerado um preceito em relação à segurança do trabalhador, pois é forma de segurança “na relação social de consumo e honradez nos compromissos assumidos pelo empregado” 191. Ainda nas relações de trabalho, o pagamento de seguro na hipótese de desemprego involuntário está relacionado com o direito à segurança, assim como o pagamento do fundo de garantia do tempo de serviço e a multa rescisória, garantindo algum tempo de segurança alimentar, social e econômica para o empregado. Também a prescrição do direito de ação se revela como integrante do direito à segurança, na medida em que aponta para a estabilidade nas relações jurídicas. O direito à previdência social, elencado no rol dos direitos sociais no artigo 6º da Constituição da República, nasce da preocupação longínqua sobre a proteção social do homem em tempos de velhice. No Brasil, foi positivado na Constituição de 1824 como prestações de socorros públicos. Na Carta de 1891, para garantia de aposentadoria a servidores públicos no caso de invalidez. O Decreto 191 P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , p . 202 . hum anos s ocia is e a 86 Legislativo nº 4.682/23 instituiu caixas de Aposentadorias e Pensões para os trabalhadores ferroviários. Já a Constituição da República de 1988, ao tratar do direito à previdência social, criou um “sistema integrado, amplo e com coberturas de várias prestações, em função de contingências sociais, individuais e econômicas.” 192 Esse sistema da Seguridade Social prevê a previdência e a assistência social, obrigando o Estado a dispor aos beneficiários, por meio de arrecadação moderada na sociedade, alguns benefícios 193 operacionalizados e devidos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social. Os incisos XVIII e XX do artigo 7º da Constituição da República tratam do direito social relativo à proteção da maternidade, determinando a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias e, respectivamente, a proteção do mercado da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei. Esse dispositivo legal objetiva tutelar não apenas a gestante trabalhadora, mas também as condições da maternidade e a criança que necessita do tempo materno para seus cuidados e proteção adequada, garantindo-lhes o salário maternidade e o emprego. A Constituição da República tutela, dentre os direitos sociais, o direito à infância em vários de seus dispositivos, como no Capítulo VII quando trata da Ordem Social. Também, no artigo 227 da Constituição, determina que o Estado, a família e a sociedade devem assegurar, com absoluta prioridade, à criança e ao adolescente, o 192 193 Ibidem , p . 21 2. A Lei n º 8. 213/ 91 p re vê os s eg uint es bene fíc ios : apos enta dor ia po r in v alidez; ap os ent ado ria por i n valide z em r a zão de ac id ente do t raba lho; ap os ent ado ria po r i dade ; ap os ent ado ria po r tem po de c on trib uiç ão ; apos e ntad oria es pec ia l, em r a zão das a ti vida des de ris c o e p rej uí zo à s aúd e; ab ono anu al; au xíli o ac id ente ; au xí lio d oenç a ; au xí lio doe nç a por ac iden te de tra balho ; a u xílio rec lus ão ; pe ns ão por m ort e; s alá rio f am ília pag o em ra zã o do depe nden te t rab alhad or de bai xa re nda. 87 direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, dentre outros. Nesse mesmo artigo, o parágrafo 3º disciplina o direito de proteção em relação ao trabalho da criança e do adolescente quanto à idade mínima para admissão ao trabalho, a garantia de direitos previdenciários, trabalhistas e a garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola. No artigo 7º, o inciso XXXIII, estabelece a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.” A Constituição da República também prevê o direito social dos trabalhadores à liberdade de organização para fins de defesa e promoção de interesses, ou seja, a liberdade sindical de associação profissional ou sindical conforme artigo 8º da Carta de 1988. Assegurando, ainda, no artigo 9º, o direito de greve, sendo seu exercício decidido pelos trabalhadores quanto ao meio, forma e quais interesses devam defender, assegurado a todo e qualquer trabalhador, pois o texto constitucional não restringe nem excepciona nenhuma categoria. Os artigos 10º e 11º asseguram a participação dos trabalhadores nos órgãos colegiados públicos e nas empresas em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação. Revela assim o legislador constituinte o seu espírito democrático, reconhecendo a necessidade do exercício da cidadania com esta integração na defesa dos interesses dos trabalhadores. Por fim, o direito ao lazer será minudentemente abordado nos próximos capítulos, pois objeto específico deste estudo. Aqui apenas apontamos a localização do direito ao lazer, estampado que está 88 dentre os direitos sociais no rol do artigo 6º da Constituição da República. Salienta-se, inclusive, que o tempo livre do trabalho, além do lazer propriamente dito, importa em possibilidade de convívio familiar, educar-se, descansar para evitar acidentes de trabalho e manter a saúde e uma qualidade de vida melhor, dentre outras conquistas de direitos sociais aqui numerados. 194 2.3 Pós-modernidade: o debate sobre a centralidade do trabalho O conceito de trabalho sofreu grandes alterações ao longo da história, como visto anteriormente, já foi considerado pecado, escravidão, venda do tempo, atividade nobre e meio de subsistência. Nos últimos trinta anos o que se discute sobre essas transformações é a centralidade do trabalho. Há um debate nesta nova forma de capitalismo, no qual o trabalho 194 P ara il us tr ar es t a as s er ti va c ab e a qui as c ons id eraç ões de um pequen o ponto da pes quis a de J os é Hen riqu e Car v alho O rgan is ta in O de bat e so br e a cen tr ali dade do t ra bal ho, S ão Paul o: Edi tor a E xpr es s ão Po pula r, 2006 , p. 26- 27, que es c re v e: “ De ac o rdo c om o de poim en to d o Sr. N e y, s eu pai t rabal hou dur o du rant e an os num a m es m a em p res a , c ons egu iu c om pr ar um a c as a pelo a ntig o BN H e des ej ou par a ele m el hor s o rte . P or is s o , in v es tiu em s eus es t udos . En tr etan to, n os s o de poen te nos r elat ou q ue s e c as o u c edo e foi tr abalh ar na Sadi a. Nes s a em p res a, fe z m uito s er ão ( hor as e xt ras ) o que o im pe diu de c ont inua r a es t udar . No p roc es s o de r ees t rutu raç ão da em p res a , n o e ntan to, foi m and ado em bo ra, pos to que não tin ha o “per fil ” tido c om o ad equa do para c o ntinua r na em pres a. Som ent e c o ns egui u c om pra r s ua c as a n o m un ic ípi o de Du que de C a xias depo is qu e f oi t rab alha r na in form a lidad e. N ão d es eja a m es m a “s o rte ” pa ra s e us filhos , já que p ara ele “s eus f ilhos m erec em o m el hor ”. Paga pa ra eles todos os c urs os que s ua r enda pe rm ite , s eus fil hos es tão em es c ola pa rtic ular , m as r ec onhec e q ue pa ra c ons e guir em p rego hoje n ão bas t a um a boa f orm aç ã o, m as ac im a de tud o te r bo ns re lac io nam en tos . Seu tra balho , po r m ais p rec á rio qu e s eja , lhe pe rm it e c ons t rui r um p roj eto e apos t ar n um fu tu ro pa ra s eus f ilhos . No depo im ent o do Sr . N e y fic a c lar a a c on trad iç ão i nere nte ao des en v ol vim en to do c api tal. Q uand o a e xpl oraç ão da m ão -de -obra podi a s e r r eali zad a t ão s om ent e pela e xt ens ão d a jor nada de t raba lho, n ão ha via nenhum a pre oc upaç ã o da em p res a c om a f orm aç ã o do tr abalh ador . No e ntan to, no m om en to em que a m aio r in tegr aç ão dos m e rc ados s e fe z pres ent e, a em pr es a s e rees t ru turo u e c o bro u do trabal hado r aq uilo qu e el a nã o ha vi a pe rm itid o alc anç ar : es tudo .” 89 [...] per de sua c entr alidade par a novas f ormas de pr oduç ão, nas quais a his tór ic a “ dependênc ia m útua” entr e c apital e tr abalho c ede es paço a novos arr anj os no c am po do c ons um o, ou s eja, o capital pass a a depender , “ par a a s ua c om petitividade, ef ic ác ia e lucr atividade, dos c ons um idor es ( ...) [s endo] a pr es enç a da f orç a de tr abalho apenas um a c ons ider aç ão s ec undár ia” Não que a pr es enç a dess e tipo de tr abalho não s ej a m ais nec ess ár ia, m as ela tende a s er a par te m ais disponível e dis pens ável do novo m odelo de 195 pr oduç ão.” Essa reestruturação do modo capitalista de produção, do final do século XX, transformou a estrutura social que surge de um novo modo de desenvolvimento, informacionalismo. denominado por Manuel Castells de 196 Analisando essa sociedade denominada informacional, o autor citado, dispõe sobre a teoria clássica do pós-industrialismo e suas três afirmações e previsões 1. A f onte de pr odutividade e cr es c im ento r es ide na ger aç ão de c onhec im entos, es tendidos a todas as esf er as da atividade ec onôm ic a m ediante o pr oc ess am ento da inform ação. 2. A atividade econôm ic a m udar ia de pr odução de bens par a pr es taç ão de s er viç os . O f im do em pr ego r ur al ser ia s eguido pelo dec línio irr eversível do em prego indus tr ial em benef íc io do em prego no s etor de ser viç os que, em últim a anális e, c onstituir ia a m aior ia esmagador a das ofertas de em prego. Quanto m ais avançada a ec onom ia, m ais s eu m er cado de tr abalho e sua pr oduç ão s eriam c onc entrados em ser viç os . 3. A nova ec onom ia aum entar ia a impor tânc ia das pr of iss ões c om gr ande c onteúdo de inform ação e c onhec im entos em s uas atividades . As pr of iss ões adm inistrativas , es pec ializadas e téc nic as cr esc eriam m ais r ápido que qualquer outr a e cons tituir iam o c er ne da 197 nova es tr utur a soc ial. Essas transformações sociais que refletem alterações no mundo do trabalho requerem organizações flexíveis, via de consequência 195 O R F ON TE NE LLE , Is lei de Ar ruda . Pós -mo de rnid ade : tra balho e c ons um o . São Paulo: C eng age Lear ning , 20 08, p. 5 5. 196 C A S TELL S, Man uel. A e ra da i nfo rma ção : ec o nom ia , s oc ied ade e c ul tu ra. V. 1. Tr aduç ão Ro neide Venânc i o Ma jer ; atua li zaç ão pa ra 6ª ed iç ão: J us s a ra Sim ões . S ão P aulo : Pa z e Te rra , 20 08, p. 51. 197 I bidem , p. 267 . 90 trabalhadores flexíveis, tão “leves e voláteis quanto a nova economia capitalista que os gerou e dotou de poder.” 198 Tanto Bauman 199 quanto Richard Sennett entendem que estas mudanças no mundo do trabalho causaram fortes impactos na subjetividade dos trabalhadores, pois não é real que os trabalhadores se sintam, pelo menos nos primeiros momentos da história, seguros num mundo de desemprego estrutural e formas organizacionais sem regras claras, onde nesse “regime flexível, as dificuldades cristalizamse num determinado ato, o ato de correr riscos.” Esta mudança estrutural impõe 200 reformulações, Fontenelle citando Gorz afirma Ness a nova form a de ger ir o s aber , toda produç ão pass a a s e ass em elhar a um a pr es taç ão de s er viç o, j á que, m esm o na indús tr ia, a inform atizaç ão tr ansf orm a o tr abalho em “ ges tão de um flux o contínuo de inform ações” . ( ...) É ness e c ontexto que o autor f ala s obr e o “advento do autoem pr eendedor” e da “ vida c om o bus iness” . Citando um a c om unic aç ão de Nor ber t Bensel, dir etor de r ec urs os hum anos da Daim ler- Chr ys ler , G or z c ham a a atenç ão para o term o us ado por ele ao s e r efer ir aos trabalhador es da em pr es a: “ em pr eendedor es” , não apenas na ges tão por obj etivos m as, es pec ialm ente, na pr ópr ia “ges tão da s ua f orç a de tr abalho, c ons ider ada c om o s eu capital f ix o” . (...) Apr es entando dados que r evelam que as c em m aior es em pr es as am er ic anas s ó em pr egam um pequeno núc leo de ass alar iados es táveis em período integral – os 90% r es tantes s ão f orm ados por um a “m ass a var iável de c olabor adores ex ter nos , s ubs titutos , tem por ár ios, autônom os, m as igualm ente de pr of iss ionais de alto nível” - , o autor c ons tata que, atualm ente, “ a dif er enç a entr e o s uj eito e a em pr es a, entre a f orç a de tr abalho e o c apital deve ser s upr im ida. A pess oa dev e, par a s i mes ma, tor nar-s e uma empr es a. Diss o dec orr e a necess idade de se inves tir em s i m esm o, es teja o pr ofis s ional na c ategor ia de c ontingente ou de 198 B A U MA N, Z ygm un t. M o de rn idad e lí qui da. Rio de J anei ro: J orge Zah ar Edi tor , 2001, p. 19 0. 199 200 I bid em , m es m a pá gina. S E NN E TT, Ric hard . A co r rosã o do ca rát er : c ons e quênc i as pes s oais do t rabalho no no v o c a pita lis m o. Traduç ão Ma rc os Sa nta rri ta. 13 ª Ed. Rio de J ane iro : Rec ord , 2008, p . 88 . 91 ass alar iado es tável, já que não há nenhum a gar antia de 201 perm anênc ia ness a pos iç ão. Para Castells, a maioria dos empregos industriais tradicionais serão substituídos por novas ocupações criadas “na indústria de alta tecnologia e, de forma mais significativa, em “serviços””. 202 José Henrique Carvalho Organista, após analisar a posição de diversos autores, conclui que aqueles partidários do fim da centralidade do trabalho se debruçam sobre argumentos comuns: o aumento do número de pessoas que são desligadas do mercado de trabalho assalariado, buscando formas de trabalho informais e flexíveis. Mas, que esse argumento não é sólido o suficiente para retirar a centralidade do trabalho. Afirma, ainda, que mesmo com a diminuição do emprego assalariado, o capitalismo não desaparecerá. E, argumenta, por fim, que “uma sociedade sem trabalho – como ressaltou Kurz – não pode existir, salvo nos contos de Alice no país das maravilhas.” Essas 203 transformações, a flexibilidade, o informacionalismo sugerem um longo e atento debruço sobre a regulação do tempo de trabalho, já que é durante o tempo livre do trabalho que se coloca a possibilidade de direito ao lazer. 2.4 A regulação do tempo de trabalho A influência do tempo na vida do homem é marcada desde o nascimento, pois sua existência está condicionada por ele. 201 O R F ON TE NE LLE , Is lei de Ar ruda . Pós -mo de rnid ade : tra balho e c ons um o . São Paulo: C eng age Lear ning , 20 08, p. 6 2-6 3. 202 C A S TELL S, Man uel. A e ra da i nfo rma ção : ec o nom ia , s oc ied ade e c ul tu ra. V. 1. Tr aduç ão Ronei de V enânc i o Maje r; a tuali z aç ão pa ra 6 ª ediç ão: J us s ara S im ões . Sã o P aulo : Pa z e Te rra , 20 08, p. 316 . 203 O R G A NIS TA , J os é He nriq ue Ca r val ho. O deb ate s ob re a cen tr ali dade do tr abalho. S ão Paul o: Edi tora E xp res s ão P opula r, 2006 , p . 169 e 172. 92 O tempo está intimamente ligado ao lazer, pois para exercê-lo é necessário ter tempo livre. Estudos sobre o lazer analisam o tempo de trabalho, entendendo que essa atividade se exerce no tempo de não trabalho, relacionando dessa maneira a história do trabalho a do lazer. Também a análise do tempo revela a compreensão das sociedades e seus modos de vida, no dizer de Norbert Elias ( ...) ao ex am inarm os os pr oblem as r elativos ao tem po, apr endem os s obr e os hom ens e s obr e nós m esm os m uitas c ois as que antes não disc er níam os c om c lareza. Pr oblem as que dizem r es peito à s oc iologia e, em term os gerais, às c iênc ias hum anas, que as teor ias dom inantes não perm itiam 204 apr eender , tornam -se ac ess íveis . O significado do tempo sofreu grande alteração a partir da revolução industrial, pois nasceu ali a necessidade de sua maior sincronização e controle. Antes deste período, os homens possuíam maior autonomia sobre seu tempo. O homem do campo orientava seu tempo pelo ritmo da natureza, rotação da Terra em relação ao Sol, pela mudança das estações, ou pelo canto do galo. Já na sociedade industrial, o tempo começou a ser medido pelo dinheiro, pois quanto mais se produzia mais dinheiro se ganhava. Assim, o capitalista não se caracteriza apenas pela posse de bens, mas pelo controle do tempo dos trabalhadores. Nesse período nasceram a regulação do tempo, a divisão do trabalho e a disciplina do tempo de trabalho. 205 O relógio é instrumento de medição e controle do tempo que representa fator importante nas alterações de costumes da sociedade. O relógio mecânico foi inventado por Giovanni di Dondi, na Idade Média, século XIV, na Europa ocidental, representando grande cume 204 E LI AS, Nor ber t. So br e o tem po. Trad . Ver a Ribe ir o. Ri o d e J a nei ro: J or ge Zah ar Editor, 19 98, p. 7. 205 P A DIL HA , Va lquí ria. Sh opp ing B oitem po, 2006 , p . 14 6-147 . ce nte r : a c at edra l das m erc ador ias . São Paulo: 93 tecnológico da revolução industrial 206 , pois até aquele momento a Europa ocidental poss uía um duplo s is tem a de hor as : as horas tem por ár ias e as hor as canônic as , em núm er o de 7. As hor as c anônic as r egulavam a vida m onás tic a. Num c onvento, o s ino dos ofíc ios ( as horas) tocava 7 ve zes em 24 hor as . Em quas e todos os países da Eur opa o dia es tava dividido em 2 vezes 207 12 hor as . A partir de 1344, as principais torres das principais cidades européias possuíam um relógio mecânico. Em 1370, Carlos V, por decreto, unificou as horas reais e as da igreja em Paris. O relógio passou a ser parte da paisagem urbana, nas torres ligadas ao centro do comércio ou em igrejas, revelando sua importância para a sociedade, e principalmente para marcar a hora de entrada e saída do trabalho. 208 Mas, até o ano de 1658, com o surgimento do pêndulo, os relógios mecânicos conviveram com os relógios de Sol dada sua precisão duvidosa. Os relógios de parede foram difundidos por volta de 1660. Sobre o relógio, Norbert Elias se manifesta Podem os legitim am ente af irm ar que o r elógio indic a o tem po, m as ele o f az atr avés de um a pr oduç ão c ontinua de s ím bolos que s ó têm s ignif ic ação num m undo em c inc o dim ensões , num m undo habitado por hom ens (...). O m ecanism o do r elógio é organizado par a que ele tr ansm ita m ens agens e, c om iss o, perm ita r egular os c om portam entos do gr upo. O que um r elógio c omunic a, por interm édio dos sím bolos inscr itos em s eu m os trador, c ons titui aquilo a que c ham am os tem po. Ao olhar o r elógio, s ei que s ão tantas ou quantas hor as , não apenas par a m im , m as par a o c onj unto da 209 s oc iedade a que pertenç o. Em comunidades pequenas de agricultores é possível não depender do tempo do relógio como os antigos camponeses faziam, e 206 P IS TO R I, Gers o n Lac e rda . H ist ór ia do d ir eit o do tr abal ho : um bre v e olh ar s obre a id ade m édia. S ão Paulo : L Tr, 200 7, p . 1 14. 207 I bidem , m es m a pági na. 208 I bid. , p . 115 . 209 E LI AS, Nor ber t. So br e o tem po. Trad . Ver a Ribe ir o. Ri o d e J a nei ro: J or ge Zah ar Editor, 19 98, p. 16. 94 orientar-se pelas ocupações, atividades ou afazeres. Também é possível não dissociar o tempo livre do trabalho, pois em algumas comunidades rurais os momentos “de lazer podem ser também os de trabalho, e o trabalho em si oportunidade para o divertimento” 210, como afirma Valquíria Padilha O uvi de um ex ec utivo que dir ige um a em pr esa de ex por taç ão em Dij on, na r egião da Bour gogne, na F r anç a, r ec onhec ida pelos bons vinhos , a seguinte his tór ia: ele c onhec e um c as al que produz vinho e todo ano c onta c om os am igos e f am iliares par a o per íodo de c olheita de uvas e pr epar aç ão do vinho. Ele r es er va alguns fins de s em ana par a aj udar s eus am igos e liter almente “ põe a m ão na mass a” , c olhendo as uvas . Clar o que ess es dias de c olheita ( réc olte) s ão dias de f es ta e não s ó de tr abalho. Ele não r ec ebe em dinheiro o pagam ento da r éc olte, m as ganha algumas garr afas de exc elente vinho, f eito c om as uvas c olhidas por ele. Até hoje tam bém , na Fr anç a, o c alendár io esc olar das c idades bas eia-s e no per íodo de c olheitas das plantaç ões f eitas no c am po. Os f r anceses c ontam que há um a tr adiç ão de es tudantes apr oveitarem as f ér ias par a trabalhar nas c olheitas , pr inc ipalm ente de uvas . Por is so as f ér ias de ver ão c om eç am em metade de j unho e s eguem até m etade de s etem bro. São tr ês m es es de f ér ias esc olar es bas eados num a tr adiç ão de us o dess e tem po par a aj udar a engross ar a 211 m ão- de- obr a no c am po. No século XVIII, o relógio era fabricado de metais caros como ouro ou prata, simbolizando o poder dos empregadores e pessoas com poder aquisitivo alto. O desenvolvimento industrial trouxe a sincronização das tarefas e o início da popularização do relógio. Nesse momento, os chefes das fábricas também possuíam os relógios para controlar o tempo dos empregados. Surge com o desenvolvimento do capitalismo o período mercantilista e com ele a ética puritana, propagando o valor supremo do tempo e condenando o ócio ou tempo livre, em consequência o exercício do lazer, pois perder tempo era considerado um pecado. 210 P A DIL HA , Va lquí ria. Sh opp ing B oitem po, 2006 , p . 14 9. 211 Ibidem , m es m a pá gina. ce nte r : a c at edra l das m erc ador ias . São Paulo: 95 A valorização da atividade e a exaltação do trabalho foi imposta pelo iluminismo no final do século XVIII. O ócio foi condenado a partir de então e principalmente no século XIX. Exemplo dessa assertiva é a preguiça imposta dentre os sete pecados capitais pela Igreja católica. Os médicos, por sua vez, alertavam que o ócio, o tédio e a desocupação provocavam cansaço cerebral fazendo mal à saúde do homem. Em flagrante contrapartida, ao burguês o tempo livre para dispor no que escolhesse era fundamental para seu desenvolvimento enquanto ser humano, buscando no lazer ponto essencial para sua formação, criação e alegrias. A redução da jornada de trabalho de quinze ou doze horas diárias foi objeto de grandes lutas operárias nos séculos XIX e XX e o tempo livre é conquista dos trabalhadores. Todavia, isso não representa mudança significativa na humanização do tempo e do trabalho. Muitos trabalhadores permaneceram com programas de atividades e repouso regulados cronometricamente, objetivando a conservação do comportamento produtivo. 212 A tecnologia digital alterou profundamente os limites entre o tempo de trabalho e o tempo livre, a exemplo, o uso do blackberry pelos trabalhadores que agrega serviços de e-mail, internet e celular, unindo, inclusive, o trabalho ao lar, e a outras atividades como o lazer. 213 212 C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 164 . 213 A s tr ans fo rm aç ões no m un do do tra balho alte ram a l egis laç ão, c om o a lei n º 12.551/11 qu e a lte rou o arti go 6 º da C L T, que pas s a a s egui nte re daç ão : “Nã o s e dis tingu e en tr e o trab alho reali z ado no es tabel ec im ent o do em pr egad or, o e xec u tado n o dom ic ílio do em p reg ado e o re ali zad o a dis tânc ia, des de q ue es tej am c arac t eri za dos os p res s up os tos da relaç ão de em preg o. P arág ra fo únic o . Os m ei os tel em átic os e in form ati za dos d e c om an do, c ont role e s u per v is ão s e eq uipa ram , pa ra fins de s ub ord inaç ão jur ídic a , aos m eios pes s oais e dir et os de c om ando , c on trole e s upe r vis ão do t rabal ho a lheio .” 96 Essa implementação tecnológica não trouxe apenas essa transformação ao mundo do trabalho, implementou a exploração de atividades atreladas à informação, deixando aquelas ligadas à transformação da matéria em segundo plano na ordem econômica. Nasce desse novo comportamento um paradoxo: o clamor pela redução da jornada de trabalho e a competitividade entre as empresas exigindo dos trabalhadores maiores esforços para o crescimento da produtividade, em consequência, a ocupação do tempo de não trabalho pela força produtiva. Em 1936, o complemento da Declaração dos Direitos do Homem prescrevia em seu artigo 4º O dir eito à vida c om por ta: a) O dir eito a um trabalho r eduzido o bastante par a deix ar lazer es s uf ic ientem ente r em uner ados, a f im de que todos poss am par tic ipar am plam ente do bem -es tar que os progress os da c iênc ia e da téc nic a tor nam c ada vez m ais ac ess íveis e que um a r epar tiç ão equitativa deve e pode gar antir a todos ; b) O dir eito ao pleno c ultivo intelec tual, m oral, artís tic o e téc nic o das fac uldades de c ada um ( ...) No título em que nossa Constituição da República trata dos direitos e garantias fundamentais, quando o capítulo dos direitos sociais assegura no artigo 6º, dentre outros – educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados -, o direito ao lazer. No artigo 7º, inciso IV, ao determinar que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, inclui o constituinte dentre essas o lazer. O § 3º do artigo 217 determina que o Estado incentive o lazer como forma de promoção social. Já o artigo 227 assegura o lazer, dentre outros direitos, à criança e ao adolescente, como dever da família, da sociedade e do Estado, seguido pelos artigos 4º, 59, 71, 94 e 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei do Desporto, o Estatuto do Idoso também contemplam o direito ao lazer. 97 Espinha dorsal de nosso ordenamento constitucional é o princípio da dignidade da pessoa humana, irradiando esse valor-fonte para toda a ordem jurídica, abrangendo em seu raio de atuação, inclusive, o direito do trabalho. E, nesse rastro, a incidência dos direitos fundamentais sobre os direitos entre particulares, inclusive, a tutela do direito ao lazer também como elemento dotado de força para o pleno desenvolvimento do homem. Também no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal, encontra-se tutelado o direito à inviolabilidade da vida privada das pessoas, a honra e a imagem, alcançando o trabalhador na relação de trabalho subordinado. A violação do direito do empregado à vida privada pode ocorrer de formas variadas, a exemplo de anotações indevidas e desabonadoras à conduta do empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social. Ainda, considerando que a pessoa humana necessita de tempo livre, ou tempo de não trabalho, para afirmação dos direitos fundamentais individuais da intimidade e da vida privada, bem como para repousar, conviver com personalidade, desenvolver a família, desponta sua isto o é, formação, participação desenvolver caráter fundamental social, plenamente da limitação sua da duração do trabalho nas relações de emprego, vinculando essa assertiva ao direito social ao lazer previsto no artigo 6º da Constituição Federal. Na opinião de Robert Kurz, o caráter da estrutura trabalho e lazer, neste momento de sociedade pós-moderna, está para implodir, pois encontra-se no limite do possível, já que todos os tempos da vida humana como o trabalho, o consumo e a vida pessoal englobam-se no trabalho, transformando o lazer como atitude mecânica. Afirma que Par a o indivíduo pós-m oder no novamente c oinc idem tr abalho, c ons um o e vida íntim a, por ém não pela elim inação 98 do tr abalho abs tr ato, e s im pela totalizaç ão do m esm o: o es paç o func ional abs trato f oi inter ior izado e agor a pr eenche a totalidade da perc epç ão. T udo agor a s e tr ansform ou em tr abalho, independente de s ua validade econôm ic a r eal. A quas e- ec onom izaç ão da alm a, da per sonalidade e até m esm o da s ex ualidade não m ais deix a es paç o par a o r elax am ento e o descans o. Os pós-m oder nos , c ons um idor es de s eu pr ópr io c apital hum ano, tr abalham inc ess antem ente em s ua biogr afia, abr angendo todas as fac etas da vida. Seu s upos to hedonism o é um hedonism o mec ânic o de alto des em penho que os im puls iona tanto quanto o fazem as ex igênc ias do tr abalho. Até m esm o o s upos to lazer encontr as e c ada vez m ais c ontam inado pela conc or rênc ia total. As pess oas , pr inc ipalm ente hom ens , j á totalm ente es gotadas e desm or alizadas pela am eaça perm anente da concorr ênc ia, r eunindo suas últim as f orç as , arr as tam -s e par a um es porte de pr es tígio e s im ulam c om petênc ia hedonístic a c om a f inalidade de dem ons tr ar em a s i pr ópr ios que ainda 214 ex is tem . Analisando os meios de comunicação de massa, a industrialização e a urbanização como fatores influentes a uniformizar comportamentos de lazer como elemento símbolo cultural de massa, somando-se ao fato de que o nível do conteúdo de produções culturais para consumo rápido não é o razoável para a pessoa humana. Isso somado às barreiras socioeconômicas e baixo nível educacional, conduzem a uma homogeneização da produção cultural, nivelando-a por baixo, refletindo em construção de atividades ditas de lazer apenas para serem consumidas e alimentar a alienação do trabalho. 215 O lazer deve ser visto como fato que transcende simples consumo e a alienação do trabalho. Não se pode exaltar o lazer apenas como exercício de atividades no tempo livre do trabalho. Deve-se buscar no tempo livre do trabalho atividades que conduzam à verdadeira felicidade. 214 K U RZ , Robe rt. A dita dura do tem po abs t rat o. In: L az e r n uma soc ieda de g lo bal iz ada . p . 39/46 São P aulo : SE S C: W orld Le is ure , 200 0, p. 45 -46 a pud C HE MI N , Be atris F ranc is c a. Con st itu ição e l az er : um a pe rs pec ti va do t em po l i vre na vid a do ( tr abalh ador ) b ras il eir o. C ur itiba : J u ruá Edi to ra, 20 05, p. 165. 215 C H E MI N, Bea tris F ranc is c a . Cons ti tui ção e l az er: um a pers pec ti v a do tem po li v re n a v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 165 -166 . 99 Domenico De Masi enfatiza que muitos sabem trabalhar, mas não sabem o que fazer com seu tempo livre do trabalho, concluindo que O tem po livre é difíc il de s er adm inis tr ado por que ainda não ex is te um m odelo de vida e de s oc iedade que s e bas eie no tem po livre. T odos os m odelos oc identais de vida e de s oc iedade bas eiam -se no tem po de tr abalho ... par a um novo m odelo de vida bas eado no lazer é nec ess ár io r edistr ibuir o tr abalho, a r iqueza, o poder e, s obr etudo, r edis tr ibuir o 216 s aber , pois o tem po livr e é f eito de s aber . Conclui-se que, apenas a redução da jornada de trabalho não é suficiente para tornar o tempo livre do trabalho objeto ao exercício do lazer. É necessário, além da redução da jornada de trabalho, qualificar e humanizar os tempos de trabalho, bem como criar novas vagas de trabalho adequadamente remunerado, e preparar o homem para o tempo de não trabalho. Uma preparação para o exercício do lazer, demonstrando a importância desse lazer como atitude, estilo, qualidade de vida e desenvolvimento pessoal. 217 2.4.1 A regulação organização do capitalista tempo produtiva de – trabalho de Marx na à superação do binômio pós-fordismo A regulação do tempo sempre foi objeto de estudo dos filósofos e resultado de controvérsias em diferentes níveis. A análise da evolução histórica da sociedade demonstra como os valores sociais se refletem no tempo de trabalho que é dominante a partir de 216 D E MA S I, Dom en ic o. Pe rs pec t i vas pa ra o tra bal ho e o tem po li vr e. In : Laz e r numa s ocie dade g lob aliz ada. p. 1 21/1 37 Sã o Paul o: S ES C: W orld Leis u re, 20 00, p . 136 ap ud CH E MI N, Bea tris F ranc is c a. Con sti tu ição e laz e r : um a pe rs pec tiv a do tem po li v re na vi da do ( tra balhado r) br as ilei ro. C uri tiba: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 168 . 217 C H E MI N, Be atr is Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers pec ti va do tem p o li v re na v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 169 -170 . 100 determinado momento histórico, deixando outras atividades ao seu entorno. Anote-se, primeiramente, que tempo de trabalho não se confunde com jornada de trabalho, pois o primeiro possui uma dimensão social ampla e complexa contando com vários elementos como a “invasão do capital na esfera privada, distribuição, duração e a intensidade do trabalho.” bem 218 como a Enquanto jornada de trabalho 219 é todo o tem po dur ante o qual o tr abalhador estej a à dis pos iç ão do em pr egador, não podendo dis por de sua atividade em benefíc io pr ópr io, de m odo que integr am tal j or nada os per íodos de inatividade a que obr igue a pr es taç ão c ontr atada, c om exc lus ão dos que s e pr oduzam por dec is ão 220 unilater al do tr abalhador ( ar t. 197 CLT ). No período anteriormente 221, foi industrial, colocado quando nas o praças relógio, centrais, como visto alterou-se substancialmente o tempo social, impondo-se novos hábitos e nova disciplina de trabalho e do tempo, em que os “trabalhadores passam a experimentar uma distinção entre o tempo do empregador e o próprio tempo.” 222 Nesse período, houve um aumento gradual da jornada de trabalho, a perda do tempo livre e do lazer. 218 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . L Tr, 200 5, p. 52. 219 H om e ro B atis t a Mat heus d a Si l va ao tra ta r do tem a , abo rdan do o Cap ítulo II, do Título I I, da Co ns olid aç ão das Leis do Trabal ho, denom i nado D a Du raç ão do Trabal ho in C u rso de di rei to do tr ab alh o ap lica do, vo l. 2 : J o rnad as e pau sas, R io de J a neiro: E ls e vie r, 200 9, p. 5, ano ta inic ia lm ent e q ue “a pal a vra jo rnad a p ro vém do idiom a f ranc ês , em que a p ala vr a jou r s igni fic a dia , há qu em ente nda in apro priad o o us o da e xp res s ã o “jo rnad a s em an al” , por s e r c onf litan te, as s im c om o ”jo rnad a diá ria ”, po r s er pl eonás tic a. L ogo, de v eria s e res e r var a pa la vr a jo rnad a apen as para o m ód ulo diá rio . C om o o c apí tulo em ques tão tr ata de di v ers os m ód ulos , c om o o di ário e o s em an al, as s im c om o a barc a paus as de ntr o da jor nada e no m ei o d e duas jo rnad as , a e xp res s ão D ur aç ão do Trab alho es tá m ais s i nton i zada c om es s e alc a nc e e m er ec e elo gios . ” 220 B U EN , N és to r de. Co ord . J or nada de t ra balh o e d escan sos rem une rad os : pers pec tiva ib ero -am e ric ana . São Paul o: L Tr , 19 96, p. 30. 221 222 N o item 2.4 A re gulaç ã o do t em po, es pec ialm en te nas págin as 95 a 9 9. MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 5 4. 101 Karl Marx analisou a evolução da jornada de trabalho durante a produção capitalista, pontuando o aumento do horário de trabalho, bem como a diminuição após os movimentos operários. Para ele, o tempo de trabalho é componente de valor, pois o preço da mercadoria colocada à disposição dos consumidores reflete o tempo de trabalho necessário para sua produção e colocação no mercado. Ainda, entende o tempo de trabalho como o elemento central no modo de produção capitalista. 223 Para este pensador, a duração do tempo de trabalho “é constituída pela soma do trabalho necessário e do trabalho excedente, ou seja, do tempo em que o trabalhador reproduz o valor de sua força de trabalho e do tempo em que produz a mais-valia.” 224 No contexto marxista, a jornada de trabalho é uma realidade variável, dependente das relações estabelecidas entre a empresa e os trabalhadores. Tal pensamento coloca a duração da jornada de trabalho sob um aspecto político subsumido às relações entre esses atores sociais. Para a teoria marxista, há dois componentes visíveis no tempo de trabalho, o trabalho necessário e o trabalho excedente. O trabalho necessário equivale ao número de horas suficientes para repor a força de trabalho dispendida na produção. Quanto ao trabalho excedente, denominado também de sobretrabalho ou mais-valia 225 é aquele destinado aos proprietários dos meios de produção. Gabriel Deville em tradução condensada da obra de Marx afirma 223 MA R X, K a rl. O c api tal : c rí tic a da ec onom i a pol ític a . L i vro 1 V. 1 Rio de J aneiro: C i vili z aç ão bras i leir a, 2002 , p . 61 . 224 225 I bidem , p. 266 . A nalis ando o as s un to, Ch ris ti an Ma rc e llo Mañas , In Te mpo e t ra balh o : a tu tela jurídic a do tem po d e t rab alho e tem p o li v re, S ão Paul o: LTr , 2005 , p . 6 0, adu z que “ Par a Ma r x, o t raba lho é a ún ic a a tiv id ade q ue c ria val or , s e ndo q ue o c apit alis t a aum e nta a qu anti dade de v alor g erad a pelo t rab alho de s eus em p reg ados po r m eio da m ais - vali a, qu e é prod u zida de d uas fo rm as : a m ais - vali a abs olut a, que im p lic a na e xt ens ão d a jo rnad a de tra balho , m an tend o ou a um ent ando a int ens ida de de traba lho, ou no aum ento d a inte ns idad e do trab alho , m ante ndo ou aum enta ndo a jo rnad a; a m a is - val ia r elat i va im p lic a na d im inuiç ão d a jo rnad a, c om o aum ento da inte ns ific aç ão do tra balho .” 102 O c apitalista não inventou o s obr etr abalho. Mas , com o um a par te da s oc iedade poss ui o m onopólio dos m eios de pr oduç ão, o tr abalhador , livr e ou não, es tá obr igado a adic ionar ao tem po de tr abalho nec ess ário par a o s eu pr ópr io equilíbr io um ex cess o destinado a s ubm inis tr ar a s ubs is tênc ia do que poss ui os m eios de produç ão. Im porta pouc o que ess e pr opr ietár io sej a dono de esc ravos, s enhor f eudal ou c apitalista. Sem dúvida, des de que a f orm a ec onôm ic a de um a s oc iedade s ej a tal que nela s e c ons idere m elhor a utilidade de um a coisa que a quantidade de our o ou pr ata por que pode trocar-s e, noutr os term os , o valor de us o m elhor que o valor de tr oc a, o sobr etr abalho encontr a um lim ite na s atisfação de necess idades determ inadas . Pelo c ontr ár io, quando dom ina o valor de tr oc a, c hega a s er lei f azer 226 tr abalhar todo o poss ível. Marx afirma que o alongamento da jornada de trabalho se deu desde o século XIV até a metade do século XVII, quando se suspendeu a proibição de trabalho em feriados religiosos na Idade Média e o consequente aumento do número de horas diárias trabalhadas durante a Revolução Industrial. Esse aumento do número de horas da jornada de trabalho se deu porque o capital pensa, para a teoria marxista, unicamente na formação do sobrevalor, sequer se preocupa com a saúde, com a vida do trabalhador, ou com as atividades regulares ou desenvolvimento físico e moral deste. Daí o clamor do operariado pela redução da jornada de trabalho, apresentando-se na história do capitalismo como uma luta de classes objetivando a diminuição do tempo à disposição do trabalho. Para a teoria marxista, a redução da jornada de trabalho é um processo contínuo e necessário na busca da emancipação humana e livre desenvolvimento individual e coletivo, como assevera F ica des de logo c lar o que o tr abalhador, durante toda a s ua ex is tênc ia, nada m ais é que f or ça de tr abalho, que todo s eu tem po dis ponível é, por natureza e por lei, tem po de tr abalho, a s er em pr egado no pr ópr io aumento do c apital. 226 MA R X, K arl . O cap ita l. Tr aduç ão e c o ndens aç ão Ga bri el D e ville . 3ª ed . Sã o Paulo: E dip ro, 2008 , p . 10 2. 103 Não tem qualquer s entido o tem po par a educ aç ão, par a o des envolvim ento intelec tual, par a preenc her funç ões soc iais, par a o c onvívio s oc ial, para o livr e ex erc íc io das forç as fís ic as e es pir ituais , par a o desc ans o dominic al [...]. Mas, em seu im puls o c ego, desm edido, em sua vor ac idade por tr abalho ex cedente, viola o c apital os lim ites ex tr em os, fís ic os e m or ais , da j ornada de trabalho. Usurpa o tem po que deve pertenc er ao cresc im ento, ao des envolvim ento e à s aúde do c or po. Rouba o tem po necess ár io par a s e r es pir ar ar puro e abs or ver a luz do s ol. Com pr im e o tem po destinado às r ef eiç ões par a inc or por á- lo, s em pr e que possível, ao 227 pr ópr io pr oc ess o de produç ão. Influenciados pela teoria marxista, “a redução da jornada de trabalho foi uma das primeiras reivindicações das lutas operárias, (...) constituindo marco inicial do próprio direito do trabalho.” 228 Além de fundamentos sociais, como a convivência familiar, o exercício do lazer, o desenvolvimento intelectual refletido pela dedicação aos estudos, há fundamentos biológicos e econômicos que tornaram necessária a diminuição das horas destinadas ao trabalho. A necessária imposição de limites à duração do trabalho também atentou para a exploração física buscando a proteção da saúde física e mental do trabalhador. 229 Nesse período, os trabalhadores se organizaram em sindicatos, iniciando greves reprimidas pelos empregadores e pelo Estado 230, culminando com a Primavera dos Povos que consistiu em diversas revoluções espalhadas pelos estados alemães, italianos, bem como na Hungria, República Tcheca, Áustria e de forma mais intensa na 227 MA R X, K a rl. O c api tal : c rí tic a da ec onom i a pol ític a . L i vro 1 V. 1 Rio de J aneiro: C i vili z aç ão bras i leir a, 2002 , p . 30 6. 228 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre , São Paul o: L Tr, 200 5, p . 6 5. 229 I bidem , p. 66. 230 P ara Fabio Kond er Com pa rat o, in A af irm ação h ist ór ica d os di re ito s h uman os. 6ª ed ., re v . e a tual . São P aulo : Sa rai va, 20 08, p. 54 , “ O rec on hec im en to dos di reitos hum anos de c ará ter ec on ôm ic o e s oc i al fo i o p rinc ip al ben efíc i o que a h um anid ade r ec olh eu d o m o v im ent o s oc i alis ta , inic iad o n a p rim e ira m et ade do s éc ulo XI X. O titul ar des s es di rei tos , c om e fei to, não é o s e r hum ano abs tra to, c om o qua l o c apitalis m o s em p re c on v i veu m ar a vilhos am ent e. É o c o njunto dos g rup os s oc iais es m ag ados pel a m is é ria , a do enç a, a fom e e a m a rgina li zaç ão . O s s oc i alis tas perc ebe ram , des de logo, qu e es s es fla gelos s oc iais não eram c atac lis m os d a na tur e za n em ef eitos nec es s á rios da o rgani z aç ão rac i onal d as ati vid ades ec onôm ic as , m as s im v erda dei ros dej etos do s is tem a c apita lis ta de pr oduç ã o, c uja l ógic a c ons is te em at rib uir aos bens de c apital um valo r m ui to s u peri or ao das pes s oas .” 104 França, em 1848, objetivando a conquista de direitos políticos e sociais. 231 Alessandro da Silva anota a autoria de Robert Owen, um dos primeiros a reduzir a extenuante e degradante jornada de trabalho que se impunha aos trabalhadores dessa época Um dos pr im eir os a envidar em esf orç os visando a lim itaç ão da j or nada de tr abalho f oi Robert O wen, soc ialis ta utópic o que r eduziu a j or nada par a dez hor as e m eia em s ua f ábr ic a de f ios na Esc óc ia o que, c om binado c om outr as aç ões ass is tenc iais , elevou a pr odutividade. Foi O wen quem pr es idiu as pr im eir as tr ade- unions , entidades que r euniram os s indic atos ingles es no iníc io do s éc ulo X IX, e que em 1818 f ez pr opos ta até então inédita ao Congr ess o Aix - laChapelle, “c onvidando os G over nos da Eur opa a es tabelecer 232 um lim ite legal inter nac ional da j or nada de trabalho.” A concretização do resultado desse movimento para diminuição da jornada de trabalho se deu em 1847 no Parlamento Inglês que aprovou o limite da jornada em dez horas. Em 1848 a França limitou a jornada de dez horas em Paris e onze nas províncias, aumentando para doze no ano seguinte. 233 Na Austrália, em 1856, uma conferência entre empregados e empregadores determinou a jornada de trabalho de oito horas diárias, mas apenas em 1901 essa prática foi regulada oficialmente. Em seguida, em 1868 foi aprovada nos Estados Unidos a mesma jornada de oito horas para os servidores federais. 234 Em 1905, determinada escola socialista pregava a doutrina do “três-oito”. Os adeptos dessa doutrina entendiam que o dia deveria ser dividido em três partes: oito horas de sono, oito horas de trabalho e oito horas de lazer. Na ocasião, os capitalistas já haviam concluído 231 S IL VA, Ales s and ro da . D ur aç ão d o tr abalh o: rec ons truç ão à l u z dos d irei tos hum anos . I n: SIL VA, Ales s and ro da ; S O U TO, J org e Lui z Ma i or; FE LI PP E, Kenar ik Bo ujik ia n; S E ME R , Ma rc elo [c oo rd. ]. Di re ito s h uma nos : es s ê nc ia do dire ito do t raba lho. S ão P aulo : L Tr, 200 7, p . 2 30. 232 I bidem , p. 232 . 233 I bid. , p . 233 . 234 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 6 6-67 . 105 que as jornadas extensas diminuíam a produtividade e qualidade do trabalho. Somando esses elementos, e os movimentos operários, ao avanço tecnológico, a redução da jornada para oito horas diárias foi consequência palpável. A Organização Internacional do Trabalho – OIT, criada em 1919, aprovou em sua primeira conferência a Convenção nº 1, de 1919, limitando a jornada de trabalho na indústria para oito mundiais. horas, configurando marco decisório com reflexos 235 Como anota Alessandro da Silva, somente em 1891 o Brasil tratou de limitar a jornada de trabalho com o Decreto n. 1313, de 17 de janeiro, determinando Ar t. 4º Os m enor es do s ex o f em inino de 12 a 15 anos e os do s ex o m asc ulino de 12 a 14 s ó poderão tr abalhar no m áx im o s ete hor as por dia, não c ons ec utivas , de m odo que nunc a ex ceda de quatr o hor as o tr abalho continuo, e os do s ex o m as culino de 14 a 15 annos até nove hor as , nas m esm as c ondiç ões . Dos adm ittidos ao apr endizado nas f abr ic as de tec idos s ó poder ão occ upar-s e dur ante tres hor as os de 8 a 10 anos de idade, e dur ante quatro hor as os de 10 a 12 annos , devendo para am bas as c lass es s er o tem po de tr abalho interr om pido por m eia hor a no pr im eir o 236 c as o e por um a hor a no s egundo. Mas, o modo de produção capitalista requer permanente renovação de suas técnicas produtivas, objetivando produzir mais e melhores produtos em menor tempo. Assim, foi Henry Ford, em 1913, o primeiro a modificar a organização do trabalho em sua indústria de automóveis, criando um sistema de fabricação em larga escala, que 235 MA N Ã S , Chr is tia n Ma rc ell o. Temp o e t ra bal ho : a tut ela jur ídic a do tem po de t raba lho e t em po li vr e. São P aulo : L Tr, 2005 , p . 6 6-6 7. E m 19 30 a Con v enç ão n º 30 ditou a jo rnad a de oito ho ras pa ra o c om é rc io e es c r itó rios , pe rm it indo a pr or rogaç ão, a dis tri buiç ão d as hor as de form a d ife renc ia da nos di as da s em an a e a lim i taç ão do t raba lho diár io p ara de z ho ras . Q uan to a C on venç ão n º 4 7, d e 19 35, não r ati fic ada pelo B ras i l, t rat a da jorn ada s em a nal d e qua ren ta ho ras s em anais , jus tific a da pe lo c om b ate ao des em p rego . S alien te-s e, a inda, que o di reito do tr abalh o foi c ons t ruí do s obre es tes pa tam a res , pois o t raba lha dor nec es s i ta va que o E s tad o lhe ef eti vas s e p ro teç ão . 236 S IL VA, Ales s and ro da . D ur aç ão d o tr abalh o: rec ons truç ão à l u z dos d irei tos hum anos . I n: SIL VA , Al es s and ro da ; MA I OR , J o rge L ui z S ou to; FEL IP PE , K enar ik B oujik i an; S E ME R , Ma rc elo [c oo rd. ]. Di re ito s h uman os : es s ê nc ia do di rei to d o t raba lho. São P aulo : L Tr, 200 7, p . 2 34. 106 alterou não só a maneira de produzir, mas, especialmente, o modo de pensar, de viver do homem. Isso porque, antes desse sistema de produção, a organização tradicional do trabalho era “dispersiva, pachorrenta, errática, intuitiva e empírica”, inviabilizando a produção escalonada. Com o novo sistema, buscava-se a produção racionalizada, com “programação, regularidade, método e disciplina – chocando-se frontalmente com as inclinações de uma população ainda não condicionada para isso.” 237 Alguns pontos merecem destaque para compreensão do sistema de produção fordista, a seguir delineados. Ford implementou a produção em massa de produtos estandartizados por meio de uma linha de montagem. Propôs com esse método a inversão de fluxos no interior dos processos de fabricação de automóveis. Assim, o trabalhador permanece fixo em seu posto de trabalho e é abastecido por meio de uma esteira rolante ou mecanismo semelhante. Desta forma, o trabalhador se concentra exclusivamente pouquíssimos em sua movimentos. tarefa, que Eleva-se deverá o ganho ser de composta de produtividade, conquistando Ford a fabricação de 15 milhões de automóveis entre 1908 e 1926, despontando o veículo automotor como produto de consumo de massa. Também, 238 esse sistema determinava a verticalização dos negócios, ou seja, a empresa deveria ter o controle absoluto desde as matérias-primas até a distribuição. Henri Ford chegou, inclusive, a comprar plantações de seringueiras para a fabricação de pneus, e, frota de navios para o transporte da produção de suas empresas. 237 238 B R O M, L ui z Gu ilhe rm e. A cr ise da m ode rni dade p ela le nte do t ra bal ho: pe rc epç ões loc ais d os p roc es s os gl obais . S ão Paul o: Sar ai va, 200 6, p. 2 0- 21. Ibidem , p . 24 . as 107 Esse sistema foi retratado na obra crítica de Charles Chaplin, em 1936, em Tempos Modernos (Modern Times), onde o personagem Carlitos sofre uma crise nervosa por trabalhar como um autômato numa linha de produção industrial. O filme descreve o homemmáquina, o controle do tempo pela fábrica, as linhas de montagem, a organização racional do trabalho e a desumanização do trabalho. O fordismo exigia pouca habilidade, pois o trabalho era puramente rotinizado. O trabalhador não tinha qualquer controle sobre o projeto, desconhecendo o ritmo e a organização do processo produtivo. Desconhecia muitas vezes o trabalho do empregado ao seu lado. O sistema Frederick fordista Taylor, teve engenheiro grande e influência administrador nas ideias de que tinha na simplicidade e repetição da produção o futuro do trabalho, com maior rendimento e administração eficácia, científica, denominado com o por objetivo ele de de princípios romper com da a administração empírica. Mañas define o taylorismo como um s is tem a de or ganizaç ão do tr abalho, es pec ialm ente industr ial, bas eado na s epar aç ão das f unç ões de c oncepç ão e planej am ento das funç ões de ex ec uç ão, na fr agm entaç ão e na espec ializaç ão das tar efas , no c ontr ole de tem pos e 239 m ovim entos e na r em uner aç ão por des em penho. Taylor analisou o limite físico do trabalho humano no ensejo de extrair o máximo de energias do trabalhador, por meio da lei da fadiga. Justificava ser do interesse industrial americano, porquanto de interesse ter um grupo de trabalhadores afinados, vendo-os como máquinas que não poderiam ser desmontadas de forma constante. Esse método de disciplina e organização idealizado por Taylor foi bem difundido na Itália fascista e na Alemanha nazista, como 239 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 7 1. 108 teoria política, buscando o enriquecimento daqueles países. Nesse período, desenvolveu-se o denominado dopo lavoro que nada mais era do que uma taylorização do lazer dos operários, em que incentivavase a empresa a propiciar a seus empregados atividades esportivas e artísticas, objetivando despertar em seus trabalhadores sentimentos de disciplina. 240 Na Alemanha s eduzida pelo taylor is m o, pr inc ipalm ente pela ex altaç ão da téc nic a, da pr odutividade e da r ac ionalizaç ão do tr abalho. Pr eoc upado em es tabelec er um a es tétic a s im bólic a do tr abalho, o nazism o ins tituiu pr ogr am as de lazer , cham ados ‘A F orç a pela Alegr ia’. Ess e pr oj eto deu gr ande ênf as e à r ef orm ulaç ão dos am bientes de tr abalho, para torna- los m ais agr adáveis, higiênic os, color idos e ilum inados . Ao m esm o tem po tentava-s e c onvenc er os em pr es ár ios de que tais 241 m edidas s upr im ir iam o tradic ional c onflito capital/tr abalho. O fordismo e o taylorismo caminham juntos em diversos sentidos, porém não são idênticos. Mas, enquanto o taylorismo pode ser aplicado em empresas pequenas e médias, o fordismo encontra sua melhor expressão nas grandes indústrias onde se exige a produção de bens padronizados para o consumo de massa. O que se pode afirmar é a consequência do sistema tayloristafordista alienando o operário, pois exercendo suas funções de forma repetitiva perdeu sua autonomia e criatividade. Novo ambiente histórico se avizinhou e o sistema taylorista-fordista encontrou a crise na década de 70, clamando por uma reestruturação produtiva, que segundo Brom foi atribuída pelos seguintes pontos: À r igidez do m odelo for dis ta-k eynes ianis ta, tanto nos c om pr om iss os de inves tim ento em lar ga esc ala e a longo pr azo, quanto nas obr igaç ões c ontratuais de tr abalho e nos dever es do Estado em relaç ão à s egur idade s oc ial. O u s ej a, um s istem a que s ubs iste r azoavelm ente bem enquanto há c r esc im ento es tável de m er cados e de c ons um o, m as desastr os o ao def rontar-s e c om as var iaç ões brusc as e as 240 I bidem , p. 72. 241 I bidem , p. 73. 109 ins tabilidades que ass olam o m undo nas últim as déc adas. À inc apac idade do padr ão ta ylor is ta-for dis ta diante da r etr aç ão de c ons umo, c om o tam bém à queda generalizada da r entabilidade em presar ial des de os anos 1960, à m onopolizaç ão e oligopolizaç ão cr es centes da ec onom ia, à cr is e f isc al do Es tado ( que tor na pr oibitiva a m anutenç ão do welfar e s tate) , à hipertr ofia e à r elativa autonom ia da esfer a financ eira em r elaç ão aos c apitais pr odutivos e ao incr em ento generalizado das pr ivatizaç ões e desr egulamentaç ões de vár ias natur ezas. A dec adênc ia ec onômic a ex plic a-s e c om a cr is e de r entabilidade em presar ial a partir da déc ada de 1960 e c om a pouca m aleabilidade do c om pr om isso f or dis ta c om a ques tão s alar ial. Aum entos gener alizados de pr eç os com vis tas à r ec uper aç ão de m ar gens de lucr o cr iaram um c írc ulo vic ios o que levou a r ac hadur as no s is tem a: aum ento de pr eç os ac om panhados de c om pr ess ão s alar ial caus ar am r eduç ão de m erc ados , queda nas vendas e c ons equente dim inuiç ão de inves tim entos . T al degr adaç ão tam bém afeta ir rem ediavelm ente a capac idade es tatal de m anter as 242 tr ansferênc ias s oc iais s upor tadas por im pos tos . Esse novo cenário global clamava por uma empresa mais leve e ágil com possibilidades de adequar-se à instabilidade e mutação, requerendo flexibilidade. Essas exigências são fruto e consequência da redução dos custos em razão do aumento da produção em escala, a expansão da demanda, a saturação dos mercados e mudanças de padrão que caminhavam para a diversidade e diferenciação de bens de consumo. Surge, então, um novo modelo, que segundo alguns nada mais foi que uma nova roupagem ao antigo modelo. Em verdade, o novo modelo buscou economizar recursos de produção, desenvolver uma organização para produção com menos trabalhadores em locais menores, tornando o trabalho mais flexível. Era necessário um trabalhador mais preparado, maleável e vivenciando a produção. 243 O Japão do pós-guerra se mostrou terreno fértil para o engenheiro Ohno, da Toyota, alcançar a resposta para o aumento da 242 B R O M, L ui z Gu ilhe rm e. A cr ise da m ode rni dade p ela le nte do t ra bal ho: pe rc epç ões loc ais d os p roc es s os gl obais . S ão Paul o: Sar ai va, 200 6, p. 2 9. 243 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 7 5-76 . as 110 produtividade sem o aumento da quantidade, encontrando pilares metodológicos concretos 1. A “f ábr ica m ínim a, c onf igurada a par tir dos es toques c ons ider ados nec ess ár ios em um país de notór ia dif ic uldade de abastec im ento de m atér ias- pr im as . O hno perc ebeu que es toques elevados esc ondiam exc ess o de pes soal, de equipam entos e de cus tos. A m anutenç ão de es toques elevados era algo típic o da c ultur a f or dis ta, c uj a obsess ão era pelo abastec im ento da linha de pr oduç ão. O hno def endia que os es toques dever iam c ons tituir -s e no m ínim o nec ess ár io ao atendim ento do m erc ado, s ubor dinando- o dir etam ente às vendas e não à pr oduç ão. Por ex tens ão, a ideia de “rec urs os m ínim os ”, es senc ial par a se c om pr eender a r ac ionalidade do m odelo j aponês , atingia em c heio o quadro de pes soal. 2. A “ adm inis tr aç ão pelos olhos” , que c ons is tia num a elevaç ão da tr ans par ênc ia nas atividades produtivas , de f orm a a s e poder f lagr ar e s um ar iam ente elim inar todo esforç o supérf luo, des per díc ios, r etr abalhos, r edundânc ias e tudo o m ais que não for im per ativam ente nec ess ár io à entr ega dos pr odutos vendidos. O c ontr ole adm inis tr ativo do m odelo j aponês s obr e o tr abalho r eves te-s e então de gr ande obj etividade: o que é vis to pelos olhos deve f azer 244 s entido inques tionável à lógic a c om erc ial. Esse sistema conduziu ao ganho de produção com a redução do tempo de produção, eliminando tempos mortos. No Brasil, no início da década de 90, a indústria automotiva foi acalentada pela política neoliberal para implementar o modelo japonês. A empresa deveria possuir maior capacidade de ajuste às alterações econômicas com possibilidade de produção variada, estabelecendo relação de parceria com seus fornecedores. 245 Essa nova empresa deveria possuir agilidade e adaptabilidade; pensar no cliente como integrante do mercado mundial; deveria diminuir a hierarquia; desenvolvimento de produtos de curta maturação; diminuir a concentração de pessoal e pagar salários seletivos. 246 Domenico De Masi analisando o sistema 244 B R O M, L ui z Gu ilhe rm e. A cr ise da m ode rni dade p ela le nte do t ra bal ho: pe rc epç ões loc ais d os p roc es s os gl obais . S ão Paul o: Sar ai va, 200 6, p. 3 3. 245 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 7 6. 246 P R O SC U RC IN , Pe dro . O t ra bal ho na ree st ru tu raç ão p ro dut i va : anál is e ju rídic a dos im p ac tos no p os to de traba lho. Sã o Paulo : L Tr, 200 1, p. 4 0. as 111 toyotista ressalta não haver qualquer libertação do trabalho nessa reformulação. Ao contrário, salienta não haver tempo livre, tão pouco redução criativas. de horas da jornada de trabalho, ou atividades III Revolução 247 Nesse contexto, chega-se a denominada Industrial com mudanças nas organizações empresariais, bem como nos padrões globais de qualidade, na jurisdição supranacional das empresas, na globalização dos mercados, na exigência logística do tipo just time 248 e in na parceria fornecedor-empregador. Essa reengenharia global por que passa a atividade empresarial exige uma flexibilização não apenas da empresa, mas, inclusive, uma flexibilização social. Essa reestruturação econômica torna os setores tradicionais desempregadores, trabalhadores, terceirização, muitas a sem a despontando devida subcontratação, o novas proteção trabalho categorias social, em tempo como de a parcial, temporário, trabalho em domicílio, teletrabalho, baseados que estão na flexibilização dos processos de trabalho. Há uma constante evolução das 249 técnicas produtivas de trabalho, presentes nesta era pós-moderna, em plena revolução digital. Esses fatos trazem a indagação e análise da possibilidade do fim do trabalho, ou fim da centralidade do trabalho, por conta das novas modalidades de atividade laboral. 247 250 D E MA S I, D om enic o. Dese n vo l vim ent o s em tr ab alh o. 4ª Ed. S ão Paul o: Es fer a, 1999, p . 66 . 248 P ara Ma ñ as , in Temp o e t r aba lho : a t utel a ju ríd ic a do tem p o de t raba lho e tem p o livre. S ão P aulo : L Tr , 2005 , p . 76, o s is tem a jus t in ti m e é a “f orm a d e adm in is tr aç ão da p roduç ão i ndus t rial e de s eus m ate riais , s eg undo a qual a m até ria- prim a e os es t oques in term ediá rios nec es s ár ios a o pr oc es s o p rodu tiv o s ã o s up ridos n o tem po c ert o e na qu anti dade e xat a.” 249 P R O SC U RC IN , Pe dro . O t ra bal ho na ree st ru tu raç ão p ro dut i va : anál is e ju rídic a dos im p ac tos no pos to de t raba lho. São Pa ulo: L Tr, 200 1, p. 41 . MA N Ã S, C hris t ian Marc ello. T empo e tr aba lho : a tutel a jur ídic a d o tem po d e t raba lho e t em po li v re. São Paul o: L Tr, 20 05, p. 77. 250 C om o ana lis am os no títul o s ob re a c en tra lidad e do t rabal ho. 112 Tanto que Castells identifica dois modelos organizacionais, um que possui o objetivo de reproduzir seu sistema de meios estruturados e outro que modela e remodela de forma infinita a estrutura de meios, denominando essa última de empresa de rede. Explica ser a empresa de rede aquela produto da necessidade de adaptação organizacional e de novas tecnologias. Possui um sistema de meios constituído pela intersecção de segmentos de sistemas autônomos de objetivos. E, que esses sistemas empresas. autônomos podem integrar outras redes de 251 Proscurcin assegura que “esses são os motivos pelos quais empresas concorrentes, como a Daimler/ Chrysler, passaram a associada à Mitsubishi no Japão, sem deixar de serem concorrentes em outros segmentos. O acordo de tecnologia de motores das concorrentes GM – General Motors e FIAT no Brasil certamente tem o mesmo motivo, qual seja a intersecção de segmentos de rede.” 252 Bem conclui Mañas A s ens aç ão de que o tr abalho es tá m ais hum anizado, em ver dade, é um a f alác ia, por que o s ofr im ento pr oss egue nas or ganizaç ões pr odutivas , em que os tr abalhador es, atualm ente, tem em não s atisfazer , não estar à altur a das im pos iç ões da or ganizaç ão do tr abalho: im pos iç ões de hor ár ios , de r itm o, de f orm aç ão, de inf orm aç ão, de apr endizagem , nível de ins tr uç ão e de diplom a, de ex per iênc ia, de rapidez de aquis iç ão de c onhec im entos teór ic os e pr átic os. Na ver dade, tor na-se equivocada a ideia de que as m udanç as or ganizac ionais e pr odutivas pr opic iar am um aum ento do tem po de lazer ; pelo contr ár io, o que houve f oi o s ur gim ento de novas m odalidades de opr essão e pr ivaç ão da 253 liber dade hum ana. 251 C A S TELL S, Man uel. A e ra da i nfo rma ção : ec o nom ia , s oc ied ade e c ul tu ra. V. 1. Tr aduç ão Ro neide Venânc i o Ma jer ; atua li zaç ão pa ra 6ª ed iç ão: J us s a ra Sim ões . S ão P aulo : Pa z e Te rra , 20 08, p. 190 -191 . 252 P R O SC U RC IN , Pe dro . O t ra bal ho na ree st ru tu raç ão p ro dut i va : anál is e ju rídic a dos im p ac tos no p os to de traba lho. Sã o Paulo : L Tr, 200 1, p. 4 1. 253 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 7 7. 113 2.4.2 Flexibilização da jornada de trabalho Vários são os fatores que direcionam para a flexibilização da jornada de trabalho, em conclusão do apontado até aqui neste estudo. Pode-se pontuar, em resumo, que a crise econômica não é o único fator, outros existem como “as novas tecnologias, o desemprego, a falta de criação de empregos, a globalização, etc.” questões que ensejam rígidas. a necessidade de mudanças de normas trabalhistas 254 O debate sobre a necessidade de mudanças tornando mais flexível o direito do trabalho e suas normas rígidas alcança a reorganização reorganização do do tempo tempo de de trabalho. trabalho Anote-se preconizando que, uma essa jornada flexível enlaça vários aspectos como “a extensão do trabalho, a compensação de horários, recurso ao trabalho em tempo parcial, vida fora do trabalho, família e sociedade etc.” Ao tratar a 255 questão, Sergio Pinto Martins afirma que a flexibilização da jornada de trabalho pode propic iar m aior pr odutividade na em pr es a, pois o em pr egado tr abalha mais desc ans ado. É s abido que o m aior índice de ac identes de tr abalho oc or re no per íodo da pr orr ogaç ão da j or nada de tr abalho, quando o em pr egado j á es tá c ans ado. O tr abalhador es gotado f is ic am ente tem baixo r endim ento, baix a pr odutividade. A lim itação da j or nada de tr abalho é um a form a de atenuar os ef eitos do des empr ego, pois podem ser c ontr atados outros tr abalhador es com a m enor j or nada de tr abalho par a os em pr egados que j á tr abalham na em pr es a. É a af irm ação: 256 tr abalhar m enos, par a tr abalhar em todos . 254 MA R TI N S, Ser gio Pi nto . F lexi bil iz açã o das c ondi ções d e t raba lho . 3ª ed . São Paulo: A tlas , 20 04, p. 21. 255 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 8 7. 256 MA R TI N S, Ser gio Pi nto . F lexi bil iz açã o das c ondi ções d e t raba lho . 3ª ed . São Paulo: A tlas , 20 04, p. 73. 114 Não nos estenderemos nos próximos tópicos em razão de cortes metodológicos, vez que aqui não trataremos do tema central deste estudo, apenas indicaremos alguns pontos nodais sobre a questão. 2.4.2.1 Banco de horas A eliminação dos limites diários da jornada foi uma das formas de flexibilização iniciada na década de 80 na Europa, chegando ao Brasil na década de 90 com a publicação da Lei nº 9.601/98 que modificou o artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho, autorizando a compensação de horas de trabalho além do parâmetro mês, possibilitando a sistemática anual de compensação de horários, “embora em seu texto primitivo a lei compensatório a cada bloco de 120 dias.” restringisse o módulo 257 A lei nº 9.601/98 autorizou o denominado banco de horas, como se lê no § 2º do artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho, possibilitando o não pagamento de remuneração adicional se o empregado trabalha além das oito horas diárias em determinados dias, mas compensa essas horas diminuindo a jornada de trabalho em outros dias, dentro do prazo de um ano. Saliente-se, no entanto, que esse excesso de trabalho do limite diário obviamente não deixa de ser trabalho extraordinário, especialmente em relação a seus efeitos na saúde do trabalhador. E não é só. Essa inconstância da duração da jornada de trabalho desorganiza a vida pessoal dos empregados, inclusive, desorganiza a vida econômica dos trabalhadores, pois a eles não é permitido saber quais os limites da compensação ou do pagamento dessas horas laboradas em caráter extraordinário, já que o futuro dessas respostas é incerto e pertence apenas ao empregador. 257 D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr, 20 11, p. 834. 115 Já para o empregador é vantajoso, pois não sobrecarrega sua folha de pagamentos com encargos que seriam devidos pelas horas extraordinárias trabalhadas, além do exercício de seu poder potestativo, haja vista que poderá determinar os dias em que o empregado deve trabalhar mais e os dias em que deve trabalhar menos, de acordo produtividade. com sua conveniência e lógica de sua 258 Delgado, analisando a questão e comparando o regime compensatório clássico e o banco de horas entende ser “forçoso enxergar-se a diferenciação, percebendo-se também o tratamento constitucional diferenciado atribuído aos dois regimes (...) o primeiro regime, via simples acordo bilateral; o segundo, somente através de negociação coletiva.” 259 É comezinho que não sendo o banco de horas efetivamente pactuado na forma regular não será considerado, por força do vaticinado no inciso XXII, do artigo 7º, da Constituição da República, e assim qualquer excesso na jornada diária será pago como horas extraordinárias acrescidas do respectivo adicional. O Tribunal Superior do Trabalho até maio de 2011 permitia o banco de horas sem qualquer condição, além de um acordo individual, mas alterou a disposições Súmula 85 260 incluindo contidas nesta súmula o inciso não se V que aplicam orienta: ao “As regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.” 261 258 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 9 2-93 . 259 D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr, 20 11, p. 838. 260 C onf orm e Súm ul a n º 85 do TS T, e Orie ntaç õ es J u ris p rudenc iais n ºs . 1 82, 22 0 e 223 da S B DI -1, do TS T. Súm ul a nº 8 5, I V: “ A pres taç ão de h oras e xt ras ha bitu ais des c arac ter i za o ac ordo de c om pens aç ão de jor nada . Nes t a h ipót es e, as ho ras que ul tra pas s am a j orn ada s em a nal norm al d e ver ão s e r p agas c om o hor as ext r ao rdin árias e , quan to àq uelas d es tin adas à c om pens aç ã o, de v erá s e r pa go a m ais apenas o ad ic iona l po r t rab alho e xt rao rdin ário .” 261 B R AS IL. Tr ibu nal Sup eri or do Tr abal ho. Res oluç ão 174 /2011 , DEJ T di vul gado em 27, 30 e 31.0 5.201 1. 116 Como explica Homero Batista Mateus da Silva é proibido o banco de horas para o trabalhador menor de dezoito anos, como dispõe o artigo 413 da Consolidação das Leis do Trabalho, justificando o legislador essa vedação, pois se deve preservar a “formação do organismo e higidez física e mental, sendo sensato que se evitem jornadas muito elevadas nessa faixa etária, em detrimento dos estudos e do desenvolvimento.” 262 Quanto ao trabalho insalubre, o artigo 60 da Consolidação das Leis do Trabalho proíbe qualquer hora extraordinária nesse ambiente, salvo se autorizado pela Delegacia Regional do Trabalho. Alessandro da Silva anota que esse sistema de flexibilização de jornada de trabalho ignora princípios constitucionais basilares, a exemplo da dignidade da pes soa hum ana e a valor ização do tr abalho ( ar t. 1º da CF), a c onstr uç ão de um a s oc iedade livr e, j us ta e s olidár ia, err adic aç ão da pobreza e a m ar ginalizaç ão, r eduç ão das des igualdades s oc iais regionais ( ar t. 2º) , pr evalênc ia dos dir eitos hum anos ( ar t. 3º), valor izaç ão do tr abalho hum ano e, sobr etudo, a bus ca do pleno em pr ego 263 ( ar t. 170, c aput e inc. VII). Esse autor também menciona que o instituto analisado “faz exceção injustificável à regra do art. 459 da CLT, que estabelece a obrigação de pagamento do salário no máximo até o quinto dia útil do mês subsequente, ao possibilitar o pagamento das horas trabalhadas após um ano da sua execução.” 264 Por fim, a posição oficial da ANAMATRA, aprovada e acolhida no XIII Congresso Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho, realizado em Maceió de 3 a 6 de maio de 2006, é pela declaração de inconstitucionalidade do banco de horas como proposto por Valdete 262 S IL VA, Hom e ro B atis t a Ma t heus da . C urs o de d ir eit o do t ra balh o apli cado . Vol . 2: J o rnad as e paus as . Rio de J ane iro : E ls e vie r, 2009 , p. 64 . 263 S IL VA, Ales s and ro da . D ur aç ão d o tr abalh o: rec ons truç ão à l u z dos d irei tos hum anos . I n: SIL VA , Ales s an dro da ; MA I OR , J o rge Lui z S ou to; FE LIP P E, Kenar ik Boujik i an; S E ME R , Ma rc elo [c oo rd. ]. Di re ito s h uma nos : es s ê nc ia do dire ito do t raba lho. S ão P aulo : L Tr, 200 7, p . 2 45. 264 I bidem , m es m a pági na. 117 Souto Severo e Alda de Barros Araújo, limitando-se a compensação ao horário normal da semana: 44 horas. 265 2.4.2.2 Turnos de revezamento A Constituição da República regula no inciso XIV, do artigo 7º os denominados turnos ininterruptos de revezamento, assim dispondo: “XIV – jornada de trabalho de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.” Pode-se conceituar esse instituto como “o sistema de trabalho no qual, em períodos curtos de tempo, como semana, quinzena ou mês, o empregado tenha os horários alterados de forma a abranger as 24 horas do dia, passando pelas diversas fases do dia e noite”. 266 Delgado observa que os trabalhadores submetidos a este sistema vivenciaram uma evolução, culminado com a criação de vantagem jurídica comparativa para estes trabalhadores, qual seja a jornada especial de 6 horas ao dia e consequente duração do trabalho de 36 horas semanais, como dispõe o artigo 7º, inciso XIV, da Constituição Federal. 267 Esse instituto será aplicado nas hipóteses restritas em que os trabalhadores reúnam em sua sistemática laboral o máximo de adversidades características do trabalho de revezamento, assim se um sistema de revezamento cobrir apenas parte das fases integrantes 265 Te xt o int egra l d a p rop os t a em <h ttp :// www. c onam a t.c om . br> . SE VE R O, V alde te Souto. I nco nst itu cio nali dade d o ban co de h or as. Te s e def endid a no XIII C ON A MA T. D is pon í vel em < http :// www. c onam at.c om . br/ hots i te/c o nam at 06/tr ab_c i enti fic os / tes es / tes e1 _ valde te. do c > . SIL V A, Ales s and ro da. Du raç ão do t rab alh o: rec ons t ruç ão à lu z dos di reitos hum anos . In : SIL VA , Ales s a ndr o da ; MA I O R, J o rge Lui z So uto; F ELI PP E, K enarik B oujik i an; S E ME R , Ma rc el o [c oo rd.] . D ire it os hu mano s : es s ênc ia do d irei to do t raba lho. Sã o Paulo : L Tr, 2007 , no tas d e r odap é 41 e 4 2 da p. 245 . 266 S IL VA, Ales s and ro da . D ur aç ão d o tr abalh o: rec ons truç ão à l u z dos d irei tos hum anos . I n: SIL VA , Ales s an dro da ; MA I OR , J o rge Lui z S ou to; FE LIP P E, Kenar ik Boujik i an; S E ME R , Ma rc elo [c oo rd. ]. Di re ito s h uma nos : es s ê nc ia do dire ito do t raba lho. S ão P aulo : L Tr, 200 7, n otas de ro dapé 41 e 42 da p. 24 6. 267 D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr, 20 11, p. 852. 118 da composição dia/ noite não estará enquadrado no caso deste tópico, como dispõe a Orientação Jurisprudencial da SDI-I, DJ 14.03.2008 T URNO ININT ERRUPT O DE REVEZ AMENT O . DO IS T URNO S. HO RÁRIO DIURNO E NOT URNO . CARACT ERIZ AÇÃO. Faz j us à j or nada es pec ial pr evis ta no ar t. 7º, X IV, da CF /88 o tr abalhador que exerc e suas atividades em sis tem a de alter nânc ia de turnos , ainda que em dois tur nos de tr abalho, que c om pr eendam , no todo ou em par te, o hor ár io diur no e notur no, pois s ubm etido à alternânc ia de hor ár io pr ej udic ial à s aúde, s endo irr elevante que a atividade da em pr es a s e des envolva de f orm a ininter r upta. Quanto ao aumento de limite diário de 6 para 8 horas poderá ser aceito apenas por negociação coletiva, e ainda se essa trouxer melhoria na flexibilização cláusula. 268 condição sem social do contrapartida trabalhador, pelo pois empregador a simples invalidará a E, se esse aumento ocorrer validamente não pode ser ultrapassado o limite semanal de 36 horas, pois se isso ocorrer o instituto será destituído de seu sentido. 269 268 B R AS IL. T ri bun al S uper io r d o Tr aba lho . E- R R- 382. 825/ 97.0 . R elato r Mi n . Milton de Mo u ra Fr anç a, DJ 29.08 .2003 . “FL E XIB ILIZ A ÇÃ O . AC O R D O C OLE TI VO . A LC AN CE. TU R N O S I NI N TE R RU P TO S DE RE V EZA ME N TO . J OR N AD A D E S EI S H OR A S. HO R AS E XTR A S. ( ... ) Ma s , é p rec is o qu e es s e di rei to, que não é ir res t rito , s eja exe r c ido den tro de p rinc ípios e regr as que n ão c om p rom et am a hi gide z f ís ic o -ps íq uic a e fi nanc ei ra do em p reg ado. O ac ordo c ole ti vo em e xa m e, c o nfo rm e ret rata o ac ó rdão rec o rri do, p revê jo rnad a de 8 h oras pa ra o labo r em t urn o i ninter rup to de re ve z am ent o. C om todas as v ên ias , inefic a z o ref erid o r eajus t e, n a m edi da em qu e pe rm ite a p ro rro gaç ão do t raba lho em t urn o in inter rup to de 6 pa ra 8 h oras , s em c ont rap res taç ão r em une rat ória das 7ª e 8 ª ho ras , c irc uns tânc ia que c om p rom ete não apen as a s aúde do tr abalh ador , c om o tam b ém s eu gan ho. R ec urs o de em ba rgos c on hec ido e pro vi do. ” 269 B R AS IL. T rib unal S uper io r do T raba lho . E- RR -4 35/2 000- 003 -15- 00.0 . R e lato r Min. C ar los Albe rto Re is de Pau la, DJ 25- 06.2 004. “ EMB A R G O S. TU R N OS I NIN TE R R UP TOS D E R EV EZ A ME N TO . VA LI DA DE . J O R NA DA SU P ER I OR A 6 H O RA S FI XA DA E M A C O RD O C OL E TIV O. IMP O S S IB ILI DA D E. E XTR A P OLA Ç ÃO DA J O RN A DA DE 36 H O R AS SE MA N AI S. P REJ UD IC IAL ID A DE. S AÚ D E. E MP R E GA D O. O a rt. 7º , inc is o XIV, da Lei Ma ior , ao c ontem pl ar a jor nada de t rabal ho em tur nos de re vez am e nto de 6 ho ras d iári as , p erm it iu s u a am pli aç ão p or m ei o de n egoc iaç ão c ol eti va . Es s a pos s ibili dade de alt eraç ão de jo rnad a, c ont udo , não é l im itad a, pois de v e s er obs er va da a c om p ens aç ão ou c onc es s ão de v antag ens ao em pre gado . N unc a , po rém , a el im inaç ã o do dire ito à j orna da redu zi da, c om o s e ve rific a na hipót es e . O Ac ordo C ole ti vo po de es ta belec e r tu rnos i ninte rr uptos d e re ve z am ent o c om jo rna das s up eri ores a s eis hor as , c om o oc or reu, des de qu e s e obs er v e o lim ite d e 36 horas s em a nais , pois o lim i te s em a nal rep res en ta pa ra o em p rega do a gar antia de h igide z f ís ic a, um a v e z que a reduç ão do l abor em tu rno i nin ter rupt o d e re ve zam en to dec o rre de c o ndiç ões m a is penos as à s aú de. O Ac o rdo Col eti vo em e xam e, ao fi xa r dur aç ão do t raba lho de 8 ho ras e 44 s em anais , c o ntr ario u as d is pos iç ões d e p rot eç ão a o trab alho , po rqu anto d es c arac te ri zou a j orn ada r edu zid a v inc u lada ao tur no inin ter rup to de r e ve zam e nto, qu e é as s eg ura da c ons ti tuc ion alm en te pelo lim i te s em anal de 36 hor as . R ec u rs o d e Em bar gos n ão c onhec ido. ” 119 2.4.3 Normas fundamentais de limitação do tempo de trabalho O desgaste físico e mental, o combate às doenças profissionais e acidentes de trabalho, bem como a necessidade do convívio social e familiar, do exercício do direito ao lazer, do desenvolvimento intelectual e cultural justificam a necessária limitação do tempo de trabalho. Tanto que o legislador constituinte assegurou o direito do trabalhador à delimitação de sua jornada de trabalho, o pagamento pela hora prestada em caráter extraordinário, que são normas imperativas de aplicação imediata e indisponibilidade absoluta. Assim, insere no artigo 7º, incisos XII, XV e XVII os mecanismos para limitação da jornada como o repouso semanal e as férias. Também a Consolidação das Leis do Trabalho tutela a regulação do trabalho quando trata das férias e repouso semanal remunerado nos artigos 66 a 72 e 134 a 145 desse diploma legal. O repouso semanal remunerado segundo Delgado é o laps o tem por al de 24 hor as c ons ec utivas s ituado entre os m ódulos s em anais de duração do tr abalho do em pr egado, c oinc idindo pr ef er enc ialm ente c om o dom ingo, em que o obr eir o pode s us tar a pr estaç ão de ser viç os e s ua dis ponibilidade per ante o em pregador , c om o objetivo de r ec uper aç ão e im plem entaç ão de s uas ener gias e aperfeiç oam ento em s ua ins erç ão f am iliar , c om unitár ia e polític a. O desc ans o ou r epous o s em anal ( d.s .r . ou r .s.r.) é per íodo de interr upção da pr estaç ão de ser viç os , s endo, 270 dess e m odo, em ger al, lapso tem por al r em uner ado. 270 D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr, 20 11, p. 901. 120 O repouso semanal foi instituído num primeiro momento por influência da Igreja Católica objetivando, segundo essa orientação, reservar o domingo para homenagear a ressureição de Jesus Cristo. Constantino em meados do século IV proibiu o exercício de qualquer espécie de trabalho, a exceção das atividades agrícolas, no domingo, permanecendo essa orientação até o século XIX. 271 A Organização Internacional do Trabalho tratou do repouso semanal de um dia em sua Convenção nº 1, de 1919, e na Convenção nº 14, de 1921. As primeiras leis brasileiras que dispuseram sobre o repouso semanal não o estenderam para todas as categorias de trabalhadores, apenas para aqueles que exerciam suas atividades no comércio, estabelecendo logo após para os trabalhadores da indústria, isso ocorreu em 1932. Em 1940 o repouso semanal passou a regular todas as categorias de trabalhadores. A Constituição Federal no artigo 7º, inciso XV, assegura o descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos. Quanto a Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 67, dispõe sobre o instituto não dispondo, todavia, de sua remuneração. No que tange ao empregado que trabalha aos domingos obrigatoriamente deve gozar o descanso semanal em outro dia da semana, não sendo permitida a substituição do descanso por pagamento em dinheiro, apesar de entendimento diverso do Tribunal Superior do Trabalho. 272 Em relação aos feriados, possui características semelhantes ao descanso semanal remunerado, e são definidos como “lapsos temporais de um dia, situados ao longo do ano-calendário, eleitos pela legislação em face de datas comemorativas cívicas ou religiosas 271 MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 1 20. 272 B R AS IL. Tr ibu nal Su per io r do T ra bal ho. Súm ul a n º 1 46: “o tra balho p res t ado em dom ingos e fe ria dos , não c om pen s ado, de ve s e r pa go em dob ro, s em p reju í zo da r em une raç ão r elat i va a o rep ous o s em ana l.“ Redaç ã o d e 2 8.10 .2003 de ac o rdo c om a R es oluç ão n º 121 /200 3 do TS T. 121 específicas, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador.” 273 Os feriados podem ser civis ou religiosos. Os primeiros são aqueles comemorativos de datas com relevância histórica para a pátria ou nacionalidade. Podem ser comemoração de dias festivos da cultura ocidental como o natal e o ano novo. Os feriados religiosos cingem-se a datas comemorativas relevantes à tradição religiosa dominante no país. A legislação prevê também o instituto das férias que são “o lapso temporal remunerado, de frequência anual, constituído de diversos dias sequenciais, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias e de sua inserção familiar, comunitária e política.” O objetivo da concessão e gozo de férias está atrelado “a metas relacionadas à política de saúde pública, bem-estar própria construção da cidadania.” coletivo e respeito à 274 Cite-se ainda a importância econômica das férias, haja vista a realização de fluxo de pessoas em diversas regiões do país. E mais, esse período de gozo de férias permite o exercício do direito ao lazer do trabalhador com sua família. 275 273 D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr, 20 11, p. 901. 274 D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr, 20 11, p. 914 -915 . 275 “ Pr elim in ares . Nul idad e da r. s en tenç a - c erc e am en to de de fes a . No p res e nte feito as pa rtes s e m anif es ta ram , nos p ra zos e na fo rm a da l ei, as p ro vas foram r eali za das e o f eito de vid am ente ins t ru ído. Na audi ênc ia , fic ou det erm in ado o enc e rram ento da ins truç ão p roc es s u al, c om a c onc o rdânc i a das p ar tes . Nã o pod e a r ec lam ad a pr eten der o dec reto d e s u a n ulida de, po r ter s id o venc i da em p rim ei ro gr au . Afas to. Do ju lgam en to e xtr a p etit a. D ete rm ina das norm as s ão c oge ntes , de o rdem púb lic a, e não po dem s er der rog adas . "P relim i nares . Nuli dade da r. s en tenç a - c erc eam en to de de fes a . No pres ente f eito as par tes s e m anifes tar am , nos pra z os e na f orm a da lei , as p ro vas fo ram reali z adas e o fei to de vidam en te i ns tr uído . Na audiênc ia, fic ou de term inado o enc e rram en to da ins t ruç ão pr oc es s ua l, c om a c onc o rdâ nc ia das pa rtes . N ão pode a rec lam a da p rete nde r o dec r eto de s ua nul idade , po r ter s ido v enc i da em p rim ei ro g rau. Afas to. Do j ulgam e nto e xt ra peti ta . De term inadas norm as s ão c ogentes , de o rdem públ ic a, e não po dem s er der rog adas pe la m e ra vont ade das partes . 122 Homero tece importantes considerações sobre as férias ao dispor As f ér ias têm a pec uliar idade, no Dir eito do T r abalho, da n atu rez a h íb rid a d e direit o e d ev er simultan eament e. Q ue elas c orr es pondam a um direito do tr abalhador não r es ta dúvida, c onquistando-as o tr abalhador em s eu dia- a-dia de atividades pr es tadas ao em pr egador. Sua noç ão com o dever c er tam ente é a m ais difíc il de enx ergar , num c onc eito que vem s endo es quec ido pelas par tes . A um a, por que as férias pass ar am a s er cons ider adas um lux o exc ess ivo, dentr o do panor am a do des em prego es tr utural (s e todos à m inha volta es tão des em pr egados , c om que fundam ento eu poss o f ic ar par ado tendo o em pr ego?) e da baix a m ass a s alar ial (us ar ei as fér ias par a aum entar m inha r enda, “ vendendo- as” ao em pr egador ou f azendo atividades par alelas) . A duas, por que m uitos em pr egador es deix am de s e pr ogr am ar e não c onc edem c or retam ente o gozo das f ér ias , r em etendo todas as questões par a a r esc isão do c ontr ato de tr abalho, a tal ponto que as fér ias , que nada têm que ver c om a dis pensa do em pr egado, pass ar am a s er dir etam ente ass oc iadas c om o s entido de “ ver bas r esc is ór ias ”, o que c er tamente não s ão. A tr ês , por que, nada obstante a cr is e de valores e de f inanç as que a s oc iedade atr avess a, m uitos em pregados teim am em dizer que não nec ess itam de f ér ias , que s e s entem bem na atividade c ontínua e que s e s atisf azem c om desc ans os pequenos , c om o o c ham ado f im de s em ana pr olongado, sem s e dar em c onta que os f undam entos da paus a ao longo do c ontr ato de tr abalho são divers os e a f inalidade do desc ans o pr olongado é m uito mais am pla e vital par a a s aúde do s er 276 hum ano, cor pór ea e inc or pór ea. Há Intervalos também esses os intra intervalos e para entrejornadas, descanso e objetivando alimentação. preservar o trabalhador, inclusive como já delineado adrede. O artigo 66 da E nqua dra -s e a í a pa us a in tra jorn ada, im pos t a pelo art igo 71 c ons ol idado , p ara que os t raba lhado res pos s am re fa zer s uas fo rç as . Trata -s e de norm a de tu tela da s aúde do t raba lhado r, que d e ve s e r c um p rida pelos em p rega dores . Rejei to a a rguiç ão de nu lidad e. MÉ R I TO. (. .. ) D as h oras e xt ras - in terv al o in traj orn ada. A norm a é c og ente , de or dem p úblic a . O i nte r valo int rajo rna da d e ve s er c onc edi do, inte gra lm en te. A não c onc es s ão to tal ou pa rc ia l im plic a s eu pag am ent o c om ac rés c im o do adic i onal leg al. I nteli gênc ia da OJ n. 307 d a S DI -1 do C . TS T. Fé rias - c om pe ns aç ão. Nes s e pas s o, o bem é qu e p roc u ra tu tel ar, qu e é as s egu rado pelo dis pos it i vo c ons tit uc iona l é o des c ans o, par a que o em p rega do pos s a s e refaz e r dep ois de do ze m es es tra balha dos , bem c om o p os s a c o n vi ve r c om s ua f am íli a e ter di reito ao l a zer . O d irei to é i rre nunc iá v el e o em prega dor não po de c on ve rte r o pe río do de d es c ans o em pec úni a, pe rm an ec endo o em p regad o num labo r inint er rupt o. R EC U RS O OR DI N ÁRI O A Q UE S E N E G A P R OVI ME N TO ." Pr oc es s o n º 0 1775 -200 3-24 2-0 2-00 -0, 2006 , 10ª T, 17. 02.2 009. R E C OR R EN TE TE XTI L J SE R RA N O L TD A. R EC OR R ID O J AI R D OS S AN TO S . 276 S IL VA, Hom e ro B atis t a Ma t heus da . C urs o de d ir eit o do t ra balh o apli cado . Vol . 2: J o rnad as e paus as . Rio de J ane iro : E ls e vie r, 2009 , p. 259 . 123 Consolidação das Leis do Trabalho estabelece o intervalo obrigatório de onze horas entre duas jornadas. O artigo 71, caput e § 1º desse mesmo diploma legal estabelece a obrigatoriedade da concessão de um intervalo para repouso e alimentação, quando a jornada de trabalho exceder seis horas diárias, com duração mínima de uma hora, salvo disposição em acordo ou convenção coletiva. O desrespeito ao estabelecido o período será pago com acréscimo de no mínimo cinquenta por cento. Mas, importa ressaltar que, mesmo sendo permitida constitucionalmente a flexibilização de alguns direitos, e mesmo que sejam os valores pagos de acréscimo não reporão a saúde do trabalhador, ou tão pouco lhe darão o tempo perdido que poderia ter exercido seu direito ao lazer, como consta do bem lançado acórdão cuja ementa se transcreve INT ERVALO INT RAJ ORNADA. REDUÇÃO . PREVISÃO DA HO RA CORRIDA EM ACO RDO S COLET IVO S. A Cons tituição F eder al de 1988 c onf er iu m aior es poder es aos s indicatos , de m odo que ess as entidades podem , no inter ess e de s eus ass oc iados e m ediante negoc iaç ão c oletiva, res tr ingir c er tos dir eitos ass egur ados aos tr abalhador es a f im de obter outr as vantagens não pr evis tas em lei. Não obs tante, tal f lex ibilizaç ão não autor iza a negoc iaç ão c oletiva que atente c ontr a norm as r ef er entes à s egur anç a e saúde no tr abalho. De f ato, o es tabelec imento do inter valo m ínim o de um a hor a par a r efeiç ão e desc ans o dentr o da j or nada de trabalho é fr uto da obs er vação e anális e do c om portam ento hum ano, e das r eações de s eu or ganism o quando expos to a vár ias hor as de tr abalho. Doutr ina e j ur is pr udência evoluír am no s entido da nec ess idade dess e inter valo m ínim o par a que o tr abalhador pos sa não apenas inger ir alim entos , m as tam bém diger i- los de f orm a adequada, a f im de evitar o es tr ess e dos órgãos que com põem o s istem a diges tivo, e poss ibilitar o m aior apr oveitam ento dos nutr ientes pelo or ganism o, dim inuindo tam bém a f adiga decorr ente de hor as de tr abalho. Se de um lado a Cons tituiç ão F eder al prevê o r ec onhec im ento das c onvenç ões e ac or dos c oletivos de tr abalho c om o dir eito dos tr abalhador es ur banos e r ur ais ( ar t. 7º, XX VI, da Cons tituição Feder al), de outro es tabelece s er a s aúde um dir eito s oc ial a ser r es guardado ( ar t. 6º da 277 Carta Polític a) . Verificamos até aqui as profundas mudanças sociais, políticas e legislativas que ocorreram na evolução histórica do homem em 277 MA N Ã S , C hris tian Ma rc el lo. T emp o e t ra balh o : a tute la ju rídic a do tem po de trabalho e tem p o li v re. Sã o P aulo: L Tr, 2005 , p. 128 . 124 relação à conquista de direitos humanos fundamentais, inclusive e especialmente em relação ao tempo de trabalho e tempo de não trabalho, denominado por alguns de tempo livre. A flexibilização da jornada de trabalho e as limitações do tempo de trabalho devem ser lidas de forma positiva para que o tempo de não trabalho seja dedicado ao exercício do direito ao lazer 278, mesmo com os obstáculos que devem ser enfrentados na pós-modernidade, culminando com a concretização desse direito social. 278 B R AS IL. Tr ibu nal Re gi ona l do T raba lho da 12ª Re gião . 3 ª Turm a. RO-V 01 382. 2005 .049 .12. 00.2 . A C . 1700 8/06 . Re l. J ui z Ge rs on Paul o Tab oad a Co nrado. “ H O RA S E XTR A S. A G RIC U L TUR A. 1 . Se ris c o há para a ati vi dade ec on ôm ic a, n ão po de ele – s ob p ena de o fens a a o dis pos to no a rtig o 2 º da CL T – s er tr ans fe rid o ao t raba lhado r (P rinc íp io d a alt erid ade) . 2. D e ou tro nor te, a m an utenç ão do em p ree ndim en to – s eja el e qua l fo r – não p ode s e v iabili z ar m edian te p rec a ri zaç ão das c on diç ões de t raba lho, tan to m ais quan do, pa ra ob ter t al res ul tado , s e a ten ta c ont ra os lim i tes f i xados em lei par a a d uraç ã o da p res taç ão de s e r viç os e , po r via tra ns vers a, c on tra a c láus u la ge ral de res pe ito à d ignid ade da pes s oa h um ana , dotada de efic ác ia i rra diant e im edi ata c apaz de obr iga r s eja res pe itad a nas relaç õ es c on tra tua is m antidas en tre pa rtic ular es . 3. É e xa tam en te a aludida lim i taç ão qu e p ropic i a t anto a r ec om pos iç ão da ene rgia pa ra o t rabal ho quan to o inte rre gno nec es s á rio pa ra a a firm aç ão do hom em c om o c id adão , c o n vi vendo em s oc i edade e , q uiç á , bus c ando la z er, es te tam bém um dos d irei tos s oc ia is pre vis tos no a rti go 6 º da Lei Ma ior . 4. A s s im , s e é a ag ric ult ura m arc ada po r c ert o gra u de i nc er te za qua nto a nec es s i dade de t raba lho e xt rao rdiná rio , de v e a quele qu e s e dis põ e a em p res a ria r n es s a ár ea s e d ar aos m eios pa ra m an ter s eu i n ves tim ento s em tra ns g redi r a lei o u adot ar c om po rtam ento an ti-s oc ial , c on trá rio aos dire itos fund am ent ais c ons a gra dos n o o rdenam ent o ju rídic o.” 125 3. Direito ao lazer 3.1 Conceito sociológico No Brasil, os principais conceitos de lazer adotam a definição clássica desenvolvida pelo sociólogo francês Joffre Dumazedier, em obra elaborada na década de 1960 onde conclui que Lazer é um conj unto de oc upaç ões às quais o indivíduo pode entregar -s e de livr e vontade, s eja par a r epous ar , s eja par a diver tir-s e r ecr ear- se e entr eter-s e, ou ainda par a des envolver s ua inform aç ão ou f orm aç ão des inter ess ada, s ua partic ipaç ão s oc ial voluntár ia ou s ua livr e c apac idade cr iador a após livr ar -se ou des em bar aç ar -s e das obr igaç ões 279 pr of iss ionais, f am iliares e s oc iais. Este conceito de Dumazedier trata o lazer como simples oposição ao trabalho, delineando como principais funções do lazer o descanso, o divertimento, a recreação, o entretenimento e o desenvolvimento. Em sua obra, não comenta o dever do Estado em realizar políticas públicas para a prática do lazer. Também, não estuda o aumento do tempo livre do trabalhador como conquista de classe em contraposição do capital e trabalho, representando, nas palavras de Valmir José Oleias, “uma insuficiência teórica para a análise do conceito de lazer.” 280 Ainda nesse conceito de Dumazedier, o descanso representa a reposição de energias físicas e psíquicas do homem despendidas no trabalho, portanto, ligadas à questão biológica. Quanto ao divertimento, recreação e entretenimento, representam a ruptura com a vida cotidiana para evitar a fadiga e propiciando energia para “suportar o fardo da vida rotineira” 281. 279 D U MA Z ED IE R, J of fre . Laz e r e c ul tu ra p opu la r. 3 ª ed., S ão Paul o: Pe rs pec ti va, 2004, p . 34 . 280 O L EIA S, Valm ir J os é. Co ncei to de laz e r. < http :// www. c ds . ufs c .b r/~ v alm ir /c l.h tm l>. Ac es s o em 28 .03. 2008 . 281 D is p oní vel em C AL VE T, Ota v io Am aral . D i rei to ao Laz e r na s re laçõ es de tr abal ho. São Paul o: L Tr, 20 06, p. 60. 126 E, no que tange à função do desenvolvimento da personalidade, Joffre Dumazedier explica que o lazer permite um a partic ipaç ão s oc ial m aior e m ais livr e, a pr ática de um a c ultur a des inter ess ada do c or po, da s ens ibilidade e da r azão, além da f orm ação pr ática e téc nic a (...) no indivíduo liber tado de suas obr igaç ões pr of iss ionais, c om por tam entos livr em ente esc olhidos e que vis em ao c om pleto des envolvim ento da pers onalidade, dentr o de um es tilo de 282 vida pes soal e soc ial. Já no conceito de Luiz Octávio de Lima Camargo, mesmo seguindo os passos de Dumazedier, destaca-se como elemento importante do lazer a conquista da redução da jornada de trabalho para realizar o tempo livre, definindo-se, assim, o lazer como um conj unto de atividades gratuitas, pr azer os as , voluntár ias e liber atór ias , centr adas em interess es culturais, fís icos, m anuais, intelec tuais , ar tís tic os e ass oc iativos , r ealizados num tem po livr e r oubado ou c onquis tado his tor ic am ente s obr e a j ornada de trabalho prof is s ional e dom éstic o e que interfer em no des envolvim ento pess oal a s oc ial dos 283 indivíduos . Relevante estudo faz Valmir José Oleias para determinar o conceito de lazer, inclusive criticando a obra de Dumazedier, em que se constata a influência do fator social econômico na questão do lazer em igual parâmetro que influencia a problemática do tempo livre. Também anota a obrigação que possui o Estado de promover o lazer, afirmando que O lazer , em s ua form a ideal, s er ia um ins tr um ento de pr om oç ão s oc ial, s er vindo par a: aux iliar no r om pim ento da alienação do tr abalho, apr esentando-s e politic am ente c om o um m ec anism o inovador aos tr abalhador es na m edida em que es tabelec e novas pers pec tivas de relac ionam ento s oc ial; pr om over a integr aç ão do s er hum ano livrem ente no seu c ontexto s oc ial, onde este m eio s ervir ia par a o des envolvim ento de s ua c apac idade cr ític a, cr iativa e 282 D U MA Z ED IE R, J off re. Laz e r e cu ltu ra pop ula r. 3ª ed. Sã o P aulo: P ers pec t i va, 2004 , p. 34 . 283 C A MA R G O, Lui z Oc tá vio de Lim a. O qu e é laz e r. Sã o Paulo : Bras i liens e , 1999 , p. 97 . 127 tr ansform ador a; e, pr oporc ionar 284 fís ic o e m ental do s er hum ano. c ondiç ões de bem - estar Valmir José Oleias tece suas conclusões que seguem em paralelo as questões jurídicas de direitos fundamentais 285 Ass im s endo, o c onc eito que pr oc ur o trabalhar em term os de lazer , s ob o ponto de vis ta s oc ial, pr ec isa orientar -s e dentr o das s eguintes linhas ger ais : a) o lazer tem s ido, his tor ic am ente, um a atividade nec ess ár ia ao des envolvim ento bio- ps íquic o-s oc ial do hom em ; b) o lazer es tá r elac ionado à dis ponibilidade do tem po livre; c) o lazer diz r espeito m ais diretam ente às pr ivilegiadas pela s ua s ituaç ão s óc io- ec onômic a; c lass es d) por f im , a pr átic a do lazer é inf luenc iada s obretudo pelo Es tado, na m edida em que es te pode im plem entar polític as públic as para o s etor , além de oferecer es paç os fís ic os nec ess ár ios e adequados para a s ua ex ec uç ão. Por tanto, a r elaç ão com o tr abalho, a s ua pres enç a ao longo da histór ia da hum anidade, o c ar áter de c las se e a inf luênc ia que o Estado c ontempor âneo pode apr es entar c oloc am -se teor ic am ente c om o os pr inc ipais elem entos def inidor es do 286 lazer . Valquíria Padilha também critica a concepção funcionalista de Dumazedier e seus discípulos que estudam o lazer apenas como oposto ao trabalho ou à obrigação, esvaziando o sentido do lazer, pois o justificam como “fator de equilíbrio, um meio para o homem suportar as coações da vida social.” 287 Critica a autora, também, a posição de Dumazedier que analisa o lazer como se todos os homens fossem iguais tanto no exercício de seu trabalho, como no lazer tido como remédio para a estafante e desgastante vida de trabalhador. 284 O L EIA S, Valm ir J os é. Co ncei to de laz e r. < http :// www. c ds . ufs c .b r/~ v alm ir /c l.h tm l>. Ac es s o em 28 .03. 2008 . D is p oní vel em 285 C om o afi rm a Ota v io Am a ral Cal v et em s ua obra D ire it o ao Laz e r nas r e laçõ es d e t ra bal ho. Sã o P aulo : L Tr, 200 6, p . 6 1-62 . 286 O L EIA S, Valm ir J os é. Co ncei to de laz e r. < http :// www. c ds . ufs c .b r/~ v alm ir /c l.h tm l>. Ac es s o em 28 .03. 2008 . 287 P A DIL HA , Va lquí ria. Sh opp ing B oitem po, 2006 , p . 16 9. ce nte r : a c at edra l das D is p oní vel m erc ador ias . São em Paulo: 128 Fugindo dessas limitações, Nelson Carvalho Marcellino é pioneiro na crítica sistemática à concepção de lazer de Dumazedier, entendendo lazer como Um a c ultur a – c om preendida no seu sentido m ais am plo – vivenc iada (pr atic ada ou f luída) no “ tem po dis ponível” . O im por tante, c om o tr aç o def inidor, é o car áter “ des inter ess ado” dessa vivênc ia. Não s e busc a, pelo m enos f undam entalm ente, outr a r ec om pens a além da s atisf aç ão pr ovoc ada pela s ituaç ão. A “ dis ponibilidade de tem po” s ignif ic a poss ibilidade de opç ão pela atividade pr átic a ou 288 c ontem plativa. Percebe-se que as críticas tecidas ao conceito de lazer da concepção funcionalista, pretendem entendê-lo como um fenômeno social que pertence a uma sociedade contraditória, desta forma o lazer também seria contraditório. Isso porque o lazer poderia transformar-se em tempo de reflexões ou em tempo para consumo manipulado pela lógica capitalista. Verdadeiro paradoxo das sociedades capitalistas industrializadas: de um lado, as pessoas concebem o lazer como um tempo livre para se desligar das obrigações cotidianas, descansando ou relaxando; de outro, essas mesmas pessoas optam por lazeres programados e direcionados ao consumo de bens e serviços, ou ainda, entregam-se a passividade do mundo mágico da televisão. 289 Todos estes conceitos de lazer possuem alguns pontos em comum, são eles: a identificação do lazer com um tempo livre das obrigações e do trabalho; as atividades praticadas como forma de exercício do lazer geralmente são esportivas ou culturais; o lazer possui algumas características psicológicas como o fato de ser agradável, espontâneo, lúdico e livre; está na maioria das vezes ligado à noção de cultura; e há preocupações com políticas públicas para a realização do lazer. 288 MA R C E LLI N O, N els on C ar v alho . Laz e r e huma niz aç ão. Cam pi nas : P api rus , 1990, p . 31 . 289 P A DIL HA , Va lquí ria. Sh opp ing B oitem po, 2006 , p . 17 4-175 . ce nte r : a c at edra l das m erc ador ias . São Paulo: 129 Nota-se que a maioria dos sociólogos estudados abordam o lazer em relação principalmente ao tempo livre disponibilizado pelo trabalho, personagem principal, seguido pela família. Valquíria Padilha afirma que A pesquis a em lazer tem c om o pr es supos ição f undam ental que vale a pena c onhec er c ientif ic am ente o lazer , não s om ente por que um tal c onhec im ento pode eventualm ente perm itir atingir um c erto dom ínio téc nic o des te c am po, m as tam bém por que ele c ons titui um valor nele m esm o par a 290 noss a c om preens ão da s oc iedade. Importa observar que, como objeto de estudo das ciências sociais, o lazer está em constante transformação, pois a sociedade se reconstrói todos os dias. Dessa forma, a sociologia do lazer deve se preocupar em desenvolver novos questionamentos e possibilidades para abrir caminhos realizáveis de lazer, e não tanto a definir a concepção de lazer. 3.2 Conceito jurídico José Afonso da Silva lê o direito ao lazer nos artigos 6º e 227 da Constituição da República, associando-o aos “direitos dos trabalhadores relativos ao repouso” 291, e relacionando-o ao direito urbanístico e com o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, pois afirma que sua natureza social “decorre do fato de que constituem prestações estatais que interferem nas relações de trabalho” 292. Segundo o autor lazer é entrega à oc ios idade r epous ante. Rec r eação é entr ega ao diver tim ento, ao es porte, ao br inquedo. Am bos s e des tinam a r efazer as f orç as depois da labuta diár ia e s em anal. Am bos r equer em lugar es apropr iados, tr anquilos num , repletos de 293 f olguedos e alegr ias em outr o. 290 I bidem , p. 178 -179 . 291 S IL VA, J os é Afo ns o da . C u rso de di rei to c ons ti tuci ona l po sit i vo . 19ª ed. , r ev. e a tual. S ão Paulo : Mal heir os , 2001 , p. 319 . 292 I bidem , p. 318 . 293 I bid. , m es m a pági na. 130 Parcial razão assiste ao doutrinador, pois se entende o direito ao lazer de forma mais ampla como se colocará adiante, mas lazer se relaciona com qualidade de vida, que por sua vez depende, dentre outros aspectos, de uma adequada política de desenvolvimento urbano que priorize habitação, condições adequadas de trabalho e recreação, e dessa forma, as pessoas alcançarão qualidade de vida. Entende José Cretella Jr que o direito ao lazer possui o sentido amplo de descanso e que seus titulares são os cidadãos em geral e, em particular, o trabalhador e, dessa forma, sendo direito do empregado aduz que Lazer é, ass im , o dir eito s oc ial, ou f ac uldade de ex igir por par te de quem tr abalha, sendo, des se m odo, a pr estaç ão que o em pr egador deve ao em pr egado, em dec orr ênc ia do vínc ulo em pr egatíc io, tanto ass im que o “s alár io m ínim o” f ix ado em lei dever á ser c apaz de atender às nec ess idades vitais bás ic as do trabalhador e de s ua f am ília e, entr e es tas o lazer ” (art. 7º, IV, da Car ta Polític a de 1988) . O lazer é, no c ontexto cons tituc ional, nec ess idade vital bás ic a do 294 tr abalhador e de s ua fam ília. Crítica a esse entendimento é feita por Tupinambá Nascimento, pois afirma que o lazer não possui apenas o sentido de descanso, mas também deve ser visto como atividade recuperativa a exemplo de viagem, passeio ou esportes. 295 Segue-se neste estudo o pensamento de Beatris Francisca Chemin, afirmando que é titular do direito ao lazer todo e qualquer cidadão, pois inserido nos direitos sociais do artigo 6º da Constituição da República. Mesmo porque seria uma incoerência afirmar direitos como a educação, saúde, alimentação, segurança, dentre os outros, apenas para o trabalhador. E mais, a Constituição da República afirma 294 C R E TELL A J R, J os é. Co men tár ios à Con st itu içã o b ra sile ir a d e 198 8. V . 2. Rio de J an eir o: F ore ns e Uni ve rs i tári a, 1 998, p. 889 . 295 N A SC I ME N TO, Tupi nam bá M. C . do . C ome ntá rio s à Cons ti tui ção F eder al : di reitos e ga ran tias fundam entais . V . 2 – ar t 5 º a 17. Por to Aleg re: Li vr ari a do Adv og ado, 1997, p . 90 . 131 que toda pessoa humana deve ter dignidade 296, e dessa dignidade faz parte a tutela do rol do artigo 6º, inclusive o direito ao lazer, que se destina a todo cidadão e não apenas ao trabalhador. 297 Ainda, segundo Beatris Francisca Chemin 298, pensa-se o direito ao lazer como contraponto ao tempo de trabalho, mas inclusive como um tempo livre para exercer o descanso ou atitudes outras de vida que possam envolver a cultura, a educação, a vivência familiar, ou o exercício de atitudes prazerosas e criativas. Seu conteúdo possui importância igualitária à saúde, à educação, à segurança, ao trabalho e aos outros direitos sociais estampados no mesmo dispositivo constitucional. 3.3 Positivação constitucional do direito social ao lazer O direito social ao lazer é uma das grandes conquistas do homem, fruto de grande evolução histórica como visto até aqui, e está atualmente positivado tanto no âmbito internacional como nos direitos internos. 296 P ara J os é Af ons o da Silv a “Di gnida de da pes s oa hum a na é um val or s up rem o q ue atrai o c on teúd o de tod os os di reit os fund am ent ais do hom em , des d e o di reit o à vida. ‘ Conc e bido c om o ref er ênc ia c ons t ituc i onal un ific a dora de tod os o s di reitos f undam e ntais [ obs er v am C an otil ho e Vi tal Mo rei ra ], o c onc e ito de d ignid ade da pes s oa hum ana obr iga a um a d ens i fic aç ã o val ora ti va que t enh a em c on ta o s eu am pl o s en tido no rm at i vo-c ons ti tuc ion al, e não um a qu alqu er idéi a apri orís tic a do hom em , não po dend o r edu zi r-s e o s en tido da digni dade hum an a à def es a d os di rei tos p es s oais t radic ionais , es quec e ndo- a n os c as os d e d ire itos s oc iais , o u i n voc á -la pa ra c ons t rui r ‘ teor ia do núc l eo d a pe rs on alida de’ i ndi vid ual, igno ran do-a qua ndo s e t rat e de gar antir as bas es da e xis t ênc ia hum a na’. Daí d ec or re que a or dem ec onôm ic a há de ter po r fim as s e gur ar a tod os e xi s tênc ia digna (ar t. 170 ), a o rdem s oc ial vis a rá a re ali zaç ã o da jus tiç a s oc ial ( art . 19 3), a e duc aç ã o, o d es en vol vim e nto d a pes s o a e s eu p repa ro p ara o e xe rc íc io da c idada nia (ar t. 2 05) etc . , não c om o m eros enunc i ados f orm ais , m as c om o in dic ado res do c on teúdo no rm at i vo e fic a z da digni dade da pes s oa hum a na. ” I n: C u rso d e di re ito cons tit uci ona l pos iti vo. 19ª ed ., r e v. e a tual. São Paulo : Malhe iros , 20 01, p. 109. 297 C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 175 . 298 I bidem , p. 176 . 132 O artigo XXIV da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 traz estampado em seu texto o direito ao lazer como direito essencial a qualquer homem, dispondo que “Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.” Nossa Constituição Federal de 1988 estabelece inicialmente os fundamentos do Estado e logo após o sistema normativo básico dos direitos fundamentais, evidenciando, nas palavras de Anna Candida da Cunha Ferraz, que “o Estado brasileiro tem como valor, fins e meta fundamentais organizar-se reconhecimento, fundamentais.” O a para proteção e prover, a de modo concretização eficaz, dos o direitos 299 legislador constituinte gravou no artigo 6º de nossa Constituição da República o direito ao lazer como direito fundamental social positivando-o expressamente: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Mas não foi apenas nesse dispositivo constitucional que a Constituição assegurou o direito ao lazer. O inciso IV do artigo 7º trata do salário necessidades mínimo básicas, ao que lazer. possa O atender, artigo 217, dentre § 3º, outras fala da responsabilidade do Estado como incentivador do lazer. Já o artigo 227 destaca o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar lazer às crianças e adolescentes. 299 F E RR AZ, Anna Candi da da C unha . As pec tos da pos i ti vaç ão d os d irei tos fundam entais na Co ns ti tuiç ão de 198 8. I n: Di rei tos huma nos fu ndame nta is : p os iti vaç ão e c onc ret i zaç ão . Ant onio C ar los Ped ros o [ et al] ; or gani z ado po r Ann a Candi da da C unha F err a z. Os as c o: Edi fieo , 20 06, p. 124. 133 Por uma singela leitura do artigo 7º, inciso IV, se verifica que o direito ao lazer foi colocado em igualdade com outros direitos como moradia, alimentação, educação, saúde, vestuário, higiene, transporte e previdência social, considerando-o como necessidade vital básica, não apenas do trabalhador, como também de sua família. Assim como a saúde, o direito ao lazer é um bem relevante à vida humana, elevado que está à condição de direito fundamental. O artigo 217, § 3º, da Constituição Federal, do título da Ordem Social, capítulo que trata da Educação, da Cultura e do Desporto, se relaciona com os artigos 6º e 7º, inciso IV, pois o lazer é colocado como integrante do desporto informal, o qual abriga atividades físicas exercidas livremente em clubes, escolas, empresas, parques. Consta, também, que o poder público incentivará o lazer como forma de promoção social. Para Beatris Francisca Chemin “o lazer deve fazer parte da vida do cidadão como forma de atividade física, de manter o equilíbrio entre o corpo e a mente e, sendo forma de integração social, pode ser exercido por qualquer pessoa, pertencente a qualquer classe social, atingindo e congregando inclusive as manifestações comunitárias.” 300 No tocante ao caput do artigo 227, deve-se considerar que a oportunização de práticas esportivas possui o condão de afastar as pessoas das drogas, da marginalidade, integrando minorias carentes. No entanto, o ideal seria unir tudo isto, levando esporte, lazer e cultura “como práticas sociais integrantes do patrimônio cultural e da cultura corporal humana da sociedade contemporânea, práticas essas ligadas diretamente à melhoria da qualidade de vida de todas as pessoas.” 301 300 C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 190 . 301 I bidem , p. 193 . 134 Alexandre Lunardi, ao tratar do lazer como direito fundamental positivado, salienta que além das normas que tratam diretamente o direito ao lazer, há outras que indiretamente tutelam o exercício do direito ao lazer a exemplo daquelas disciplinadoras da duração do trabalho, da limitação da jornada de trabalho, da flexibilização da jornada de trabalho, do repouso e das férias 302 , exatamente como analisado em capítulo anterior neste estudo. Beatris Francisca Chemin encerra seu estudo incluindo relevante anotação de Nelson Carvalho Marcellino, in Estudos do lazer O lazer , por tanto, não pode m ais s er enc ar ado c om o atividade de sobr em es a ou m oda pass ageir a, m as m er ec e tr atam ento s ér io, c om o m uito bem ex press a Mar cellino ( 2000b, p. 17) : o adequado s er ia “c ons ider á- lo não c om o s im ples fator de am enizaç ão ou alegr ia par a a vida, m as c om o ques tão m esm o de s obr evivênc ia humana, ou m elhor, de s obr evivênc ia do hum ano do hom em .” Reivindic ar e c oncr etizar , pois o dir eito ao tem po livr e c om o lazer é ex pr ess ar um a nova f orm a de s e ef etivar a dignidade 303 hum ana. Nota-se da positivação constitucional do direito ao lazer que o legislador entende o lazer apenas como exercício em tempo livre de não trabalho, ligado diretamente ao trabalhador, e a prática de esportes, não vislumbrando o necessário alcance sócio cultural como tratado neste estudo. 3.4 Efetivação do direito ao lazer Uma das grandes preocupações da pós-modernidade atrela-se a efetivação das normas jurídicas. Bittar define adequadamente essa preocupação quando salienta: “Eis a preocupação com a questão da 302 L U NA RD I, Al e xand re. Fu nção so cia l d o di rei to ao laz er na s rel ações de t rabalho. S ão Paul o: L Tr , 20 10, p. 27 . 303 C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 193 . 135 lei na pós-modernidade: menos validade e mais eficácia, menos forma e mais sentido prático-social.” Para a 304 concretização dos direitos econômicos, sociais e culturais são necessárias várias ações em diversas esferas de atuação, o que significa dizer que devem convergir interesses e ações política, social, econômica e jurídica. Alguns 305 até sustentam que não é só por meio do cumprimento de suas obrigações, englobadas aqui as ações positivas do Estado e dos particulares, que se chegará à realização efetiva desses direitos, impugnação do seu inadimplemento. mas, também, por meio da 306 Keller salienta a obrigação, positiva e negativa, do Estado na efetivação dos exigibilidade e direitos fundamentais, justiciabilidade desses tratando direitos. brevemente Observa que da os direitos sociais “devem ter sua exigibilidade reconhecida tanto na relação Estado-cidadão justiciabilidade, entende como entre que particulares”. Ao “deve ser analisar a interpretada como a possibilidade de protestar perante o Poder Judiciário pela ausência de cumprimento de obrigações que decorrem de um determinado direito”, mas não reconhece ações processuais reais que garantam esses direitos. 307 Lunardi, procedimentos ao inverso, judiciais para aponta detalhadamente concretização do direito alguns ao lazer, tratando inicialmente da ação de inconstitucionalidade por omissão 308, 304 B I TTA R, Ed uar do C. B. O di rei to na p ós- mode rn ida de. 1ª ed . Rio de J ane iro : Forens e U ni ve rs itá ria , 20 05. 305 A B RA MO V I CK, Vic tor ; CO U R TIS , Chris tian . A pun tes s ob re l a e xi gibili dade judic ial de los der ec hos s oc i ales . I n: S A RLE T, I ngo W olfga ng. Di reitos fund am en tais s oc i ais : es tudos d e di reit o c ons ti tuc ion al, in ter ac ion al e c om p ara do. Rio d e J anei ro: Ren o var , 20 03, p. 137 -138 ap ud K ELL ER , W erner. O d i rei to ao t rab alho c omo di reito f und amen tal : i ns tr um entos de efet i vidad e. São Pau lo: L Tr , 2 011, p. 35. 306 K ELL E R, W erne r. O d ire ito a o tr abal ho com o d ir eit o fun dame nta l : ins t rum en tos de e feti vi dade . São Paul o: LTr , 2011 , p . 34 -35 . 307 I bidem , p. 35. 308 L U NA RD I, Al e xand re. Fu nção so cia l d o di rei to ao laz er na s rel ações de t rabalho. S ão Paul o: L Tr , 20 10, p. 11 3-1 25. 136 prevista no artigo 103, § 2º, da Constituição da República que determina “ Art. 103, § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.” Após considerações sobre o instituto, conclui que o r es ultado de um a aç ão de inc onstituc ionalidade por om iss ão é apenas dar c iênc ia ao Poder res pec tivo, tanto Legis lativo c om o Exec utivo, da om iss ão pr atic ada. Iss o oc orr e em r azão da pr oteç ão do pr incípio da discr ic ionar iedade do legis lador, que es tabelece que o m om ento para a pr átic a do ato é um a decis ão polític a do Poder em ques tão, não podendo, por tanto, ser perm itido que outro Poder r ealize esta interfer ênc ia s ob pena de violaç ão do ar t. 2º da Cons tituiç ão F eder al, que es tabelece os Poder es da União c om o harm ônic os e independentes entre s i. No que se r efer e ao Poder Ex ec utivo, ainda que a Constituiç ão F eder al es tipule a obr igaç ão de f azer no pr azo de 30 dias , ela não prevê qualquer s anç ão par a hipótes e de desc um pr im ento da ordem j udic ial, o que tor na igualm ente 309 inef icaz a s ua dec is ão. Esse autor estuda também o mandado de injunção para a efetivação do direito social ao lazer, previsto no artigo 5º, inciso “LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.” Conclui que este instituto possui apenas eficácia declaratória, “uma vez que são muito reduzidas as hipóteses em que o tribunal concede o direito imediatamente até a superveniência da norma reguladora.” No ponto nodal deste estudo, a questão da efetivação do direito ao lazer, Lunardi conclui que esses institutos – ação de inconstitucionalidade por omissão ou mandado de injunção – não contribuem para a efetivação do direito ao lazer. 309 I bidem , p. 123 . 310 I bid. , p . 127 . 310 137 Jorge Luiz Souto Maior analisou o direito ao lazer, mas nomeando-o como o direito desconexão do trabalho, afirmando que sua efetivação seria um resgate da natureza humana com o encontro de “si mesmo, para que consiga ser pai, mãe, filho, amigo; para que leia livros, assista filmes etc.; para que tenha tempo de rir, chorar, se emocionar. Não se alcança a plenitude do ser sem o sentimento.” 311 Souto Maior afirma nesse estudo ser necessário para a efetivação do direito à desconexão do trabalho (direito ao lazer) que uma técnica jurídica nova deveria tutelar o alcance desse direito, não só do trabalhador, mas também daquele que não está atrelado ao direito do trabalho. Também deveriam ser estabelecidas técnicas jurídicas de controle e repressão rigorosas sobre a prestação de serviço em horário extraordinário, com vistas aos limites diários e semanais da jornada de trabalho constantes do artigo 7º, inciso XIII, da Constituição da República, e, tema estudado anteriormente neste em relação à limitação da jornada e flexibilização da jornada de trabalho. 312 Para se alcançar a solução da problemática proposta, qual seja, a de encontrar os meios ou o meio de efetivação do direito social ao lazer, importa considerar se o homem, o homem trabalhador, foi educado para e pelo lazer, “no sentido de estabelecer um estilo de vida em que exista equilíbrio entre trabalho e lazer.” Tanto a família, a mídia, a vizinhança, a instituição comunitária, a escola podem ter contribuído para uma educação que não priorize o exercício do lazer, e em consequência, a busca concretização da cidadania. pela realização desse direito, a 313 311 MA I O R , J or ge Lui z Sou to. Do d ir ei to à d esc onex ão d o t rab alh o. Re vis ta do D epa rtam ento de Di reit o d o Trab alho e da S egurid ade Soc ia l. Fac uld ade de D irei to da U ni ve rs ida de d e S ão Paulo . V. 1 , n . 1 , ja n/ j un 2 006 , p . 91 -95 . 312 I bidem , p. 91 -95. 313 MÜ L L ER , Adem i r. C ultu ra do la ze r do tr abalh ado r da i ndús t ria : i nc lus ão ou e xc lus ão? I n: MÜ LLE R, Adem i r; DA C O S TA , Lam a rtin e Pe rei ra [o rg. ] Laz e r e t raba lho : um ú nic o ou m últ iplos olha res ? San ta Cru z do Sul : ED U NI SC , 83/1 15, 2003 , p . 12 1-12 2. 138 Muller afirma nesse contexto que lazer é um a atividade m ultidis c iplinar e dever ia ser tr abalhada de um a form a inter dis c iplinar entre os vár ios pr of iss ionais da esc ola. Ar tes, f es tas tr adic ionais, exc urs ões , j ogos , es portes , ginás tic a, danç a, ac am pam entos, teatr o, m ús ic a, pintura, entr e outr as, s ão f orm as lúdic as de educ ar as cr ianç as e j ovens para o lazer e, na vivênc ia dessas pr átic as , vem a educ aç ão pelo 314 lazer . Em verdade, como analisado em detalhes, o direito ao lazer é uma conquista histórica. Há, todavia, necessidade de uma construção da cultura do direito ao lazer. Isso porque não é só do poder público a obrigação de oferecer políticas públicas para a efetivação do direito ao lazer. Outros atores participam dessa cultura acerca do exercício do direito ao lazer, como a família, a comunidade, o sindicato, amigos, dentre outros, e principalmente, a escolha pessoal. 315 Para Calvet, deve-se atentar para a orientação da conduta do empregador nas relações trabalhistas, no ensejo de que esse respeite as determinações legais relativas à duração do trabalho, jornada, repouso e descansos estabelecidos, bem como incentive os trabalhadores a práticas que desenvolvam o lazer. Salienta também o autor que devem ser incentivadas práticas que viabilizem o despertar da criatividade e do exercício do pensamento, garantindo ao trabalhador um patamar mínimo de qualidade de vida. A criação de ambientes de desenvolvimento do lazer é outra prática sugerida pelo autor. 316 Sustenta, ainda, que esse incentivo, essa cultura positiva do exercício do direito ao lazer possibilitaria a tutela judicial do instituto, pois atualmente a cultura dominante dificilmente traz efeitos positivos à demanda judicial. 317 314 I bidem , p. 122 . 315 I bid. , p . 133 . 316 C AL VE T, Ota vio Am ar al. D ir eit o a o Laz e r nas re laçõ es de t raba lho . São Paulo : LTr, 20 06, p. 106 -109 . 317 I bidem , p. 110 . 139 Nesse sentido, poucas são as decisões judiciais encontradas. Em nossa pesquisa, observamos justificativas simples aos pedidos de indenização pela supressão do exercício do direito ao lazer em razão do número excessivo de horas extraordinárias praticadas em algumas empresas. A justificativa equivalente nas decisões restringe-se à questão do pagamento das horas extras, entendendo os juízes não fazer jus o trabalhador a indenização pela supressão, posto configurar um bis in idem. Mas, algumas decisões já foram prolatadas no sentido de reconhecer a condenação de indenização por danos morais pela supressão do exercício do direito ao lazer, como a decisão abaixo DIREIT O AO LAZ ER. DIREIT O SO CIAL PREVIST O NO ART IGO 6º, “CAPUT ”, DA CO NST IT UIÇÃO F EDERAL. INDENIZ AÇÃO POR DANO S MO RAIS. O dir eito ao lazer , pr evis to na Cons tituição F eder al c om o dir eito s oc ial e em divers as outras norm as inter nac ionais , ao s er violado, ger a o dir eito à r epar aç ão, em razão do latente dano à m or al c aus ado, pois diante da pr ivação do direito ao lazer do r ec lam ante, foi obs tado o dir eito ao c onvívio s oc ial e f am iliar, bem com o o dir eito ao desc anso. ( ...) Ass im , o dir eito ao lazer , previsto na Constituiç ão F eder al c om o dir eito s oc ial e em divers os outr os tex tos legis lativos , ao s er violado, ger a o dir eito à r epar aç ão, em r azão do latente dano à m or al c aus ado, pois diante da pr ivação do dir eito ao lazer do rec lam ante, foi obs tado o dir eito ao c onvívio soc ial e fam iliar , bem c om o o dir eito ao desc ans o. O dano m oral oc as iona les ão na esfer a pers onalíss im a do titular , violando s ua intim idade, vida privada, honr a e im agem , im plic ando num a indenizaç ão c om pensatór ia ao 318 ofendido. A pós-modernidade carrega inúmeros paradoxos resultantes do desenvolvimento desenfreado do capitalismo, surgindo a necessidade de tutela dos direitos sociais fundamentais, dentre eles o direito ao lazer, no ensejo precípuo de salvaguardar a dignidade da pessoa humana, e obter um sistema que concretize a justiça social, isso se dará com esforços conjuntos do Estado e sociedade civil. 318 B R AS IL. Tr ibu nal Reg ion al d o T rab alh o d e S ão Paul o. 4ª Tu rm a. R O 00 733. 2008 .261 .02. 00-5 . Des . Relat ora I va ni Cont ini Bram ante . DJ 0 9.11 .20 10. nº 140 Conclusões Analisando as transformações sociais dos últimos séculos concluímos que os direitos fundamentais são direitos dinâmicos que nascem e florescem da evolução do homem e suas conquistas. Um construído histórico que visa tutelar as diversas formas que o homem convive em sociedade, as relações do particular e dessa sociedade com o Estado, bem como as relações do homem com o meio ambiente que faz parte. Esses direitos fundamentais foram reconhecidos progressivamente na história do homem e do direito, possuindo caráter cumulativo, de complementariedade e não de alternância, não havendo substituição de direitos ao longo do tempo. Denominando-os em grupo, para fins didáticos, como diretos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões. O direito ao trabalho e o direito ao lazer são conquistas do século XIX emergindo dos impactos da revolução industrial para socorrer as extenuantes e degradantes formas de trabalho, no ensejo de combater as condições de trabalho nas fábricas, minas e outros empreendimentos, que usavam mulheres e crianças para um trabalho em condições insalubres pelo pagamento de salários baixos. Conquistas do movimento revolucionário e reformista que nasceu de revolta intelectual e política. A revolução industrial trouxe também novas tecnologias que evoluem em ritmo frenético chegando hoje à era da informação, transformando o mundo do trabalho dos primórdios ruralistas para as redes de informações globais. O homem deixa de pensar o trabalho como dor, sofrimento, pecado, escravidão, venda do tempo, atividade nobre e meio de subsistência e caminha para a busca de realizações pessoais, até se defrontar com um enigma: trabalhar para viver, viver para trabalhar, ou trabalhar e viver? 141 Nos últimos trinta anos, com a pós-modernidade, há um debate social sobre a questão. Sociólogos, psicólogos, antropologistas e juristas debatem questões sobre a centralidade do trabalho e seus efeitos sociais. Isso porque a era da informação traz novas formas de prestação de serviços em conflito com o trabalho assalariado. No entanto, isso não significa afirmar que essas transformações, flexibilidade e informalismo deem ensejo ao fim da centralidade do trabalho. Apenas ajustes de conduta e necessidade de florescimento de novas tutelas jurídicas. Surge desse contexto novos paradigmas, novas necessidades, sendo uma delas a observância da regulação do tempo de trabalho, flexibilização adequada das horas de trabalho e tutela da limitação do tempo de trabalho, sob pena de suprimir o exercício do direito ao lazer, instituto que propicia a convivência familiar, o desenvolvimento intelectual, cultural, psicológico e educacional, bem como a recomposição das energias físicas e mentais. Mas, para a efetivação do direito ao lazer primeiramente será necessário uma transformação ideológica, uma construção cultural do direito ao lazer, ou seja, a sociedade deverá ser educada a fazer do lazer um estilo de vida equilibrando-se com o trabalho e as demais atividades da vida. Com esse sentimento, essa conduta, o cidadão buscará a realização de seus direitos que já está positivado no ordenamento constitucional. Assim a efetivação do direito ao lazer deve partir de uma construção cultural, com políticas públicas voltadas a execução do lazer, com a criação de ambientes de desenvolvimento do lazer nas empresas, com a consciência do cidadão no valor e necessidade do exercício do direito ao lazer, políticas, legislativas e judiciais. contagiando, inclusive, decisões 142 Referências bibliográficas ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense, 2000. ALVIM, Márcia. Monografia jurídica. Sínteses organizadas Saraiva, nº 1, São Paulo: Saraiva, 2009. AMARAL, Julio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. São Paulo: LTr, 2007. ARISTÓTELES. A política. Trad. Nestor Silveira Chaves. São Paulo: Escala, 2005. ARRUDA, José J. de A.; PILETTI, Nelson. Toda a história: história geral e história do Brasil. São Paulo: Ática, 1995. BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. BASTOS, Ana Clara. 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