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CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO - UNIFIEO
PROGRAM A DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM DIREITO
SANDRA REGINA PAVANI FOGLIA
DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO:
EFETIVIDADE DO DIREITO AO LAZER
Osasco
2011
2
SANDRA REGINA PAVANI FOGLIA
DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO:
EFETIVIDADE DO DIREITO AO LAZER
Diss er taç ão apr es entada à Banca Ex am inador a do UNIF IEO
– Centr o Univers itár io F IEO , c om o ex igênc ia parc ial, par a a
obtenç ão do título de Mes tr e em Dir eito, tendo c om o ár ea de
c onc entraç ão:
Pos itivaç ão
e
Concr etizaç ão
J ur ídic a
dos
Dir eitos Hum anos inser ido na linha de pes quis a Dir eitos
F undam entais em s ua Dim ens ão Mater ial, sob a or ientaç ão
do Pr ofess or Doutor Dom ingos Sávio Z ainaghi.
Osasco
2011
3
SANDRA REGINA PAVANI FOGLIA
DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO:
EFETIDADE DO DIREITO AO LAZER
Diss er taç ão apr es entada à Banca Ex am inador a do UNIF IEO
– Centr o Univers itár io F IEO , c om o ex igênc ia parc ial, par a a
obtenç ão do título de Mes tr e em Dir eito, tendo c om o ár ea de
c onc entraç ão:
Pos itivaç ão
e
Concr etizaç ão
J ur ídic a
dos
Dir eitos Hum anos inser ido na linha de pes quis a Dir eitos
F undam entais em s ua Dim ens ão Mater ial, sob a or ientaç ão
do Pr ofess or Doutor Dom ingos Sávio Z ainaghi.
BANCA EXAMINADORA
________________________________
________________________________
________________________________
Osasco, _____/______/_____
4
Dedico este estudo à minha Mãe que me ensinou a
perseverar sempre para alcançar meus objetivos.
5
Agradeço ao Professor Domingos Sávio Zainaghi
pela honrosa oportunidade de ser sua orientanda, e
pelos conselhos afortunados.
Agradeço
Candida
da
especialmente
Cunha
Ferraz
à
pelo
Professora
apoio
e
Anna
incentivo
permanentes nessa trajetória, algumas vezes dif ícil.
Algumas outras pessoas foram demasiadamente
importantes
Nadja
neste
Polezer,
contexto,
Marcelo
assim
Domingues
agradeço
de
a
Andrade,
Ana Cristina Moreira, Elizabeth Cavalcante Nantes, e à
Professora Debora Gozzo, amigos queridos que estarão
sempre próximos.
6
RESUMO
As constantes transformações nas relações de trabalho, a influência
das exigências econômicas nessas, o impacto da globalização, da
revolução tecnológica, e a busca da constitucionalização de normas,
trazem um repensar das horas destinadas ao trabalho e ao lazer.
Detectar a relevância que o tempo livre, regulado pelo tempo de
trabalho possui na vida do cidadão, para o simples descanso, para o
aperfeiçoamento
sociedade,
ou
profissional,
buscar
para
interagir
desenvolvimento
com
cultural
a
e
família
e
intelectual,
exercendo o direito ao lazer é o desafio proposto.
O estudo desenvolvido demonstra de maneira racional, e calcado em
disposições
jurídicas,
bem
como
em
reflexões
inter
e
transdisciplinares as reivindicações sociais emergentes a concretizar
o exercício do direito ao lazer.
Por fim, se torna manifesta a assertiva de que o Direito se revela
como consequência de um construído histórico por meio de lutas e
reivindicações do homem, e se instala no meio social como um dos
elementos de transformação modernizadora da sociedade.
Palavras-chave: Direitos fundamentais. Transformações no mundo do
trabalho. Regulação do tempo de trabalho. Lazer. Direito ao lazer.
7
ABSTRACT
The hours for labor and pleasure, according to the present legislation
in the process of Law constitucionalization are under the influence of
the
huge
economic
demands
due
to
the
impact
globalization
phenomenom as well the tecnology revolution.
The main goal is relevant given the importance of the leisure hours to
the professional improvement, the family interaction and the social life,
and also to the
cultural and intelectual development of the person,
once it is vital to the analysis of this fundamental right.
The
present
work
is
based
on
juridical
issues
and
inter
and
transdisciplinaries thoughts shows effectively the social emerging
demands to accomplish the leisure right.
Finally, it is possible to assume that the Law is a consequence of the
historical process of struggle and demands of the human being. It
instals itself in the social life as one of the elements of the
transformation of modern society.
Key- words: Fundamental Rights – labor changes – labor regulation
working hours – leisure – right to leisure.
8
SUMÁRIO
Introdução .................................................................................. 10
1 Direitos fundamentais: aspectos gerais ...................................... 12
1.1
Conceito e terminologia ..................................................... 12
1.2
Evolução histórica ............................................................ 18
1.2.1 Antiguidade .................................................................... 19
1.2.2 Magna Carta. A Petição de Direitos. A Lei de Habeas Corpus
de 1679. Declaração de direitos inglesa de 1689 .............. 23
1.2.3 O
iluminismo.
Declaração
de
A
Declaração
Independência
de
Direitos
dos
de
Estados
Virginia.
Unidos
e
Constituição Norte-Americana .......................................... 29
1.2.4 Revolução francesa. Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789 ............................................................. 34
1.2.5 A Constituição francesa de 1848. O Manifesto do Partido
Comunista. A Encíclica Rerum Novarum ........................... 39
1.2.6 A Constituição mexicana de 1917. A Constituição alemã de
1919. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 .............................................................................. 44
1.3
As diversas dimensões dos direitos fundamentais ............... 48
1.3.1 Os direitos fundamentais da primeira dimensão ................ 50
1.3.2 Os direitos fundamentais de segunda dimensão: econômicos,
sociais e culturais ........................................................... 51
1.3.3 Os direitos fundamentais de terceira dimensão: os direitos de
solidariedade e de fraternidade ........................................ 55
1.3.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão ........................ 57
2. As transformações no mundo do trabalho .................................. 58
2.1 O trabalho da Antiguidade grega à modernidade .................... 59
2.2
Direitos
sociais
e
sua
positivação
nas
Constituições
brasileiras ........................................................................ 71
2.3 Pós-modernidade: o debate sobre a centralidade do trabalho.. 88
2.4 A regulação do tempo de trabalho ......................................... 91
9
2.4.1
A
regulação
do
tempo
de
trabalho
na
organização
capitalista produtiva – de Marx à superação do binômio
pós-fordismo ................................................................... 99
2.4.2 Flexibilização da jornada de trabalho ............................... 113
2.4.2.1 Banco de horas ......................................................... 114
2.4.2.2 Turnos de revezamento ............................................. 117
2.4.3 Normas fundamentais de limitação do tempo de
trabalho ......................................................................... 119
3 Direito ao lazer ....................................................................... 125
3.1 Conceito sociológico .......................................................... 125
3.2 Conceito jurídico ................................................................ 129
3.3 Positivação constitucional do direito social ao lazer ............. 131
3.4 Efetivação do direito social ao lazer .................................... 134
Conclusões ............................................................................... 140
Referências bibliográficas .......................................................... 142
10
Introdução
As
profundas
desenvolvimento
e
constantes
tecnológico
jungidas
alterações
à
crise
trazidas
econômica
pelo
e
ao
desequilíbrio social, refletem diretamente nas relações de trabalho,
surgindo, inclusive, uma flexibilização dos processos do trabalho,
criando
várias
categorias
de
trabalhadores.
Além
disso,
essas
transformações submetem o tempo livre dos trabalhadores, destinado
ao exercício do direito ao lazer, às necessidades do mercado
capitalista e à competitividade entre as empresas.
A atual Constituição Federal consagra inúmeros dispositivos à
proteção da pessoa, aos direitos sociais, aos direitos individuais dos
trabalhadores e aos direitos coletivos, como direitos fundamentais de
aplicabilidade imediata, que devem ser concretizados.
Nesse viés, o artigo 6º da Carta Magna tutela, dentre outros
direitos sociais fundamentais, o direito ao lazer, a proteção ao tempo
livre do trabalhador, direcionando a um repensar das disposições
contidas nas regras de direito e no comportamento social.
Desde Montesquieu e Rousseau afirma-se que o trabalho é um
direito do homem, princípio fundante do próprio direito à vida, tendo
em vista que para viver o homem necessita prover a sua subsistência
através de um trabalho digno, inegável, portanto, a dimensão pessoal
e social do tempo de trabalho.
No entanto, importa perceber que o tempo livre do trabalhador
também possui relevante conotação em sua vida, quer seja para o
simples descanso, quer seja para o aperfeiçoamento profissional, para
interagir-se com a família e sociedade, buscar desenvolvimento
cultural e intelectual, efetivamente exercer o direito ao lazer.
11
O tema proposto para pesquisa desperta interesse em razão das
condições e reflexos sociais concretos, buscando demonstrar as
exigências de transformação social que propiciará o crescimento do
indivíduo, colaborando, ainda, com a multiplicidade de aspectos que a
realidade se manifesta.
Neste estudo se demonstrará de maneira racional, e calcada em
disposições
jurídicas,
bem
como
em
reflexões
inter
e
transdisciplinares as reivindicações sociais emergentes a concretizar
o exercício do direito ao lazer.
Concordam os doutrinadores quanto ao reconhecimento da
autorização estatal em defender e garantir ativamente os direitos
fundamentais vaticinados na ordem constitucional, consequência do
processo histórico de afirmação dos direitos fundamentais.
Não se pode olvidar, no estudo do tema, que a globalização
exacerba
as
desigualdades
econômico-sociais,
fortalecendo
os
poderes privados, e, assim, denotando a importância da tutela dos
direitos dos trabalhadores.
A limitação da duração de trabalho é condição vital para
assegurar o pleno desenvolvimento da personalidade, através de
práticas do direito social ao lazer, previsto no artigo 6º da Carta, bem
como
para
afirmação
dos
direitos
fundamentais
individuais
da
intimidade e da vida privada, para o repouso, para o desenvolvimento
da formação da personalidade da pessoa, participação social e
convivência com a família.
Por fim, numa sociedade em permanente transformação,
deve-se atentar para a tutela dos direitos fundamentais individuais e
sociais,
especialmente
constitucionalmente.
na
efetivação
dos
direitos
garantidos
12
1 Direitos fundamentais: aspectos gerais
1.1 Conceito e terminologia
Ao longo da história, a doutrina e o direito positivo internacional
usaram várias expressões ao tratar o assunto, cada qual espelhando
em variações terminológicas conquistas da época, a exemplo das
expressões direitos do homem, direitos humanos, direitos individuais,
liberdades individuais e direitos humanos fundamentais. 1
No
entendimento
de
Norberto
Bobbio,
essa
variação
terminológica seria um itinerário de desenvolvimento dos direitos
humanos,
pois
nascem
como
direitos
naturais
universais,
desenvolvem-se como direitos positivos particulares quando cada
Constituição
incorpora
Declarações
de
Direitos,
para
finalmente
encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais 2.
Direitos do homem seriam aqueles direitos naturais ainda não
positivados, possuindo conotação marcadamente jusnaturalista por
sua mera condição humana de direitos não positivados. Quanto aos
direitos humanos, seriam aqueles positivados na esfera do direito
internacional, guardando relação com posições jurídicas que se
reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua
vinculação com determinada ordem constitucional, e que aspiram
validade
universal.
E
direitos
fundamentais
seriam
os
direitos
reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional
interno de cada Estado.
No Brasil, pouco se desenvolveu sobre o tema de 1948, ano em
que foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e
1
2
O es tu do des e n vol vido no pró xim o c apí tulo - E voluç ão
f undam e ntais - d em ons t ra rá po ntua dam en te os m om ent os
c on quis t as e te rm inolo gia util i zada .
his t óric a dos dire itos
his t óric os , res p ec ti vas
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho, 5ª reimpressão. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 37 a 42.
13
1964
quando
do
golpe
“descobertos”
por
militar.
organizações
Mas,
da
os
direitos
sociedade
humanos
civil
como
são
“uma
gramática utilíssima para o confronto com a ditadura” 3 na década de
1970. Na década de 1980 com a valorização da democracia como
valor
universal,
nasce
a
luta
pela
concretização
dos
direitos
humanos. 4
Tirante
o
curto
espaço
de
tempo
do
processo
de
redemocratização iniciado em 1985, é promulgada em 1988 nossa
Constituição da República que “integra no ordenamento jurídico a
gramática dos direitos humanos”, e mesmo com “erros de ortografia” 5,
pois “relevantes medidas ainda necessitem ser adotadas pelo Estado
brasileiro para o completo alinhamento do país à causa da plena
vigência dos direitos humanos” 6 é considerada
( ...) c om o m arc o jurídic o da instituc ionaliza ç ão dos dir eitos
hum anos e da tr ans ição dem ocr átic a do País , ineditam ente,
c ons agr a o pr im ado do r es peito aos dir eitos hum anos c om o
7
par adigm a pr opugnado para a or dem internacional.
Nossa Constituição da República trata os direitos fundamentais
com uma diversidade semântica, ora encontram-se expressões como
direitos humanos, a exemplo do inciso II, artigo 4º, ora direitos e
garantias fundamentais, parágrafo 1º do artigo 5º, neste mesmo artigo
inciso LXXI a expressão direitos e liberdades constitucionais, e no
inciso IV, parágrafo 4º do artigo 60 direitos e garantias individuais, e
3
V IEI R A, J os é C arlos . Dem oc raci a e d i rei tos hu mano s no B ras il. São Pa ulo: Ediç ões
Lo y ola, 200 5, p . 7 .
4
Ib idem , p . 7, 8 e 15. Im p ort a aqui , c om o um s ut il c om plem ento , o pe ns am en to de
N or ber to Bobb io em s ua o br a A e ra dos di re it os . Trad . de C arl os Nels on C outin ho, 5ª
r eim p. Rio de J an eiro : Els e vier , 2004 , p. 22, in v er bis : [. ..] Dir eitos do hom em ,
dem oc rac i a e pa z s ão três m om en tos n ec es s ár ios do m es m o m o vim e nto his tór ic o: s em
di rei tos d o h om em rec onhec idos e p rot egidos , não há dem oc rac ia ; s em dem oc rac ia , n ão
e xis tem as c ond iç ões m í nim as pa ra a s oluç ão pac ífic a d os c onfl itos . Em out ras
pa la vr as , a d em oc rac ia é a s oc ied ade dos c idadãos , e os s údi tos s e tornam c id adãos
qu ando lh es s ão rec o nhec i dos algu ns dire itos fun dam en tais ; h a verá p az es t á vel, um a
pa z que não tenh a a gue rra c om o alte rnat i va, s om e nte quand o e xis tir em c i dadãos não
m ais ape nas d es te ou d aqu ele Es ta do, m as d o m und o.
5
V IEI R A, J os é C arlos . Dem oc raci a e d i rei tos hu mano s no B ras il. São Pa ulo: Ediç ões
Lo y ola, 200 5, p . 1 0.
6
P I OV ES A N, Fla via . Temas de di rei tos huma nos. 3ª e d. São Paul o: Sara iv a , 200 9, p . 36
e 37.
7
I bid em , p . 36 e 38.
14
dessa positivação seguem as diversas opções de nomenclatura
justificadas pelos estudiosos da matéria como analisado a seguir.
José Afonso da Silva adota a expressão direitos fundamentais
do homem, pois entende que essa
( ...) r ef er e-s e a pr incípios que r es um em a c onc epção de
m undo e inform am a ideologia polític a de c ada or denam ento
j ur ídic o, é r es er vada par a des ignar , no nível do dir eito
pos itivo, aquelas prerr ogativas e ins tituiç ões que ele
c oncr etiza em gar antias de um a c onvivênc ia digna, livr e e
igual de todas as pess oas . No qualitativo fundam entais
ac ha-s e a indic aç ão de que s e tr ata de s ituaç ões j ur ídic as
s em as quais a pess oa hum ana não s e r ealiza, não c onvive
e, às vezes , nem m esm o s obr evive; f undamentais do hom em
no s entido de que a todos , por igual, devem s er , não apenas
f orm alm ente r ec onhecidos , m as c oncr eta e m ater ialm ente
efetivados . Do hom em, não c om o o m ac ho da es péc ie, m as
no s entido de pess oa hum ana. Direitos fundam entais do
hom em s ignifica dir eitos f undam entais da pess oa hum ana ou
8
dir eitos f undam entais.
Paulo Bonavides entende aceitável a utilização das expressões
direitos humanos e direitos fundamentais como sinônimas, mas afirma
que razões didáticas exigem que a expressão direitos humanos seja
adotada quando o assunto versar sobre direitos da pessoa humana
antes de sua constitucionalização ou positivação nos ordenamentos, e
a expressão direitos fundamentais quando esses direitos estiverem
normatizados. 9
Esclarece Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a igualdade de
direitos entre homem e mulher eliminou politicamente a expressão
direitos do homem, impondo, em substituição, a terminologia direitos
humanos fundamentais, sendo direitos fundamentais sua abreviação
correspondente.
10
Para Sergio Rezende de Barros a semântica correta é direitos
humanos fundamentais, afirmando ser um instituto uno e indivisível,
8
Curso de direito constitucional positivo. 19ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 182.
9
Os direitos humanos e a democracia. In: SILVA, Reinaldo Pereira e. [org.] Direitos
humanos como educação para a justiça. São Paulo: LTr, 1998, p. 16.
10
D i re ito s h uman os fun dam ent ais . 8ª ed. , re v. e a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 14.
15
que não comporta divisão em seus termos, sob pena de afetar o
instituto jurídico, justificando que
Na ver dade, o ins tituto nasc eu uno e nunca f oi s enão um ,
c onquanto adm ita, com o outr os ins titutos e c onc eitos
j ur ídic os, níveis ou c am pos de c om pr eens ão e de ex tens ão
que podem var iar do m ais ger al e f undam ental ao m ais
11
par tic ular a oper ac ional.
Para Ingo W olfgang Sarlet os direitos fundamentais nascem e se
desenvolvem com as constituições nas quais foram reconhecidos e
assegurados. Distingue o autor as expressões direitos humanos de
direitos fundamentais a partir do critério de seu plano de positivação,
optando em sua obra pela utilização da segunda expressão 12. Sobre a
distinção terminológica aduz:
( ...) o term o dir eitos f undam entais se aplica par a aqueles
dir eitos do s er hum ano r ec onhec idos e pos itivados na esfera
do dir eito cons tituc ional pos itivo de determ inado Estado, ao
pass o que a ex pr ess ão dir eitos hum anos guarda r elaç ão com
os doc um entos de dir eito inter nac ional, por r efer ir-s e
àquelas pos iç ões j urídic as que s e r ec onhec em ao s er
hum ano com o tal, independentem ente de s ua vinc ulaç ão com
determ inada or dem c ons tituc ional, e que, por tanto, as piram
à validade univers al, par a todos os povos e tem pos , de tal
13
s or te que r evelam um inequívoc o c ar áter s upranac ional.
Já Vidal Serrano Nunes Junior conceitua direitos fundamentais
como
( ...) o s istem a aber to de pr incípios e regr as que, or a
c onfer indo dir eitos subj etivos a s eus des tinatár ios , or a
c onform ando a f orm a de s er e de atuar do es tado que os
r ec onhec e, tem por obj etivo a pr oteção do s er hum ano em
s uas divers as dim ens ões , a s aber : em sua liber dade (dir eitos
e gar antias individuais) , em s uas nec ess idades ( dir eitos
s oc iais , ec onôm ic os e c ultur ais ) e em r elaç ão à sua
14
pr es er vaç ão (s olidar iedade).
11
D i re ito s h uman os : pa ra doxo da ci viliz ação . Bel o Hori z onte : Del Re y , 200 3, p. 3 9.
12
SARLET, Ingo W olfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ª ed., Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, p. 35 a 42.
13
Ibidem, p. 35 e 36.
14
A c id adan ia soc ial n a Co nst itu içã o de 1988 : es t rat égias de p os iti vaç ão e e xi gibili dade
ju dic ial dos dire itos s oc iais . São Paul o: Ve rbat im, 200 9, p . 1 5.
16
E, explicita seu entendimento de serem os direitos fundamentais
um sistema afirmando
Aponta- se que os dir eitos f undam entais c onstituem um
s is tem a, na m edida em que s uas norm as estão em cons tante
interação, r ec onduzindo s em pr e ao m esm o obj eto: a
pr oteção do ser humano. Ass im , um dir eito f undam ental
im plic a outr o e um inf luenc ia o c onteúdo do outr o, de tal
m odo que, fora de um a anális e s is tem ática, não poder iam
s er enfoc ados c omo um a es péc ie de s om atór ia de
15
dis pos iç ões analitic amente is oladas.
Analisando a relação conceitual entre direitos fundamentais e
direitos humanos, Vidal Serrano Nunes Junior afirma que o objeto de
ambos é idêntico, germinando para o mesmo fim, qual seja, “a
proteção do ser humano em todas as suas dimensões” 16, e se nota
uma relação de derivação. O autor segue o entendimento que afirma
serem os direitos fundamentais aqueles positivados internamente
pelos
Estados,
e
direitos
humanos
aqueles
identificados
em
declarações e tratados internacionais, mas entende não ser apenas
essa diferença, ressaltando duas funções essenciais dos direitos
humanos
15
•
f unção nor mogenétic a, na m edida em que s er vir ão de
f undam ento par a a c ons agr aç ão de dir eitos f undam entais
nas r es pec tivas ordens inter nas . T er ão, em outr as
palavr as , um a f unç ão de s ubstanc iaç ão dos direitos
f undam entais , quer pela inc or por aç ão às r es pec tivas
c ons tituiç ões , quer pelo r ec onhec im ento, pela or dem
interna, dos tr atados e c onvenções de direitos hum anos .
•
f unção tr ans lativa, na m edida em que, ver if ic ada a
ins uf ic iênc ia de um Es tado no r ec onhec im ento e na
pr oteção dos direitos ess enc iais ao s er hum ano, a
questão s e des loc a da or dem inter na para o cenár io
internac ional.
N U N ES J UN IO R, Vidal S er rano. A ci dada nia s ocia l na C ons ti tuiçã o de 19 88 :
es tra tégias d e pos iti v aç ão e e xi gibil idad e j udic ia l dos dir eitos s oc i ais . S ão Pau lo:
V erb atim , 200 9, p 15 .
16
I bidem , p 23.
17
Para enfeixar esta linha de reflexão, sobre a relação conceitual
entre direitos humanos e direitos fundamentais, merece nota a
questão que floresceu com o advento da Emenda Constitucional nº 45,
de 8 de dezembro de 2004, ao incorporar à ordem interna os tratados
internacionais de direitos humanos, incluindo um § 3º ao artigo 5º 17,
pois apesar da densidade normativa do artigo 5º, § 2º da Constituição
da República 18, entendia o Supremo Tribunal Federal que esses
tratados mesmo relacionados a direitos fundamentais equivaleriam em
nosso ordenamento a lei ordinária 19. Nesse período, o Supremo
Tribunal Federal não admitia a força de convenção internacional,
mesmo não menosprezando o objetivo nela contido.
20
17
§ 3 º . Os tra tados e c on v enç ões i nte rnac io nais s ob re di rei tos hum a nos q ue forem
ap ro va dos , em c ad a Cas a do Con gres s o Nac i onal , em dois tu rnos , por três qu intos d os
v o tos d os r es pec t i vos m em b ros , s er ão e qui val entes às em endas à Cons t ituiç ão.
18
§ 2 º. Os dire itos e ga rant ias e xpr es s os nes t a Cons tituiç ão não exc lu em outros
dec or rent es do r egim e e dos pri nc ípios por ela ado tados , ou dos tra tados in tern ac ionais
em que a Repú blic a Fede rati v a do B ras il s eja part e.
19
P ara m el hor en tendim ento des s a as s erti v a, ler d ec is ã o s o b a relat ori a d o Mi n is tr o Cels o
de Me llo que dem ons tra es s a pos iç ão d o S upr em o Tribu nal Fede ral. D is pon í vel em
< http :// www. s tf .jus .br /port al/ju ris p rude nc ia. > Ac es s o em 1 8.11 .200 9. D ec is ão do
Tr ibu nal Ple no. A DI 1480 MC / D F - Dis trit o Fede ral Medid a Cau tela r n a A ç ão Di ret a d e
I nc ons ti tuc io nalid ade. Rel . Mi n. Cels o De Me llo . j. 04/ 09/1 997. DJ 18 .05. 2001 . p.
00 429.
20“ E ME N TA: I. Me dida pr ov is ó ria : a q ues tã o do c on trol e ju ris dic i onal dos pr es s upos tos de
r ele vâ nc ia e u rgê nc ia e a d a pr átic a das r eediç ões s uc es s i vas , agr a vada pe la ins e rç ão
nas reed iç ões da m ed ida p ro vis ória n ão c on ve rtid a, de no rm as es tran has ao s eu
c on teúd o or igina l: res e rv a pelo rela tor de ree xam e do en tend im ent o ju ris p rude nc ial a
r es pei to. II . Repo us o s em an al rem un erad o p ref er entem ente aos dom i ngos ( CF, ar t. 7º,
XV ) : his tóric o legis lati vo e int eligê nc ia: ar guiç ã o plaus í vel de c ons eque nte
inc ons ti tuc ion alida de do a rt. 6 º da M. Pr o v. 1539 -35 /97 , o q ual - ind ependen tem en te de
ac o rdo o u c on venç ão c ol eti va - fac ul ta o f unc ion am ent o aos dom i ngos do c om érc io
v a rejis ta: m edi da c aut ela r defe rida . A C ons ti tuiç ão n ão fa z abs o luta a opç ão pelo
r epous o aos dom in gos , qu e s ó im pôs "p ref eren tem e nte" ; a rel ati vi dade da í dec o rre nte
nã o p ode, c ont udo, es vaz ia r a no rm a c ons ti tuc iona l de p refe rênc i a, em rel aç ão à q ual
as e xc eç ões - s ujei tas à ra zo abili dade e ob jetiv id ade dos s eus c ri tér ios - n ão po de
c on v ert er -s e em reg ra, a arb ít rio unic am ente de em p reg ador . A Con v enç ão 12 6 d a OI T
r efo rç a a arg uiç ão d e inc ons tituc ional idade : ai nda quand o não s e qu eira c om p rom e ter o
Tr ibu nal c om a tes e da hie ra rquia c o ns tituc i onal dos t rat ados s ob re di reit os
f undam e ntais rati fic ados ant es da Co ns tit uiç ão , o m ínim o a c o nfe rir -lhe é o valo r de
po der os o re forç o à i nte rpr etaç ã o do te xt o c ons tituc i onal qu e s ir va m el hor à s ua
e feti vi dade : não é de pr es um i r, em Co ns ti tuiç ão t ão c ios a da p rot eç ão dos d irei tos
f undam e ntais qu anto a nos s a, a rup tur a c om as c on ve nç ões int ern ac io nais que s e
ins piram na m es m a p reoc up aç ão. ” B R ASI L. Sup rem o T rib una l Fed er al. Tr ibu nal Pleno .
A D I 167 5 MC / D F - D is t rito Fed eral . Medi da Caut elar na Aç ão Di ret a de
I nc ons ti tuc io nalid ade. Rel . Min. Sepúl v era P ertenc e. J . 24/ 09/1 997. DJ 19 .09 .2003 . pp
00 014.
Dis po ní vel
em
<ht tp: // www. s tf. jus .br /po rtal /ju ris pr udenc ia.>
Ac es s o
em
18 .11 .2009 .
18
Mas, a necessidade de evolução e atualização da jurisprudência
por conta da Emenda nº 45 foi realçada em decisão sob a relatoria do
Ministro Celso de Mello, ao tratar da prisão civil do depositário
judicial, incorporando, a partir de então, a noção de que os tratados
internacionais teriam caráter supralegal. E, recentemente o Supremo
Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral nos
recursos extraordinários que versem sobre a questão da ilicitude de
prisão civil de depositário infiel.
21
Nesta análise, por fim, se constata que os direitos fundamentais
são direitos dinâmicos que acompanham a evolução do homem em
sociedade, possuindo íntima relação com a dignidade da pessoa
humana, vez que asseguram, dentre outros, o direito à vida, à
integridade física e moral da pessoa, as condições mínimas para uma
vida digna, como também, a exemplo, o pleno desenvolvimento da
personalidade
da
pessoa
humana.
E
mais,
e
principalmente,
resguardam as liberdades do indivíduo frente aos poderes ou atos
arbitrários
do
Estado,
limitando-os
na
ordem
democrática
e
constitucional 22, e em consonância com o sistema de direitos e
garantias consagrados na Constituição da República e nos tratados
internacionais de direitos humanos.
1.2 Evolução histórica
Do estudo da evolução histórica das religiões, da filosofia e da
ciência se nota a preocupação especial em assegurar alguns direitos
do homem considerados fundamentais, irrompendo a história, no mais
21
B R AS IL. Sup re mo T ri bu nal Fede ra l. Segu nda Tu rm a . HC 9677 2/ SP – Sã o Pa ulo.
H abe as C orp us . Rel. Mi n . Cels o de Mel lo. D J e- 157. Di v ulg 2 0.08 .20 09. Pub lic .
21 .08 .2009 . Dis poní v el em <h ttp: // www. s tf. jus . br/ por tal/j uris prud enc ia .> Ac es s o em
18 .11 .2009 . Sob re a ques t ão da ilic it ude de p ris ão c i vil de de pos it ário i nfiel , o Sup rem o
Tr ibu nal F ede ral rec onh ec eu a e xis t ênc ia de re perc us s ão ge ral n os rec urs os
e xt rao rdi nári os q ue v ers em s ob re a q ues tã o, c onf orm e dec is ão do RE 5620 51 R G/ MT –
Ma t o G ros s o . Re perc us s ão Ge ral no Rec u rs o E xt rao rdin ário . Re l. Min. Ce za r Pe lus o.
J ul g. 14.04 .200 8. DJ e -17 2. Di vu lg. 11.0 9.20 08 . P ublic . 12 .09. 2008 . D is pon í vel em
< http :// www. s tf .jus .br /port al/ju ris p rude nc ia. > Ac es s o em 1 8.11 .2009 .
22
MA R ME L S TE IN , Ge org e. C ur so de d ir eit os fu nd amen tais . Sã o Paul o: A tlas , 2008 , p.
20 .
19
das vezes, quando necessária a resposta a agressões de várias
espécies que violaram a dignidade da pessoa humana.
1.2.1 Antiguidade
“Embora não tenham sido os primeiros a refletir sobre a
natureza da justiça, os gregos foram pioneiros na avaliação do
indivíduo e na relação entre legisladores e governados” 23. Sua religião
e cultura política antecedem reivindicações de uma lei universal que
norteia o conceito moderno de direitos humanos. Ensinavam que a
humanidade estava dentro da harmonia transcendente do universo,
com origem na lei divina, e entrelaçada a vida humana pela lei da
cidade-Estado.
24
Após Platão, defensor da ideia de que a sabedoria, a coragem, a
sobriedade e a justiça eram as principais virtudes humanas, e
orientados por essas virtudes o cidadão guardaria um autocontrole
capaz de tornar o Estado menos injusto; e Aristóteles salientando que
a virtude, a justiça e os direitos seriam preservados num governo
misto com um corpo de cidadãos economicamente fortes 25, surge um
novo ideal filosófico, o estoicismo.
A escola estóica, fundada em Chipre por Zenão e Cítio no
período de 335-263 a.C., traz a ideia da lei natural nascida da lei
cósmica da razão. Segundo os estóicos, todo homem possui uma
centelha de divindade e a Terra e o cosmo faziam parte de um
processo indissolúvel. Um exemplo clássico dessa lei natural é
consagrado em Antígona de Sófocles, quando essa desafia a ordem
de Creonte para sepultar seu irmão 26.
23
P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos
H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 14 .
24
I bidem , m es m a pági na.
25
I bid. , p .16.
26
S O F OCL ES . An tíg ona. Tr ad . De Dona ldo Sc hül er . Por to Aleg re: L & M, 200 8, p. 3 5-3 6.
20
A filosofia dos estóicos funda-se na ideia da lei natural, na ideia
de unidade moral do ser humano, e na “dignidade do homem,
considerado filho de Zeus e possuidor, em consequência, de direitos
inatos e iguais em todas as partes do mundo, não obstante as
inúmeras diferenças individuais e grupais.” 27. Esta filosofia influenciou
o direito romano subsistindo em toda a Idade Média, e além dela.
Os romanos herdaram dos estóicos o desenvolvimento do direito
natural, introduzindo a crença em direitos universais para todos, que
se estendiam para além dos direitos da cidadania romana. Assim,
Roma adquiriu uma grande dívida com os gregos, relativamente
impacto sobre os direitos humanos. 28
No início da República romana a luta pelo poder político entre
patrícios e plebeus causou uma tensão entre Estado e indivíduo,
quando apenas os ricos conseguiam se eleger para os cargos
políticos, apesar de todos poderem concorrer. A Lei das XII Tábuas foi
uma conquista marcando a luta dos plebeus, pois o direito civil
romano, suas penalidades e processos passaram a ser conhecidos por
todos os cidadãos. Daí em diante, os plebeus conseguiram alçar
cargos na magistratura, os filhos de escravos libertos foram admitidos
no Senado, sem olvidar da força da riqueza para conquista de
cargos. 29
Mas,
o
direito
natural,
diferentemente
dos
termos
atuais,
legitimou a escravidão em Roma, elemento essencial da economia na
época. Já a igualdade de direitos das mulheres teve sua origem no
período romano, quando a condição das mulheres sofreu grandes
27
C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev.
e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 16.
28
P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos
H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 18 -19 .
29
I bid em , p . 20 .
21
alterações. Como o casamento sine manu, quando as mulheres
permaneciam como parte de sua família. 30 Em relação às crianças,
adquiriram os direitos iguais à herança, apesar da possibilidade de
serem vendidas quando as famílias pobres não as desejassem, ou
poderiam
também
matá-las,
especialmente,
as
doentes
ou
meninas. 31
Como legado do Império Romano pode-se citar suas realizações
administrativas e jurídicas. O direito romano estabeleceu “padrões
imparciais, adotou o precedente jurídico, era conhecido das pessoas e
compelia até mesmo o imperador; entretanto, o direito nem sempre
cumpriu sua promessa.” 32
Além dos estóicos, os antigos teóricos dos direitos naturais e o
humanismo
religioso
influenciaram o
moderno
entendimento
dos
direitos humanos. Na Bíblia, textos budistas, o Novo Testamento e o
Alcorão ditaram inúmeros princípios morais, mesmo que em forma de
deveres. Subsídios do conceito de direitos humanos foram extraídos
das lições de amor fraterno universal pregadas por Miquéias, na
Bíblia, por São Paulo, Buda e outros, bem como o conceito da ética
universal, que é fruto desses conceitos seguidos por judeus, cristãos
e muçulmanos. 33
O
princípio
fundamental
do
judaísmo,
abraçado
pelo
cristianismo, de igualdade entre os homens, inclusive se homem na
30
O cristianismo contribuiu para a evolução do direito em relação às mulheres, “Na
é p o c a d o N o v o T e s t a m e n t o , r e c o n h e c i a - s e q u e a s v i ú v a s , p o r e xe m p l o , e r a m
merecedoras da caridade de seus semelhantes (Atos 6: 1). Como as virgens, adquiriam
p r e r r o g a t i v a s e u m a p o s i ç ã o r e c o n h e c i d a n a I g r e j a ( I Ti m 5 : 3 - 1 6 ) . ” I n : P O OL E, H ilar y .
[ org .] e t al D i rei tos huma nos : r efe rênc i as es s enc i ais . Sé rie Di reit os Hum an os , 3 . Trad .
F abio La rs s on. S ão Paulo : Edito ra da Un i vers i dade de S ão Paul o: Núc l eo de Es t udos da
V iolên c ia (N EV ), 2007 , p. 2 5 .
31
I bid em , p . 22 -23 .
32
I bid ., p. 2 3.
33
I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos
po lític os , ens a ios , dis c u rs os e doc um ent os d es de a B íblia a té o pres ente . S éri e Di reit os
H um an os , 2. Tra d. Fabi o D u art e J ol y . São Pa ulo: E dito ra da Un i vers i dade de S ão Paulo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 17 -18 .
22
condição de escravo 34, configurado no ditame de que todo homem tem
um valor inato e merece respeito, apenas pelo fato de ser humano,
contribuiu fortemente para a atual concepção de direitos humanos,
especialmente para o conceito de fraternidade. No judaísmo também
está enfatizado a relevância de se trabalhar em prol de um mundo
mais justo.
35
Analisando os Dez Mandamentos e os textos da Bíblia nota-se a
sua influência no mundo ocidental, como o direito de garantir a vida
sob o mandamento “não matarás”, o direito a propriedade no dever de
“não roubarás”, o dever de respeitar o estrangeiro respaldado no
direito de hospitalidade, o direito à liberdade, a exigência de uma
justiça distributiva na Lei do Talião, e o direito à remuneração
equitativa no Êxodo.
Influenciado pela doutrina platônica, o pensamento de Santo
Agostinho
impactou
profundamente
a
teologia
e
a
teoria
dos
direitos humanos, e a “autoridade conferida a suas obras pela Igreja
católica romana em toda a Idade Média contribuiu para garantir um
lugar permanente para os pontos de vista platônicos no cristianismo
latino.” 36
34
F ábio K onde r Com para to s ali enta qu e, apes ar des s e p rec ei to de igu aldade , os c ris tãos
adm iti ram du rant e m uit os s éc ulos a es c ra v idã o, a i nfe rior idade da m u lher , a
in fer iori dade d os po vos am e ric an os , af ric a nos e as i átic os c oloni z ados , bem c om o
s us tent aram alg uns teólog os q ue os in díge nas não pod eriam s e r ig uais ao hom em
b ranc o em di gnida de. In: A afi rm ação h ist ór ica do s di rei tos h uman os. 6ª ed . re v. e
a tual. São Pau lo: Sar ai va , 200 8, p. 18. J á no juda ís m o, as s oc ieda des an tigas
ac e ita vam a es c r a vidão , des de qu e res pe itas s em um elabo rado c ód igo de reg ras em
r elaç ã o ao tra tam en to c om os es c r a vos c om o a c onc es s ão da li berd ade após s ete anos ;
a pro ibiç ão de es c ra v os la v arem os p és de s eu am o , c oloc ar s eus s a patos ou c a rre gálos ; e os s enho res não p odem c om e r p ão fres c o enq uant o os es c r a vos c om em pão
v el ho, ou do rm ir em c am as m ac ias e nquan to s eus es c r a vos do rm em em palha . In :
P O OL E, Hi lar y . [o rg .] e t a l Di re ito s h uman os : r ef erênc ias es s enc iais . S é rie Di reitos
H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 27 .
35
P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos
H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 24 -25 .
36
P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos
H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 26 .
23
Já no Budismo, os códigos morais, escritos ou não em textos
esparsos, nascidos entre o século VI e o século IV a.C. que
influenciaram os direitos humanos modernamente são a busca das
seis perfeições (generosidade, moral, paciência, vigor, concentração e
sabedoria) por meio da renúncia a matar, roubar, mentir, ingerir
tóxicos e participar de sexo pernicioso.
No Alcorão, por meio de uma orientação moral universal, se
encontra o dever de ajudar os necessitados, a proteção dos órfãos, a
regulamentação dos direitos das mulheres, a luta em defesa própria, a
busca de ajuda e amizade, dentre outros conceitos. 37
1.2.2 Magna Carta. A Petição de Direitos. A Lei de
Habeas
Corpus
de
1679.
Declaração
de
direitos inglesa de 1689.
“A partir do século XI, delineia-se uma clara tendência, em toda
a Europa Ocidental, no sentido da centralização do poder, tanto na
sociedade civil quanto na eclesiástica”. 38 Inclusive na Europa feudal,
instituiu-se a predominância de um suserano sobre o outro, estando o
rei acima dos barões. A Igreja foi palco do movimento de reforço da
autoridade papal. Contra essa centralização do poder, os senhores
feudais
manifestaram-se
por
meio
petições, como analisado a seguir.
“As
Cruzadas
inadvertidamente,
cristãs
para
as
de
inúmeras
declarações
e
39
contra
vitórias
os
muçulmanos
dos
direitos
contribuíram,
humanos
na
37
I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos
po lític os , ens a ios , dis c u rs os e doc um ent os d es de a B íblia a té o pres ente . S éri e Di reit os
H um an os , 2. Tra d. Fabi o D u art e J ol y . São Pa ulo: E dito ra da Un i vers i dade de S ão Paulo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 21 .
38
C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev.
e atu al., Sã o Paulo : Sarai va , 20 08, p. 71.
39
I bidem , p. 71 -72.
24
Inglaterra.” 40 A urgência de uma taxação excessiva de impostos para
financiar a Terceira Cruzada e pagar o resgate de Ricardo I fez
crescer as dificuldades financeiras inglesas. Essa carga excessiva de
impostos
ocasionou
a
instabilidade
interna
culminando
com
a
exigência de poderes maiores e mais diretos pelos barões. 41 “O
produto dessa luta é a Magna Carta de 1215, também conhecida pelo
nome de “Artigos dos Barões”.” 42
A Magna Carta foi uma estratégia dos barões para limitar os
desmandos do rei João, submetendo-o a assiná-la para resguardar
suas finanças e liberdades. No entanto, os ditames da Grande Carta
das Liberdades, por um feliz acidente, contribuíram beneficiando o
homem comum. O rei João autorizou a leitura pública de cópias
manuscritas
da
Magna
Carta
em
todos
os
condados
ingleses,
comprometendo-se a conceder para todos os homens livres do reino
os direitos e liberdades nela protegidos, mesmo que à época não
existissem muitos homens livres, pois, em sua maioria, eram servos.
Também, concordou em não determinar impostos sem permissão de
um conselho.
Esse documento positivou, pela primeira vez na história, a
vinculação do rei às próprias leis que edita. E não foi apenas isso.
Trouxe em seus ditames o germe de exterminação do regime feudal,
ao reconhecer os direitos do homem livre, restringindo os poderes do
rei, “pedra angular para a construção da democracia moderna: o poder
dos governantes passa a ser limitado, não apenas por normas
superiores, fundadas no costume ou na religião, mas também por
direitos subjetivos dos governados.” 43.
40
I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos
po lític os , ens a ios , dis c urs os e doc um ent os des de a B íblia a té o pr es ent e. S éri e Di reit os
H um an os , 2. Tra d. Fabi o Du art e J o l y. São P aulo : E dito ra da Un i vers i dade de S ão Pau lo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 21 .
41
I bidem , m es m a pági na.
42
I S HA Y, Mic hel ine R. [o rg .], op. c it ., p . 2 1.
43
C O MP A R A TO , Fá bio Kond er. A af i rmaçã o h ist ór ica do s d ir eit os huma no s. 6 ª ed . re v.
e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 80.
25
Tratou
de
muitos
temas,
mas
algumas
disposições
transcenderam para os direitos humanos modernamente como a
liberdade eclesiástica; o embrião da ordenação do exercício do poder
de tributar pelos representantes dos súditos; o princípio da legalidade;
a visão da Justiça como função de interesse público tendo o rei o
poder dever de fazer justiça quando provocado pelos súditos; as
bases para o tribunal do júri; a busca pelo equilíbrio entre os delitos e
as penas; o respeito do soberano e seus oficiais à propriedade
privada; o nascedouro do princípio do devido processo legal; dentre
outras disposições, iniciou-se o processo de abolição do regime
monárquico. 44 Foi de extrema relevância a contribuição histórica da
Magna Carta, pois além das disposições anotadas, é considerado
marco fundamental contra a opressão, tanto que “invocada por cada
geração
subsequente
para
proteger
suas
próprias
liberdades
ameaçadas.” 45
Prova de tal assertiva encontra-se na Petição de Direitos de
1628 e na Lei de Habeas Corpus de 1679 que invocaram textualmente
o artigo da Magna Carta que estabelecia “nenhum homem livre pode
ser detido, ou mantido em prisão, ou privado de sua propriedade [...] a
não ser por julgamento legal de seus pares de acordo com a lei da
terra.” 46
Também as Constituições dos Estados Unidos, nacional e
estaduais, espelham ideias ou transcrevem frases da Magna Carta,
incorporando o pensamento moderno.
Todo esse movimento da sociedade também ecoou nos meios
escolásticos. Teólogo que influenciou sobremaneira o conceito atual
de direitos humanos foi Giovanni Pico Della Mirandola (1463-1496),
44
I bidem , p. 81 -83.
45
I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos
po lític os , ens a ios , dis c u rs os e doc um ent os d es de a B íblia a té o pres ente . S éri e Di reit os
H um an os , 2. Tra d. Fabi o D u art e J ol y . São Pa ulo: E dito ra da Un i vers i dade de S ão Paulo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 21 .
46
I bid em , p . 21 -22 .
26
que escreveu sobre vários centros de reflexão numa complexidade de
pensamento que declarava uma nova visão de mundo 47. Não jurando
as palavras dos filósofos antigos para estudo, mas superando-as. Na
Oratio, muito claramente, em sua primeira parte, discorre sobre a
dignidade do homem. Para ele
( ...) o hom em é um ser entr e dois m undos – o m undo c eles te
que é s uper ior e o m undo terr estr e, inf er ior – e entr e dois
tem pos -, a f initude e a eter nidade – m as é tam bém um s er
dotado de corpo, de s ens ibilidade e de r azão e, c om o
s upr em a e m ais perf eita c r iatur a de Deus , é por tador de um a
<<natur eza indef inida>> que nec ess ita de ser c oncr etizada,
is to é, r ealizada de ac or do c om es ta s ua ess ênc ia. Nes te
s entido, o hom em é livr e e r es ponsável perante a vida que
tem e a vida que quer ter , visto que esta é obr a s ua. Podes e, ass im , f alar de um a natur eza anim al, um a natur eza
pr opr iam ente hum ana e um a natureza divina que c oex is tem
no hom em vis to, nes te s entido, c om o um m icr oc osm os de
toda a realidade.
Resulta dessa contemplação o pensamento filosófico posterior
sobre a dignidade humana, que não “pode ser separada do princípio
de que o homem governa os elementos e controla a natureza.” 48
Pensamento característico da modernidade, e, um dos pontos sobre a
função que a ciência experimental e a tecnologia ocuparam na vida
humana, assim, pode-se afirmar que Giovanni Pico Della Mirandola foi
um pensador que se preocupou, dentro das limitações de sua época,
com a tecnologia. 49
Abertos os caminhos pela Magna Carta e no decorrer dos
tempos pelos pensamentos dos meios escolásticos, a história dos
direitos humanos vê positivada a Petição de Direitos de 1628, na
Inglaterra, passo decisivo para reduzir os privilégios dos monarcas.
47
E s s a no va vis ã o de m un do, c onc ebida pelo C onde Dell a Mira ndola , ins pi rou a
c on denaç ão, por ente nde r h eré tic o, o bl oc o de s uas n o vec en tas t es es , em ra zão,
es p ec ialm e nte, das tr e ze prim eiras tes es da s egu nda par te d a Ora tio , po r Inoc ênc io
V II I, s en do abs o l vido em 14 93 po r Al e xand re IV . MI RA N D OLA , G io vanni Pic o Del la.
D isc ur so sob re a di gnid ade do h omem . Ediç ão bil íngu e l atin a e po rtugu es a Tra d. e
ap res e ntaç ã o Ma ria de Lo urd es Sirg ado Ganho . Es t udo peda gógic o in trod utó rio Luís
Lo ia. Lis bo a/ Por tuga l: Ediç ões 7 0, 2 006, p. XVII I e XI X.
48
MI R A N D OLA , Gio va nni P ic o Della . Disc ur so so br e a d ign ida de d o ho mem. Ediç ão
bi líng ue lat ina e po rtu gues a. Trad. e apr es ent aç ão Ma ria d e Lou rdes Si rgado Ganho.
E s tud o ped agóg ic o in trodu tór io L uís Loia. Lis b oa/ Po rtu gal: Ed iç ões 70, 200 6, p. XLV .
49
I bid em , p . XLV .
27
Em razão, inclusive, da política fiscal empreendida pelo rei Carlos I,
quando exigiu dos proprietários de terra empréstimo compulsório sem
autorização do Parlamento, e prendeu setenta e seis fidalgos pelo não
pagamento desse imposto. Três Parlamentos foram convocados em
quatro anos, e dissolvidos por não concordarem com o monarca.
Quando Carlos I aceitou assinar a Petição de Direitos em 1628, o
Parlamento aprovou o imposto. Esse documento estabelecia quatro
princípios, o rei não poderia instituir impostos sem o consentimento do
Parlamento; a recusa de qualquer fidalgo ao pagamento de imposto
não o levaria à prisão, e nenhuma prisão ocorreria sem justa causa;
os soldados não seriam alojados em casas de civis para economizar
verbas da Coroa; nenhuma lei marcial seria imposta em tempos de
paz. Mas, Carlos I ficou irritado com essas regras e dissolveu o
Parlamento por onze anos e tentou levantar finanças de maneira
forçada, culminando com a guerra civil inglesa da década de 1640,
resultando na execução de Carlos I pelo Parlamento. 50
Em 1660, a restauração da monarquia dos Stuart, anunciou um
período repleto de conflitos, pois foi um reinado de monarcas
católicos com um Parlamento protestante. Nessa ocasião, com o
objetivo de limitar os poderes do rei, em especial, a ordem de prisão
de seus opositores políticos, inclusive, retirando a oportunidade de
defesa, o Parlamento revitalizou o habeas corpus que existia antes
mesmo
da
Magna
Carta.
Essa
garantia
judicial
ordenava
a
apresentação imediata do prisioneiro em juízo para impedir a prisão
arbitrária.
A relevância histórica da Lei de Habeas Corpus de 1679, cingese ao fato de ser uma garantia judicial que objetivava proteger a
liberdade de locomoção, norte para todas as leis que foram criadas
posteriormente como proteção de liberdades fundamentais. Fabio
50
P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos
H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 30 .
28
Konder Comparato comenta que “na América Latina, por exemplo, o
juicio de amparo” e o mandado de segurança copiaram do habeas
corpus a característica de serem ordens judiciais dirigidas a qualquer
autoridade pública acusada de violar direitos líquidos e certos.”
51
A rivalidade religiosa entre o catolicismo e o protestantismo
desse século XVII na Inglaterra traz como consequência rebeliões e
guerras civis, especialmente no reinado de Jaime II, de 1685 a 1688,
quando pretende impor a qualquer custo a religião católica ao
Parlamento. Mas, essa atitude suscitou a nobreza e o alto clero que
convidaram Guilherme III e Maria II, filha de Jaime II, príncipes de
Orange a assumir o trono da Inglaterra, desde que assinassem a
Declaração de Direitos votada pelo Parlamento em 1689. Esse
documento proclamava os direitos e liberdades dos súditos, regulava
a sucessão à coroa, provocando uma mudança dinástica. Colocou
termo aos direitos divinos dos monarcas e, apesar do anglicanismo
ser a igreja instituída, os protestantes poderiam exercer seu culto e
instituir centros de ensino.
Os pontos relevantes dessa Declaração de Direitos inglesa que,
inclusive, contribuíram para a história dos direitos humanos foram a
derrocada do poder absoluto do monarca na Inglaterra; a garantia de
liberdades dos governados; a divisão dos poderes, instituindo o
Parlamento como o órgão encarregado de defender os governados
perante o monarca; vedou
a cobrança de impostos sem autorização
do Parlamento; proibiu a prisão sem culpa formalizada; fortaleceu
a
instituição do júri; reafirmou o direito de petição e a proibição de
penas inusitadas e cruéis.
52
51
A a fi rm ação h ist ór ica do s di rei tos h uman os. 6ª ed . re v . e atual . Sã o Pau lo: S ara iva,
20 08, p. 89.
52
P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos
H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo:
N úc leo de Es tud os da Viol ênc ia (N EV ), 2007 , p. 31 -32 . C O MP A RA TO , F ábi o Ko nde r. A
a fi rmaç ão h is tó rica dos di rei tos hu mano s. 6 ª e d. re v. e a tual . S ão Pau lo: Sa rai va,
20 08, p. 92- 96.
29
Interpretando esta fase histórica, Fabio Konder Comparato
ensina
A transf orm aç ão s oc ial provocada pelo Bill of Rights não
pode deix ar de s er encar ec ida. Não é ex agero s ustentar que,
ao lim itar os poder es gover nam entais e gar antir as
liber dades individuais, es s a lei f undam ental s upr im iu a m aior
par te das peias j urídic as que em baraçavam a atividade
pr of iss ional dos bur gues es . É s abido, aliás, que a G lor ious
Rev olution contou c om o apoio m ac iç o dos c om erc iantes e
arm ador es ingles es , dec ididos a enfr entar a c oncorr ênc ia
fr anc es a no c am po do c om érc io m arítim o.
Ness e s entido, c ontr ar iando o es quem a m arx is ta de
interpr etaç ão his tór ic a, pode-s e dizer que, pelo m enos na
G rã- Br etanha, a r evoluç ão polític a cr iou c ondiç ões par a a
r evoluç ão industr ial do s éc ulo s eguinte, e não o c ontr ár io; ou
s ej a, as r elações s oc iais preceder am e tornar am poss ível a
53
tr ansform aç ão das f orças pr odutivas .
No século XVII, até o ano de 1689, entre essa disputa do
Parlamento e monarcas surgem ideias como a tolerância religiosa; a
luta contra a tirania do rei; a consagração dos direitos à vida, à
liberdade e à propriedade emanados da natureza do homem e não por
concessão
do
monarca;
a
liberdade
de
imprensa;
as
reformas
educacionais; a família como instituição; e a separação dos poderes
políticos, dentre outras. Todas estas ideias contribuíram para o
desenvolvimento
constitucional
na
Inglaterra
e
Estados
Unidos,
influenciando o iluminismo.
1.2.3 O
iluminismo.
A Declaração de
Direitos
de
Virginia. Declaração de Independência dos
Estados
Unidos
e
Constituição
Norte-
Americana.
O impacto da filosofia iluminista sobre a vida das pessoas foi de
ampla
abrangência,
se
comparado
com
a
filosofia
dos
direitos
naturais, pois desafiou diretamente o absolutismo, colocando em
53
A a f irm ação hi stó r ica d os di rei tos hum anos . 6ª ed . re v. e a tual . São P aulo : Sar ai va,
20 08, p. 95.
30
confronto inúmeros aspectos da sociedade europeia, e, irradiando seu
pensamento para toda a Europa e América do Norte.
Estes filósofos acreditavam na liberdade e divulgavam que os
seres humanos deveriam ser regidos por leis próprias, e não por
governantes que tomavam o poder em razão de seu nascimento.
Defendiam a educação infantil e o desenvolvimento intelectual por
toda a vida. Dos filósofos mais influentes do iluminismo estão Voltaire,
Montesquieu, Diderot e Rousseau, estes defendiam a limitação dos
poderes do governante, a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa,
a soberania popular, a separação dos poderes, a convicção de que os
governantes possuem responsabilidade direta sobre o bem-estar dos
governados, dentre outros.
Obra
que
influenciou
profundamente
a
nova
ideologia,
contribuindo para a concepção atual de direitos humanos, foi escrita
por Adam Smith, na Inglaterra - A Riqueza das Nações – em 1776,
apoiando
adequados
os
trabalhadores
aos
e
os
trabalhadores,
fazendeiros,
um
exigindo
movimento
salários
trabalhista
livre,
liberdade para o mercado e para a concorrência, uma política em que
o governo não interferisse muito no comércio, diminuição de tarifas, e
uma produção de bens de consumo com maiores benefícios para a
maioria.
54
Jean-Jacques Rousseau defendia – em sua obra Contrato Social
- a ideia de uma federação mundial com a finalidade de manter a paz
social, mas tinha precauções quanto à realização desse pensamento,
pois uma harmonia e estabelecimento de direitos internacionais nunca
seria promovido por príncipes interesseiros ou ampliação do comércio.
Acreditava
em
Estados
agrários
auto-suficientes
com
apoio
em
direitos populares, representados pela vontade geral, e em direitos
54
S MI TH , Ad am . A r i quez a das naç ões . 3ª ed . Trad . e no tas d e Lu ís Cris tó vã o Aguia r. V.
I I, Lis boa : F undaç ã o Calous te Gu lbenk i an, 1999 , pas s i m.
31
universais distantes da escravidão ou sujeição, sendo esses direitos
inalienáveis, mesmo em tempos de guerras.
Nesse período, a obra de Cesare Beccaria – Dos Delitos e das
Penas – também é considerada um legado para os direitos humanos,
quando tratou dos direitos criminais, considerando que as penas
deveriam ser impostas de acordo com a gravidade do crime cometido,
e
apenas
quando
provada
a
culpa
do
indivíduo,
e
sempre
vislumbrando a segurança e ordem sociais.
Thomas Paine denunciou o tráfico de escravos africanos em
suas obras, e defendeu a independência da América, fornecendo
argumentos incorporados à Declaração de Independência Americana
de 1776. Propagava este autor que os direitos naturais são aqueles
inerentes ao homem antes mesmo da sociedade civil, como os direitos
à proteção e à propriedade. Era fervorosamente contra a monarquia e
acreditava que a revolução francesa contribuiria para o nascimento de
governos republicanos em todo o mundo.
A Magna Carta, a Petição de Direitos de 1628, a Lei de Habeas
Corpus de 1679, o pensamento iluminista e a teoria dos direitos
naturais contribuíram para a formação intelectual da guerra da
independência dos Estados Unidos, e os conceitos criados a partir de
então sobre os direitos do homem culminaram em 1776, com a
Declaração de Independência dos Estados Unidos, escrita em grande
parte por Thomas Jefferson, influenciado por John Locke e Thomas
Paine, que proclamou a separação das treze colônias americanas
ditando um contrato social com base em doutrinas fundamentais dos
direitos naturais, pregando a igualdade entre os homens dotados de
direitos inalienáveis, como a vida, a liberdade e a busca da felicidade,
repercutindo mundialmente.
Fabio Konder Comparato ensina que, em algumas partes da
Declaração de Independência notadamente se identifica a lição dos
32
filósofos clássicos, como Aristóteles e o conceito de felicidade, sem
deslembrar que Jefferson era esclarecido o suficiente para entender
que “ninguém possui um direito inato à felicidade” 55, sabedor “com
apoio na lição dos clássicos, que a dignidade humana exige que se
dêem, a todos, as condições políticas indispensáveis à busca da
felicidade.” 56
A geografia das colônias americanas contribuiu para tornar os
americanos liberais. As treze colônias juntas eram muito maiores que
a Inglaterra, dotadas de terra virgem gratuita ou com preço muito
inferior que as terras na Inglaterra, propiciando mesmo às famílias
humildes uma vida melhor que a de seus parentes abastados na
Inglaterra. A mobilidade social contribuía para a rápida mudança, na
hipótese
de
algum
vizinho
ou
magistrado
inconveniente.
Nesse
ambiente, nasceram muitas comunidades agrícolas igualitárias, e
construtores comuns, artesãos e trabalhadores não especializados
fizeram fortuna dada a escassez de mão de obra, mesmo trabalhando
cinco, sete ou mais anos para quitar passagem e treinamento. 57
Esses aspectos somados à distância da Inglaterra, às restrições
coloniais, e às leis injustas, especialmente as tributárias, tornam
lógica e clara a resistência em nome da liberdade. Assim, a rebelião
americana nasce com viés econômico, mas dotada de protesto
ideológico.
A Declaração de Independência Americana é considerada “o
primeiro documento cívico que satisfez a definição moderna de
direitos humanos” 58, pois além dos direitos já citados vaticinava
55
A a f irm ação hi stó r ica d os di rei tos hum anos . 6ª ed . re v. e a tual . São P aulo : Sar ai va,
20 08, p. 107.
56
I bid em , m es m a pá gina.
57
P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos
H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 43 .
58
I bidem , p. 45.
33
“direitos
universais
aplicáveis
à
população
em
geral,
incluía
obrigações legais e morais e estabelecia padrões de avaliação e
legitimidade dos atos do Estado.” 59
As
declarações
de
direitos
americanas
são
declarações
essencialmente individuais, pioneiras no assunto, proclamando a
emancipação do indivíduo em relação a família. 60
A Declaração de Direitos de Virginia, datada de 12 de junho de
1776, possui estilo retórico, “refletindo a mentalidade puritana” 61, as
regras de direito foram consideradas ligadas à moralidade pessoal.
Em sua abertura, proclamou a igualdade dos homens em liberdade e
independência,
como
todas
as
fundamentou
expressamente
o
reconhecidos
os
direitos
declarações
regime
inalienáveis
do
seguintes.
democrático,
homem,
Também,
declarando
bem
como
a
soberania popular. Tutelou várias formas de liberdade, como a de
imprensa, que se torna um dos pilares da democracia americana, e, a
religiosa, apesar de impor as virtudes cristãs. Defendeu a instituição
do júri. E, fundamentou a soberania externa do novo Estado, germe
para a trágica guerra civil que se desencadeou no século seguinte. 62
Em 1789 foi ratificada a Constituição americana, escrita pela
Convenção
Constitucional,
estabelecendo
um
novo
governo
nos
Estados Unidos, dividindo o poder em três ramos federais, distribuindo
o poder em governo com autoridades nacionais e locais, concedendo
amplos poderes ao Congresso, apoiado pela Suprema Corte, sendo o
povo a autoridade suprema do governo.
59
I bidem , m es m a pági na.
60
C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev.
e atu al., Sã o Paulo : Sarai va , 20 08, p. 111 -112 .
61
I bidem , p. 115 .
62
I bid em , p . 11 5-1 18.
34
Poucas emendas foram necessárias após esse período, apenas
para assegurar com maior amplitude
( ...) que todos os amer ic anos gozavam de plenos dir eitos
c ivis ou hum anos. Entr e elas podem os c itar a 13ª Em enda,
que aboliu a esc ravidão ( 1865) ; a 14ª Em enda, que def iniu
os dir eitos dos c idadãos ( 1868, m esm o que os “ índios” nãotr ibutados c ontinuas s em exc luídos do r ateio par a a eleiç ão
pr oporc ional de r epr es entantes e o voto foss e restr ito as
hom ens de m ais de 21 anos) ; a 15ª Em enda, que perm itiu o
voto de hom ens negr os ( 1870); a 19ª Em enda, que c oncedeu
o dir eito de voto às m ulher es ( 1920); a 23ª Em enda, que
perm itiu o voto par a pr es idente aos habitantes do dis tr ito de
Colum bia ( 1961); e a 24ª Em enda, que pr oibiu a inter diç ão
de voto nas eleiç ões f ederais por falta de pagam ento de
63
im posto ( 1964) .
Estes fatos históricos americanos foram únicos, eliminando
instituições ineficazes e as substituindo por uma nova forma de
governo com base na razão, ocorrência reconhecida por europeus e
latinos, inflamando, inclusive, a revolução francesa. 64
1.2.4 Revolução francesa. Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789.
Eric J. Hobsbawm constrói em poucas palavras a expressão da
Revolução Francesa para a história
Se a ec onom ia do m undo do s éc ulo X IX foi c ons tr uída
pr inc ipalm ente s ob a inf luênc ia da Revoluç ão Indus tr ial
br itânic a, s ua polític a e ideologia f or am c ons tituídas
f undam entalm ente pela Revoluç ão Fr anc es a. A G r ã- Br etanha
f or neceu o m odelo para as fer r ovias e fábr icas , o ex plos ivo
ec onôm ic o que rom peu c om as es tr utur as soc ioec onôm icas
tr adic ionais do m undo não- eur opeu. No entanto, foi a F r ança
que f ez s uas r evoluç ões e a elas deu s uas ideias, a ponto de
bandeiras tr ic olor es de um tipo ou de outr o ter em -se tor nado
o em blem a de pr aticam ente todas as naç ões em er gentes, e
as polític as europeias ( ou m esm o m undiais) , entr e 1789 e
1917, f or am em gr ande parte lutas a favor ou c ontr a os
pr inc ípios de 1789, ou os ainda m ais inc endiár ios pr incípios
de 1793. A Fr anç a f or nec eu o voc abulár io e os tem as da
polític a liber al e r adical- dem ocr átic a par a a m aior parte do
63
64
P O OL E, Hila r y. [org .] e t al Di re ito s hum anos : r efe rênc ias es s enc ia is . S éri e Direitos
H um an os , 3 . Trad . F abio Lars s on. Sã o P aulo : E dito ra da Uni v ers id ade d e São Pau lo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 07, p. 46 .
I bid em , m es m a pá gina.
35
m undo. A F ranç a deu o pr im eir o gr ande ex em plo, o c onc eito
e voc abulár io do nac ionalism o. Ela f or nec eu os c ódigos
legais, o m odelo de or ganizaç ão técnica e c ientíf ic a e o
s is tem a m étr ic o de medidas para a m aior ia dos país es . A
ideologia do m undo m oder no atingiu, pela inf luênc ia
fr anc es a, as antigas civilizaç ões que até então r es is tiam às
65
ideias eur opeias . Esta f oi a obra da Revoluç ão Fr anc es a.
Afirma o autor, ainda, que essa obra da Revolução Francesa ao
mundo moderno se deu por vários fatores, como ocorrer no mais
populoso e poderoso Estado da Europa; ser a única revolução
ecumênica, pois seus exércitos revolucionaram o mundo, como era
seu objetivo, a exemplo, dos levantes que ocorreram para libertação
da América Latina em 1808, e sua influência direta até Bengala.
Também, é considerado o primeiro movimento de ideias cristãs
ocidentais que influenciou o mundo islâmico; forneceu padrão para as
revoluções que a sucederam, incorporando lições ao socialismo e
comunismo, de acordo com as interpretações realizadas. 66
As origens da Revolução Francesa devem ser resgatadas em
sua situação específica, pois no século XVIII apesar de ser o maior
rival da Grã-Bretanha, tendo em vista que seu comércio estava em
franca expansão, e, “seu sistema colonial era mais dinâmico que o
britânico. Mesmo assim, a França não era uma potência como a
Grã-Bretanha,
cuja
política
externa
já
era
substancialmente
determinada pelos interesses da expansão capitalista.” 67
Nasceram nesse período forças sociais que pregavam uma
exploração mais eficiente da terra, comércio e empresas livres,
defendiam uma administração eficiente e padronizada de um único
território nacional, lutavam pela igualdade social, pois entendiam que
a desigualdade retardava o desenvolvimento dos recursos nacionais,
e, buscavam uma administração e taxação coerentes. Essas diretrizes
não seriam incompatíveis com a monarquia absolutista se interesses
despóticos e político-sociais não impedissem essas alterações.
65
H O B SB AW M, Eric J . A r e vo luçã o f ranc esa. Tr ad . Ma ria Ter e za Lopes Tei xei ra e
Ma r c os Penc h el. 7ª e d. R io de J a neir o: Pa z e Ter ra , 200 8, p. 9 .
66
I bidem , p. 10 -12.
67
I bid. , p . 13 .
36
A centelha inicial da Revolução Francesa foram as políticas
doutrinárias
e
repressivas
da
monarquia.
Luis
XV
objetivando
erradicar a heresia religiosa provocou a fuga de manufatureiros,
artesãos
e
mercadores
huguenotes,
representantes
do
desenvolvimento econômico, despojando a indústria francesa.
Outros elementos contribuíram para a revolta, como a dissensão
religiosa e o rígido sistema tributário. Além, da insatisfação popular
reunindo os fatores mencionados e a excessiva dívida pública e
falência do Tesouro, consequência das guerras dos séculos XVII e
XVIII, do auxílio na revolução americana, “a vitória contra a Inglaterra
foi obtida ao custo da bancarrota final, e, portanto, a revolução
americana
pôde
proclamar-se
a
causa
direta
da
Revolução
Francesa” 68, o desperdício puro e simples são fatos somados à
revolta.
A Revolução Francesa não teve um líder, tão pouco foi liderada
por um
partido
ou
movimento
organizado,
surpreendente consenso de ideias.
69
mas
nasceu
de
um
A estrutura social francesa, no
final do século XVIII, era determinada pela aristocracia conservando a
marca
de
sua
origem.
A
terra
poderia
ser
considerada
como
praticamente a única riqueza, e os proprietários dessas terras eram
considerados donos das pessoas que precisavam da terra para o
trabalho e para viver. 70
Georges Lefebvre lembra que, no século XVII, ocorreu a última
revolta dos aristocratas, quando o monarca retirou dos senhores o
poder político, submetendo os nobres e o clero à sua autoridade,
“mas,
68
69
70
lhes
deixara
o
primeiro
lugar na
hierarquia
social:
eles
H O B SB AW M, Er ic J . A r e voluç ão fra nces a. Tr ad . Mar ia Te re za Lopes Tei xe ira e
Ma r c os Penc h el. 7ª e d. R io de J a neir o: Pa z e Ter ra , 200 8, p. 1 8.
Ibidem , p . 19 .
L EF EB VR E, Ge org es . 17 89 o su rgi men to da re volu ção f rance sa. Tr ad . Claudia
S c hilli ng. 2ª ed. re v. R io de J ane iro : P a z e Te rra , 20 08, p. 37.
37
continuavam
sendo
privilegiados,
embora
incessantemente terem se tornado súditos.”
71
lamentassem
Assim, continuavam
detentores de privilégios, como a isenção de impostos e o direito de
receber tributos feudais. 72
Uma nova classe social surgiu nesse período, com uma nova
forma de riqueza, a classe social era a burguesia, e a riqueza a
mobiliária, assumindo a burguesia desde o século XVI lugar nos
Estados Gerais, Terceiro Estado, beneficiados pelas descobertas
marítimas dos séculos XV e XVI, pela exploração dos novos mundos e
pela cooperação com o Estado monárquico, contribuindo com dinheiro
ou administradores competentes.
Nesse período, houve um renascimento do comércio e da
indústria, assumindo relevante papel na economia nacional, e era a
burguesia que auxiliava o Tesouro real em épocas de necessidade.
Consequentemente, a nobreza decrescia em seu papel social e o clero
seguia os mesmos passos em razão da perda de seu prestígio. A
Revolução Francesa harmonizou o fato e a lei, pois a burguesia era
detentora do poder econômico, da capacidade, e perspectivas de
futuro.
Georges Lefebvre ensina que
( ...) A bur gues ia, s em dis por de um intérpr ete legal, não
tinha m eios de for çar o r ei a c onvoc ar a naç ão; a m esm a
c ois a ac ontec ia c om os c am pones es e oper ár ios . Em
c om pens aç ão, os pr ivilegiados dis punham dess es m eios: o
c ler o atr avés de s ua Ass em bléia, a nobr eza nos Par lam entos
e nos Es tados provinc iais . F or am eles que c oagir am o r ei.
“ Os patríc ios”, escreveu Chateaubr iand, “ c om eçar am a
r evoluç ão; os plebeus a term inar am .” Ass im, o pr im eir o ato
da Revolução, em 1788, f oi m arc ado pelo tr iunf o da
ar is tocr ac ia que, apr oveitando a cr ise gover nam ental,
acr editou obter s ua revanc he e retom ar a autor idade polític a
71
72
I bid em , m es m a pá gina.
H O B SB AW M, Er ic J . A r e voluç ão fra nces a. Tr ad . Mar ia Te re za Lopes Tei xe ira e
Ma r c os Penc h el. 7ª e d. R io de J a neir o: Pa z e Ter ra , 200 8, p. 1 5.
38
da qual for a des pojada pela dinas tia dos Capetos. No
entanto, tendo par alisado o poder r eal que s er via de esc udo
à sua pr oem inênc ia s oc ial, ela abr iu o cam inho par a a
r evoluç ão bur gues a, par a a r evolução popular das c idades e,
f inalm ente, par a a r evoluç ão c am pones a – e f oi s epultada
73
s ob os esc om br os do Antigo Regim e.
Outro marco histórico, inclusive e principalmente, na cruzada em
favor dos direitos humanos foi a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão de 1789 na França, considerada por Fabio Konder
Comparato como o “atestado de óbito do Ancien Regime” 74, e “uma
espécie de carta geográfica fundamental para a navegação política
nos mares do futuro, uma referência indispensável a todo projeto de
constitucionalização dos povos.” 75. Carregou das ideias iluministas de
John Locke a doutrina dos direitos naturais; a teoria da vontade geral
e da soberania popular foram extraídas dos ensinamentos de JeanJacques Rousseau; a proteção contra ações policiais e judiciais
arbitrárias de Cesare Beccaria e Voltaire; ampliando as liberdades
defendidas na revolução americana.
Apesar
subordinadas
de
ignorar
política,
os
social,
direitos
das
econômica
mulheres,
e
que
eram
juridicamente,
os
revolucionários franceses buscaram proteger os direitos à justiça
econômica e social, considerando invioláveis o direito de propriedade.
O líder jacobino Maximilien de Robespierre defendia trabalho ou
ajuda aos necessitados, criação de imposto progressivo sobre a renda
e educação universal, por meio de ações do Estado, sem olvidar da
“obrigação de fraternidade que une os homens de todas as nações, e
seu direito à ajuda mútua. Isso porque aquele que oprime uma única
73
Em obra c lás s ic a no es t udo da Re vol uç ão F ranc es a , Geor ges Le feb vr e dis c or re s obre
es s es q uat ro atos d o m o vim e nto, rec ons tituin do-o s em gran des traç os . 1789 o
s ur gime nto da r e vo lução f ran cesa . Trad . Clau dia Sc h illing . 2 ª e d. re v. R io de J anei ro:
P a z e Te rra , 20 08, p. 39.
74
C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev.
e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 151.
75
I bid em , m es m a pá gina.
39
nação tornar-se-á inimigo de todas.” 76 Mas, os dispositivos foram
considerados progressistas e rejeitados pela Constituição de 1793.
1.2.5 A Constituição francesa de 1848. O Manifesto do
Partido Comunista. A Encíclica Rerum Novarum
O período analisado aqui, dos anos de 1792 a 1848, foi marcado
por grandes transformações sociais, inúmeras revoluções eclodiram
no mundo europeu em confronto aos regimes autocráticos e crises
econômicas, em defesa do nacionalismo, do trabalho e da liberdade. A
colheita em 1846 foi um desastre, trazendo a fome no campo e, na
cidade o operariado demonstrava insatisfação com os excessos
capitalistas do rei Luis Felipe de Orléans. A revolução popular de
Paris, que visava a derrocada do rei, e a reinstauração da república,
baseada nos ideais revolucionários de 1792, iniciou o movimento
denominado Primavera dos Povos, que cresceu rapidamente para
Alemanha, Baviera, Prússia, Áustria, Hungria, Lombardia, para os
Estados Pontifícios e Itália meridional. 77
Formado um governo provisório, convocou-se imediatamente
uma assembleia constituinte, fixando uma eleição para os dois meses
seguintes, sem esclarecimento do eleitorado, culminando com uma
correlação de força parlamentar desfavorável aos revolucionários. 78
Tanto que a solução executada pelo governo provisório para resolver
o desemprego nas cidades, a criação de fábricas nacionais que
empregaram cem mil operários, foi finalizada, dando azo a uma
revolta coibida pelo exército.
76
I S HA Y, Mi c heli ne R. [or g.] Di rei tos hum ano s : uma an tol ogi a – P rinc ip ais es c ritos
po lític os , ens a ios , dis c u rs os e doc um ent os d es de a B íblia a té o pres ente . S éri e Di reit os
H um an os , 2. Tra d. Fabi o D u art e J ol y . São Pa ulo: E dito ra da Un i vers i dade de S ão Paulo:
N úc leo de Es t udos da Viol ênc ia ( NE V) , 20 06, p. 29 .
77
C O MP A R A TO, Fá bio Kond er. A afi rma ção h ist ór ica d os di rei tos h uman os. 6ª ed . rev.
e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 167.
78
I bidem , p. 167 -168 .
40
Os direitos sociais, especialmente, o reconhecimento do direito
ao trabalho eram as reivindicações desse período. Fabio Konder
Comparato doutrina que
Adolf o T hiers ( que ir ia c hef iar o governo que negoc iou a paz
c om a Pr úss ia vencedor a, e esm agou no s angue a Com una
de Par is , em 1871) qualif ic ou ess e direito c om o um a
“ her es ia, um a teor ia f als a, j á c ondenada pela ex per iênc ia” . O
pr etens o dir eito ao tr abalho, acr es centou, ac abar ia por
“ des tr uir o es pír ito de ec onom ia” , pois os oper ár ios , vendo
s eu f utur o ass egurado, deixar iam de depos itar s uas
ec onom ias nas c ontas popular es de poupanç a. Q uanto a
T oc queville, r es pondendo ao deputado Mathieu, par a quem o
dir eito ao tr abalho er a o “ dir eito da fom e” , adver tiu que ess a
pr oposta im plic ava em transf orm ar o Estado em pr opr ietár io
de todos os bens, ou s ej a, “ o c om unism o, um a nova form a
79
de ser vidão”.
O direito ao trabalho representava em 1848 para os operários o
mesmo
que
representou
no
Ano
II,
para
os
agricultores
que
dependiam do máximo dos grãos – “uma forma jurídica do direito à
vida.” 80
Dessa forma, a Constituição francesa de 1848 foi uma obra de
compromisso, constando a redução gradual das despesas públicas e
dos impostos, e objetivando o progresso e a civilização fundada em
valores como a família, pela primeira vez nos documentos franceses,
a propriedade e a ordem pública, bem como o direcionamento para o
ensino público voltado ao mercado de trabalho. 81
Tirante
a
ambiguidade
expressa
nessa
Constituição,
pois
consagrava a liberdade submetendo-a a determinações editadas por
leis orgânicas, constou “a instituição de deveres sociais do Estado
para com a classe trabalhadora e os necessitados em geral [...]
79
I bid. , p . 169 .
80
L EF EB VR E, G eor ges . 178 9 o su rg imen to da R e volu ção f ranc esa. Tr a d. Claudia
S c hilli ng. 2ª ed. re v. R io de J ane iro : P a z e Te rra , 20 08, p. 13.
81
C O MP A R A TO, Fábi o Konde r. A af ir mação hi stó rica do s d ir eit os huma nos . 6ª ed. r e v.
e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 169.
41
apontando para a criação do que viria a ser o Estado do Bem-Estar
Social, no século XX.” 82, em seu artigo 13
Ar t. 13 A Constituiç ão gar ante aos c idadãos a liber dade de
tr abalho e de indús tr ia. A s oc iedade favor ec e e enc or aj a o
des envolvim ento do trabalho, pelo ens ino pr im ár io gr atuito, a
educ aç ão pr ofiss ional, a igualdade nas r elaç ões entr e o
patrão e o operár io, as ins tituiç ões de pr evidênc ia e de
cr édito, as ins tituiç ões agr íc olas , as ass oc iaç ões voluntár ias
e o es tabelec im ento, pelo Es tado, os Depar tam entos e os
Municípios , de obr as públicas c apazes de em pregar os
br aç os des oc upados ; ela f or nec e as s istênc ia às cr ianç as
abandonadas, aos doentes e idosos s em r ecurs os e que não
83
podem s er s oc orr idos por s uas f am ílias .
Nessa Constituição, também, foi abolida a pena de morte em
matéria política, pela primeira vez na história constitucional, e vedada
a escravidão.
Quanto ao Manifesto do Partido Comunista elaborado por Karl
Marx e Friedrich Engels, em 1848, e a Encíclica Rerum Novarum do
Papa Leão XIII, de 1891, são considerados documentos relevantes
para a história dos direitos humanos, pois trataram de diversos
pontos, inclusive, sobre a condição dos operários da época, ditando
propostas diferenciadas.
Nessa época iniciou-se a Era da Doutrina Social da Igreja
Católica,
sendo
orientações
constantes
em
encíclicas
e
pronunciamentos dos papas voltadas para o enfrentamento dos
problemas sociais, fixando princípios, critérios e diretrizes sobre a
organização social e política dos povos.
Na Encíclica Rerum Novarum, o Papa Leão XIII analisa os
problemas
entre
industrial,
orientando
82
I bidem , p. 170 .
83
I bid. , p . 172 .
capital
e
sobre
trabalho
o
consequentes
princípio
da
da
revolução
colaboração
em
42
contraposição à luta de classes, sobre a dignidade dos pobres, a
obrigação dos ricos e o direito de associação, dentre outros direitos. 84
Especialmente sobre o trabalho, é descrito nesta Encíclica como
um
direito
fundamental,
tendo
valor
de
dignidade,
além
de
necessidade para que o homem mantenha sua família, adquira
propriedade e contribua para o bem comum, colocando o trabalho
como meio universal para prover as necessidades da vida. E, sustenta
que a propriedade adquirida como fruto do trabalho, a ele deve servir,
tendo
a
mesma
ideia
sobre
o
direito
a
herança,
pensamento comunista, que pregava a sua abolição.
Prega
essa
doutrina
cristã
uma
reforma
diverso
do
85
agrária,
justa
e
eficiente, condenando o latifúndio e a propriedade estatal da terra,
sugerindo que se favoreça a empresa familiar proprietária da terra que
a cultiva diretamente. Ao revés, o Manifesto comunista apregoa a
abolição da propriedade privada, entendendo que a propriedade
privada está abolida para nove décimos dos membros da sociedade
86
.
O Papa Leão XIII ainda sustenta que é preciso que o Estado, as
empresas, os sindicatos e os setores participantes da vida social
promovam políticas de trabalho que não penalizem e não sacrifiquem
as famílias, notadamente a dupla jornada de trabalho que reduz o
tempo dedicado à vida de família, e os problemas familiares se
refletem sobre o rendimento no campo do trabalho. Quanto trata da
proteção dos bens da alma assevera
57. Muitas outr as c oisas deve igualm ente o Es tado pr oteger
ao oper ár io, e em pr im eir o lugar os bens da alm a. ( ...) A
ninguém é líc ito violar im punem ente a dignidade do hom em ,
do qual Deus m esm o dis põe c om grande r ever ênc ia, nem
pôr- lhe im pedim entos, par a que ele s iga o cam inho daquele
84
L E ÃO XIII . Re rum nov ar um : Car ta e nc íc lic a s obr e a c ondiç ão d os op erá rios . 2 ª ed . São
P aulo : Ediç ões Lo yo la, 200 2, pas s i m.
85
I bid em , p . 8 -13 .
86
MA R X, K ar l; EN G ELS , F red eric . M an ife sto d o
N as s et ti. Sã o P aulo : Ma rt in Cla ret, 200 6, p. 5 9-6 3.
pa r tid o
com uni sta.
Tr ad.
Pie tro
43
aperfeiç oam ento que é or denado par a o alc anc e da vida
eterna ( ...) 58. Daqui vem , com o cons equênc ia, a
nec ess idade do r epous o f estivo. Is to, por ém, não quer dizer
que s e deve estar em óc io por m ais lar go espaç o de tem po,
e m uito m enos s ignif ic a um a inaç ão total, c om o m uitos
des ej am , e que é f onte de víc ios e ocas ião de diss ipaç ão;
m as um r epous o c onsagr ado à r eligião. Unido à r eligião, o
r epous o tira o hom em dos tr abalhos e das ocupaç ões da vida
or dinár ia para o c hamar ao pens am ento dos bens c elestes e
ao c ulto devido à Maj es tade divina. Eis aqui a pr inc ipal
natur eza e f im do repouso f estivo que Deus, c om lei
87
es pec ial, pr esc reveu ao hom em no velho tes tam ento ( ...)
Já
no
Manifesto
Comunista
Karl Marx e
Friedrich
Engels
afirmam que a família da época só existe para a burguesia.
Mais adiante, na Encíclica Rerum Novarum, o Papa Leão XIII
orienta sobre o regime de trabalho
59. No que diz r es peito aos bens natur ais e exter ior es ,
pr im eir o em tudo é um dever da autor idade públic a s ubtr air o
pobr e oper ár io à desum anidade de ávidos es peculador es ,
que abus am s em nenhum a discr iç ão, das pess oas c om o das
c ois as . Não é justo nem hum ano ex igir do hom em tanto
tr abalho a ponto de fazer pelo exc es so da fadiga em br utec er
o es pír ito e enfr aquec er o c orpo. A atividade do hom em ,
r es tr ita c om o s ua natur eza, tem lim ites que se não podem
ultr apas s ar. O ex erc íc io e o us o a aperfeiç oam , m as é
pr ec is o que de quando em quando s e suspenda par a dar
lugar ao repous o. Não deve, por tanto, o tr abalho pr olongars e por m ais tem po do que as f orç as perm item . Ass im o
núm er o de hor as de trabalho diár io não deve exc eder a forç a
dos tr abalhadores, e a quantidade do repous o deve ser
pr oporc ionada à qualidade do tr abalho, às circ uns tânc ias do
tem po e do lugar , à c om pleiç ão e s aúde dos oper ár ios . O
tr abalho, por ex em plo, de ex tr air pedr a, ferr o, chum bo e
outros m ater iais esc ondidos debaix o da ter ra, s endo m ais
pes ado e noc ivo à s aúde, deve s er c om pens ado c om um a
dur aç ão m ais c ur ta. Deve-s e tam bém atender às es taç ões,
por que não pouc as vezes um tr abalho que f ac ilm ente s e
s upor tar ia num a estação, em outr a é de fato ins uportável ou
88
s om ente s e vence c om dif ic uldade.
Como se vê, a Constituição Francesa de 1848 contemplou
direitos fundamentais sociais dos trabalhadores, que começaram a
tomar corpo pelas ideias dos intelectuais progressistas, bem como por
87
L EÃ O XIII . Re ru m novar um : Ca rta e nc íc lic a s o br e a c ondiç ão dos op erá rios . 2ª ed . São
P aulo : Ediç ões Lo yo la, 200 2, p. 2 9.
88
I bid em , p . 30 .
44
meio dos movimentos socialistas, da consciência de classe, e da
doutrina social cristã.
Saliente-se a forte influência que a Encíclica Rerum Novarum
teve sobre as políticas estatais “que passaram a abandonar suas
posições liberais de não intervenção na ordem social e jurídica, para
intervir, produzindo o arcabouço jurídico-político do Estado do BemEstar Social.” 89
Tanto
que,
na
Inglaterra,
França
e
Alemanha,
leis
foram
editadas para fiscalizar o trabalho nas empresas; a jornada de
trabalho foi limitada a oito horas diárias; foram criados o salário
mínimo, o seguro saúde, o seguro desemprego e a aposentadoria por
idade.
90
1.2.6 A Constituição mexicana de 1917. A Constituição
alemã de 1919. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948.
Os
direitos
fundamentais
dos
trabalhadores
nasceram
na
Constituição Mexicana de 05 de fevereiro de 1917, em consequência
dos
movimentos
elencados
anteriormente,
e,
em
especial,
pelo
movimento de jovens intelectuais contra a ditadura de Porfírio Diaz,
nomeado
Regeneración.
Esses
últimos
propagavam
ideias
de
renovação como a proibição de reeleição presidencial, a expansão do
sistema de educação pública, a reforma agrária e a proteção do
trabalho assalariado. 91
89
P I N TO, Ai rt on Pe rei ra. Di rei to d o tr aba lho , di rei tos h uman os
C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr Edit ora Ltda , 20 06, p. 66.
so ciai s
e
a
90
I bid em , p . 67 .
91
C O MP A R A TO, Fábi o Kond er. A a fi rma ção his tór ica dos di rei tos human os. 6 ª ed . re v.
e atu al. São Pa ulo: Sa rai va , 20 08, p. 177. P IN TO , Ai rton P erei ra. D ir eito do t rab alh o,
d ir eit os huma nos so cia is e a Cons ti tui ção Fe der al. S ão Pau lo: L Tr Edi tor a L tda,
20 06, p. 68.
45
Essa Carta tratou de forma minudente os direitos de proteção
dos trabalhadores, refletindo a “preocupação dos movimentos sociais
frente à limitação do poder econômico nas relações de trabalho.” 92 Foi
a primeira Constituição que desmercantilizou o trabalho, vedando a
comparação do trabalho a uma mercadoria qualquer, sujeito à lei da
oferta e procura do mercado. Dispôs sobre o princípio da igualdade
entre empregado e empregador nas relações contratuais de trabalho.
Tratou da responsabilidade dos empregadores em relação a acidentes
de trabalho. 93
Para Marthius Sávio Cavalcante Lobato, essa inserção dos
direitos fundamentais dos trabalhadores na Constituição Mexicana de
1917, estabeleceu a tutela da violação da dignidade da pessoa
humana ao dispor sobre
a) jor nada diár ia m áx im a de 8 hor as; b) a jor nada notur na
m áx im a de 7 hor as , pr otegendo o c idadão tr abalhador do
tr abalho s ubum ano. Gar antiu a pr oteç ão do tr abalho infantil,
entendendo, j á naquela époc a, tr atar -se de tr abalho
degr adante, quando dis põe pela c) pr oibiç ão do tr abalho do
m enor de 12 anos e lim itação da j or nada do m enor de 16
anos a 6 horas diár ias ; pr otegeu o dir eito da m ulher e do
nasc itur o ao gar antir a d) pr oteç ão à m ater nidade.
Es tabelec eu lim ites par a a atuaç ão dos em pregador es ,
c ontr a a dis pens a im otivada, com o m ec anism o de gar antir o
c ontr ato de tr abalho enquanto ato contínuo e de
r es pons abilidade s oc ial, ao prever a e) indenizaç ão c ontr a a
dis pens a; gar ante a plena liberdade de as soc iaç ão,
r ec onhec endo o f) dir eito à s indic alizaç ão, bem c om o o
dir eito à negoc iaç ão c oletiva, ao es tabelecer com o
m ec anism o de s oluç ão de c onflitos o g) dir eito à c onc iliaç ão
e à ar bitr agem nos c onf litos coletivos . Rec onhec e, ainda, o
dir eito do c idadão trabalhador a s ua autonom ia e liber dade
de r eivindic aç ão por m elhor es c ondiç ões de tr abalho,
r ec onhec endo o direito de c aus ar prej uízo ao s eu
em pr egador ao c onfer ir o h) dir eito de greve; r ec onhec e
c om o obr igaç ão do Estado a pr oteç ão c ontra os infortúnios
das r elaç ões de tr abalho, obr igando- o (Es tado) a um a
atuaç ão pos itiva ao gar antir i) o direito a s egur os s oc iais .
Adem ais, protege a dignidade do c idadão tr abalhador ao
dis por s obr e o m eio am biente de tr abalho digno, pr otegendo
c ontr a j) ac identes do trabalho; ins er e o pr inc ípio da
92
N U N ES J UN IO R, Vidal S er rano. A ci dada nia s ocia l na C ons ti tuiçã o de 19 88 :
es tra tégias d e pos iti v aç ão e e xi gibil idad e j udic ia l dos dir eitos s oc i ais . S ão Pau lo:
V erb atim , 200 9, p. 5 2.
93
C O MP A R A TO, Fábi o Kond er. A a fi rma ção his tór ica dos di rei tos human os. 6 ª ed . re v.
e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 181.
46
igualdade entr e os trabalhador es que ex erc em a m esm a
f unção par a o m esm o em pr egado, ao determ inar a l)
igualdade s alar ial; gar ante a dignidade da pess oa hum ana
do tr abalhador ao es tabelec er o m) direito ao s alár io
94
m ínim o.
Já a Constituição de W eimar de 1919 ampliou o rol de direitos
sociais tutelados, com especial cuidado ao direito à educação, direito
à saúde e à previdência. Essa Carta não tratou de forma minudente,
como a Constituição Mexicana de 1917, dos direitos fundamentais
trabalhistas, mas antecipou alguns institutos como “a preocupação em
se estabelecerem padrões mínimos de regulação internacional do
trabalho assalariado, tendo em vista a criação, à época ainda
incipiente, de um mercado internacional de trabalho.” 95
A Constituição de W eimar reconhece o direito ao trabalho,
impondo ao Estado o dever de desenvolver políticas de pleno
emprego, dispondo em seu artigo 163 que
( ...) A todo alem ão dá-s e a poss ibilidade de pr over à sua
s ubs is tênc ia pelo s eu tr abalho. Enquanto não se lhe puder
pr opic iar um a oportunidade de tr abalho, c uidar- se-á de s uas
nec ess idades de s ubs is tênc ia. As par tic ular idades loc ais
96
s er ão atendidas m ediante leis es pec iais do Es tado c entr al.
Também, como característica dessa Constituição,, saliente-se o
caráter social democrático e preocupação humanística apresentando,
inclusive,
sentido
universalista,
de
forma
a
influenciar
outras
constituições contemporâneas, quando ditou “O Estado lutará pela
obtenção de uma regulamentação internacional das relações jurídicas
de trabalho, com o objetivo de assegurar a toda humanidade um
mínimo geral de direitos sociais.” 97
94
L O BA TO , Ma rthi us S á vio Ca v alc an te. O val or co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e d os
d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 3 6-37 .
95
C O MP A R A TO , Fá bio Kond er. A af i rmaçã o h ist ór ica do s d ir eit os huma no s. 6 ª ed . re v.
e atu al. São Pa ulo: Sa raiv a , 20 08, p. 195- 196.
96
I bid em , p . 19 9.
97
N U N ES J UN IO R, Vidal S er rano. A ci dada nia s ocia l na C ons ti tuiçã o de 19 88 :
es tra tégias d e pos iti v aç ão e e xi gibil idad e j udic ia l dos dir eitos s oc i ais . S ão Pau lo:
V erb atim , 200 9, p. 5 3.
47
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 nasce
como instrumento de revigoração dos direitos humanos, sob o impacto
das atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Este documento pautouse pelos princípios da Revolução francesa – liberdade, igualdade e
fraternidade
–
ditando
em
seu
preâmbulo
que
“uma
de
suas
preocupações específicas com os direitos humanos era o de colocar o
homem a salvo da necessidade, bem como promover o progresso
social e melhores condições de vida.” 98
Nessa Declaração de 1948 houve um amplo reconhecimento dos
direitos
sociais,
inclusive
como
direitos
intrínsecos
à
natureza
humana, como expressam, dentre outros, alguns de seus artigos
Ar tigo 22. T oda pessoa, c om o m em br o da s oc iedade, tem
dir eito à s egur anç a s oc ial e à r ealizaç ão, pelo esfor ço
nac ional, pela c ooper aç ão inter nac ional e, de ac or do c om a
or ganizaç ão e r ec urs os de c ada Es tado, dos dir eitos
ec onôm ic os, s oc iais e c ultur ais indis pens áveis à s ua
dignidade e ao livr e des envolvim ento da s ua pers onalidade.
Ar t. 23. § 1. T oda pess oa tem dir eito ao tr abalho, à livre
esc olha de em pr ego, a c ondiç ões j us tas e f avor áveis de
tr abalho e à pr oteç ão c ontr a o des em pr ego. § 2. T oda
pess oa, s em qualquer dis tinç ão, tem dir eito igual a
r em uner aç ão por igual tr abalho. § 3. T oda pess oa que
tr abalhe tem dir eito a um a r em uner aç ão j us ta e s atisf atór ia,
que lhe ass egure, ass im c om o à sua fam ília, um a ex is tênc ia
c om patível com a dignidade hum ana, e a que s e
acr esc entar ão, se nec ess ár io, outr os m eios de pr oteç ão
s oc ial. § 4. T oda pessoa tem direito a or ganizar s indic atos e
neles ingr es sar par a pr oteç ão de s eus inter ess es .
Ar t. 24. T oda pess oa tem direito a r epous o e lazer , inc lus ive
a lim itaç ão r azoável de hor as de tr abalho e f ér ias per iódic as
r em uner adas.
Ar t. 25. § 1. T oda pess oa tem dir eito a um padr ão de vida
c apaz de as segur ar a s i e a s ua f am ília s aúde e bem -es tar ,
inc lus ive
alim entaç ão,
ves tuár io,
habitaç ão,
c uidados
m édic os e os s er viç os s oc iais indis pens áveis , e dir eito à
s egur anç a em c as o de des em pr ego, doenç a, invalidez,
viuvez, velhic e ou o utr os c as os de per da dos m eios de
s ubs is tênc ia f or a de c ontr ole. § 2. A m aternidade e a
infânc ia têm dir eito a cuidados e ass is tênc ia es pec iais .
98
Ibidem , p . 54 .
48
T odas as c r ianç as nasc idas dentr o ou f or a do m atr im ônio
99
gozar ão da m esm a pr oteç ão s oc ial.
Airton
Direitos
Humanos
Pereira
de
Pinto,
1948,
ao
conclui
comentar
a
que
é o
“ela
Declaração
de
culminar do
amadurecimento e evolução dos direitos humanos, especialmente em
direção aos direitos humanos sociais dos trabalhadores, expressão
mais firme do respeito pelos seres humanos que trabalham para viver
dignamente.” 100
1.3
As diversas dimensões dos direitos fundamentais
Analisada
no
capítulo
anterior
a
evolução
dos
direitos
fundamentais desde seu reconhecimento até nossos dias, verificou-se
o
reconhecimento
progressivo
de
novos
direitos
com
caráter
cumulativo, de complementariedade e não de alternância, pois não
houve substituição de direitos ao longo do tempo.
Nessa concepção, adota-se a diretriz de Ingo W olfgang Sarlet
que utiliza a expressão “dimensões” de direitos e não “gerações”
como defendem outros autores, pois a expressão gerações leva à
ideia de substituição gradativa de uma geração por outra.
101
A teoria das gerações de direitos foi lançada por Karel Vasak,
jurista tcheco, naturalizado francês, em 1979, quando da abertura dos
cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, afirmando,
inclusive, a existência da terceira dimensão (geração como ele
denominou) sendo a tutela dos direitos de fraternidade, prestigiando o
lema da Revolução Francesa: liberdade (primeira geração/ dimensão),
99
B I TTA R, Ed uar do C. B. ; A L ME ID A, G uilhe rm e As s is de [or g.] . M i ni- cód igo de di rei tos
h uman os. 1ª ed. S ão Pau lo: J uar e z de Oli vei ra, 2008 , p. 223 .
100
P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos
C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , P. 75 .
101
hum anos
s ocia is
e
a
S A RLE T, Ing o W olfga ng. A e f i cáci a d os di rei tos fu ndam ent ais . 8ª ed ., P o rto Alegre:
Li v ra ria d o Ad voga do, 2007 , p. 54.
49
igualdade
(segunda
geração/
dimensão)
e
fraternidade
(terceira
geração/ dimensão).
Para Norberto Bobbio, analisando os momentos históricos dos
direitos fundamentais
Ess a m ultiplic aç ão ( ia dizendo “ pr olif er aç ão”) oc orr eu de tr ês
m odos: a) porque aum entou a quantidade de bens
c ons ider ados m er ec edor es de tutela; b) por que f oi es tendida
a titular idade de alguns dir eitos típicos a suj eitos divers os
do hom em ; c ) por que o pr ópr io hom em não é m ais
c ons ider ado com o ente genér ico, ou hom em em abs tr ato,
m as é visto na es pec if ic idade ou na c onc retic idade de s uas
divers as m aneir as de s er em s oc iedade, c om o cr ianç a,
velho, doente, etc. Em s ubstânc ia: m ais bens , m ais s uj eitos ,
m ais status do indivíduo. É s upérf luo notar que, entr e ess es
tr ês pr oc es sos, ex istem r elaç ões de interdependênc ia: o
r ec onhec im ento de novos dir eitos de ( onde “ de” indic a o
s uj eito) im plic a quas e s em pr e o aum ento de dir eitos a ( onde
“ a” indic a o obj eto) . Ainda m ais s upérf luo é obs er var , o que
im por ta par a noss os fins , que todas as tr ês c aus as dess a
m ultiplicação c ada vez m ais ac eler ada dos dir eitos do
hom em r evelam , de m odo c ada vez m ais evidente e
ex plíc ito, a nec ess idade de fazer r ef er ênc ia a um contex to
102
s oc ial determ inado.
( ...)
Com r elaç ão ao pr im eir o pr oc es so, oc orr eu a pass agem dos
dir eitos de liber dade – das c ham adas liberdades negativas,
de r eligião, de opinião, de im pr ens a, etc . – par a os dir eitos
polític os e s oc iais , que r equer em um a inter venç ão dir eta do
Es tado. Com r elaç ão ao segundo, oc orr eu a pas sagem da
c ons ider aç ão do indivíduo hum ano uti s ingulus , que foi o
pr im eir o s uj eito ao qual s e atr ibuír am dir eitos natur ais ( ou
m or ais) – em outr as palavr as , da “ pes soa” - , par a s ujeitos
diferentes do indivíduo, c om o a f am ília, as m inor ias étnic as
e r eligios as, toda a hum anidade em seu c onj unto (c om o no
atual debate, entr e f ilós ofos da m oral, s obre o dir eito dos
pós teros à s obr evivênc ia) ; e, além dos indivíduos hum anos
c ons ider ados s ingularm ente ou nas diversas com unidades
r eais ou ideais que os r epr es entavam , até m esm o par a
s uj eitos difer entes dos hom ens, c om o os anim ais . Nos
m ovim entos ecológicos , es tá em ergindo quas e que um
dir eito da natur eza a s er r es peitada ou não ex plor ada, onde
as palavr as “ res peito” e “ ex plor aç ão” s ão ex atam ente as
m esm as us adas tr adicionalm ente na def iniç ão e j us tificação
dos direitos do hom em.
Com r elaç ão ao terc eir o pr oc es so, a pass agem oc orr eu do
hom em genér ic o – do hom em enquanto hom em – par a o
hom em es pec íf ic o, ou tom ado na divers idade de s eus
divers os s tatus s oc iais, c om bas e em difer entes cr itér ios de
diferenc iação (o s ex o, a idade, as condiç ões f ís ic as) , c ada
102
B O BB I O, N orbe rt o. A e ra d os di rei tos . Tr ad. Car los Ne ls on Couti nho. 5 ª re im p. Rio de
J an eir o: Els e vie r, 2004 , p . 83 .
50
um dos quais r evela dif er enç as es pec ífic as , que não
perm item igual tr atam ento e igual pr oteção. A m ulher é
diferente do hom em ; a c r ianç a do adulto; o adulto, do velho;
o s adio, do doente; o doente tem por ár io, do doente cr ônic o;
o doente m ental, dos outr os doentes ; os f is ic am ente
norm ais , dos def ic ientes ; etc . Bas ta ex am inar as c artas de
dir eitos que s e s uc eder am no âm bito internac ional, nes tes
103
últim os quar enta anos, para perc eber o f enôm eno ( ...)
Também quanto ao número de dimensões não há consenso entre
os doutrinadores, Celso Lafer 104 e Paulo Bonavides 105 afirmam a
existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, sendo
direitos à democracia direta, à informação e direito ao pluralismo,
resultado da globalização dos direitos fundamentais. Já para Manoel
Gonçalves Ferreira Filho existem três dimensões, a primeira denomina
liberdades públicas, a segunda, os direitos econômicos e sociais, e, a
terceira os direitos de solidariedade ou de fraternidade
106
.
1.3.1 Os direitos fundamentais de primeira dimensão
As
primeiras
Constituições,
produto
do
pensamento
liberal
burguês do século XVIII, trazem a marca do individualismo, tutelando
o direito do homem frente ao Estado, e tendo a liberdade individual
como essência do sistema, bem como defendendo a limitação dos
poderes do soberano.
Objetivavam essas leis superiores a proteção do homem em
confronto com o Estado absolutista, sendo pressuposto para o
exercício de outras faculdades constitucionais. Surgiu, ainda nesse
período, a separação entre duas importantes estruturas sociais, a
sociedade civil e o poder público, em razão do reconhecimento de
103
I bidem , p. 83 -84.
104
A r e con st ruç ão do s dir ei tos huma nos : um d iá log o com o pen samen to d e Ha nna
Ar e nd t. 2ª e d. São Pa ulo : Cia d as Le tr as , 1 988, p . 13 1.
105
106
C u rso de di rei to con sti tu cio nal. 8ª ed. Sã o P aulo : Malh eir os , 1 997, p. 524 e s s .
F E RR EI RA FIL H O, Ma noel G onç al ves . D ir eit os hu mano s fu ndam ent ais . 8ª ed. , re v. e
a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 06.
51
direitos
irrenunciáveis
como
o
direito
à
vida,
à
liberdade,
à
propriedade e à igualdade perante a lei.
E, noutro momento, foi consagrada a liberdade de expressão,
imprensa,
manifestação,
reunião,
associação;
pelos
direitos
de
participação política, direitos esses que correspondem à fase inicial
do constitucionalismo ocidental, continuando a integrar os catálogos
das Constituições.
A independência americana e a revolução francesa criaram,
dentre outros, direitos oponíveis ao Estado, e o modo de operá-los,
consagrando
liberdades,
poderes
de
agir,
ou
não
agir,
independentemente da ingerência do Estado, nascendo da liberdade
em geral a presunção de inocência, a legalidade criminal, a legalidade
processual, assim como a liberdade de resistir à opressão.
107
Criou-se um verdadeiro paradoxo, o indivíduo como titular de
direitos oponíveis ao Estado, impedindo-o de interferir em sua
situação
jurídica,
mas
devendo
proteger
direitos
individuais.
Paradoxo, porque o Estado é o maior violador dos direitos do homem,
e
possui
a
obrigação
de
evitar
que
esses
direitos
sejam
desrespeitados.
1.3.2 Os direitos fundamentais de segunda dimensão:
econômicos, sociais e culturais.
Logo se verificou que os direitos à liberdade e à igualdade não
produziam a garantia efetiva, pois no século XIX, o impacto da
industrialização
não
trouxe
apenas
avanços
tecnológicos,
mas,
também, graves problemas sociais e econômicos que desencadearam
movimentos reivindicatórios para o reconhecimento progressivo dos
direitos.
107
I bid em p. 23.
52
A preocupação não era mais com a intervenção do Estado nos
direitos do indivíduo, mas sim de propiciar um direito de participar do
bem estar social 108, esses direitos caracterizam-se pela outorgar aos
cidadãos de direitos a prestações sociais estatais como assistência
social, saúde, educação, trabalho, lazer dentre outros 109.
Neste
período,
além
da
reivindicação
do
exercício
dos
direitos naturais, busca-se do Estado a consecução de serviços
públicos
correspondentes
ao
fim
social
desses
direitos.
Nossa
Constituição da República enuncia no artigo 6º os direitos econômicos
e sociais.
As
condições
de
trabalho
nas
fábricas,
minas
e
outros
empreendimentos eram extremamente degradantes, com mulheres e
crianças trabalhando em condições de insalubridade pelo pagamento
de salários miseráveis, o que deu aos movimentos revolucionários e
reformistas. O avanço no desenvolvimento de técnicas de produção
ensejou imenso crescimento econômico, em contraponto ao sacrifício
dos trabalhadores, pois não havia limitação da jornada de trabalho,
salário mínimo, férias, ou descanso semanal remunerado. George
Marmelstein,
ilustrando
o
cotidiano
da
época,
se
socorre
de
reportagem da revista inglesa The Lion, de 1828, sobre a vida de
Robert Blincoe
( ...) um a das cr ianç as paupérr im as que haviam s ido
enviadas par a tr abalhar em um a f ábr ic a em Lowdhan: “ Os
m eninos e as m eninas – tinham todos cerc a dez anos – era
c hic oteados dia e noite, não apenas pela m enor falta, m as
tam bém para des es timular s eu c om por tam ento preguiç os o. E
c om par adas c om as de um a fábr ic a em Litton, par a onde
Blinc oe f oi tr ansf er ido a s eguir, as c ondiç ões de Lowdhan
er am quase hum anas. Em Litton, as cr ianç as dis putavam
c om os porc os a lavagem que er a j ogada na lam a par a os
108
L AF ER , Cels o . A re co nst ru ção dos d ir eito s h uman os, um di ál ogo co m o
p ensam ent o de Han nah Ar e nd t. 6ª reim p . São P aulo : Com panhi a das Le tras , 2006 , p.
12 7.
109
F E RR EI RA FIL H O, Ma noel G onç al ves . D ir eit os hu mano s fu ndam ent ais . 8ª ed. , re v. e
a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 50-51.
53
bic hos c om erem ; eram chutadas, s oc adas e abus adas
s ex ualm ente; o patr ão delas, Um tal de Ellic e Needhan, tinha
o horrível hábito de belisc ar as or elhas dos pequenos até
que s uas unhas s e enc ontr ass em através da c ar ne. O
c apataz da f ábr ic a era ainda pior . Pendur ava Blinc oe pelos
puls os por c im a de um a m áquina até que s eus j oelhos s e
dobr ass em e então coloc ava pes os s obr e s eus om br os . A
cr ianç a e s eus pequenos com panheir os de tr abalho viviam
quas e nus dur ante o gélido inver no e ( apar entem ente apenas
por pur a e gratuita br inc adeir a s ádic a) os dentes deles er am
110
lim itados! ”
Nasce aqui a revolta intelectual e política, uma verdadeira luta
de classes. A postura reformista do positivismo, do socialismo
democrático, com forte apoio da doutrina social da Igreja, a partir da
Encíclica Rerum novarum, editada pelo Papa Leão XIII em 1891 111,
retomando a tese do bem comum, da essência na vida humana digna
de São Tomás de Aquino, levou aos direitos econômicos e sociais. 112
Karl Marx escreve em 1848 o Manifesto Comunista 113 idealizando
a união dos trabalhadores do mundo contra o capitalismo. Em 1917
resulta vitoriosa a Revolução Socialista dos operários contra o
capitalismo na Rússia.
Essas declarações sociais estavam presentes nas declarações
de direitos de primeira dimensão como na Declaração Francesa de
1793 em que constava do artigo 21 a garantia de socorros públicos
aos necessitados e sem trabalho, bem como, do artigo 22, a garantia
de instrução aos cidadãos. Esses mesmos direitos foram garantidos
pela Constituição brasileira de 1824 no artigo 179 números 31 e 32.
Marcadamente, foi a Constituição francesa de 1848 o documento
mais importante de consagração dos direitos de segunda dimensão,
110
Cu rs o de di re ito s f undam ent ais . S ão Paulo : Atlas , 20 08, p. 47.
111
L EÃ O XII I. R er um no varu m: C art a enc íc l ic a s ob re a c o ndiç ão d os ope rár ios . 2ª ed. São
P aulo : Ediç ões Lo yo la, 200 2.
112
F E RR EI RA FIL H O, Ma noel G onç al ves . D ir eit os hu mano s fu ndam ent ais . 8ª ed. , re v. e
a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 44-45.
113
MA R X, K arl ; E N GE LS, F rede ric . M ani fes to
N as s et ti. Sã o P aulo : Ma rt in Cla ret, 200 6.
do
pa rt ido
c omu nis ta.
Tr ad .
Pie tro
54
ano de revoluções na Europa. A Constituição mexicana de 1917
elencou direitos do trabalhador, tratou da reforma agrária, todavia,
pouco repercutiu na América Latina e, mesmo antecipando alguns
desdobramentos típicos do direito social, não “espelha a nova versão
dos direitos fundamentais.” 114 A Constituição alemã de 1919 nasce ao
final da primeira Guerra Mundial, elaborada para uma Alemanha
republicana, tem como nota marcante o novo espírito social, tratando
do casamento, da juventude, da obrigatoriedade escolar, da sujeição
da propriedade à função social, da reforma agrária, da proteção do
trabalho, da previdência social, e de outros direitos sociais.
115
Surgem, assim, os direitos fundamentais de segunda dimensão,
não como direitos naturais do indivíduo, mas para impor ao Estado a
prestação de serviços públicos direcionados à sociedade como um
todo. Esses direitos de segunda dimensão configuram-se, além dos
direitos trabalhistas, a garantia dos direitos denominados econômicos,
sociais e culturais ligados às necessidades básicas dos indivíduos,
como alimentação, saúde, moradia, educação, assistência social,
lazer dentre outros. A ideia básica é que as liberdades não podem
existir se garantias mínimas para sobrevivência não forem garantidas,
pois liberdade não é apenas ausência de constrangimentos, mas a
real possibilidade de agir e viver em conformidade com as escolhas de
cada um.
No Brasil, as Constituições de 1934 e de 1946 caminharam para
formação do Estado do bem-estar social, tutelando a aposentadoria, a
educação, a assistência social, e outros direitos ligados à proteção
dos trabalhadores.
114
Em nossa Constituição atual esses direitos
F E RR EI RA FIL H O, Ma noel G onç al ves . D ir eit os hu mano s fu ndam ent ais . 8ª ed. , re v. e
a tual. S ão Paulo : Sar ai va , 20 06, p. 46.
115
I bidem , p.45-49.
55
encontram-se consagrados no artigo 6º 116 como direitos econômicos e
sociais, também denominados pela doutrina de piso vital mínimo.
Para Ingo W olfgang Sarlet os direitos fundamentais de segunda
dimensão abrangem
( ...) bem m ais do que os dir eitos de c unho pr es tac ional, de
ac or do c om o que ainda pr opugna parte da doutr ina,
inobstante o c unho “ pos itivo” poss a s er c ons ider ado c om o o
m arc o dis tintivo desta nova f as e na evolução dos dir eitos
f undam entais . Saliente-s e, c ontudo, que, a ex em plo dos
dir eitos da pr im eir a dim ens ão, tam bém os dir eitos s oc iais
( tom ados no sentido am plo or a r efer ido) s e repor tam à
pess oa individual, não podendo s er c onf undidos c om os
dir eitos c oletivos e/ou dif us os da terc eira dim ens ão. A
utilizaç ão da ex pr es s ão “s oc ial” encontr a j us tif ic ativa, entre
outros aspec tos que não nos c abe apr of undar nes te
m om ento, na c irc uns tânc ia de que os dir eitos da s egunda
dim ens ão podem s er c ons ider ados um a dens ificação do
pr inc ípio da j ustiça s oc ial, além de c orres ponderem à
r eivindic aç ões das c lass es m enos favor ecidas , de m odo
es pec ial da c lass e oper ár ia, a título de c om pensaç ão, em
vir tude da ex tr em a des igualdade que c ar ac ter izava ( e, de
c er ta f orm a, ainda c ar ac ter iza) as r elaç ões c om a c lass e
em pr egador a, notadamente detentor a de um m aior ou m enor
117
gr au de poder ec onôm ic o.
1.3.3 Os direitos fundamentais de terceira dimensão:
os direitos de solidariedade e de fraternidade.
Nasce a Organização das
Nações Unidas, ao término da
segunda Guerra Mundial, pela Carta das Nações Unidas, assinada por
51 países, em 24 de outubro de 1945, buscando a manutenção da paz
e do desenvolvimento em todos os países do mundo.
Aqui os direitos se deslocam da figura do homem-indivíduo para
a proteção de grupos humanos, como família, povo, nação, e se
caracterizam como direitos de titularidade coletiva ou difusa, como o
direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao
116
A rt . 6 º S ão di reit os s oc iais a educ aç ão, a s aúde, a alim e ntaç ã o, o t rab alho , a m o radi a,
o la z er, a s eg uranç a, a pr e vidênc ia s oc ial , a pr oteç ã o à m a te rnida de e à inf ânc ia, a
as s is tênc i a aos des am p ar ados , na fo rm a d es ta Cons titu iç ão.
117
A e fic ácia d os di rei tos fu ndam ent ais. 8ª ed ., Po rto A legr e: Li vr aria do A d voga do,
20 07, p. 57- 58.
56
meio ambiente e qualidade de vida, conservação e utilização do
patrimônio
histórico
e
cultural
da
humanidade
e
direito
de
comunicação.
Surgem novas reivindicações fundamentais do ser humano,
respostas ao impacto tecnológico, possuindo como nota distintiva a
titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável.
Quanto
à
titularidade
e
complexidade
desses
direitos,
esclarecedoras são as palavras de Ingo W olfgang Sarlet:
A atr ibuiç ão da titular idade de dir eitos fundam entais ao
pr ópr io Es tado e à Naç ão ( dir eitos à autodeterm inação, paz
e desenvolvim ento) tem s usc itado s ér ias dúvidas no que
c onc er ne à pr ópr ia qualif ic aç ão de gr ande par te des tas
r eivindic aç ões com o autêntic os dir eitos f undam entais.
Com preende-s e, portanto, por que os dir eitos da terc eir a
dim ens ão s ão denom inados us ualm ente c om o dir eitos de
s olidar iedade ou fr aternidade, de m odo es pec ial em face de
s ua im plic aç ão univers al ou, no m ínim o, trans individual, e
por ex igirem esfor ços e r es pons abilidades em esc ala até
m esm o m undial par a sua ef etivação.
( ...)
Par a outros, por s ua vez, os direitos fundam entais de
terc eir a dim ens ão, c om o lec iona Pérez Luño, podem s er
c ons ider ados um a res pos ta ao f enôm eno denom inado de
“ poluiç ão das liber dades” , que c ar ac ter iza o pr oc ess o de
er os ão e degr adaç ão s ofr ido pelos dir eitos e liber dades
f undam entais , pr inc ipalm ente em f ac e do us o de novas
tec nologias .
Nes ta
pers pec tiva,
as sum em
espec ial
r elevânc ia o dir eito ao m eio am biente e à qualidade de vida
( que j á foi c ons ider ado c om o dir eito de terc eir a geração pela
c or rente doutr inár ia que parte do cr itér io da titular idade
tr ans individual), bem c om o o dir eito de inf orm ática ( ou
liber dade de inf orm átic a) , cuj o r ec onhec im ento é pos tulado
j us tam ente em vir tude do c ontrole c ada vez m aior s obr e a
liber dade e intim idade individual m ediante banc os de dados
pess oais , m eios de c om unic aç ão, etc ., m as que – em vir tude
de s ua vinc ulação c om os dir eitos de liber dade ( inc lus ive de
ex pr ess ão e c om unicaç ão) e as gar antias da intim idade e
pr ivac idade s usc ita cer tas dúvidas no que tange ao s eu
enquadr am ento
na
ter ceir a
dim ens ão
dos
dir eitos
f undam entais . De qualquer m odo, tam bém com relaç ão aos
dir eitos da ass im cham ada terc eir a dimens ão im porta
r ec onhec er a procedênc ia da liç ão de Ignác io Pinilla ao
des tacar a divers if icaç ão ( e, por tanto, a c om plex idade)
118
des tes dir eitos .
118
Ibidem , p . 58 -59 .
57
1.3.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão
Existe uma tendência no sentido do reconhecimento dos direitos
fundamentais de quarta dimensão, aguardando sua consagração na
esfera do direito internacional e das ordens constitucionais internas.
Esses direitos seriam as garantias contra as manipulações genéticas,
ao direito de morrer com dignidade, ao direito de mudança de sexo.
Paulo Bonavides entende que uma quarta dimensão de direitos é
composta pelos direitos à democracia direta, à informação e direito ao
pluralismo, resultado da globalização dos direitos fundamentais, em
sentido de uma universalização no plano institucional, correspondendo
à derradeira fase de institucionalização do Estado Social, em tom
profético, mas não utópico, assevera o ilustre doutrinador que os
direitos de quarta dimensão “compendiam o futuro da cidadania e o
porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será
legítima e possível a globalização política.”
119
Ingo W olfgang Sarlet comenta esse entendimento
( ...) a dim ens ão da globalizaç ão dos dir eitos fundam entais ,
c om o f orm ulada pelo Pr of. Bonavides, longe está de obter o
devido
r ec onhec im ento
no
dir eito
pos itivo
interno
( ress alvando- se algum as inic iativas ainda is oladas de
par tic ipaç ão popular dir eta no pr oc ess o dec is ór io, c om o
oc orr e c om os Cons elhos T utelares [no âmbito da pr oteç ão
da inf ânc ia e da juventude] e es pec ialm ente c om as
ex per iênc ias no plano do orç am ento partic ipativo, apenas
par a c itar alguns ex em plos) e inter nac ionalm ente, não
pass ando, por or a, de justa e s audável es per anç a com
r elaç ão e um futur o m elhor par a a hum anidade, r evelando,
de tal s or te, sua dim ens ão ( ainda) em inentem ente pr ofétic a,
em bor a não nec ess ar iam ente utópic a, o que, aliás , s e
120
depr eende das palavr as do pr ópr io autor c itado (...).
119
B O N AVI D ES, Paulo . Cur so de d ir eit o cons ti tuc iona l. 10ª ed . São Paul o: Malheiros ,
20 00 p . 5 26.
120
A e fic ácia d os di rei tos fu ndam ent ais. 8ª ed ., Po rto A legr e: Li vr aria do A d voga do,
20 07, p. 61.
58
2. AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO
Analisada
fundamentais
a
evolução
histórica
de
maneira
global,
que
construiu
considerações
os
direitos
sobre
as
transformações no mundo do trabalho, inclusive sobre a regulação do
tempo livre como contraposto ao trabalho, são necessárias para
caminhar ao encontro da compreensão sobre o surgimento dos
direitos sociais, onde se encontra inserido o direito ao lazer.
A palavra trabalho sofreu algumas alterações de significado ao
longo da história, da acepção relacionada a dor e sofrimento tida até o
início do século XV, passou a significar esforço do homem para obter
um resultado. Também, pode-se afirmar que a palavra trabalho
demonstra a transição da cultura da caça e da pesca para a agrária,
modernamente para a industrial, e, em seguida, para a pós-industrial.
121
Alguns autores entendem que a palavra trabalho nasce do latim
tripallium, que era um instrumento elaborado com três paus aguçados
destinado pelos agricultores a bater o trigo, o linho, ou as espigas de
milho. 122 Outros, afirmam que esse instrumento possuía a finalidade
de prender bois ou cavalos difíceis de ferrar.
123
Mas, a maioria coloca
o instrumento tripallium como objeto utilizado em sessões de torturas
para empalar escravos rebeldes.
124
No entanto, pode-se afirmar que
justamente a relação desse instrumento traz a acepção de dor e
sofrimento que significou trabalho até o século XV.
121
C H E MI N, B eat ris Fr anc is c a . O la ze r c om o p roduto do t rab alho . In: MÜ LLER , Ad em ir ; D A
C O S TA, Lam art ine P erei ra [o rg. ] Laz e r e t rab al ho: um ú nic o ou m úl tipl os olha res ?
S ant a Cru z do Sul : E D UN I SC , 83 /115 , 20 03, p. 84 .
122
A L BO R N OZ, Su z ana. O q ue é t rab alh o. São Pa ulo : Bras i liens e , 2 000, p. 10 -11 .
123
C A R MO , Pa ulo Se rgio do . A i deol ogi a d o t ra balh o. São Pa ulo: Mode rna, 1996 , p. 16 .
124
L AF AR G UE , P aul. O d ire ito à pre gui ça. Tr ad. O t to Lam y de Co rr ea. Ediç ão b ilíng ue
f ranc ês e por tugu ês . São Paul o: Clar idade , 200 3, p. 12. L EI TE, Cels o Bar ros o . O
sé cul o d o de semp re go. São Pa ulo: L Tr, 1994 , p. 13.
59
No
entanto,
“as
transformações
nas
relações
sociais
historicamente modificaram a forma de conceber o trabalho”
que
125
, como
se verificará a seguir, alterou o conteúdo semântico relacionado à dor
e sofrimento para se esforçar, laborar, obrar e trabalhar. Isso porque
para algumas pessoas, além de meio de sobrevivência, é também
meio de realização pessoal, mecanismo para o relacionamento social
e equilíbrio psicológico.
Nesse contexto, emergiu a necessidade de se construir uma
legislação trabalhista, regulando, dentre outros aspectos, a jornada de
trabalho na sociedade, dado o caráter positivo da nova concepção de
trabalho.
2.1 O trabalho da Antiguidade grega à modernidade
O final do século VIII e começo do século VII a.C. foi para os
gregos
um
período
de
transição
do
regime
patriarcal
para
o
oligárquico, bem como da transferência de uma sociedade baseada no
coletivo para uma sociedade individualista com base na propriedade
privada, ápice da crise agrícola, social e religiosa, quando a posse de
terras era a maior fonte de riquezas. 126
Em meio a essa transformação social, surge o trabalho como
uma necessidade para sobrevivência do cidadão grego, alterando a
concepção do homem vigoroso e exímio soldado cantado por Homero
na Ilíada e na Odisséia, para o camponês frente as suas limitações,
produzindo na vida dura do campo, com o fruto de seu trabalho, o
alimento para sua sobrevivência.
125
MA Ñ A S , Ch ris ti an Marc ell o. Tem po e t ra balh o : a tu tela ju ríd ic a do tem po de t raba lho e
do tem po li v re. S ão Paulo : L Tr, 2005 , P. 24.
126
B A S TOS , A na Clar a. A pe rsp ect i va do tr abal ho em di fe ren tes é poc as. D is pon í vel em
< http :// www. f rb. br /c iente /2005 .2/ PS I/ PSI .B AS TO S .F3 .pd f>. Ac es s o em 06. 11.2 009.
60
Mas, para Hesíodo, mesmo sendo o trabalho um castigo imposto
por Zeus aos homens, é uma luta possível e necessária para o
empoderamento do novo homem grego, pois o considera a grande arte
transformadora da atividade humana, gerando o direito sobre o que
dele advém, oportunizando a ascensão do homem ao nível de herói, e
meio para a conquista da justiça e dignidade. Esse pensamento de
Hesíodo foi imortalizado em poema escrito para seu irmão Perses.
127
Sobre o tema trabalho, os filósofos gregos não se debruçaram
muito, haja vista que não era parte de suas maiores preocupações,
como a ética e a política, por exemplo. Eram conscientes que seu
bem-estar e de sua família primavam sobre atividades de ordem
material,
mas
não
acreditavam
que
esses
trabalhos
fossem
a
engrenagem para tanto. Mudanças nos costumes ocorreram após a
Guerra do Peloponeso, que tomou o período de 432 a 404 a. C.,
influenciando as obras dos filósofos que tomaram posições de ruptura
com a realidade.
128
No século V, Heródoto menosprezava o trabalho artesanal,
pensamento seguido por Platão. Léopold Migeotte trata o assunto em
transcrição de palavras de Xenofonte atribuída a Sócrates
127
E s s e pens am ent o de Hes íodo s e v eri fic a es p ec ia lm ent e nos ve rs os 300 a 3 15 e 380:
“ [.. .] Mas tu , lem b rando s em p re do nos s o c ons elho , tr abalh a, ó Pe rs es , di vi na pro gênie ,
pa ra q ue a fom e te d etes t e e te q uei ra a bem c o roa da e ven era nda Dem éte r, enc hendo t e d e alim en tos o c eleir o; pois a fom e é s em pr e do oc ios o c om p anheir a; deus es e
hom ens s e i rri tam c om quem oc ios o vi v e; na índol e s e pa rec e aos z angões s em dard o,
qu e o es fo rç o das a belh as , oc ios am ent e des tr oem , c om e ndo -o; qu e t e s eja c aro
p rude ntes o bras ord enar, par a que teus c e leir os s e enc ham do s us t ento s a z onal. Po r
t raba lhos os h om ens s ão ric os em reban hos e r ec urs os e, t rab alhan do, m u ito m ais
c a ros s e rão aos im or tais . O trab alho , des onr a ne nhum a , o óc io des o nra é! Se
t raba lha rdes p ara ti, logo te i n veja rá o in vejos o p orq ue p ros pe ras ; à r ique z a gló ria e
m é rito ac om pa nham . Po r c o ndiç ão és de tal form a que t rab alha r é m el hor, dos be ns de
ou trem des v ia teu ânim o le vi ano e, c om tr abalho , c u idand o d o teu s us ten to, c om o te
e xo rto . [.. .] Fac ilm ente im ens a f ort una fo rnec e ria Zeus a m uit os : quan to m aio r for o
c ui dado de m u itos , m aior o g anho . S e nas ent ranh as r ique za des ej ar teu â nim o, as s im
f a ze: tr abalh o s ob re trab alho tr abalh a.” In : HE SÍ O D O. O s t ra balh os e o s d ias:
( prim eira pa rte ). Hes í odo ; in trod uç ão, tr aduç ã o e c om ent ári os Mar y de C am a rgo Ne ves
La fer . 6ª r eim pr . Ed . bilíng ue gr ego e po rtu guês . S ão P aulo: Ilum in uras , 200 6, p. 4 3, 44
e 49.
128
MI G E O TTE , Léop old. Os fil ós ofos g regos e o t rab alho na Anti guida de. In : ME R CURE,
D anie l; SP UR K, J an [ orgs .]. O tr aba lho na h istó ri a do pens amen to oci den tal . Tr ad.
P at ríc ia Chit toni Ram os R euil lard e Sonia Guim ar ães Tab orda . Ri o d e J ane iro : Vozes ,
17 /36 , 20 05, p. 17-1 9.
61
As pr of iss ões (tec hnai) c ham adas de artes anais ( banaus ikai)
s ão, de fato, cr iticadas , e é c om r azão que s ão totalm ente
m enospr ezadas nas polis . De f ato, elas arr uínam o corpo
dos tr abalhadores e daqueles que s e oc upam c om elas,
obr igando- os a perm anec er em sentados à som br a; às vezes ,
até m esm o a pass ar todo o dia j unto ao f ogo. Com o os
c or pos f ic am ass im efem inados , as alm as tam bém f icam
m ais fr ac as . Mais do que tudo, es sas pr of iss ões c ham adas
banaus ikai não deixam nenhum lazer ( asc holia) par a se
oc upar dos am igos e da polis . [...] T am bém desc obr im os que
as c ois as úteis s ão todas aquelas das quais s abem os s er vir .
Par ec eu- nos , pois , imposs ível apr ender todos os s aber es
( épis tèmai) e, após ex am e, c onc or dam os com as polis em
desc ar tar as pr of iss ões ditas ar tesanais , pois par ec e que
elas arr uínam os c orpos e aniquilam as almas . E diss em os
que a pr ova m ais evidente diss o talvez f oss e es ta: s e,
dur ante um a invas ão inim iga no c am po, após term os dividido
os lavr ador es (géôr goi) e os ar tesãos ( tec hnitai), pedirm os a
c ada gr upo s eparadamente s e convém defender o c am po ou
abandonar a terr a par a def ender a c idade, pens am os que
aqueles que poss uem a ter r a votar iam por def endê- la, m as
que os ar tes ãos não gostar iam de lutar e, com o foram
educ ados par a is so, perm anec er tr anquilos s em dif ic uldade
129
nem per igo.
Platão e Aristóteles apesar de reconhecerem que a evolução
natural das sociedades exigia trocas e uso de moeda 130, criticavam o
pequeno comércio a varejo, entendendo ser uma atividade antinatural
e artificial, recriminando o espírito do lucro, desejavam reservar essa
profissão aos estrangeiros e isolá-los dos cidadãos para afastar as
más influências.
A agricultura era tida como a atividade primeira, proporcionando
bens indispensáveis à vida como ditou Hesíoso 131 e Xenofonte, em sua
obra Econômica, consagrando os capítulos XII a XXI ao assunto.
Também, Xenofonte não deixou de tecer, em outro texto, comentários
129
130
131
I bid em , p . 21 .
A R IS TÓ TEL ES . A p olí tica . Trad . Nes to r Sil vei ra Ch a ves . São P aulo: E s c ala, 2005,
p . 25 -26 .
C on form e po em a trans c ri to na no ta d e r odapé n º 11 8 nes ta.
62
em nome do trabalho bem feito, ao tratar sobre a especialização das
tarefas artesanais.
132
Constatamos em Hesíodo que o trabalho era considerado um
castigo imposto pelos deuses ao homem, surgindo a necessidade de
produzir os bens indispensáveis a sobrevivência 133. Denominados de
pénètes eram as pessoas que trabalhavam para viver, eram pessoas
do povo, não pobres ou indigentes no sentido moderno das palavras,
mas aqueles que formavam a plebe ou a classe trabalhadora. 134
Algumas
pessoas,
no
entanto,
possuíam
bens
materiais
suficientes isentando-os do trabalho, dispondo de scholè, origem da
palavra escola, lazer para os gregos, pois esses poderiam se dedicar
a tarefas mais elevadas como o estudo. Esse lazer era considerado o
oposto das atividades produtivas, denominadas, às vezes, de ascholia
ou ausência de lazer, exatamente como opunham a paz e a guerra.
Para Aristóteles
T oda a vida tam bém s e divide em as cholia e sc holé e em
guerr a e paz, e, dentre as ações, algum as dizem r es peito ao
nec ess ár io e ao útil, as outr as ao belo. Acerc a diss o, deves e f azer a m esm a esc olha par a as partes da alm a e s eus
132
“ Nas p equen as polis , os m es m os h om ens f abric am a c am a, a po rta , o ar ado, a m es a;
f requ entem ente t am bém o m es m o hom em c ons t rói tam bém a c as a e f ic a feli z po r
enc ont rar m u itos em p rega dor es que o fa z em viv e r. Ora , é im pos s í v el que um h om em
p ratic ando in úm er as pro fis s ões e xe rç a to das de m a nei ra c on ven ient e. Nas g randes
pó lis , ao c ont rári o, c om o m ui tas pes s oas prec is am de c ada prod uto , um a únic a
es p ec iali dade bas ta a c ada um pa ra fa z ê-lo vi v er, e f requ entem ente a té um a f raç ão de
p rofis s ão: um f abric a c alç ados pa ra hom e ns , o ou tro , par a m ulhe res , e e xis tem at é
m es m o luga res onde um h om em g anha a vid a c os tura ndo c alç ados , o ou tro , c o rtan doos ; out ro, c or tando túnic as , um ou tro apen as jun tand o o c on junt o. Dis s o res ul ta qu e
aq uele que s e c ons a gr a a um t rabal ho m ui to delim i tado é fo rç ad o a pr atic á-lo
pe rfe itam e nte. ” MI GE O TTE , Lé opold . Os f ilós of os gr egos e o t rabal ho na A ntig uidade.
I n: ME R C UR E, Dan iel; S P UR K, J an [ orgs .]. O t ra bal ho n a h ist ór ia do pen same nto
o cide nta l. Trad . Pa tríc ia C hit toni Ram os Reu illa rd e Soni a G uim a rães Tabo rda . Ri o de
J an eir o: Vo zes , 17 /36, 200 5, p. 2 4.
133
H E SÍ O DO . Os t rab alh os e os di as: (prim eira pa rte ). Hes ío do; i ntr oduç ão , traduç ão e
c om e ntá rios Ma r y de C am a rgo Ne ves La fer . 6ª reim pr. Ed. b ilíng ue gr ego e p ort uguês .
S ão Paul o: Ilum in uras , 200 6, p. 6 1-6 2.
134
MI G E O TTE , Léo pold . Os fil ós ofos g reg os e o traba lho na A ntig uidad e. In: ME R C URE,
D anie l; S P UR K, J an [orgs .]. O t ra balh o na h istó ri a do p ensam ent o oci den tal . Tra d.
P at ríc ia C hitt oni Ram os R euil lard e So nia G uim ar ães Tabo rda . Rio de J ane iro : Vo zes ,
17 /36 , 20 05, p. 25.
63
atos: a guerr a c om vis tas à paz, a asc holia c om vis tas à
135
sc holè, o necess ár io e o útil com vis tas ao belo.
Ainda,
segundo
o
pensamento
de
Aristóteles,
a
melhor
constituição seria aquela que assegurasse a felicidade aos seus
cidadãos, por meio da virtude plena, e, assim, os cidadãos não
poderiam dedicar-se às atividades artesanais ou do comércio, tão
pouco dedicar-se à agricultura, pois o lazer – scholè – é fundamental
para exercer as atividades políticas. 136
As sociedades gregas eram hierarquizadas, fato entrelaçado às
circunstâncias
do
trabalho,
assim,
compostas
de
cidadãos
que
adquiriam esse privilégio por nascimento; e dentre esses cidadãos
havia inferiores ou aqueles com limites em seus direitos; e os
escravos, privados de liberdade e servidores de toda sorte de mão-deobra.
Presentes
servidão,
como
também
aquelas
nessas
sociedades
populações
que
outras
viviam
em
formas
de
estado
de
submissão em consequência de guerras ou conquistas.
Aos cidadãos que não eram proprietários de latifúndios, e,
portanto, camponeses e agricultores, alugavam seus serviços como
operários ou exerciam as atividades de artesanato ou comércio. Mas,
aqueles que tinham o direito de propriedade possuíam oficinas
artesanais
e
lojas
que
poderiam
alugar
para
terceiros.
Aos
estrangeiros cabia a exploração do comércio e do artesanato.
Após a Guerra do Peloponeso, muitos cidadãos se dedicaram
aos negócios, a exemplo de compra e venda de terras, exploração de
minas de chumbo argentífero do Laurion, aluguel de escravos,
obtendo fortuna. No período de 325 a 30 a.C. surge em muitas regiões
da Ásia Menor ocidental o desenvolvimento de fábricas dedicadas a
fabricação de tecidos, roupas, tapetes e cordames. Já no período de
135
136
A R IS TÓ TEL ES . A p olí tica . Tr ad. Nes to r Sil v eira Cha ves . São Paul o: Es c al a, 200 5, p.
13 9.
I bid em , p . 20 9-2 10.
64
30 a.C. a 200 d.C., o número de cidadãos dentre os mercadores,
empresários,
armadores
e
banqueiros
evoluiu
substancialmente,
apesar de estarem os negócios sob o domínio dos estrangeiros.
137
Desses estrangeiros, alguns arrecadaram fortunas, inclusive, em
épocas difíceis, prestaram serviços à sociedade, como a venda de
produtos
a
preço
inferior
ou
doando
mercadorias
de
primeira
necessidade, em consequência, receberam por decreto, honras e
privilégios, obtendo prestígio.
Léopold Migeotte sobre o tema conclui que
( ...) par a além das convicç ões m or alis tas e das c livagens
s oc iais , a opinião dos gr egos s obr e as pr of iss ões dependia
de
inúm er os
f atores ,
dentr e
os
quais
a
r iqueza
des em penhava um papel im portante. Af inal de c ontas , o
tr abalho m anual não er a m enos prezado em s i, m as na
m edida em que s e im punha c om o um a nec ess idade. A
s ituaç ão m ais degr adante, que os f ilós ofos apr es entavam
c om o um a per da de liber dade e um a f orm a de s er vidão, er a
o es tado de dependênc ia a que podia levar a pobr eza:
aquela do pequeno ar tes ão- loj is ta s em pr e à m erc ê do c liente
e, pr inc ipalm ente, aquela do thète, f igur a c láss ica do hom em
138
s em r ec urs os que devia alugar s eu tr abalho a terc eiros.
Já, para os romanos, havia dois ofícios nobres e livres, a
agricultura e as armas, não sendo obrigados a exercer atividade para
sua mantença, pois essa era obrigação do Estado. Aos escravos eram
atribuídas as funções de trabalhar nos campos, oficinas, executar as
tarefas domésticas dentre outras.
139
Essas ideias greco-romanas subsistiram até a Idade Média, a
partir do século V d.C. até o século XV, quando as sociedades se
137
MI G E O TTE , Léop old. Os fil ós ofos g regos e o t rab alho na Anti guida de. In : ME R CURE,
D anie l; SP UR K, J an [ orgs .]. O tr aba lho na h istó ri a do pens amen to oci den tal . Tr ad.
P at ríc ia Chit toni Ram os R euil lard e Sonia Guim ar ães Tab orda . Ri o d e J ane iro : Vozes ,
17 /36 , 20 05, p. 31-3 2.
138
I bid em , p . 33 .
139
C H E MI N, B eat ris Fra nc is c a . O la ze r c om o p rodu to do tra balho . In: MÜLL E R, Adem ir;
D A C OS TA, Lam a rti ne Pe rei ra [ org .] Laz e r e t rab alh o: um únic o ou m úl tip los o lhares ?
S ant a Cru z do Sul : E D UN I SC , 83 /115 , 20 03, p. 85 .
65
tornaram mais complexas e invenções influenciaram o rumo da
humanidade, como o relógio, a bússola, o moinho d’água, a pólvora, a
vela, e a imprensa que possibilitaram a substituição da mão de obra
escrava pelos servos da gleba.
Neste
mesmo
período,
140
surge
a
noção
de
purgatório.
O
cristianismo teve um papel privilegiado na reflexão sobre o trabalho.
Especialmente o pensamento de Santo Agostinho 141 que pertenceu ao
mundo pré-industrial, portanto, não conheceu a ideia do trabalho
contemporâneo. Sua expressão era em latim, língua que não possui
vocábulo que expresse a noção atual de trabalho ou trabalhador. 142
Agostinho tratou de inúmeros assuntos, mas em todas as suas
obras, do início ao fim, confirma a ideia de que a agricultura praticada
por Adão, antes do pecado, era atividade isenta do peso do esforço.
Noutro texto, e comentário a expressão “Tu comerás o pão do suor do
teu rosto.”, Agostinho não vê o trabalho como a tradição cristã
considera por séculos, uma maldição, ao contrário, sem drama,
considera esta expressão como palavra divina a acalentar os homens
por sua condição humana. 143
Ainda, contradizendo uma dualidade clássica, este teólogo
coloca no mesmo plano o esforço intelectual e o esforço braçal,
afirmando que esse esforço não pesará para aqueles que executam
sua atividade com amor, quer seja o lazer, quer seja uma tarefa
profissional.
140
144
I bid em , p . 86 .
141
S ant o Agos t inho , Bis po de H ipona , foi um dos teó logos m ais b rilhan tes do período
pa tr ís tic o da Igre ja ( “pais ” d a Igr eja ). Vi v eu do ano d e 354 a 430 , por tanto , pouc o an tes
do fim do Im pé rio Rom a no e f orm aç ão d o fe udalis m o ( Nota 138 des ta) .
142
S AL A MI TO , J ean - Mar ie. Tr aba lho e t rab alhad or es na ob ra d e San to A gos ti nho. In:
ME R C U R E, D aniel ; SPU R K, J an [o rgs . ]. O tra balh o na his tó ria d o pen same nto
o cide nta l. Tra d. Pat ríc i a C hi tto ni Ram os Re uilla rd e Sonia G uim a rães Tabo rda . Rio de
J an eir o: Vo zes , 38 /62, 200 5, p. 3 8.
143
I bid em , p . 40 .
144
Ibid ., p. 4 7-5 3.
66
Também, como pensavam seus antecessores Santo Agostinho
idealiza a atividade agrícola. E ao analisar a subjetividade do
negociante, pela lente que revela o dom de observação que lhe era
próprio, valoriza seu esforço “no transporte das mercadorias de um
lugar para outro” 145, operando uma espécie de revolução mental. 146
Nesse período em que nasce o feudalismo 147, se desenvolve
também o trabalho artesanal, este último somado aos excedentes da
criação
de
animais
e
da
agricultura
surge
a
intensificação
do
comércio. Surge a moeda em substituição a troca de mercadorias. Em
consequência, surgem comunidades de pessoas autônomas que vivem
de rendas das atividades comerciais e não dependem do poder feudal,
nascendo a burguesia.
Essas
responsáveis
pessoas
pela
que
expansão
formaram
capitalista
a
classe
que
gerou
burguesa
a
são
Revolução
Industrial. Pode-se resumir esse fato histórico singelamente como
A s ubstituiç ão das f err am entas pelas m áquinas , da ener gia
hum ana pela ener gia m otr iz e do m odo de pr oduç ão
dom éstic o pelo s istem a f abr il c onstituiu a Revoluç ão
Indus tr ial: revoluç ão, em f unç ão do enorm e im pacto s obr e a
es tr utura da s oc iedade, num pr oc ess o de tr ansform aç ão
ac om panhado por notável evoluç ão tec nológic a. A Revoluç ão
Indus tr ial ac onteceu na Inglaterr a na s egunda m etade do
s éc ulo X VIII e enc err ou a trans ição entre f eudalism o e
c apitalism o, a fase de ac um ulaç ão pr im itiva de c apitais e de
pr eponder ânc ia do capital m erc antil s obre a pr oduç ão.
Com pletou ainda o m ovim ento da r evoluç ão bur gues a
148
inic iada na Inglaterr a no s éc ulo X VII.
145
I bid. , p . 53 .
146
I bid. , p . 38 -62 .
147
I núm er as m udanç as s o c iais oc or reram n a Idad e Mé d ia, di datic am ente , pe ríod o que s e
in ic ia no Séc ulo V (4 76) c om a tom ada de Rom a pelos bá rba ros e term ina no S éc ulo XV
( 1453 ) c om a in vas ão d e C ons ta ntin opla pel os turc os . C om o d ec lín io do Im péri o Rom ano
ho u ve a as c ens ão da I grej a C atól ic a qu e dom in ou o c enár io r eligi os o da ép oc a e
in flue nc iou p rof undam e nt e a po lític a e a ec onom i a. O pe río do m edi ev al tam bém s e
c a rac te ri za pe la fo rm aç ão ( Séc u los V a X – A lta I dade Méd ia) , a poge u (Séc u los XI a XII I
– B ai xa Id ade Médi a) e dec a dênc ia d o feuda lis m o ( Séc ul os XI V a XV) , s is tem a
ec o nôm ic o , pol ític o e s oc ia l dom i nant e na E uropa Oc iden tal.
148
A R R UD A, J os é J . de A .; P IL E TTI, Nels on. Toda a his tó ria : his tór ia ge ral e his tó ria do
B ras i l. São Pau lo: Át ic a, 19 95, p. 178.
67
As
doutrinas
religiosas
exerceram
grande
influência
na
concepção do trabalho durante a transição da sociedade pré-industrial
para a sociedade industrial. Pregavam os religiosos que o trabalho era
a finalidade da vida, comportamento e atitude necessários para
alcançar o estado de graça.
Contr a as dúvidas religios as e inesc r upulos a tortur a m or al, e
c ontr a todas as tentaç ões da c ar ne, ao lado de um a dieta
vegetar iana e de banhos frios , pr escr eve-s e: “T rabalha
ener getic am ente em tua Voc aç ão”. Mas , o mais im portante é
que o tr abalho cons titui, antes de m ais nada, a própr ia
f inalidade da vida. A ex pr ess ão paulina “Q uem não tr abalha
não deve c om er” é inc ondic ionalm ente válida par a todos . A
f alta de vontade de trabalhar é um s intom a da aus ênc ia do
149
es tado de gr aç a.
Além desses aspectos, a doutrina metodista influenciou a
alteração de comportamento no tempo livre
T r atava-s e
de
um a
r es is tênc ia
consc iente
ao
des apar ec im ento
de
um
antigo
m odo
de
vida,
fr equentem ente ass ociada ao r adic alism o polític o. Nes ta
m udanç a, a perda do tem po livr e e a r epr essão ao des ej o de
s e diver tir tiver am tanta im portânc ia quanto a s im ples per da
fís ic a dos direitos c om unais e dos loc ais par a r ecr eio. Os
pr ec eitos pur itanos de Bun yan ou de Bax ter foram
integr alm ente ass im ilados por W esley: “ Evite toda a
fr ivolidade, c om o evitar ia o f ogo do inf er no; e os gr ac ej os ,
c om o as pr agas e as blasfêm ias . Não toque em nenhum a
m ulher...” O m etodism o inc luiu entr e s uas pr oibiç ões os
j ogos de c ar tas, as r oupas c olor idas , os or nam entos
pess oais e o teatr o. Esc r ever am -se opúsculos c ontr as as
danç as
e
as
c anç ões
“ pr ofanas” .
Cons ider avam -se
pr ofundam ente s us peitas as artes e a liter atur a que não
150
tivess em m otivaç ões devoc ionais.
O pensamento que governava nesse período, contribuição da
ética protestante, era a associação do capitalismo a aspectos do
protestantismo ascético, “demonstrando que essas religiões viam o
149
W EBE R, MA X. A ét ica p ro tes tan te e o e spí ri to do ca pi tal ismo . 5 ª ed . São Paulo:
P ionei ra , 19 87, p. 113.
150
TH O MP S O N , E. P . A fo rma ção da cl asse op er ár ia in gle sa : a m aldiç ão de Adão . V. II
Tr ad . Ren ato Bus att o Ne to, C laudi a Roc h a d e A lm eida . 4ª ed. Rio de J an eir o: Pa z e
Te rr a, 2002 , p. 300 .
68
trabalho como um fim absoluto por si mesmo, como a própria
finalidade da vida, como uma vocação.”
151
Contrapondo-se a esse entendimento, Paul Lafargue escreve,
em 1883, manifesto filosófico buscando desmistificar o culto ao
trabalho. Inspira-se nas tradições greco-romanas quando o trabalho
era destinado aos escravos, e o ócio era cultuado para destinar o
tempo livre aos amigos e a República. Nesse manifesto afirma que o
trabalho escraviza o corpo e a alma do homem, sendo causa das
misérias individuais e sociais. Desenvolve nesse manifesto uma teoria
crítica da sociedade e do moderno, refutando o direito ao trabalho,
sustentando que
Um a es tr anha louc ura dom inou as c lass es operár ias das
naç ões onde r eina a c ivilizaç ão c apitalista. Ess a louc ur a tr az
c om o c ons equênc ia m is ér ias individuais e s oc iais que há
s éc ulos tor tur am a tr iste hum anidade. Ess a louc ur a é o am or
ao tr abalho, a paix ão m or ibunda que abs or ve as f or ças vitais
do indivíduo e de s ua pr ole até o es gotam ento. Em vez de
r eagir c ontr a es sa aberr aç ão m ental, os padres, os
ec onom istas , os m oralis tas s ac ross antif icam o tr abalho.
Hom ens c egos e lim itados , quis er am s er m ais s ábios do que
o pr ópr io Deus deles ; hom ens fr ac os e des pr ezíveis,
quis er am r eabilitar aquilo que até mesm o o Deus
am aldiç oara. Eu, que não pr of ess o o c redo cr is tão, nem
tenho pos iç ão ec onôm ic a e m oral c om o a deles , r ec us o-m e a
adm itir os s eus j uízos c om o os do s eu Deus ; r ec us o-m e a
adm itir as pr egaç ões dess a m or al religios a, ec onôm ica,
livr e-pens ador a, c ons ider ando as ter ríveis cons equênc ias do
tr abalho na s oc iedade c apitalista. Na s oc iedade c apitalis ta,
o tr abalho é a c aus a de toda degeneraç ão intelec tual, de
152
toda deform aç ão or gânic a.
A
sociedade
industrial
sofreu
influência
do
pensamento
iluminista, predominando “a razão, a concepção do universo como
máquina governada por leis infalíveis, o combate ao absolutismo,
151
C H E MI N, Beat ris F ranc is c a . O l a zer c om o produ to do t raba lho. In: MÜ LL E R, A dem ir ;
D A C OS TA, Lam a rti ne Pe rei ra [ org .] Laz e r e t rab alh o: um únic o ou m úl tip los o lhares ?
S ant a Cru z do Sul : E D UN I SC , 83 /115 , 20 03, p. 89 .
152
L A GA R GU E, Paul . O d ire ito à p reg uiça . E diç ão b ilíng ue f ranc ês / po rtu guês . Traduç ão
de Ott o Lam y de Co rre a. São Pa ulo: Ed ito ra Cla rida de, 2003 , p . 19 .
69
à
desigualdade
mercantilista.”
social,
à
intolerância
religiosa
e
à
política
153
Buscando corrigir os rumos do individualismo liberal criou-se, no
final do século XIX e começo do século XX, um novo modelo
de Estado que buscava o bem estar social denominado Estado
Social 154. Dessa nova concepção, em consequência da exploração
sofrida pelos trabalhadores durante a revolução industrial, nasceram
os direitos sociais.
Isso porque inúmeras foram as injustiças e exploração sofridas
pelos trabalhadores da época, fruto das mudanças ocorridas em
função do capitalismo. Do panorama do período de 1790 a 1840,
dentre outros aspectos, pode-se citar o aumento da população, a
evolução tecnológica, a ruptura da economia familiar tradicional, a
parcialidade da lei, a redução do homem ao status de instrumento, as
horas e condições de trabalho, e a perda do tempo livre e do lazer.
Aspecto
importante
a
ser
mencionado,
também,
são
155
as
mudanças que o relógio trouxe ao cotidiano das pessoas. Marcou o
horário de trabalho nas fábricas, tornando o homem mais disciplinado,
reservado e metódico. Uma das consequências dessa mudança de
comportamento foi a alteração dos esportes tradicionais para outros
153
C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na
v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . 1 ª ed . ( ano 2002 ) 4ª t ir. C uri tiba : J u ruá, 200 5, p. 4 0.
154
P aulo B ona vid es i n Do E sta do li be ral ao E sta do so cia l. 8ª ed. S ão Paul o: Malheiros ,
20 07, p. 1 86, afi rm a: “Q uan do o Es t ado, c oa gid o p ela pr es s ão das m as s as , pelas
r ei vind ic aç ões q ue a im pac iênc ia do qua rto es tad o fa z a o pode r pol ític o , c onf ere , no
E s tad o c o ns tit uc iona l ou fo ra des t e, os d ire itos do t rabal ho, da pre vi dênc ia , da
ed uc aç ão , in ter v ém na ec o nom ia des t e c om o dis trib uido r, dita o s al ário , m ani pula a
m oe da, reg ula os preç os , c om ba te o des em pr ego, pr oteg e os e nfe rm os , dá ao
t raba lhado r e ao bu roc rat a a c as a pr ópri a, c o ntr ola as p rofis s ões , c om pra a pro duç ão,
f inanc i a as e xp or taç ões , c o nc ede c rédi to, ins ti tui c om is s ões de ab as tec im en to, pro vê
nec es s idad es indi vid uais , en fre nta c r is es ec onôm ic as , c oloc a na s oc i edad e todas as
c las s es n a m ais es t rei ta d epe ndênc i a de s eu pode rio ec on ôm ic o, pol ític o e s oc ial, em
s um a , es ten de s ua in fluênc ia a quas e t odos os dom í nios que d antes pe rtenc iam , em
g rand e par te, à á rea de inic iati va i ndi vid ual, n es s e ins tan te o Es t ado po de, c om j us tiç a,
r ec ebe r a den om inaç ã o de Es t ado s oc ial .”
155
TH O MP S O N , E. P . A fo rma ção da cl asse op er ár ia in gle sa : a m aldiç ão de Adão . V. II
Tr ad . Re nato Bus a tto Ne to, Clau dia Roc ha de A lm eida . 4ª ed. Rio d e J an eir o: P a z e
Te rr a, 2002 , p. 27 .
70
mais sedentários como “criação de pombos, reprodução de canários e
cultivo de flores”.
156
Segundo Gerson Lacerda Pistori
O r elógio m ec ânico dem arc ou o tem po c om o f inito, de us o do
hom em , delim itador da vida e da m orte, e f ez c om que o
tem po pass ass e a s ignif ic ar dinheir o, pois quanto m ais se
pr oduzia m ais s e ganhava. S. Ber nar do, tr ansm itindo as
novas ideias , diss e: “Não há nada m ais prec ios o do que o
tem po” (cf. Le G off, 1999: p. 77) . Ess e us o do tem po af etou
o tr abalho, pois tam bém m otivou s ua r ac ionalizaç ão e
utilizaç ão par a os f ins procur ados : m ais ganhos . Ess a
r ac ionalizaç ão proporc ionou nova form a de pens ar com
bas es obj etivas, o que veio a r edundar no f utur o
c ar tes ianism o.
Ess e relógio m ec ânico pass ou a ser parte da pais agem
ur bana quando c oloc ado nas torr es ligadas aos c entr os de
c om érc io (c om o em Bruges, hoje pertenc ente à Bélgic a, por
ex em plo), c ons tr uídas pelas ass oc iaç ões com erc iais e c om
apoio dos m es tr es pr inc ipais das c idades; ou então, foram
s endo c oloc ados nas torr es das igr ej as , c om apoio dos
c lér ic os que s e integr avam politic am ente aos poder es loc ais.
T ais r elógios r epr es entavam o c onhec im ento do tem po e s ua
im por tânc ia par a a c idade: m uito m enos par a saber -s e a
c or reta hor a da m iss a, m arc ada pelos s inos , m as m uito m ais
par a s aber-s e o hor ár io de entr ada e saída do trabalho.
Af inal, c om o r elógio na pr aç a pr inc ipal da c idade, todos
s abiam quem estava atr as ado par a c hegar ao tr abalho e
quem s aíra antes da hor a do tr abalho – a c om unidade
vigiando a vida da ida e da volta dos que tinham algum
hor ár io. Is s o r es ultou em inc ôm odos e até revoltas: por f im ,
o us o ac um ulado do tem po do trabalho s ignifica um a
alteração na f orm a da ex plor aç ão do tr abalho. O s aber da
hor a de quem trabalhava pass ou a s er um us o m antido até
157
hoj e.
Esta
transformação
social
gerada
pelo
processo
de
industrialização que modifica o pensamento isolado e individual para a
preocupação com o grupo, com o social, traz o surgimento dos direitos
sociais, criação dos tempos modernos, como analisado em capítulos
anteriores ao tratarmos dos direitos de segunda dimensão. E, como
será detalhadamente estudado em seguida.
156
C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na
v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . 1 ª ed . ( ano 2002 ) 4ª t ir. C uri tiba : J u ruá, 200 5, p. 5 5.
157
P IS TO R I, Gers o n Lac e rda . H ist ór ia do d ir eit o do tr abal ho : um bre v e olh ar s obre a
id ade m édia. S ão Paulo : L Tr, 200 7, p . 1 14-1 15.
71
2.2 Direitos sociais e sua positivação nas Constituições
brasileiras
José Afonso da Silva conceitua os direitos sociais
c om o dim ens ão dos dir eitos f undam entais do hom em , s ão
pr es taç ões pos itivas pr oporc ionadas pelo Es tado dir eta ou
indir etam ente, enunc iadas em norm as c ons tituc ionais , que
poss ibilitam m elhor es c ondições de vida aos m ais fr ac os ,
dir eitos que tendem a r ealizar a igualizaç ão de s ituaç ões
s oc iais des iguais. São, por tanto, dir eitos que s e ligam ao
dir eito de igualdade. Valem com o pr ess upostos do gozo dos
dir eitos individuais na m edida em que cr iam c ondiç ões
m ater iais m ais pr opíc ias ao auf er im ento da igualdade r eal, o
que, por s ua vez, pr oporc iona c ondiç ão m ais c om patível com
158
o exercíc io efetivo da liber dade.
A
inserção
contemporâneas,
dos
e
em
direitos
especial
sociais
dos
direitos
nas
Constituições
fundamentais
dos
trabalhadores, foi resultado de um longo processo histórico, como
visto anteriormente.
No Brasil, também houve diversos períodos que marcaram a
positivação dos direitos sociais. A Constituição do Império de 1824
sofreu influência do liberalismo clássico, prestigiando a tutela dos
direitos individuais de primeira dimensão e, de forma um pouco tímida,
inseriu alguns direitos sociais como a obrigação positiva do Estado em
garantir o acesso aos cidadãos à educação gratuita. Assim, também
garantiu o direito de organização quando, num silêncio consentido,
aboliu as corporações de ofício.
159
Mas, deve-se anotar que a Constituição do Império de 1824
objetivava garantir os direitos da elite aristocrática, pois, como
esclarece Emília Viotti da Costa
158
159
S IL VA, J os é A fons o da. C u rso de di re ito con stit uci ona l pos it i vo. 19 ed . Sã o Paulo:
Ma l heir os , 2001 , p. 289 - 290.
L O BA TO , Ma rt hius S á vio Ca valc a nte . O va lo r co nst itu cio nal p ara a e fe ti vidad e dos
d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 4 1-43 .
72
Par a estes hom ens , educ ados à eur opeia, r epr es entantes
das c ategor ias dom inantes , a pr opr iedade, a liber dade, a
s egur anç a gar antidas pela Cons tituiç ão er am r eais . Não lhes
im por tava s e a m aior ia da Naç ão s e cons tituía de um a
m ass a hum ana par a a qual os pr ec eitos c ons tituc ionais não
tinham a m enor eficác ia. Af irm ava- se a liber dade e a
igualdade de todos per ante a lei, m as a m aior ia da
populaç ão perm anec ia escr ava. G ar antia-s e o dir eito de
pr opr iedade, m as 19/ 20 da populaç ão, s egundo c alc ulava
T ollenar e, quando não er a escr ava, com punha- se de
‘m or ador es ’ vivendo nas f azendas em ter r as alheias ,
podendo ser m andados em bor a a qualquer hor a. G arantia-s e
a s egur anç a individual, m as podia- s e m atar im punem ente um
hom em . Af irm ava- se a liber dade de pens am ento e de
ex pr ess ão, m as não for am r ar os os que com o Davi Pam plona
ou Libero Badaró pagar am c ar o por ela. Enquanto o texto da
lei gar antia a independênc ia da J ustiça, ela s e transf orm ava
num instr um ento dos gr andes pr opr ietár ios . Aboliam -s e as
torturas, m as , nas senzalas , os tr onc os, os anj inhos, os
aç oites, as gar galheiras , c ontinuavam a ser us ados , e o
s enhor era s upr em o juiz, dec idindo da vida e da m orte de
160
s eus hom ens .
Quanto à Constituição da República de 1891, Paulo Bonavides
comenta que
( ...) os pr incípios c haves que f aziam a es tr utur a do novo
Es tado diam etr alm ente opos ta àquela vigente no Im pér io
er am dor avante: o s istem a r epublic ano, a f orm a pr es idenc ial
de gover no, a f orm a feder ativa de Estado e o f unc ionam ento
de
um a
s upr em a
c orte,
apta
a
decr etar
a
inc ons tituc ionalidade dos atos do poder : enf im , todas
aquelas téc nic as de exerc íc io da autor idade pr ec onizadas na
époc a pelo cham ado ideal da dem ocr ac ia r epublic ana
im per ante nos Es tados Unidos e dali im por tadas par a c or oar
um a certa m odalidade de Es tado liber al, que r epr es entava a
r uptur a
c om
o
modelo
autoc rátic o
do
abs olutism o
m onár quico e s e ins pir ava em valor es de es tabilidade
161
j ur ídic a vinculados ao c onc eito individualista de liber dade.
No campo dos direitos fundamentais, essa Constituição seguiu
as diretrizes da concepção liberal do documento anterior estendendo
160
C O S TA, Em ili a V iot ti da. Int rod uç ão a o es tudo da em anc i paç ão pol ític a d o B ras il . In:
MO TA , C a rlos Gui lhe rm e [o rg.] B ras il em p er sp ect i va. 11 ed. Rio de J an eir o: Difel,
19 80, p. 168.
161
B O N AVI D ES, Paulo . Cur so de d ir eit o cons ti tuc iona l. 11ª ed . São Paul o: Malheiros ,
20 01, p. 330 -331 .
73
o
rol
dos
direitos
individuais
protegidos,
destacando-se
alguns
avanços como
( ...) a previs ão do direito de ass oc iação e de r eunião ( art.
72, § 8º), o direito à am pla defes a ( art. 72, § 16) , a aboliç ão
das penas de galés e de banim ento judic ial ( art. 72, § 20) ,
bem c om o o de pena de m orte, reser vadas as dis pos iç ões da
162
legis laç ão m ilitar em tem po de guer ra ( ar t. 72, § 21).
Objetivou, também, esse documento o fim da relação híbrida
entre absolutismo e liberalismo, impondo limites aos poderes do
Estado e acabando com os privilégios da nobreza. Mas, a alteração do
regime parlamentar para o presidencial permitiu o uso demasiado do
poder presidencial, trazendo para a década de 20 a primeira reforma
constitucional, em consequência da crise de Estado, econômica e
social,
fruto
da
não
efetivação
dos
direitos
garantidos
pela
Constituição. Nascem movimentos sociais reivindicando a efetivação
dos direitos sociais, especialmente dos trabalhadores, por influência
europeia. Eclode a Revolução de 30, objetivando a desestabilização
do autoritarismo presidencial, bem como reivindicando o direito ao
trabalho, sendo instituída a legislação trabalhista e a Justiça do
Trabalho.
163
Já a Constituição da República de 1934, sob a influência da
Constituição de W eimar de 1919 e da Constituição Mexicana de 1917,
positivou realmente os direitos sociais dando-lhes maior relevância.
Na nova Constituição os direitos sociais não ficaram apenas restritos
a concepções individuais e do bem-estar da coletividade, foi além,
pois determinou que o Estado atuasse de forma positiva, garantindo
mecanismos de proteção coletiva, a exemplo do direito de associação
profissional. Nessa Constituição foi inserido um capítulo sobre a
162
B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da
C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 36 .
163
L O BA TO , Ma rthius Sá v io Ca v alc ant e. O valo r co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e dos
d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 4 5-47 .
74
ordem econômica e social, que tratou do direito à educação, economia
social e do trabalho.
Sobre
o
164
trabalho,
a
Constituição
da
República
de
1934
disciplinou as condições de trabalho no campo e na cidade, vedando a
diferença de salário para o mesmo trabalho por motivos de idade,
sexo, nacionalidade, estado civil. Estabeleceu o salário mínimo; a
jornada de oito horas diárias de trabalho; férias anuais remuneradas;
indenização para dispensa imotivada; meio ambiente de trabalho
digno;
regulamentação
de
profissões;
organização
sindical;
reconhecimento das convenções coletivas de trabalho; a proibição de
trabalho a menores de 14 anos; assistência médica e sanitária ao
trabalhador e à gestante. 165 Também, instituiu a Justiça do Trabalho
para dirimir as controvérsias individuais e coletivas entre empregados
e empregadores.
José Afonso da Silva comentando o período esclarece que
( ...) o país j á s e encontrava s ob o im pac to das ideologias
que gr ass avam o m undo do pós- guerr a de 1918. Os par tidos
polític os ass um iam pos iç ões em fac e da pr oblem átic a
ideológic a vigente: s ur ge um par tido f asc ista, bar ulhento e
vir ulento – a Aç ão Integr alis ta Br as ileir a, cuj o c hef e, Plínio
Salgado, c om o Muss olini e Hitler , se pr epar ava par a
em polgar o poder ; r eor ganiza-s e o par tido c om unista,
aguerr ido e disc iplinado, c ujo c hef e, Luís Car los Pr es tes,
tam bém quer ia o poder , G etúlio Var gas , no poder, eleito que
f or a pela Ass em bleia Cons tituinte para o quadr iênio
c ons tituc ional, à m aneir a de Deodor o, c om o es te, diss olve a
Câm ara e o Senado, r evoga a Constituição de 1934, e
166
pr om ulga a Car ta Constituc ional de 10.11.1937.
Assim
a
Constituição
da
República
outorgada
em
10
de
novembro de 1937 institui o Estado Novo, institucionaliza um regime
autoritário e impõe um poder centralizador, interrompendo o regime
164
Ibidem , p . 47 -49 .
165
B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da
C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 41 .
166
S IL VA, J os é A fons o da. C u rso de di re ito con stit uci ona l pos it i vo. 20 ed . Sã o Paulo:
Ma l heir os , 2002 , p. 82 .
75
democrático. 167 Interrompeu o processo de positivação dos direitos
sociais mantendo-os gravados como na Constituição anterior, mas
objetivando o exercício de um controle eficaz da sociedade civil,
inclusive, classificando o trabalho como um dever social, a greve
como
recurso
anti-social,
e
garantindo
reconhecer ou não sindicatos profissionais.
ao
Estado
o
poder
de
168
Quanto aos direitos do trabalhador, além de manter os que já
eram tutelados na Carta anterior, estabeleceu
( ...) que o tr abalho à noite, a não s er nos c as os em que é
efetuado per iodic am ente por tur nos , s er á r etr ibuído com
r em uner aç ão super ior à do diur no e que as ass oc iaç ões de
tr abalhador es têm o dever de pr es tar aos seus ass oc iados
aux ílio ou ass istênc ia, no que se r ef ere às pr átic as
adm inistrativas e judic iais r elativas aos s eguros de ac identes
169
de tr abalho e aos s egur os s oc iais .
Já na Constituição da República de 1946, a positivação dos
direitos sociais restabeleceu as concepções da Carta de 1934 como
consequência da redemocratização. Instituiu a participação obrigatória
dos
trabalhadores
remunerado,
nos
reconheceu
lucros
o
da
empresa,
direito
de
o
greve,
repouso
a
semanal
aposentadoria
espontânea com 35 anos de serviço e inseriu a Justiça do Trabalho na
esfera do Poder Público. Em contrapartida, manteve a concepção
corporativa de sindicato em exercício de funções delegadas pelo
Estado. 170 Para Celso Ribeiro Bastos, a Constituição de 1946 é uma
das melhores que tivemos, pois “tecnicamente é muito correta e do
ponto
167
de
vista
ideológico
traçava
nitidamente
uma
linha
de
B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da
C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 43 .
168
L O BA TO , Ma rthius Sá v io Ca v alc ant e. O valo r co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e dos
d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 4 9-50 .
169
B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da
C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 44 .
170
L O BA TO , Ma rthius Sá v io Ca v alc ant e. O valo r co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e dos
d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 5 0-51 .
76
pensamento libertária no campo político sem descurar da abertura
para o campo social que foi recuperada da Constituição de 1934.” 171
No período que abrangeu a vigência das Constituições de 1967/
1969 os direitos sociais não foram efetivados, pois o regime militar
autoritário impediu o exercício pelos cidadãos de inúmeros direitos
fundamentais, devendo ser citado o direito de greve que foi restringido
pelo
Poder
Judiciário
reivindicatórios.
que
atuava
para
coibir
movimentos
172
José Afonso da Silva, sobre a Constituição de 1967, comenta:
( ...) s e pr evia um a declar aç ão de dir eitos , m as o pr inc ípio da
s egur anç a nac ional s obr epair ava s ob a ef ic ác ia das dem ais
norm as c ons tituc ionais , pela cr iaç ão de uma norm atividade
exc epc ional s em c ontem plaç ão par a c om os dir eitos
hum anos m ais elementar es . Em nom e da s egur anç a
nac ional, tudo poder iam fazer os detentor es do poder : fechar
as Cas as Legis lativas , c ass ar m andatos eletivos, dem itir
f unc ionár ios , apos entar m agis tr ados, s uspender dir eitos
polític os , invadir dom ic ílios , enc arc er ar e até s um ir com as
173
pess oas .
A Constituição da República de 1988 sofreu influência da
Constituição de Weimar e da Lei Fundamental de Bonn de 1949,
ultrapassando-a
em
alguns
pontos
no
tocante
aos
fundamentais em relação à técnica, forma e substância
direitos
174
. Como
exemplo se pode citar o mandado de injunção, objetivando evitar que
as
regras
de
direitos
sociais
desempenhem
apenas
papel
programático por inaplicabilidade e decurso de tempo. Em essência é
uma Constituição do Estado Social. 175
171
B A S TOS , Cels o R ibei ro. C u rs o d e d ir ei to cons ti tuc ion al. 22ª ed . São Pau lo: Sa raiva,
20 01, p. 132.
172
L O BA TO , Ma rthius Sá v io Ca v alc ant e. O valo r co nst itu cio nal pa ra a efe ti vidad e dos
d ir eit os s oci ais nas re laç ões de t raba lho . S ão P aulo : L Tr, 200 6, p . 5 2.
173
S IL VA, J os é A fons o da . Po de r con sti tu int e e p ode r p opu lar (es tud os sobre a
C on sti tui ção ). São Pa ulo : Malh eir os , 2 002, p. 172 .
174
B O N AVI D ES, Paulo . Cur so de d ir eit o cons ti tuc iona l. 10ª ed . São Paul o: Malheiros ,
20 00, p. 335.
175
C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na
v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 88.
77
Aos
direitos
sociais
é
destinado
um
capítulo
próprio
da
Constituição da República de 1988, o Capítulo II, encartado no “Título
II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Mas, os direitos sociais
elencados nesse capítulo
( ...) não s ão es tanques , são c onj ugados e r em etem s eus
c onteúdos ax iológic os a outr os es pec ífic os, c om o aqueles
176
c ontidos no art. 195
da Cons tituiç ão. F ez o legis lador
pr im ár io da f orm a m ais im ediata e pr ec is a, por lhe par ec er
s alutar dec lar ar or iginar iam ente as efetivas gar antias
177
hum anas s oc iais par a os trabalhador es.
Além destes direitos elencados no “Título II – Dos Direitos e
Garantias Fundamentais”, a Constituição disciplina direitos sociais em
outros artigos, como no “Título VIII – da Ordem Social”, tratando da
seguridade social, da educação, da cultura e do desporto, da ciência e
da tecnologia, da comunicação social, do meio ambiente, da família,
da criança, do adolescente e do idoso.
Também, quando a Constituição da República trata da ordem
econômica, prevê no artigo 170 a valorização do trabalho humano e
da livre iniciativa, a defesa do consumidor, a defesa do meio
ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, e a busca
do pleno emprego.
Mas, um corte metodológico será necessário para enfocar os
direitos sociais dos artigos 6º ao 11º, e estes em relação ao trabalho,
direcionando-o como produto do lazer. A propósito, este recorte
metodológico conduz à eleição da abordagem dos direitos sociais dos
176
A rt . 195 . A s egu ridad e s oc i al s e rá fi nanc ia da por tod a a s oc i edade , de fo rm a di ret a e
in dire ta, nos te rm os da lei , m e dian te rec u rs os pro ve nien tes dos orç am e nt os d a Uniã o,
dos Es ta dos , d o Dis tri to Fede ral e d os Munic í pios , e das s eg uintes c on tri buiç ões
s oc i ais : (. ..)
177
P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos
C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , p . 141 .
hum anos
s ocia is
e
a
78
trabalhadores, e especialmente o trabalhador empregado 178, que são
os que laboram de forma subordinada e são regidos pelas normas da
Consolidação das Leis do Trabalho, pois objeto deste estudo.
Assim, preconiza o artigo 6º que
São dir eitos s oc iais a educ ação, a s aúde, a alim entaç ão, o
tr abalho, a m or adia, o lazer , a s egur ança, a pr evidênc ia
s oc ial, a pr oteç ão à maternidade e à inf ânc ia, a ass is tênc ia
179
aos des am par ados, na f orm a desta Cons tituiç ão.
É destinatário dessa norma todo brasileiro nato ou naturalizado,
inclusive, do direito social ao trabalho, pois todo o cidadão tem o
direito e a oportunidade de buscar trabalho. E o Estado deve buscar a
realização desse direito por meio de políticas públicas eficientes. O
Estado deve buscar a contribuição da sociedade, por meio de
incentivos fiscais e sociais na produção, gerando postos de trabalho e
oportunidades de pleno emprego. Pois como afirma Airton Pereira
Pinto “o trabalho não deixou de ser a maneira vital para a maior
parcela de a sociedade produzir os bens de produção e de riqueza
capazes de sustentar a vida de todos com dignidade.” 180
O direito à educação, normatizado no artigo 6º da Constituição
da República, tem como destinatário todo cidadão capaz de exercitálo, e está disciplinado detalhadamente nos artigos 205 a 214 da
Constituição da República.
Dita o artigo 204 da Constituição que a educação é direito de
todos e dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada
178
179
180
A Cons olidaç ão das leis do t raba lho de fine o em p rega do em s eu ar tigo 3 º; a L ei nº
5 .889 /73 em s eu a rti go 2 º de fine o t rab alho ru ral s ub ordi nado ; a Lei n º 8. 213/91
c onc eitu a o s egu rado da pre v idênc i a s oc i al. Bem defi ne o tr abalh ador em p regado
A ir ton Pe rei ra Pin to, em s ua ob ra Di re ito d o tr ab alh o, di rei tos h uman os so ciai s e a
C on sti tui ção Fe der al, p. 149 , c om o: “aq uele que pr es ta s er v iç os d e n atu re za ur bana
ou rur al à em p res a, o u a es t a equi para da, em c a rá ter n ão e ven tual , s ob a dep endênc ia
e s ubo rdinaç ão d e s eu em p rega dor e m e diant e c on tra pres taç ão .”
J á c om a al ter aç ão da Em en da Cons tituc i onal n º 64 , d e 4 de fe ver eir o de 20 10.
P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos
C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , p . 150 .
hum anos
s ocia is
e
a
79
com a colaboração da sociedade, visando a atingir os seguintes
objetivos: pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Para Marcos Augusto Maliska a educação como direito de todos
( ...) não s e lim ita em ass egur ar a poss ibilidade da leitura, da
escr ita e do c álc ulo. A r igor , deve garantir a todos o pleno
des envolvim ento de s uas funç ões m entais e a aquis iç ão dos
c onhec im entos , bem c om o dos valor es m or ais que
c or respondam ao exerc íc io dess as f unções , até a adaptaç ão
181
à vida s oc ial atual.
Para José Afonso da Silva o direito à educação
( ...) s ignif ic a, em pr im eir o lugar, que o Es tado tem que
apar elhar-s e
par a
f or necer,
a
todos,
os
s er viç os
educ ac ionais , is to é, oferecer ens ino, de ac or do c om os
pr inc ípios es tatuídos na Constituiç ão (art. 206) ; que ele tem
que am pliar c ada vez m ais as pos s ibilidades de que todos
venham a exerc er igualm ente ess e dir eito: e, em segundo
lugar, que todas as norm as da Cons tituiç ão, s obr e educ aç ão
e ens ino, hão que ser inter pr etadas em f unção daquela
dec lar aç ão e no s entido de s ua plena e efetiva r ealizaç ão. A
Constituiç ão m esm o já cons ider ou que o ac ess o ao ens ino
f undam ental, obr igatór io e gr atuito, é dir eito públic o
s ubj etivo; equivale rec onhecer que é direito plenam ente
ef ic az e de aplic abilidade im ediata, is to é, dir eito ex igível
182
j udic ialm ente, s e não for pr es tado es pontaneam ente.
Analisando o direito à educação em relação ao trabalhador
contata-se que o salário mínimo, por exemplo, deve ser o suficiente
para suprir suas necessidades básicas e a educação do trabalhador e
de seus familiares.
Também,
capacitação
e
a
educação
especialização
é
fundamental
do
para
trabalhador,
a
formação,
possibilitando
o
exercício da cidadania e abrindo caminhos para uma vida mais
qualitativa. Corrobora com esta assertiva a Declaração sobre o Direito
181
MA L I SK A, Marc os Aug us t o. O d ir eit o à edu caç ão e a C ons ti tuiç ão. P ort o Alegre:
S erg io Anto nio Fab ris , 200 1, p. 1 57.
182
S IL VA, J os é Afo ns o da . C u rso de di rei to c ons ti tuci ona l po sit i vo . 19ª ed. , r ev. e
a tual. S ão Paulo : Mal heir os , 2001 , p. 312 .
80
ao Desenvolvimento, aprovada na Resolução nº 41/128 da Assembleia
Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986, em que, em seu
artigo 24, inciso IV, proclama que a formação para o trabalho
encontra-se conjugada com a educação, cabendo ao Estado efetivar o
direito à educação visando realizar grandes metas como a erradicação
do
analfabetismo,
a
universalização
do
atendimento
escolar,
a
melhoria da qualidade de ensino, a formação para o trabalho, e a
promoção humanística, cientifica e tecnológica.
Mas, uma educação de qualidade necessita de tempo para
desenvolvimento, e isso reflete diretamente na jornada de trabalho
daquele trabalhador que está em seu posto de trabalho, pois mesmo
sendo de oito horas diárias, em alguns casos, seis horas diárias, é
normal que o trabalhador prorrogue suas horas laborando em caráter
extraordinário, não se permitindo, dessa forma, buscar uma melhor
qualificação profissional por conta da falta de tempo.
O direito à saúde foi positivado apenas na Constituição do
Império e agora na Constituição da República de 1988, sendo
consagrado como um direito de todos e dever do Estado, “garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” 183
Sobre essa distância na positivação do direito à saúde, José
Afonso da Silva leciona que
( ...) é espantos o c om o um bem ex tr aor dinar iam ente
r elevante à vida hum ana só agor a é elevado à c ondiç ão de
dir eito f undam ental do hom em . (...) há de inform ar-s e pelo
pr inc ípio de que o dir eito igual à vida de todos os s er es
hum anos s ignif ic a também que, nos casos de doenç a, c ada
um tem o direito a um tr atam ento c ondigno de acordo c om o
es tado atual da c iênc ia m édic a, independentem ente de s ua
183
B O N TE MP O , A les s and ra G o tti . Di rei tos soc iais: e f icác ia e ac ion abi lida de à luz da
C on sti tui ção de 1988 . Cu riti ba: J uru á E dito ra, 2006 , p . 76 .
81
s ituaç ão ec onôm ic a, s ob pena de não ter m uito valor sua
184
c ons ignaç ão em norm as c ons tituc ionais .
O inciso XXII, do artigo 7º, da Constituição da República,
estabelece, dentre outras normas do sistema, a “redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança.” Já o inciso XXIII, desse mesmo artigo, determina o
pagamento de “adicional de remuneração para atividades penosas,
insalubres e perigosas, na forma da lei.” E o inciso XXVIII disciplina o
“seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em
dolo ou culpa.”
Nota-se, assim, que o direito à saúde relaciona-se com o direito
ao trabalho, e nesse traduz a efetividade da melhoria das condições
do trabalhador, do meio ambiente equilibrado e protegido para a
vivência.
Airton Pereira Pinto, sobre o direito à saúde em relação ao
trabalho, doutrina
Conquanto, c om vis ão s ignif ic ativa s obr e a tem átic a da
s aúde, a legis laç ão dem onstra um c onj unto norm ativo que
im plic a um a s ér ie de aç ões e pr opós itos dos ór gãos
públic os, estas se ef etivar ão m ediante políticas públic as com
pr es taç ões pos itivas e de f isc alizaç ão dos entes pr ivados
que m antenham em s eus quadr os em pr egados . Em verdade,
as aç ões e pr opós itos vis am gar antir c ondiç ões par a o
185
tr abalhador pr es er var s ua s aúde.
Quanto ao direito ao trabalho propriamente dito, elencado dentre
os direitos sociais na Constituição da República, é o fio condutor para
184
S IL VA, J os é Afo ns o da . C u rso de di rei to c ons ti tuci ona l po sit i vo . 19ª ed. , r ev. e
a tual. S ão Paulo : Mal heir os , 2001 , p. 307 .
185
P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos
C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , p . 171 .
hum anos
s ocia is
e
a
82
a
realização
de
inúmeros
outros
direitos
de
natureza
semelhante, implicando inclusão socioeconômica direta.
social
186
Isso porque o trabalho não é apenas um elemento de produção,
é meio de valorização e dignidade do homem, além de lhe trazer
sustento. Nesse sentido, “o trabalho humano, como propulsor de
potencialidades, realizador de emancipações, embora haja exceções
pontuais, ainda é uma forma de construção de riquezas sociais.” 187
Dessa forma, a Constituição da República revela o trabalho
como valor e direito humano fundamental. Nesse caminho, para Rafael
da Silva Marques
Valor izar o trabalho hum ano, alç á- lo ele ao loc al em que
dever ia, s em pr e, ter perm anec ido, é busc ar o pleno
em pr ego, aum entando as of er tas de tr abalho a quem tem
qualif ic aç ão e qualif ic ar quem tem m enos qualif ic aç ão,
busc ar a s egur anç a de quem tr abalha e dar dignidade no
m om ento do exerc íc io de s eu m is ter , não ex igindo tr abalho
em c ondiç ões penos as ou per igos as e elim inando a
ins alubr idade. Valor izar , de fato, o tr abalho hum ano é
dim inuir cons ider avelm ente a alienaç ão, ex tinguir as hor as
ex tr aor dinár ias e c oloc ar o s er hum ano, hom em trabalhador,
c om o fim em s i m esm o e não c om o m eio a que o c apital
188
atinj a s eu f im .
José Afonso da Silva ao analisar o direito ao trabalho salienta
que
( ...) o ar t. 6º def ine o tr abalho c om o dir eito s oc ial, m as nem
ele nem o ar t. 7º tr azem norm a ex pr es sa c onf er indo o dir eito
ao tr abalho. Es te, porém , r ess ai do c onj unto de norm as da
Constituiç ão sobr e o trabalho. Ass im , no art. 1º, IV, s e
dec lar a que a Repúblic a Feder ativa do Bras il tem c om o
f undam ento, entr e outr os , os valor es s oc iais do tr abalho: o
ar t. 170 estatui que a or dem ec onôm ica f unda-s e na
valor izaç ão do tr abalho, e o ar t. 193 dis põe que a or dem
s oc ial tem c om o bas e o pr im ado do tr abalho. T udo is so tem
o s entido de r ec onhec er o dir eito s oc ial ao tr abalho, com o
c ondiç ão da ef etividade da ex is tênc ia digna (f im da or dem
ec onôm ic a) e, pois , da dignidade da pess oa hum ana,
186
I bid em , p . 17 6.
187
Ibid ., p. 1 77.
188
MA R Q U E S, R afael da S il va. V alo r soc ial do t raba lho : na ordem ec on ôm ic a, na
C ons t ituiç ão b ras il eira de 1988 . São Pau lo: L Tr , 20 07, p. 112.
83
f undam ento, tam bém , da Repúblic a F ederativa do Br as il ( ar t.
1º, III) . E aqui s e entr oncam o dir eito individual ao livr e
ex erc íc io de qualquer tr abalho, ofíc io ou pr of iss ão, c om o
dir eito ao tr abalho, que envolve o dir eito de ac ess o a um a
pr of iss ão, à or ientação e form aç ão pr ofiss ionais , à livr e
esc olha do trabalho, ass im com o à relaç ão de em pr ego ( ar t.
7º, inc . I) e o s egur o-des em pr ego, que vis am , todos, entr e
outros,
à
m elhor ia
das
c ondiç ões
s oc iais
dos
189
tr abalhador es .
Pode-se afirmar que em torno do trabalho circundam os demais
direitos sociais, de forma direta ou indireta, pois o trabalho é um valor
fundamental que, permite a efetivação da dignidade inerente ao
homem, garantido socialmente pelo Estado por meio de políticas
públicas.
O direito ao trabalho é fruto de conquista social e exigência
econômica, e gradativamente positivado na construção histórica dos
direitos fundamentais. Na Constituição da República, os artigos 7º ao
11º garantem alguns direitos dos trabalhadores, tais como a relação
de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa,
nos
termos
de
lei
complementar,
que
preverá
indenização
compensatória, dentre outros direitos; a proteção geral ao salário e à
remuneração do trabalho humano subordinado; o direito ao décimo
terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da
aposentadoria; a participação nos lucros ou resultados, desvinculada
da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da
empresa,
conforme
definido
em
lei;
e
o
reconhecimento
das
convenções e acordos coletivos de trabalho.
O direito social à moradia compõe o rol dos direitos sociais a
partir da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000,
sendo de grande importância para a sociedade, e nela incluídos os
trabalhadores.
189
S IL VA, J os é Afo ns o da . C u rso de di rei to c ons ti tuci ona l po sit i vo . 19ª ed. , r ev. e
a tual. S ão Paulo : Mal heir os , 2001 , p. 288 -28 9.
84
José Afonso da Silva ao tratar do direito à moradia ensina que
( ...) s ignif ic a oc upar um lugar c om o r es idênc ia; oc upar um a
c as a, apar tam ento etc., par a nele habitar . No ‘m or ar ’
enc ontr am os a ideia bás ic a da habitualidade de perm anec er
oc upando um a edif ic aç ão, o que s obress ai c om sua
c or relaç ão com o res idir e o habitar , c om a m esm a
c onotaç ão
de
perm anec er
ocupando
um
lugar
perm anentem ente.
O
dir eito
à
m or adia
não
é
nec ess ar iam ente dir eito à c as a pr ópr ia. Q uer -s e que s e
gar anta a todos um teto onde s e obr igue a fam ília de m odo
perm anente, s egundo a pr ópr ia etim ologia do ver bo m or ar ,
do latim m or ar i, que s ignificava dem or ar , f ic ar . Mas , é
evidente que a obtenç ão da c as a pr ópr ia pode ser
c om plem ento indis pens ável par a a efetivação do direito à
m or adia. O c onteúdo do dir eito à m or adia envolve não s ó a
f ac uldade de oc upar um a habitaç ão. Ex ige-se que s ej a um a
habitaç ão de dim ensões adequadas , em c ondiç ões de
higiene e c onforto e que pr es er ve a intim idade pess oal e a
pr ivac idade f am iliar , c om o s e pr evê na Cons tituiç ão
por tugues a ( ar t. 65) . Em s um a, que s eja um a habitação
digna e adequada, c om o quer a Cons tituiç ão es panhola (art.
47) . Nem s e pense que es tam os aqui r eivindic ando a
aplic aç ão dess as c ons tituições ao noss o s is tem a. Não é
iss o. É que a com preens ão do dir eito à m or adia, com o
dir eito s oc ial, agor a ins er ido expr ess amente em nossa
Constituiç ão, enc ontr a norm as e pr inc ípios que ex igem que
ele tenha aquelas dim ens ões. Se ela prevê, com o um
pr inc ípio f undam ental, a dignidade da pessoa hum ana ( ar t.
1º, inc . III) , as s im c om o o dir eito à intim idade e à
pr ivac idade ( art. 5º, inc . X ), e que a cas a é um as ilo
inviolável (art. 5º, inc . X I) , então tudo iss o envolve,
nec ess ar iam ente, o direito à m or adia. Não f oss e as s im s er ia
190
um direito em pobr ec ido.
O direito à moradia integra a natureza humana que busca um
local para acomodar-se e nele viver dignamente. Ao poder público
resta assegura efetivação desse direito por meio de políticas públicas
eficientes e destinação de verbas orçamentárias para tanto.
No que concerne ao direito à segurança, cingem-se as relações
sociais e individuais, patrimoniais, culturais e econômicas na esteira
do artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
seguindo os passos da Carta Magna de João Sem Terra, que
assegurou os direitos pessoais, civis e tributários de todos os súditos.
190
Ibidem , p . 31 3.
85
Quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos, trata em
seu artigo 25, da segurança na hipótese de desemprego, tornando
uma exigência social na comunidade internacional que as legislações
nacionais instituam a obrigação de pagamento de prestações de
seguro desemprego.
A Constituição da República contempla a segurança de diversas
formas,
como
a
segurança
do
domicílio;
a
segurança
das
comunicações pessoais, garantindo o sigilo das correspondências,
inclusive do trabalhador, se recebê-las na empresa.
Nas relações de trabalho, o aviso prévio também pode ser
considerado um preceito em relação à segurança do trabalhador, pois
é forma de segurança “na relação social de consumo e honradez nos
compromissos assumidos pelo empregado” 191.
Ainda nas relações de trabalho, o pagamento de seguro na
hipótese de desemprego involuntário está relacionado com o direito à
segurança, assim como o pagamento do fundo de garantia do tempo
de serviço e a multa rescisória, garantindo algum tempo de segurança
alimentar,
social
e
econômica
para
o
empregado.
Também
a
prescrição do direito de ação se revela como integrante do direito à
segurança, na medida em que aponta para a estabilidade nas relações
jurídicas.
O direito à previdência social, elencado no rol dos direitos
sociais
no
artigo
6º
da
Constituição
da
República,
nasce
da
preocupação longínqua sobre a proteção social do homem em tempos
de velhice. No Brasil, foi positivado na Constituição de 1824 como
prestações de socorros públicos. Na Carta de 1891, para garantia de
aposentadoria a servidores públicos no caso de invalidez. O Decreto
191
P I N TO, Air ton Per eir a. D i rei to do tra bal ho, di rei tos
C on sti tui ção Fed er al. São P aulo: L Tr, 2006 , p . 202 .
hum anos
s ocia is
e
a
86
Legislativo nº 4.682/23 instituiu caixas de Aposentadorias e Pensões
para os trabalhadores ferroviários.
Já a Constituição da República de 1988, ao tratar do direito à
previdência
social,
criou
um
“sistema
integrado,
amplo
e
com
coberturas de várias prestações, em função de contingências sociais,
individuais e econômicas.” 192
Esse sistema da Seguridade Social
prevê a previdência e a assistência social, obrigando o Estado a
dispor aos beneficiários, por meio de arrecadação moderada na
sociedade, alguns benefícios 193 operacionalizados e devidos pelo
Instituto Nacional de Seguridade Social.
Os incisos XVIII e XX do artigo 7º da Constituição da República
tratam
do
direito
social
relativo
à
proteção
da
maternidade,
determinando a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do
salário, com a duração de cento e vinte dias e, respectivamente, a
proteção do mercado da mulher, mediante incentivos específicos, nos
termos da lei.
Esse dispositivo legal objetiva tutelar não apenas a gestante
trabalhadora, mas também as condições da maternidade e a criança
que necessita do tempo materno para seus cuidados e proteção
adequada, garantindo-lhes o salário maternidade e o emprego.
A Constituição da República tutela, dentre os direitos sociais, o
direito à infância em vários de seus dispositivos, como no Capítulo VII
quando
trata
da
Ordem
Social.
Também,
no
artigo
227
da
Constituição, determina que o Estado, a família e a sociedade devem
assegurar, com absoluta prioridade, à criança e ao adolescente, o
192
193
Ibidem , p . 21 2.
A Lei n º 8. 213/ 91 p re vê os s eg uint es bene fíc ios : apos enta dor ia po r in v alidez;
ap os ent ado ria por i n valide z em r a zão de ac id ente do t raba lho; ap os ent ado ria po r i dade ;
ap os ent ado ria po r tem po de c on trib uiç ão ; apos e ntad oria es pec ia l, em r a zão das
a ti vida des de ris c o e p rej uí zo à s aúd e; ab ono anu al; au xíli o ac id ente ; au xí lio d oenç a ;
au xí lio doe nç a por ac iden te de tra balho ; a u xílio rec lus ão ; pe ns ão por m ort e; s alá rio
f am ília pag o em ra zã o do depe nden te t rab alhad or de bai xa re nda.
87
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, dentre outros.
Nesse mesmo artigo, o parágrafo 3º disciplina o direito de
proteção em relação ao trabalho da criança e do adolescente quanto à
idade mínima para admissão ao trabalho, a garantia de direitos
previdenciários, trabalhistas e a garantia de acesso do trabalhador
adolescente à escola.
No artigo 7º, o inciso XXXIII, estabelece a “proibição de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer
trabalho
a menores de
dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos.”
A Constituição da República também prevê o direito social dos
trabalhadores à liberdade de organização para fins de defesa e
promoção de interesses, ou seja, a liberdade sindical de associação
profissional
ou
sindical
conforme
artigo
8º
da
Carta
de
1988.
Assegurando, ainda, no artigo 9º, o direito de greve, sendo seu
exercício decidido pelos trabalhadores quanto ao meio, forma e quais
interesses
devam
defender,
assegurado
a
todo
e
qualquer
trabalhador, pois o texto constitucional não restringe nem excepciona
nenhuma categoria.
Os artigos 10º e 11º asseguram a participação dos trabalhadores
nos órgãos colegiados públicos e nas empresas em que seus
interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão
e deliberação. Revela assim o legislador constituinte o seu espírito
democrático, reconhecendo a necessidade do exercício da cidadania
com esta integração na defesa dos interesses dos trabalhadores.
Por fim, o direito ao lazer será minudentemente abordado nos
próximos capítulos, pois objeto específico deste estudo. Aqui apenas
apontamos a localização do direito ao lazer, estampado que está
88
dentre os direitos sociais no rol do artigo 6º da Constituição da
República.
Salienta-se, inclusive, que o tempo livre do trabalho, além do
lazer propriamente dito, importa em possibilidade de convívio familiar,
educar-se, descansar para evitar acidentes de trabalho e manter a
saúde e uma qualidade de vida melhor, dentre outras conquistas de
direitos sociais aqui numerados.
194
2.3 Pós-modernidade: o debate sobre a centralidade do
trabalho
O conceito de trabalho sofreu grandes alterações ao longo da
história,
como
visto
anteriormente,
já
foi
considerado
pecado,
escravidão, venda do tempo, atividade nobre e meio de subsistência.
Nos últimos trinta anos o que se discute sobre essas transformações é
a centralidade do trabalho.
Há um debate nesta nova forma de capitalismo, no qual o
trabalho
194
P ara il us tr ar es t a as s er ti va c ab e a qui as c ons id eraç ões de um pequen o ponto da
pes quis a de J os é Hen riqu e Car v alho O rgan is ta in O de bat e so br e a cen tr ali dade do
t ra bal ho, S ão Paul o: Edi tor a E xpr es s ão Po pula r, 2006 , p. 26- 27, que es c re v e: “ De
ac o rdo c om o de poim en to d o Sr. N e y, s eu pai t rabal hou dur o du rant e an os num a
m es m a em p res a , c ons egu iu c om pr ar um a c as a pelo a ntig o BN H e des ej ou par a ele
m el hor s o rte . P or is s o , in v es tiu em s eus es t udos . En tr etan to, n os s o de poen te nos
r elat ou q ue s e c as o u c edo e foi tr abalh ar na Sadi a. Nes s a em p res a, fe z m uito s er ão
( hor as e xt ras ) o que o im pe diu de c ont inua r a es t udar . No p roc es s o de r ees t rutu raç ão
da em p res a , n o e ntan to, foi m and ado em bo ra, pos to que não tin ha o “per fil ” tido c om o
ad equa do para c o ntinua r na em pres a. Som ent e c o ns egui u c om pra r s ua c as a n o
m un ic ípi o de Du que de C a xias depo is qu e f oi t rab alha r na in form a lidad e. N ão d es eja a
m es m a “s o rte ” pa ra s e us filhos , já que p ara ele “s eus f ilhos m erec em o m el hor ”. Paga
pa ra eles todos os c urs os que s ua r enda pe rm ite , s eus fil hos es tão em es c ola
pa rtic ular , m as r ec onhec e q ue pa ra c ons e guir em p rego hoje n ão bas t a um a boa
f orm aç ã o, m as ac im a de tud o te r bo ns re lac io nam en tos . Seu tra balho , po r m ais
p rec á rio qu e s eja , lhe pe rm it e c ons t rui r um p roj eto e apos t ar n um fu tu ro pa ra s eus
f ilhos . No depo im ent o do Sr . N e y fic a c lar a a c on trad iç ão i nere nte ao des en v ol vim en to
do c api tal. Q uand o a e xpl oraç ão da m ão -de -obra podi a s e r r eali zad a t ão s om ent e pela
e xt ens ão d a jor nada de t raba lho, n ão ha via nenhum a pre oc upaç ã o da em p res a c om a
f orm aç ã o do tr abalh ador . No e ntan to, no m om en to em que a m aio r in tegr aç ão dos
m e rc ados s e fe z pres ent e, a em pr es a s e rees t ru turo u e c o bro u do trabal hado r aq uilo
qu e el a nã o ha vi a pe rm itid o alc anç ar : es tudo .”
89
[...] per de sua c entr alidade par a novas f ormas de pr oduç ão,
nas quais a his tór ic a “ dependênc ia m útua” entr e c apital e
tr abalho c ede es paço a novos arr anj os no c am po do
c ons um o, ou s eja, o capital pass a a depender , “ par a a s ua
c om petitividade, ef ic ác ia e lucr atividade, dos c ons um idor es
( ...) [s endo] a pr es enç a da f orç a de tr abalho apenas um a
c ons ider aç ão s ec undár ia” Não que a pr es enç a dess e tipo de
tr abalho não s ej a m ais nec ess ár ia, m as ela tende a s er a
par te m ais disponível e dis pens ável do novo m odelo de
195
pr oduç ão.”
Essa reestruturação do modo capitalista de produção, do final do
século XX, transformou a estrutura social que surge de um novo
modo
de
desenvolvimento,
informacionalismo.
denominado
por
Manuel Castells de
196
Analisando essa sociedade denominada informacional, o autor
citado, dispõe sobre a teoria clássica do pós-industrialismo e suas
três afirmações e previsões
1. A f onte de pr odutividade e cr es c im ento r es ide na ger aç ão
de c onhec im entos, es tendidos a todas as esf er as da
atividade ec onôm ic a m ediante o pr oc ess am ento da
inform ação.
2. A atividade econôm ic a m udar ia de pr odução de bens par a
pr es taç ão de s er viç os . O f im do em pr ego r ur al ser ia
s eguido pelo dec línio irr eversível do em prego indus tr ial
em benef íc io do em prego no s etor de ser viç os que, em
últim a anális e, c onstituir ia a m aior ia esmagador a das
ofertas de em prego. Quanto m ais avançada a ec onom ia,
m ais s eu m er cado de tr abalho e sua pr oduç ão s eriam
c onc entrados em ser viç os .
3. A nova ec onom ia aum entar ia a impor tânc ia das
pr of iss ões c om gr ande c onteúdo de inform ação e
c onhec im entos em s uas atividades . As pr of iss ões
adm inistrativas , es pec ializadas e téc nic as cr esc eriam
m ais r ápido que qualquer outr a e cons tituir iam o c er ne da
197
nova es tr utur a soc ial.
Essas transformações sociais que refletem alterações no mundo
do trabalho requerem organizações flexíveis, via de consequência
195
O R F ON TE NE LLE , Is lei de Ar ruda . Pós -mo de rnid ade : tra balho e c ons um o . São Paulo:
C eng age Lear ning , 20 08, p. 5 5.
196
C A S TELL S, Man uel. A e ra da i nfo rma ção : ec o nom ia , s oc ied ade e c ul tu ra. V. 1.
Tr aduç ão Ro neide Venânc i o Ma jer ; atua li zaç ão pa ra 6ª ed iç ão: J us s a ra Sim ões . S ão
P aulo : Pa z e Te rra , 20 08, p. 51.
197
I bidem , p. 267 .
90
trabalhadores flexíveis, tão “leves e voláteis quanto a nova economia
capitalista que os gerou e dotou de poder.”
198
Tanto Bauman 199 quanto Richard Sennett entendem que estas
mudanças
no
mundo
do
trabalho
causaram
fortes
impactos
na
subjetividade dos trabalhadores, pois não é real que os trabalhadores
se sintam, pelo menos nos primeiros momentos da história, seguros
num mundo de desemprego estrutural e formas organizacionais sem
regras claras, onde nesse “regime flexível, as dificuldades cristalizamse num determinado ato, o ato de correr riscos.”
Esta
mudança
estrutural
impõe
200
reformulações,
Fontenelle
citando Gorz afirma
Ness a nova form a de ger ir o s aber , toda produç ão pass a a
s e ass em elhar a um a pr es taç ão de s er viç o, j á que, m esm o
na indús tr ia, a inform atizaç ão tr ansf orm a o tr abalho em
“ ges tão de um flux o contínuo de inform ações” . ( ...) É ness e
c ontexto que o autor f ala s obr e o “advento do autoem pr eendedor” e da “ vida c om o bus iness” . Citando um a
c om unic aç ão de Nor ber t Bensel, dir etor de r ec urs os
hum anos da Daim ler- Chr ys ler , G or z c ham a a atenç ão para o
term o us ado por ele ao s e r efer ir aos trabalhador es da
em pr es a: “ em pr eendedor es” , não apenas na ges tão por
obj etivos m as, es pec ialm ente, na pr ópr ia “ges tão da s ua
f orç a de tr abalho, c ons ider ada c om o s eu capital f ix o” . (...)
Apr es entando dados que r evelam que as c em m aior es
em pr es as am er ic anas s ó em pr egam um pequeno núc leo de
ass alar iados es táveis em período integral – os 90%
r es tantes s ão f orm ados por um a “m ass a var iável de
c olabor adores
ex ter nos ,
s ubs titutos ,
tem por ár ios,
autônom os, m as igualm ente de pr of iss ionais de alto nível” - ,
o autor c ons tata que, atualm ente, “ a dif er enç a entr e
o
s uj eito e a em pr es a, entre a f orç a de tr abalho e o c apital
deve ser s upr im ida. A pess oa dev e, par a s i mes ma, tor nar-s e
uma empr es a.
Diss o dec orr e a necess idade de se inves tir em s i m esm o,
es teja o pr ofis s ional na c ategor ia de c ontingente ou de
198
B A U MA N, Z ygm un t. M o de rn idad e lí qui da. Rio de J anei ro: J orge Zah ar Edi tor , 2001, p.
19 0.
199
200
I bid em , m es m a pá gina.
S E NN E TT, Ric hard . A co r rosã o do ca rát er : c ons e quênc i as pes s oais do t rabalho no
no v o c a pita lis m o. Traduç ão Ma rc os Sa nta rri ta. 13 ª Ed. Rio de J ane iro : Rec ord , 2008,
p . 88 .
91
ass alar iado es tável, já que não há nenhum a gar antia de
201
perm anênc ia ness a pos iç ão.
Para Castells, a maioria dos empregos industriais tradicionais
serão substituídos por novas ocupações criadas “na indústria de alta
tecnologia e, de forma mais significativa, em “serviços””.
202
José Henrique Carvalho Organista, após analisar a posição de
diversos
autores,
conclui
que
aqueles
partidários
do
fim
da
centralidade do trabalho se debruçam sobre argumentos comuns: o
aumento do número de pessoas que são desligadas do mercado de
trabalho
assalariado,
buscando
formas
de
trabalho
informais
e
flexíveis. Mas, que esse argumento não é sólido o suficiente para
retirar a centralidade do trabalho. Afirma, ainda, que mesmo com a
diminuição do emprego assalariado, o capitalismo não desaparecerá.
E, argumenta, por fim, que “uma sociedade sem trabalho – como
ressaltou Kurz – não pode existir, salvo nos contos de Alice no país
das maravilhas.”
Essas
203
transformações,
a
flexibilidade,
o
informacionalismo
sugerem um longo e atento debruço sobre a regulação do tempo de
trabalho, já que é durante o tempo livre do trabalho que se coloca a
possibilidade de direito ao lazer.
2.4 A regulação do tempo de trabalho
A influência do tempo na vida do homem é marcada desde o
nascimento, pois sua existência está condicionada por ele.
201
O R F ON TE NE LLE , Is lei de Ar ruda . Pós -mo de rnid ade : tra balho e c ons um o . São Paulo:
C eng age Lear ning , 20 08, p. 6 2-6 3.
202
C A S TELL S, Man uel. A e ra da i nfo rma ção : ec o nom ia , s oc ied ade e c ul tu ra. V. 1.
Tr aduç ão Ronei de V enânc i o Maje r; a tuali z aç ão pa ra 6 ª ediç ão: J us s ara S im ões . Sã o
P aulo : Pa z e Te rra , 20 08, p. 316 .
203
O R G A NIS TA , J os é He nriq ue Ca r val ho. O deb ate s ob re a cen tr ali dade do tr abalho.
S ão Paul o: Edi tora E xp res s ão P opula r, 2006 , p . 169 e 172.
92
O tempo está intimamente ligado ao lazer, pois para exercê-lo
é necessário ter tempo livre. Estudos sobre o lazer analisam o tempo
de trabalho, entendendo que essa atividade se exerce no tempo de
não trabalho, relacionando dessa maneira a história do trabalho a do
lazer. Também a análise do tempo revela a compreensão das
sociedades e seus modos de vida, no dizer de Norbert Elias
( ...) ao ex am inarm os os pr oblem as r elativos ao tem po,
apr endem os s obr e os hom ens e s obr e nós m esm os m uitas
c ois as que antes não disc er níam os c om c lareza. Pr oblem as
que dizem r es peito à s oc iologia e, em term os gerais, às
c iênc ias hum anas, que as teor ias dom inantes não perm itiam
204
apr eender , tornam -se ac ess íveis .
O significado do tempo sofreu grande alteração a partir da
revolução industrial, pois nasceu ali a necessidade de sua maior
sincronização e controle. Antes deste período, os homens possuíam
maior autonomia sobre seu tempo. O homem do campo orientava seu
tempo pelo ritmo da natureza, rotação da Terra em relação ao Sol,
pela mudança das estações, ou pelo canto do galo.
Já na sociedade industrial, o tempo começou a ser medido pelo
dinheiro, pois quanto mais se produzia mais dinheiro se ganhava.
Assim, o capitalista não se caracteriza apenas pela posse de bens,
mas pelo controle do tempo dos trabalhadores. Nesse período
nasceram a regulação do tempo, a divisão do trabalho e a disciplina
do tempo de trabalho.
205
O relógio é instrumento de medição e controle do tempo que
representa fator importante nas alterações de costumes da sociedade.
O relógio mecânico foi inventado por Giovanni di Dondi, na Idade
Média, século XIV, na Europa ocidental, representando grande cume
204
E LI AS, Nor ber t. So br e o tem po. Trad . Ver a Ribe ir o. Ri o d e J a nei ro: J or ge Zah ar Editor,
19 98, p. 7.
205
P A DIL HA , Va lquí ria. Sh opp ing
B oitem po, 2006 , p . 14 6-147 .
ce nte r :
a
c at edra l
das
m erc ador ias .
São
Paulo:
93
tecnológico da revolução industrial
206
, pois até aquele momento a
Europa ocidental
poss uía um duplo s is tem a de hor as : as horas tem por ár ias e
as hor as canônic as , em núm er o de 7. As hor as c anônic as
r egulavam a vida m onás tic a. Num c onvento, o s ino dos
ofíc ios ( as horas) tocava 7 ve zes em 24 hor as . Em quas e
todos os países da Eur opa o dia es tava dividido em 2 vezes
207
12 hor as .
A partir de 1344, as principais torres das principais cidades
européias possuíam um relógio mecânico. Em 1370, Carlos V, por
decreto, unificou as horas reais e as da igreja em Paris. O relógio
passou a ser parte da paisagem urbana, nas torres ligadas ao centro
do comércio ou em igrejas, revelando
sua importância para a
sociedade, e principalmente para marcar a hora de entrada e saída do
trabalho.
208
Mas, até o ano de 1658, com o surgimento do pêndulo, os
relógios mecânicos conviveram com os relógios de Sol dada sua
precisão duvidosa. Os relógios de parede foram difundidos por volta
de 1660. Sobre o relógio, Norbert Elias se manifesta
Podem os legitim am ente af irm ar que o r elógio indic a o tem po,
m as ele o f az atr avés de um a pr oduç ão c ontinua de s ím bolos
que s ó têm s ignif ic ação num m undo em c inc o dim ensões ,
num m undo habitado por hom ens (...). O m ecanism o do
r elógio é organizado par a que ele tr ansm ita m ens agens e,
c om iss o, perm ita r egular os c om portam entos do gr upo. O
que um r elógio c omunic a, por interm édio dos sím bolos
inscr itos em s eu m os trador, c ons titui aquilo a que c ham am os
tem po. Ao olhar o r elógio, s ei que s ão tantas ou quantas
hor as , não apenas par a m im , m as par a o c onj unto da
209
s oc iedade a que pertenç o.
Em comunidades pequenas de agricultores é possível não
depender do tempo do relógio como os antigos camponeses faziam, e
206
P IS TO R I, Gers o n Lac e rda . H ist ór ia do d ir eit o do tr abal ho : um bre v e olh ar s obre a
id ade m édia. S ão Paulo : L Tr, 200 7, p . 1 14.
207
I bidem , m es m a pági na.
208
I bid. , p . 115 .
209
E LI AS, Nor ber t. So br e o tem po. Trad . Ver a Ribe ir o. Ri o d e J a nei ro: J or ge Zah ar Editor,
19 98, p. 16.
94
orientar-se pelas ocupações, atividades ou afazeres. Também é
possível não dissociar o tempo livre do trabalho, pois em algumas
comunidades rurais os momentos “de lazer podem ser também os de
trabalho, e o trabalho em si oportunidade para o divertimento” 210,
como afirma Valquíria Padilha
O uvi de um ex ec utivo que dir ige um a em pr esa de ex por taç ão
em Dij on, na r egião da Bour gogne, na F r anç a, r ec onhec ida
pelos bons vinhos , a seguinte his tór ia: ele c onhec e um c as al
que produz vinho e todo ano c onta c om os am igos e
f am iliares par a o per íodo de c olheita de uvas e pr epar aç ão
do vinho. Ele r es er va alguns fins de s em ana par a aj udar
s eus am igos e liter almente “ põe a m ão na mass a” , c olhendo
as uvas . Clar o que ess es dias de c olheita ( réc olte) s ão dias
de f es ta e não s ó de tr abalho. Ele não r ec ebe em dinheiro o
pagam ento da r éc olte, m as ganha algumas garr afas de
exc elente vinho, f eito c om as uvas c olhidas por ele. Até hoje
tam bém , na Fr anç a, o c alendár io esc olar das c idades
bas eia-s e no per íodo de c olheitas das plantaç ões f eitas no
c am po. Os f r anceses c ontam que há um a tr adiç ão de
es tudantes apr oveitarem as f ér ias par a trabalhar nas
c olheitas , pr inc ipalm ente de uvas . Por is so as f ér ias de
ver ão c om eç am em metade de j unho e s eguem até m etade
de s etem bro. São tr ês m es es de f ér ias esc olar es bas eados
num a tr adiç ão de us o dess e tem po par a aj udar a engross ar a
211
m ão- de- obr a no c am po.
No século XVIII, o relógio era fabricado de metais caros como
ouro ou prata, simbolizando o poder dos empregadores e pessoas com
poder
aquisitivo
alto.
O
desenvolvimento
industrial
trouxe
a
sincronização das tarefas e o início da popularização do relógio.
Nesse momento, os chefes das fábricas também possuíam os relógios
para controlar o tempo dos empregados.
Surge
com
o
desenvolvimento
do
capitalismo
o
período
mercantilista e com ele a ética puritana, propagando o valor supremo
do tempo e condenando o ócio ou tempo livre, em consequência o
exercício do lazer, pois perder tempo era considerado um pecado.
210
P A DIL HA , Va lquí ria. Sh opp ing
B oitem po, 2006 , p . 14 9.
211
Ibidem , m es m a pá gina.
ce nte r :
a
c at edra l
das
m erc ador ias .
São
Paulo:
95
A valorização da atividade e a exaltação do trabalho foi imposta
pelo iluminismo no final do século XVIII. O ócio foi condenado a partir
de então e principalmente no século XIX. Exemplo dessa assertiva é a
preguiça imposta dentre os sete pecados capitais pela Igreja católica.
Os médicos, por sua vez, alertavam que o ócio, o tédio e a
desocupação provocavam cansaço cerebral fazendo mal à saúde do
homem.
Em flagrante contrapartida, ao burguês o tempo livre para
dispor no que escolhesse era fundamental para seu desenvolvimento
enquanto ser humano, buscando no lazer ponto essencial para sua
formação, criação e alegrias.
A redução da jornada de trabalho de quinze ou doze horas
diárias foi objeto de grandes lutas operárias nos séculos XIX e XX e o
tempo
livre
é
conquista
dos
trabalhadores.
Todavia,
isso
não
representa mudança significativa na humanização do tempo e do
trabalho. Muitos trabalhadores permaneceram com programas de
atividades e repouso regulados cronometricamente, objetivando a
conservação do comportamento produtivo.
212
A tecnologia digital alterou profundamente os limites entre o
tempo de trabalho e o tempo livre, a exemplo, o uso do blackberry
pelos trabalhadores que agrega serviços de e-mail, internet e celular,
unindo, inclusive, o trabalho ao lar, e a outras atividades como o
lazer. 213
212
C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na
v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 164 .
213
A s tr ans fo rm aç ões no m un do do tra balho alte ram a l egis laç ão, c om o a lei n º 12.551/11
qu e a lte rou o arti go 6 º da C L T, que pas s a a s egui nte re daç ão : “Nã o s e dis tingu e en tr e
o trab alho reali z ado no es tabel ec im ent o do em pr egad or, o e xec u tado n o dom ic ílio do
em p reg ado e o re ali zad o a dis tânc ia, des de q ue es tej am c arac t eri za dos os
p res s up os tos da relaç ão de em preg o. P arág ra fo únic o . Os m ei os tel em átic os e
in form ati za dos d e c om an do, c ont role e s u per v is ão s e eq uipa ram , pa ra fins de
s ub ord inaç ão jur ídic a , aos m eios pes s oais e dir et os de c om ando , c on trole e s upe r vis ão
do t rabal ho a lheio .”
96
Essa
implementação
tecnológica
não
trouxe
apenas
essa
transformação ao mundo do trabalho, implementou a exploração de
atividades
atreladas
à
informação,
deixando
aquelas
ligadas
à
transformação da matéria em segundo plano na ordem econômica.
Nasce desse novo comportamento um paradoxo: o clamor pela
redução da jornada de trabalho e a competitividade entre as empresas
exigindo dos trabalhadores maiores esforços para o crescimento da
produtividade, em consequência, a ocupação do tempo de não
trabalho pela força produtiva.
Em 1936, o complemento da Declaração dos Direitos do Homem
prescrevia em seu artigo 4º
O dir eito à vida c om por ta: a) O dir eito a um trabalho
r eduzido o bastante par a deix ar lazer es s uf ic ientem ente
r em uner ados, a f im de que todos poss am par tic ipar
am plam ente do bem -es tar que os progress os da c iênc ia e da
téc nic a tor nam c ada vez m ais ac ess íveis e que um a
r epar tiç ão equitativa deve e pode gar antir a todos ; b) O
dir eito ao pleno c ultivo intelec tual, m oral, artís tic o e téc nic o
das fac uldades de c ada um ( ...)
No título em que nossa Constituição da República trata dos
direitos e garantias fundamentais, quando o capítulo dos direitos
sociais assegura no artigo 6º, dentre outros – educação, saúde,
trabalho,
moradia,
segurança,
previdência
social,
proteção
à
maternidade e à infância, assistência aos desamparados -, o direito ao
lazer.
No artigo 7º, inciso IV, ao determinar que o salário mínimo deve
ser
suficiente
para
suprir
as
necessidades
vitais
básicas
do
trabalhador e de sua família, inclui o constituinte dentre essas o lazer.
O § 3º do artigo 217 determina que o Estado incentive o lazer como
forma de promoção social. Já o artigo 227 assegura o lazer, dentre
outros direitos, à criança e ao adolescente, como dever da família, da
sociedade e do Estado, seguido pelos artigos 4º, 59, 71, 94 e 124 do
Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei do Desporto, o Estatuto
do Idoso também contemplam o direito ao lazer.
97
Espinha
dorsal
de
nosso
ordenamento
constitucional
é
o
princípio da dignidade da pessoa humana, irradiando esse valor-fonte
para toda a ordem jurídica, abrangendo em seu raio de atuação,
inclusive, o direito do trabalho. E, nesse rastro, a incidência dos
direitos fundamentais sobre os direitos entre particulares, inclusive, a
tutela do direito ao lazer também como elemento dotado de força para
o pleno desenvolvimento do homem.
Também no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal,
encontra-se tutelado o direito à inviolabilidade da vida privada das
pessoas, a honra e a imagem, alcançando o trabalhador na relação de
trabalho subordinado. A violação do direito do empregado à vida
privada pode ocorrer de formas variadas, a exemplo de anotações
indevidas e desabonadoras à conduta do empregado em sua Carteira
de Trabalho e Previdência Social.
Ainda, considerando que a pessoa humana necessita de tempo
livre,
ou
tempo
de
não
trabalho,
para
afirmação
dos
direitos
fundamentais individuais da intimidade e da vida privada, bem como
para
repousar,
conviver
com
personalidade,
desenvolver
a
família,
desponta
sua
isto
o
é,
formação,
participação
desenvolver
caráter fundamental
social,
plenamente
da
limitação
sua
da
duração do trabalho nas relações de emprego, vinculando essa
assertiva
ao
direito
social
ao
lazer
previsto
no
artigo
6º
da
Constituição Federal.
Na opinião de Robert Kurz, o caráter da estrutura trabalho e
lazer, neste momento de sociedade pós-moderna, está para implodir,
pois encontra-se no limite do possível, já que todos os tempos da vida
humana como o trabalho, o consumo e a vida pessoal englobam-se no
trabalho, transformando o lazer como atitude mecânica. Afirma que
Par a o indivíduo pós-m oder no novamente c oinc idem
tr abalho, c ons um o e vida íntim a, por ém não pela elim inação
98
do tr abalho abs tr ato, e s im pela totalizaç ão do m esm o: o
es paç o func ional abs trato f oi inter ior izado e agor a pr eenche
a totalidade da perc epç ão. T udo agor a s e tr ansform ou em
tr abalho, independente de s ua validade econôm ic a r eal. A
quas e- ec onom izaç ão da alm a, da per sonalidade e até
m esm o da s ex ualidade não m ais deix a es paç o par a o
r elax am ento e o descans o. Os pós-m oder nos , c ons um idor es
de s eu pr ópr io c apital hum ano, tr abalham inc ess antem ente
em s ua biogr afia, abr angendo todas as fac etas da vida. Seu
s upos to hedonism o é um hedonism o mec ânic o de alto
des em penho que os im puls iona tanto quanto o fazem as
ex igênc ias do tr abalho. Até m esm o o s upos to lazer encontr as e c ada vez m ais c ontam inado pela conc or rênc ia total. As
pess oas , pr inc ipalm ente hom ens , j á totalm ente es gotadas e
desm or alizadas pela am eaça perm anente da concorr ênc ia,
r eunindo suas últim as f orç as , arr as tam -s e par a um es porte
de pr es tígio e s im ulam c om petênc ia hedonístic a c om a
f inalidade de dem ons tr ar em a s i pr ópr ios que ainda
214
ex is tem .
Analisando
os
meios
de
comunicação
de
massa,
a
industrialização e a urbanização como fatores influentes a uniformizar
comportamentos de lazer como elemento símbolo cultural de massa,
somando-se ao fato de que o nível do conteúdo de produções
culturais para consumo rápido não é o razoável para a pessoa
humana. Isso somado às barreiras socioeconômicas e baixo nível
educacional, conduzem a uma homogeneização da produção cultural,
nivelando-a por baixo, refletindo em construção de atividades ditas de
lazer apenas para serem consumidas e alimentar a alienação do
trabalho. 215
O lazer deve ser visto como fato que transcende simples
consumo e a alienação do trabalho. Não se pode exaltar o lazer
apenas como exercício de atividades no tempo livre do trabalho.
Deve-se buscar no tempo livre do trabalho atividades que conduzam à
verdadeira felicidade.
214
K U RZ , Robe rt. A dita dura do tem po abs t rat o. In: L az e r n uma soc ieda de g lo bal iz ada .
p . 39/46 São P aulo : SE S C: W orld Le is ure , 200 0, p. 45 -46 a pud C HE MI N , Be atris
F ranc is c a. Con st itu ição e l az er : um a pe rs pec ti va do t em po l i vre na vid a do
( tr abalh ador ) b ras il eir o. C ur itiba : J u ruá Edi to ra, 20 05, p. 165.
215
C H E MI N, Bea tris F ranc is c a . Cons ti tui ção e l az er: um a pers pec ti v a do tem po li v re n a
v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 165 -166 .
99
Domenico De Masi enfatiza que muitos sabem trabalhar, mas
não sabem o que fazer com seu tempo livre do trabalho, concluindo
que
O tem po livre é difíc il de s er adm inis tr ado por que ainda não
ex is te um m odelo de vida e de s oc iedade que s e bas eie no
tem po livre. T odos os m odelos oc identais de vida e de
s oc iedade bas eiam -se no tem po de tr abalho ... par a um novo
m odelo de vida bas eado no lazer é nec ess ár io r edistr ibuir o
tr abalho, a r iqueza, o poder e, s obr etudo, r edis tr ibuir o
216
s aber , pois o tem po livr e é f eito de s aber .
Conclui-se que, apenas a redução da jornada de trabalho não é
suficiente para tornar o tempo livre do trabalho objeto ao exercício do
lazer. É necessário, além da redução da jornada de trabalho,
qualificar e humanizar os tempos de trabalho, bem como criar novas
vagas de trabalho adequadamente remunerado, e preparar o homem
para o tempo de não trabalho. Uma preparação para o exercício do
lazer, demonstrando a importância desse lazer como atitude, estilo,
qualidade de vida e desenvolvimento pessoal. 217
2.4.1
A
regulação
organização
do
capitalista
tempo
produtiva
de
–
trabalho
de
Marx
na
à
superação do binômio pós-fordismo
A regulação do tempo sempre foi objeto de estudo dos filósofos
e resultado de controvérsias em diferentes níveis. A análise da
evolução histórica da sociedade demonstra como os valores sociais se
refletem
no
tempo
de
trabalho
que
é
dominante
a
partir
de
216
D E MA S I, Dom en ic o. Pe rs pec t i vas pa ra o tra bal ho e o tem po li vr e. In : Laz e r numa
s ocie dade g lob aliz ada. p. 1 21/1 37 Sã o Paul o: S ES C: W orld Leis u re, 20 00, p . 136
ap ud CH E MI N, Bea tris F ranc is c a. Con sti tu ição e laz e r : um a pe rs pec tiv a do tem po
li v re na vi da do ( tra balhado r) br as ilei ro. C uri tiba: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 168 .
217
C H E MI N, Be atr is Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers pec ti va do tem p o li v re na
v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 169 -170 .
100
determinado momento histórico, deixando outras atividades ao seu
entorno.
Anote-se,
primeiramente,
que
tempo
de
trabalho
não
se
confunde com jornada de trabalho, pois o primeiro possui uma
dimensão social ampla e complexa contando com vários elementos
como
a
“invasão
do
capital
na
esfera
privada,
distribuição, duração e a intensidade do trabalho.”
bem
218
como
a
Enquanto
jornada de trabalho 219 é
todo o tem po dur ante o qual o tr abalhador estej a à
dis pos iç ão do em pr egador, não podendo dis por de sua
atividade em benefíc io pr ópr io, de m odo que integr am tal
j or nada os per íodos de inatividade a que obr igue a pr es taç ão
c ontr atada, c om exc lus ão dos que s e pr oduzam por dec is ão
220
unilater al do tr abalhador ( ar t. 197 CLT ).
No
período
anteriormente 221,
foi
industrial,
colocado
quando
nas
o
praças
relógio,
centrais,
como
visto
alterou-se
substancialmente o tempo social, impondo-se novos hábitos e nova
disciplina de trabalho e do tempo, em que os “trabalhadores passam a
experimentar uma distinção entre o tempo do empregador e o próprio
tempo.”
222
Nesse período, houve um aumento gradual da jornada de
trabalho, a perda do tempo livre e do lazer.
218
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . L Tr, 200 5, p. 52.
219
H om e ro B atis t a Mat heus d a Si l va ao tra ta r do tem a , abo rdan do o Cap ítulo II, do Título
I I, da Co ns olid aç ão das Leis do Trabal ho, denom i nado D a Du raç ão do Trabal ho in
C u rso de di rei to do tr ab alh o ap lica do, vo l. 2 : J o rnad as e pau sas, R io de J a neiro:
E ls e vie r, 200 9, p. 5, ano ta inic ia lm ent e q ue “a pal a vra jo rnad a p ro vém do idiom a
f ranc ês , em que a p ala vr a jou r s igni fic a dia , há qu em ente nda in apro priad o o us o da
e xp res s ã o “jo rnad a s em an al” , por s e r c onf litan te, as s im c om o ”jo rnad a diá ria ”, po r s er
pl eonás tic a. L ogo, de v eria s e res e r var a pa la vr a jo rnad a apen as para o m ód ulo diá rio .
C om o o c apí tulo em ques tão tr ata de di v ers os m ód ulos , c om o o di ário e o s em an al,
as s im c om o a barc a paus as de ntr o da jor nada e no m ei o d e duas jo rnad as , a e xp res s ão
D ur aç ão do Trab alho es tá m ais s i nton i zada c om es s e alc a nc e e m er ec e elo gios . ”
220
B U EN , N és to r de. Co ord . J or nada de t ra balh o e d escan sos rem une rad os : pers pec tiva
ib ero -am e ric ana . São Paul o: L Tr , 19 96, p. 30.
221
222
N o item 2.4 A re gulaç ã o do t em po, es pec ialm en te nas págin as 95 a 9 9.
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 5 4.
101
Karl Marx analisou a evolução da jornada de trabalho durante a
produção capitalista, pontuando o aumento do horário de trabalho,
bem como a diminuição após os movimentos operários. Para ele, o
tempo de trabalho é componente de valor, pois o preço da mercadoria
colocada à disposição dos consumidores reflete o tempo de trabalho
necessário para sua produção e colocação no mercado. Ainda,
entende o tempo de trabalho como o elemento central no modo de
produção capitalista.
223
Para este pensador, a duração do tempo de
trabalho “é constituída pela soma do trabalho necessário e do trabalho
excedente, ou seja, do tempo em que o trabalhador reproduz o valor
de sua força de trabalho e do tempo em que produz a mais-valia.”
224
No contexto marxista, a jornada de trabalho é uma realidade
variável, dependente das relações estabelecidas entre a empresa e os
trabalhadores. Tal pensamento coloca a duração da jornada de
trabalho sob um aspecto político subsumido às relações entre esses
atores sociais.
Para a teoria marxista, há dois componentes visíveis no tempo
de trabalho, o trabalho necessário e o trabalho excedente. O trabalho
necessário equivale ao número de horas suficientes para repor a força
de trabalho dispendida na produção. Quanto ao trabalho excedente,
denominado também de sobretrabalho ou mais-valia 225 é aquele
destinado aos proprietários dos meios de produção. Gabriel Deville
em tradução condensada da obra de Marx afirma
223
MA R X, K a rl. O c api tal : c rí tic a da ec onom i a pol ític a . L i vro 1 V. 1 Rio de J aneiro:
C i vili z aç ão bras i leir a, 2002 , p . 61 .
224
225
I bidem , p. 266 .
A nalis ando o as s un to, Ch ris ti an Ma rc e llo Mañas , In Te mpo e t ra balh o : a tu tela jurídic a
do tem po d e t rab alho e tem p o li v re, S ão Paul o: LTr , 2005 , p . 6 0, adu z que “ Par a Ma r x, o
t raba lho é a ún ic a a tiv id ade q ue c ria val or , s e ndo q ue o c apit alis t a aum e nta a
qu anti dade de v alor g erad a pelo t rab alho de s eus em p reg ados po r m eio da m ais - vali a,
qu e é prod u zida de d uas fo rm as : a m ais - vali a abs olut a, que im p lic a na e xt ens ão d a
jo rnad a de tra balho , m an tend o ou a um ent ando a int ens ida de de traba lho, ou no
aum ento d a inte ns idad e do trab alho , m ante ndo ou aum enta ndo a jo rnad a; a m a is - val ia
r elat i va im p lic a na d im inuiç ão d a jo rnad a, c om o aum ento da inte ns ific aç ão do tra balho .”
102
O c apitalista não inventou o s obr etr abalho. Mas , com o um a
par te da s oc iedade poss ui o m onopólio dos m eios de
pr oduç ão, o tr abalhador , livr e ou não, es tá obr igado a
adic ionar ao tem po de tr abalho nec ess ário par a o s eu
pr ópr io equilíbr io um ex cess o destinado a s ubm inis tr ar a
s ubs is tênc ia do que poss ui os m eios de produç ão. Im porta
pouc o que ess e pr opr ietár io sej a dono de esc ravos, s enhor
f eudal ou c apitalista.
Sem dúvida, des de que a f orm a ec onôm ic a de um a
s oc iedade s ej a tal que nela s e c ons idere m elhor a utilidade
de um a coisa que a quantidade de our o ou pr ata por que
pode trocar-s e, noutr os term os , o valor de us o m elhor que o
valor de tr oc a, o sobr etr abalho encontr a um lim ite na
s atisfação de necess idades determ inadas . Pelo c ontr ár io,
quando dom ina o valor de tr oc a, c hega a s er lei f azer
226
tr abalhar todo o poss ível.
Marx afirma que o alongamento da jornada de trabalho se deu
desde o século XIV até a metade do século XVII, quando se
suspendeu a proibição de trabalho em feriados religiosos na Idade
Média
e
o
consequente
aumento
do
número
de
horas
diárias
trabalhadas durante a Revolução Industrial.
Esse aumento do número de horas da jornada de trabalho se
deu porque o capital pensa, para a teoria marxista, unicamente na
formação do sobrevalor, sequer se preocupa com a saúde, com a vida
do trabalhador, ou com as atividades regulares ou desenvolvimento
físico e moral deste. Daí o clamor do operariado pela redução da
jornada de trabalho, apresentando-se na história do capitalismo como
uma luta de classes objetivando a diminuição do tempo à disposição
do trabalho.
Para a teoria marxista, a redução da jornada de trabalho é um
processo contínuo e necessário na busca da emancipação humana e
livre desenvolvimento individual e coletivo, como assevera
F ica des de logo c lar o que o tr abalhador, durante toda a s ua
ex is tênc ia, nada m ais é que f or ça de tr abalho, que todo s eu
tem po dis ponível é, por natureza e por lei, tem po de
tr abalho, a s er em pr egado no pr ópr io aumento do c apital.
226
MA R X, K arl . O cap ita l. Tr aduç ão e c o ndens aç ão Ga bri el D e ville . 3ª ed . Sã o Paulo:
E dip ro, 2008 , p . 10 2.
103
Não tem qualquer s entido o tem po par a educ aç ão, par a o
des envolvim ento intelec tual, par a preenc her funç ões soc iais,
par a o c onvívio s oc ial, para o livr e ex erc íc io das forç as
fís ic as e es pir ituais , par a o desc ans o dominic al [...]. Mas,
em seu im puls o c ego, desm edido, em sua vor ac idade por
tr abalho ex cedente, viola o c apital os lim ites ex tr em os,
fís ic os e m or ais , da j ornada de trabalho. Usurpa o tem po que
deve pertenc er ao cresc im ento, ao des envolvim ento e à
s aúde do c or po. Rouba o tem po necess ár io par a s e r es pir ar
ar puro e abs or ver a luz do s ol. Com pr im e o tem po destinado
às r ef eiç ões par a inc or por á- lo, s em pr e que possível, ao
227
pr ópr io pr oc ess o de produç ão.
Influenciados pela teoria marxista, “a redução da jornada de
trabalho foi uma das primeiras reivindicações das lutas operárias, (...)
constituindo marco inicial do próprio direito do trabalho.” 228 Além de
fundamentos sociais, como a convivência familiar, o exercício do
lazer, o desenvolvimento intelectual refletido pela dedicação aos
estudos, há fundamentos biológicos e econômicos que tornaram
necessária
a
diminuição
das
horas
destinadas
ao
trabalho.
A
necessária imposição de limites à duração do trabalho também
atentou para a exploração física buscando a proteção da saúde física
e mental do trabalhador. 229
Nesse período, os trabalhadores se organizaram em sindicatos,
iniciando greves reprimidas pelos empregadores e pelo Estado 230,
culminando com a Primavera dos Povos que consistiu em diversas
revoluções espalhadas pelos estados alemães, italianos, bem como na
Hungria, República Tcheca, Áustria e de forma mais intensa na
227
MA R X, K a rl. O c api tal : c rí tic a da ec onom i a pol ític a . L i vro 1 V. 1 Rio de J aneiro:
C i vili z aç ão bras i leir a, 2002 , p . 30 6.
228
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre , São Paul o: L Tr, 200 5, p . 6 5.
229
I bidem , p. 66.
230
P ara Fabio Kond er Com pa rat o, in A af irm ação h ist ór ica d os di re ito s h uman os. 6ª
ed ., re v . e a tual . São P aulo : Sa rai va, 20 08, p. 54 , “ O rec on hec im en to dos di reitos
hum anos de c ará ter ec on ôm ic o e s oc i al fo i o p rinc ip al ben efíc i o que a h um anid ade
r ec olh eu d o m o v im ent o s oc i alis ta , inic iad o n a p rim e ira m et ade do s éc ulo XI X. O titul ar
des s es di rei tos , c om e fei to, não é o s e r hum ano abs tra to, c om o qua l o c apitalis m o
s em p re c on v i veu m ar a vilhos am ent e. É o c o njunto dos g rup os s oc iais es m ag ados pel a
m is é ria , a do enç a, a fom e e a m a rgina li zaç ão . O s s oc i alis tas perc ebe ram , des de logo,
qu e es s es fla gelos s oc iais não eram c atac lis m os d a na tur e za n em ef eitos nec es s á rios
da o rgani z aç ão rac i onal d as ati vid ades ec onôm ic as , m as s im v erda dei ros dej etos do
s is tem a c apita lis ta de pr oduç ã o, c uja l ógic a c ons is te em at rib uir aos bens de c apital
um valo r m ui to s u peri or ao das pes s oas .”
104
França, em 1848, objetivando a conquista de direitos políticos e
sociais.
231
Alessandro da Silva anota a autoria de Robert Owen, um dos
primeiros a reduzir a extenuante e degradante jornada de trabalho que
se impunha aos trabalhadores dessa época
Um dos pr im eir os a envidar em esf orç os visando a lim itaç ão
da j or nada de tr abalho f oi Robert O wen, soc ialis ta utópic o
que r eduziu a j or nada par a dez hor as e m eia em s ua f ábr ic a
de f ios na Esc óc ia o que, c om binado c om outr as aç ões
ass is tenc iais , elevou a pr odutividade. Foi O wen quem
pr es idiu as pr im eir as tr ade- unions , entidades que r euniram
os s indic atos ingles es no iníc io do s éc ulo X IX, e que em
1818 f ez pr opos ta até então inédita ao Congr ess o Aix - laChapelle, “c onvidando os G over nos da Eur opa a es tabelecer
232
um lim ite legal inter nac ional da j or nada de trabalho.”
A concretização do resultado desse movimento para diminuição
da jornada de trabalho se deu em 1847 no Parlamento Inglês que
aprovou o limite da jornada em dez horas. Em 1848 a França limitou a
jornada de dez horas em Paris e onze nas províncias, aumentando
para doze no ano seguinte. 233 Na Austrália, em 1856, uma conferência
entre empregados e empregadores determinou a jornada de trabalho
de oito horas diárias, mas apenas em 1901 essa prática foi regulada
oficialmente. Em seguida, em 1868 foi aprovada nos Estados Unidos a
mesma jornada de oito horas para os servidores federais. 234
Em 1905, determinada escola socialista pregava a doutrina do
“três-oito”. Os adeptos dessa doutrina entendiam que o dia deveria ser
dividido em três partes: oito horas de sono, oito horas de trabalho e
oito horas de lazer. Na ocasião, os capitalistas já haviam concluído
231
S IL VA, Ales s and ro da . D ur aç ão d o tr abalh o: rec ons truç ão à l u z dos d irei tos hum anos .
I n: SIL VA, Ales s and ro da ; S O U TO, J org e Lui z Ma i or; FE LI PP E, Kenar ik Bo ujik ia n;
S E ME R , Ma rc elo [c oo rd. ]. Di re ito s h uma nos : es s ê nc ia do dire ito do t raba lho. S ão
P aulo : L Tr, 200 7, p . 2 30.
232
I bidem , p. 232 .
233
I bid. , p . 233 .
234
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 6 6-67 .
105
que as jornadas extensas diminuíam a produtividade e qualidade do
trabalho. Somando esses elementos, e os movimentos operários, ao
avanço tecnológico, a redução da jornada para oito horas diárias foi
consequência palpável. A Organização Internacional do Trabalho –
OIT,
criada
em
1919,
aprovou
em
sua
primeira
conferência
a
Convenção nº 1, de 1919, limitando a jornada de trabalho na indústria
para
oito
mundiais.
horas,
configurando
marco
decisório
com
reflexos
235
Como anota Alessandro da Silva, somente em 1891 o Brasil
tratou de limitar a jornada de trabalho com o Decreto n. 1313, de 17
de janeiro, determinando
Ar t. 4º Os m enor es do s ex o f em inino de 12 a 15 anos e os
do s ex o m asc ulino de 12 a 14 s ó poderão tr abalhar no
m áx im o s ete hor as por dia, não c ons ec utivas , de m odo que
nunc a ex ceda de quatr o hor as o tr abalho continuo, e os do
s ex o m as culino de 14 a 15 annos até nove hor as , nas
m esm as c ondiç ões . Dos adm ittidos ao apr endizado nas
f abr ic as de tec idos s ó poder ão occ upar-s e dur ante tres
hor as os de 8 a 10 anos de idade, e dur ante quatro hor as os
de 10 a 12 annos , devendo para am bas as c lass es s er o
tem po de tr abalho interr om pido por m eia hor a no pr im eir o
236
c as o e por um a hor a no s egundo.
Mas, o modo de produção
capitalista requer permanente
renovação de suas técnicas produtivas, objetivando produzir mais e
melhores produtos em menor tempo. Assim, foi Henry Ford, em 1913,
o primeiro a modificar a organização do trabalho em sua indústria de
automóveis, criando um sistema de fabricação em larga escala, que
235
MA N Ã S , Chr is tia n Ma rc ell o. Temp o e t ra bal ho : a tut ela jur ídic a do tem po de t raba lho e
t em po li vr e. São P aulo : L Tr, 2005 , p . 6 6-6 7. E m 19 30 a Con v enç ão n º 30 ditou a
jo rnad a de oito ho ras pa ra o c om é rc io e es c r itó rios , pe rm it indo a pr or rogaç ão, a
dis tri buiç ão d as hor as de form a d ife renc ia da nos di as da s em an a e a lim i taç ão do
t raba lho diár io p ara de z ho ras . Q uan to a C on venç ão n º 4 7, d e 19 35, não r ati fic ada pelo
B ras i l, t rat a da jorn ada s em a nal d e qua ren ta ho ras s em anais , jus tific a da pe lo c om b ate
ao des em p rego . S alien te-s e, a inda, que o di reito do tr abalh o foi c ons t ruí do s obre es tes
pa tam a res , pois o t raba lha dor nec es s i ta va que o E s tad o lhe ef eti vas s e p ro teç ão .
236
S IL VA, Ales s and ro da . D ur aç ão d o tr abalh o: rec ons truç ão à l u z dos d irei tos hum anos .
I n: SIL VA , Al es s and ro da ; MA I OR , J o rge L ui z S ou to; FEL IP PE , K enar ik B oujik i an;
S E ME R , Ma rc elo [c oo rd. ]. Di re ito s h uman os : es s ê nc ia do di rei to d o t raba lho. São
P aulo : L Tr, 200 7, p . 2 34.
106
alterou não só a maneira de produzir, mas, especialmente, o modo de
pensar, de viver do homem.
Isso porque, antes desse sistema de produção, a organização
tradicional do trabalho era “dispersiva, pachorrenta, errática, intuitiva
e empírica”, inviabilizando a produção escalonada. Com o novo
sistema, buscava-se a produção racionalizada, com “programação,
regularidade, método e disciplina – chocando-se frontalmente com as
inclinações de uma população ainda não condicionada para isso.”
237
Alguns pontos merecem destaque para compreensão do sistema de
produção fordista, a seguir delineados.
Ford
implementou
a
produção
em
massa
de
produtos
estandartizados por meio de uma linha de montagem. Propôs com
esse método a inversão de fluxos no interior dos processos de
fabricação de automóveis. Assim, o trabalhador permanece fixo em
seu posto de trabalho e é abastecido por meio de uma esteira rolante
ou mecanismo semelhante. Desta forma, o trabalhador se concentra
exclusivamente
pouquíssimos
em
sua
movimentos.
tarefa,
que
Eleva-se
deverá
o
ganho
ser
de
composta
de
produtividade,
conquistando Ford a fabricação de 15 milhões de automóveis entre
1908 e 1926, despontando o veículo automotor como produto de
consumo de massa.
Também,
238
esse
sistema
determinava
a
verticalização
dos
negócios, ou seja, a empresa deveria ter o controle absoluto desde as
matérias-primas até a distribuição. Henri Ford chegou, inclusive, a
comprar plantações de seringueiras para a fabricação de pneus, e,
frota de navios para o transporte da produção de suas empresas.
237
238
B R O M, L ui z Gu ilhe rm e. A cr ise da m ode rni dade p ela le nte do t ra bal ho:
pe rc epç ões loc ais d os p roc es s os gl obais . S ão Paul o: Sar ai va, 200 6, p. 2 0- 21.
Ibidem , p . 24 .
as
107
Esse sistema foi retratado na obra crítica de Charles Chaplin,
em 1936, em Tempos Modernos (Modern Times), onde o personagem
Carlitos sofre uma crise nervosa por trabalhar como um autômato
numa linha de produção industrial. O filme descreve o homemmáquina, o controle do tempo pela fábrica, as linhas de montagem, a
organização racional do trabalho e a desumanização do trabalho.
O fordismo exigia pouca habilidade, pois o trabalho era
puramente rotinizado. O trabalhador não tinha qualquer controle sobre
o projeto, desconhecendo o ritmo e a organização do processo
produtivo. Desconhecia muitas vezes o trabalho do empregado ao seu
lado.
O
sistema
Frederick
fordista
Taylor,
teve
engenheiro
grande
e
influência
administrador
nas
ideias
de
que
tinha
na
simplicidade e repetição da produção o futuro do trabalho, com maior
rendimento
e
administração
eficácia,
científica,
denominado
com
o
por
objetivo
ele
de
de
princípios
romper
com
da
a
administração empírica. Mañas define o taylorismo como um
s is tem a
de
or ganizaç ão
do
tr abalho,
es pec ialm ente
industr ial, bas eado na s epar aç ão das f unç ões de c oncepç ão
e planej am ento das funç ões de ex ec uç ão, na fr agm entaç ão e
na espec ializaç ão das tar efas , no c ontr ole de tem pos e
239
m ovim entos e na r em uner aç ão por des em penho.
Taylor analisou o limite físico do trabalho humano no ensejo de
extrair o máximo de energias do trabalhador, por meio da lei da
fadiga. Justificava ser do interesse industrial americano, porquanto de
interesse ter um grupo de trabalhadores afinados, vendo-os como
máquinas que não poderiam ser desmontadas de forma constante.
Esse método de disciplina e organização idealizado por Taylor
foi bem difundido na Itália fascista e na Alemanha nazista, como
239
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 7 1.
108
teoria política, buscando o enriquecimento daqueles países. Nesse
período, desenvolveu-se o denominado dopo lavoro que nada mais era
do que uma taylorização do lazer dos operários, em que incentivavase a empresa a propiciar a seus empregados atividades esportivas e
artísticas, objetivando despertar em seus trabalhadores sentimentos
de disciplina.
240
Na Alemanha
s eduzida pelo taylor is m o, pr inc ipalm ente pela ex altaç ão da
téc nic a, da pr odutividade e da r ac ionalizaç ão do tr abalho.
Pr eoc upado em es tabelec er um a es tétic a s im bólic a do
tr abalho, o nazism o ins tituiu pr ogr am as de lazer , cham ados
‘A F orç a pela Alegr ia’. Ess e pr oj eto deu gr ande ênf as e à
r ef orm ulaç ão dos am bientes de tr abalho, para torna- los m ais
agr adáveis, higiênic os, color idos e ilum inados . Ao m esm o
tem po tentava-s e c onvenc er os em pr es ár ios de que tais
241
m edidas s upr im ir iam o tradic ional c onflito capital/tr abalho.
O fordismo e o taylorismo caminham juntos em diversos
sentidos, porém não são idênticos. Mas, enquanto o taylorismo pode
ser aplicado em empresas pequenas e médias, o fordismo encontra
sua melhor expressão nas grandes indústrias onde se exige a
produção de bens padronizados para o consumo de massa.
O que se pode afirmar é a consequência do sistema tayloristafordista alienando o operário, pois exercendo suas funções de forma
repetitiva
perdeu
sua
autonomia
e
criatividade.
Novo
ambiente
histórico se avizinhou e o sistema taylorista-fordista encontrou a crise
na década de 70, clamando por uma reestruturação produtiva, que
segundo Brom foi atribuída pelos seguintes pontos:
À r igidez do m odelo for dis ta-k eynes ianis ta, tanto nos
c om pr om iss os de inves tim ento em lar ga esc ala e a
longo pr azo, quanto nas obr igaç ões c ontratuais de
tr abalho e nos dever es do Estado em relaç ão à
s egur idade s oc ial. O u s ej a, um s istem a que s ubs iste
r azoavelm ente bem enquanto há c r esc im ento es tável
de m er cados e de c ons um o, m as desastr os o ao
def rontar-s e c om as var iaç ões brusc as e as
240
I bidem , p. 72.
241
I bidem , p. 73.
109
ins tabilidades que ass olam o m undo nas últim as
déc adas.
À inc apac idade do padr ão ta ylor is ta-for dis ta diante da
r etr aç ão de c ons umo, c om o tam bém à queda
generalizada da r entabilidade em presar ial des de os
anos 1960, à m onopolizaç ão e oligopolizaç ão
cr es centes da ec onom ia, à cr is e f isc al do Es tado ( que
tor na pr oibitiva a m anutenç ão do welfar e s tate) , à
hipertr ofia e à r elativa autonom ia da esfer a financ eira
em r elaç ão aos c apitais pr odutivos e ao incr em ento
generalizado das pr ivatizaç ões e desr egulamentaç ões
de vár ias natur ezas.
A dec adênc ia ec onômic a ex plic a-s e c om a cr is e de
r entabilidade em presar ial a partir da déc ada de 1960
e c om a pouca m aleabilidade do c om pr om isso f or dis ta
c om a ques tão s alar ial. Aum entos gener alizados de
pr eç os com vis tas à r ec uper aç ão de m ar gens de lucr o
cr iaram um c írc ulo vic ios o que levou a r ac hadur as no
s is tem a: aum ento de pr eç os ac om panhados de
c om pr ess ão s alar ial caus ar am r eduç ão de m erc ados ,
queda nas vendas e c ons equente dim inuiç ão de
inves tim entos .
T al
degr adaç ão
tam bém
afeta
ir rem ediavelm ente a capac idade es tatal de m anter as
242
tr ansferênc ias s oc iais s upor tadas por im pos tos .
Esse novo cenário global clamava por uma empresa mais leve
e ágil com possibilidades de adequar-se à instabilidade e mutação,
requerendo flexibilidade. Essas exigências são fruto e consequência
da redução dos custos em razão do aumento da produção em escala,
a expansão da demanda, a saturação dos mercados e mudanças de
padrão que caminhavam para a diversidade e diferenciação de bens
de consumo. Surge, então, um novo modelo, que segundo alguns
nada mais foi que uma nova roupagem ao antigo modelo. Em verdade,
o novo modelo buscou economizar recursos de produção, desenvolver
uma organização para produção com menos trabalhadores em locais
menores, tornando o trabalho mais flexível. Era necessário um
trabalhador mais preparado, maleável e vivenciando a produção.
243
O Japão do pós-guerra se mostrou terreno fértil para o
engenheiro Ohno, da Toyota, alcançar a resposta para o aumento da
242
B R O M, L ui z Gu ilhe rm e. A cr ise da m ode rni dade p ela le nte do t ra bal ho:
pe rc epç ões loc ais d os p roc es s os gl obais . S ão Paul o: Sar ai va, 200 6, p. 2 9.
243
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 7 5-76 .
as
110
produtividade sem o aumento da quantidade, encontrando pilares
metodológicos concretos
1. A “f ábr ica m ínim a, c onf igurada a par tir dos es toques
c ons ider ados nec ess ár ios em um país de notór ia
dif ic uldade de abastec im ento de m atér ias- pr im as .
O hno perc ebeu que es toques elevados esc ondiam
exc ess o de pes soal, de equipam entos e de cus tos. A
m anutenç ão de es toques elevados era algo típic o da
c ultur a
f or dis ta,
c uj a
obsess ão
era
pelo
abastec im ento da linha de pr oduç ão. O hno def endia
que os es toques dever iam c ons tituir -s e no m ínim o
nec ess ár io
ao
atendim ento
do
m erc ado,
s ubor dinando- o dir etam ente às vendas e não à
pr oduç ão. Por ex tens ão, a ideia de “rec urs os
m ínim os ”,
es senc ial
par a
se
c om pr eender
a
r ac ionalidade do m odelo j aponês , atingia em c heio o
quadro de pes soal.
2. A “ adm inis tr aç ão pelos olhos” , que c ons is tia num a
elevaç ão da tr ans par ênc ia nas atividades produtivas ,
de f orm a a s e poder f lagr ar e s um ar iam ente elim inar
todo esforç o supérf luo, des per díc ios, r etr abalhos,
r edundânc ias
e
tudo
o
m ais
que
não
for
im per ativam ente nec ess ár io à entr ega dos pr odutos
vendidos. O c ontr ole adm inis tr ativo do m odelo
j aponês s obr e o tr abalho r eves te-s e então de gr ande
obj etividade: o que é vis to pelos olhos deve f azer
244
s entido inques tionável à lógic a c om erc ial.
Esse sistema conduziu ao ganho de produção com a redução
do tempo de produção, eliminando tempos mortos. No Brasil, no início
da década de 90, a indústria automotiva foi acalentada pela política
neoliberal para implementar o modelo japonês. A empresa deveria
possuir maior capacidade de ajuste às alterações econômicas com
possibilidade de produção variada, estabelecendo relação de parceria
com
seus
fornecedores. 245 Essa
nova
empresa
deveria
possuir
agilidade e adaptabilidade; pensar no cliente como integrante do
mercado mundial; deveria diminuir a hierarquia; desenvolvimento de
produtos de curta maturação; diminuir a concentração de pessoal e
pagar salários seletivos.
246
Domenico De Masi analisando o sistema
244
B R O M, L ui z Gu ilhe rm e. A cr ise da m ode rni dade p ela le nte do t ra bal ho:
pe rc epç ões loc ais d os p roc es s os gl obais . S ão Paul o: Sar ai va, 200 6, p. 3 3.
245
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 7 6.
246
P R O SC U RC IN , Pe dro . O t ra bal ho na ree st ru tu raç ão p ro dut i va : anál is e ju rídic a dos
im p ac tos no p os to de traba lho. Sã o Paulo : L Tr, 200 1, p. 4 0.
as
111
toyotista ressalta não haver qualquer libertação do trabalho nessa
reformulação. Ao contrário, salienta não haver tempo livre, tão pouco
redução
criativas.
de
horas
da
jornada
de
trabalho,
ou
atividades
III
Revolução
247
Nesse
contexto,
chega-se
a
denominada
Industrial com mudanças nas organizações empresariais, bem como
nos padrões globais de qualidade, na jurisdição supranacional das
empresas, na globalização dos mercados, na exigência logística do
tipo
just
time 248 e
in
na
parceria
fornecedor-empregador.
Essa
reengenharia global por que passa a atividade empresarial exige uma
flexibilização
não
apenas
da
empresa,
mas,
inclusive,
uma
flexibilização social. Essa reestruturação econômica torna os setores
tradicionais
desempregadores,
trabalhadores,
terceirização,
muitas
a
sem
a
despontando
devida
subcontratação,
o
novas
proteção
trabalho
categorias
social,
em
tempo
como
de
a
parcial,
temporário, trabalho em domicílio, teletrabalho, baseados que estão
na flexibilização dos processos de trabalho.
Há
uma
constante
evolução
das
249
técnicas
produtivas
de
trabalho, presentes nesta era pós-moderna, em plena revolução
digital. Esses fatos trazem a indagação e análise da possibilidade do
fim do trabalho, ou fim da centralidade do trabalho, por conta das
novas modalidades de atividade laboral.
247
250
D E MA S I, D om enic o. Dese n vo l vim ent o s em tr ab alh o. 4ª Ed. S ão Paul o: Es fer a, 1999,
p . 66 .
248
P ara Ma ñ as , in Temp o e t r aba lho : a t utel a ju ríd ic a do tem p o de t raba lho e tem p o livre.
S ão P aulo : L Tr , 2005 , p . 76, o s is tem a jus t in ti m e é a “f orm a d e adm in is tr aç ão da
p roduç ão i ndus t rial e de s eus m ate riais , s eg undo a qual a m até ria- prim a e os es t oques
in term ediá rios nec es s ár ios a o pr oc es s o p rodu tiv o s ã o s up ridos n o tem po c ert o e na
qu anti dade e xat a.”
249
P R O SC U RC IN , Pe dro . O t ra bal ho na ree st ru tu raç ão p ro dut i va : anál is e ju rídic a dos
im p ac tos no pos to de t raba lho. São Pa ulo: L Tr, 200 1, p. 41 . MA N Ã S, C hris t ian Marc ello.
T empo e tr aba lho : a tutel a jur ídic a d o tem po d e t raba lho e t em po li v re. São Paul o: L Tr,
20 05, p. 77.
250
C om o ana lis am os no títul o s ob re a c en tra lidad e do t rabal ho.
112
Tanto que Castells identifica dois modelos organizacionais, um
que possui o objetivo de reproduzir seu sistema de meios estruturados
e outro que modela e remodela de forma infinita a estrutura de meios,
denominando essa última de empresa de rede. Explica ser a empresa
de rede aquela produto da necessidade de adaptação organizacional e
de novas tecnologias. Possui um sistema de meios constituído pela
intersecção de segmentos de sistemas autônomos de objetivos. E, que
esses
sistemas
empresas.
autônomos
podem
integrar
outras
redes
de
251
Proscurcin assegura que “esses são os motivos pelos quais
empresas
concorrentes,
como
a
Daimler/
Chrysler,
passaram
a
associada à Mitsubishi no Japão, sem deixar de serem concorrentes
em outros segmentos. O acordo de tecnologia de motores das
concorrentes GM – General Motors e FIAT no Brasil certamente tem o
mesmo motivo, qual seja a intersecção de segmentos de rede.” 252
Bem conclui Mañas
A s ens aç ão de que o tr abalho es tá m ais hum anizado, em
ver dade, é um a f alác ia, por que o s ofr im ento pr oss egue nas
or ganizaç ões
pr odutivas ,
em
que
os
tr abalhador es,
atualm ente, tem em não s atisfazer , não estar à altur a das
im pos iç ões da or ganizaç ão do tr abalho: im pos iç ões de
hor ár ios , de r itm o, de f orm aç ão, de inf orm aç ão, de
apr endizagem , nível de ins tr uç ão e de diplom a, de
ex per iênc ia, de rapidez de aquis iç ão de c onhec im entos
teór ic os e pr átic os.
Na ver dade, tor na-se equivocada a ideia de que as
m udanç as or ganizac ionais e pr odutivas pr opic iar am um
aum ento do tem po de lazer ; pelo contr ár io, o que houve f oi o
s ur gim ento de novas m odalidades de opr essão e pr ivaç ão da
253
liber dade hum ana.
251
C A S TELL S, Man uel. A e ra da i nfo rma ção : ec o nom ia , s oc ied ade e c ul tu ra. V. 1.
Tr aduç ão Ro neide Venânc i o Ma jer ; atua li zaç ão pa ra 6ª ed iç ão: J us s a ra Sim ões . S ão
P aulo : Pa z e Te rra , 20 08, p. 190 -191 .
252
P R O SC U RC IN , Pe dro . O t ra bal ho na ree st ru tu raç ão p ro dut i va : anál is e ju rídic a dos
im p ac tos no p os to de traba lho. Sã o Paulo : L Tr, 200 1, p. 4 1.
253
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 7 7.
113
2.4.2 Flexibilização da jornada de trabalho
Vários são os fatores que direcionam para a flexibilização da
jornada de trabalho, em conclusão do apontado até aqui neste estudo.
Pode-se pontuar, em resumo, que a crise econômica não é o único
fator, outros existem como “as novas tecnologias, o desemprego, a
falta de criação de empregos, a globalização, etc.” questões que
ensejam
rígidas.
a
necessidade
de
mudanças
de
normas
trabalhistas
254
O debate sobre a necessidade de mudanças tornando mais
flexível o direito do trabalho e suas normas rígidas alcança a
reorganização
reorganização
do
do
tempo
tempo
de
de
trabalho.
trabalho
Anote-se
preconizando
que,
uma
essa
jornada
flexível enlaça vários aspectos como “a extensão do trabalho, a
compensação de horários, recurso ao trabalho em tempo parcial, vida
fora do trabalho, família e sociedade etc.”
Ao
tratar a
255
questão, Sergio Pinto Martins afirma que a
flexibilização da jornada de trabalho
pode propic iar m aior pr odutividade na em pr es a, pois o
em pr egado tr abalha mais desc ans ado. É s abido que o m aior
índice de ac identes de tr abalho oc or re no per íodo da
pr orr ogaç ão da j or nada de tr abalho, quando o em pr egado j á
es tá c ans ado. O tr abalhador es gotado f is ic am ente tem baixo
r endim ento, baix a pr odutividade.
A lim itação da j or nada de tr abalho é um a form a de atenuar
os ef eitos do des empr ego, pois podem ser c ontr atados
outros tr abalhador es com a m enor j or nada de tr abalho par a
os em pr egados que j á tr abalham na em pr es a. É a af irm ação:
256
tr abalhar m enos, par a tr abalhar em todos .
254
MA R TI N S, Ser gio Pi nto . F lexi bil iz açã o das c ondi ções d e t raba lho . 3ª ed . São Paulo:
A tlas , 20 04, p. 21.
255
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 8 7.
256
MA R TI N S, Ser gio Pi nto . F lexi bil iz açã o das c ondi ções d e t raba lho . 3ª ed . São Paulo:
A tlas , 20 04, p. 73.
114
Não nos estenderemos nos próximos tópicos em razão de
cortes metodológicos, vez que aqui não trataremos do tema central
deste estudo, apenas indicaremos alguns pontos nodais sobre a
questão.
2.4.2.1 Banco de horas
A eliminação dos limites diários da jornada foi uma das formas
de flexibilização iniciada na década de 80 na Europa, chegando ao
Brasil na década de 90 com a publicação da Lei nº 9.601/98 que
modificou
o
artigo
59
da
Consolidação
das
Leis
do
Trabalho,
autorizando a compensação de horas de trabalho além do parâmetro
mês, possibilitando a sistemática anual de compensação de horários,
“embora
em
seu
texto
primitivo
a
lei
compensatório a cada bloco de 120 dias.”
restringisse
o
módulo
257
A lei nº 9.601/98 autorizou o denominado banco de horas, como
se lê no § 2º do artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho,
possibilitando o não pagamento de remuneração adicional se o
empregado trabalha além das oito horas diárias em determinados
dias, mas compensa essas horas diminuindo a jornada de trabalho em
outros dias, dentro do prazo de um ano.
Saliente-se, no entanto, que esse excesso de trabalho do limite
diário
obviamente
não
deixa
de
ser
trabalho
extraordinário,
especialmente em relação a seus efeitos na saúde do trabalhador. E
não é só. Essa inconstância da duração da jornada de trabalho
desorganiza a vida pessoal dos empregados, inclusive, desorganiza a
vida econômica dos trabalhadores, pois a eles não é permitido saber
quais os limites da compensação ou do pagamento dessas horas
laboradas em caráter extraordinário, já que o futuro dessas respostas
é incerto e pertence apenas ao empregador.
257
D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr,
20 11, p. 834.
115
Já para o empregador é vantajoso, pois não sobrecarrega sua
folha de pagamentos com encargos que seriam devidos pelas horas
extraordinárias
trabalhadas,
além
do
exercício
de
seu
poder
potestativo, haja vista que poderá determinar os dias em que o
empregado deve trabalhar mais e os dias em que deve trabalhar
menos,
de
acordo
produtividade.
com
sua
conveniência
e
lógica
de
sua
258
Delgado,
analisando
a
questão
e
comparando
o
regime
compensatório clássico e o banco de horas entende ser “forçoso
enxergar-se a diferenciação, percebendo-se também o tratamento
constitucional diferenciado atribuído aos dois regimes (...) o primeiro
regime, via simples acordo bilateral; o segundo, somente através de
negociação coletiva.”
259
É comezinho que não sendo o banco de
horas efetivamente pactuado na forma regular não será considerado,
por força do vaticinado no inciso XXII, do artigo 7º, da Constituição da
República, e assim qualquer excesso na jornada diária será pago
como horas extraordinárias acrescidas do respectivo adicional. O
Tribunal Superior do Trabalho até maio de 2011 permitia o banco de
horas sem qualquer condição, além de um acordo individual, mas
alterou
a
disposições
Súmula
85 260 incluindo
contidas
nesta
súmula
o
inciso
não
se
V
que
aplicam
orienta:
ao
“As
regime
compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode
ser instituído por negociação coletiva.” 261
258
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 9 2-93 .
259
D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr,
20 11, p. 838.
260
C onf orm e Súm ul a n º 85 do TS T, e Orie ntaç õ es J u ris p rudenc iais n ºs . 1 82, 22 0 e 223 da
S B DI -1, do TS T. Súm ul a nº 8 5, I V: “ A pres taç ão de h oras e xt ras ha bitu ais
des c arac ter i za o ac ordo de c om pens aç ão de jor nada . Nes t a h ipót es e, as ho ras que
ul tra pas s am a j orn ada s em a nal norm al d e ver ão s e r p agas c om o hor as ext r ao rdin árias
e , quan to àq uelas d es tin adas à c om pens aç ã o, de v erá s e r pa go a m ais apenas o
ad ic iona l po r t rab alho e xt rao rdin ário .”
261
B R AS IL. Tr ibu nal Sup eri or do Tr abal ho. Res oluç ão 174 /2011 , DEJ T di vul gado em 27,
30 e 31.0 5.201 1.
116
Como explica Homero Batista Mateus da Silva é proibido o
banco de horas para o trabalhador menor de dezoito anos, como
dispõe
o
artigo
413
da
Consolidação
das
Leis
do
Trabalho,
justificando o legislador essa vedação, pois se deve preservar a
“formação do organismo e higidez física e mental, sendo sensato que
se evitem jornadas muito elevadas nessa faixa etária, em detrimento
dos estudos e do desenvolvimento.”
262
Quanto ao trabalho insalubre,
o artigo 60 da Consolidação das Leis do Trabalho proíbe qualquer
hora
extraordinária
nesse
ambiente,
salvo
se
autorizado
pela
Delegacia Regional do Trabalho.
Alessandro da Silva anota que esse sistema de flexibilização
de jornada de trabalho ignora princípios constitucionais basilares, a
exemplo da
dignidade da pes soa hum ana e a valor ização do tr abalho
( ar t. 1º da CF), a c onstr uç ão de um a s oc iedade livr e, j us ta e
s olidár ia, err adic aç ão da pobreza e a m ar ginalizaç ão,
r eduç ão das des igualdades s oc iais regionais ( ar t. 2º) ,
pr evalênc ia dos dir eitos hum anos ( ar t. 3º), valor izaç ão do
tr abalho hum ano e, sobr etudo, a bus ca do pleno em pr ego
263
( ar t. 170, c aput e inc. VII).
Esse autor também menciona que o instituto analisado “faz
exceção injustificável à regra do art. 459 da CLT, que estabelece a
obrigação de pagamento do salário no máximo até o quinto dia útil do
mês subsequente, ao possibilitar o pagamento das horas trabalhadas
após um ano da sua execução.” 264
Por fim, a posição oficial da ANAMATRA, aprovada e acolhida
no XIII Congresso Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho,
realizado em Maceió de 3 a 6 de maio de 2006, é pela declaração de
inconstitucionalidade do banco de horas como proposto por Valdete
262
S IL VA, Hom e ro B atis t a Ma t heus da . C urs o de d ir eit o do t ra balh o apli cado . Vol . 2:
J o rnad as e paus as . Rio de J ane iro : E ls e vie r, 2009 , p. 64 .
263
S IL VA, Ales s and ro da . D ur aç ão d o tr abalh o: rec ons truç ão à l u z dos d irei tos hum anos .
I n: SIL VA , Ales s an dro da ; MA I OR , J o rge Lui z S ou to; FE LIP P E, Kenar ik Boujik i an;
S E ME R , Ma rc elo [c oo rd. ]. Di re ito s h uma nos : es s ê nc ia do dire ito do t raba lho. S ão
P aulo : L Tr, 200 7, p . 2 45.
264
I bidem , m es m a pági na.
117
Souto Severo e Alda de Barros Araújo, limitando-se a compensação
ao horário normal da semana: 44 horas. 265
2.4.2.2 Turnos de revezamento
A Constituição da República regula no inciso XIV, do artigo 7º
os denominados turnos ininterruptos de revezamento, assim dispondo:
“XIV – jornada de trabalho de seis horas para o trabalho realizado em
turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.”
Pode-se conceituar esse instituto como “o sistema de trabalho
no qual, em períodos curtos de tempo, como semana, quinzena ou
mês, o empregado tenha os horários alterados de forma a abranger as
24 horas do dia, passando pelas diversas fases do dia e noite”.
266
Delgado observa que os trabalhadores submetidos a este
sistema vivenciaram uma evolução, culminado com a criação de
vantagem jurídica comparativa para estes trabalhadores, qual seja a
jornada especial de 6 horas ao dia e consequente duração do trabalho
de 36 horas semanais, como dispõe o artigo 7º, inciso XIV, da
Constituição Federal. 267
Esse instituto será aplicado nas hipóteses restritas em que os
trabalhadores reúnam em sua sistemática laboral o máximo de
adversidades características do trabalho de revezamento, assim se
um sistema de revezamento cobrir apenas parte das fases integrantes
265
Te xt o int egra l d a p rop os t a em <h ttp :// www. c onam a t.c om . br> . SE VE R O, V alde te Souto.
I nco nst itu cio nali dade d o ban co de h or as. Te s e def endid a no XIII C ON A MA T.
D is pon í vel
em
< http :// www. c onam at.c om . br/ hots i te/c o nam at 06/tr ab_c i enti fic os / tes es / tes e1 _ valde te. do
c > . SIL V A, Ales s and ro da. Du raç ão do t rab alh o: rec ons t ruç ão à lu z dos di reitos
hum anos . In : SIL VA , Ales s a ndr o da ; MA I O R, J o rge Lui z So uto; F ELI PP E, K enarik
B oujik i an; S E ME R , Ma rc el o [c oo rd.] . D ire it os hu mano s : es s ênc ia do d irei to do
t raba lho. Sã o Paulo : L Tr, 2007 , no tas d e r odap é 41 e 4 2 da p. 245 .
266
S IL VA, Ales s and ro da . D ur aç ão d o tr abalh o: rec ons truç ão à l u z dos d irei tos hum anos .
I n: SIL VA , Ales s an dro da ; MA I OR , J o rge Lui z S ou to; FE LIP P E, Kenar ik Boujik i an;
S E ME R , Ma rc elo [c oo rd. ]. Di re ito s h uma nos : es s ê nc ia do dire ito do t raba lho. S ão
P aulo : L Tr, 200 7, n otas de ro dapé 41 e 42 da p. 24 6.
267
D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr,
20 11, p. 852.
118
da composição dia/ noite não estará enquadrado no caso deste tópico,
como dispõe a Orientação Jurisprudencial da SDI-I, DJ 14.03.2008
T URNO
ININT ERRUPT O
DE
REVEZ AMENT O .
DO IS
T URNO S.
HO RÁRIO
DIURNO
E
NOT URNO .
CARACT ERIZ AÇÃO. Faz j us à j or nada es pec ial pr evis ta no
ar t. 7º, X IV, da CF /88 o tr abalhador que exerc e suas
atividades em sis tem a de alter nânc ia de turnos , ainda que
em dois tur nos de tr abalho, que c om pr eendam , no todo ou
em par te, o hor ár io diur no e notur no, pois s ubm etido à
alternânc ia de hor ár io pr ej udic ial à s aúde, s endo irr elevante
que a atividade da em pr es a s e des envolva de f orm a
ininter r upta.
Quanto ao aumento de limite diário de 6 para 8 horas poderá
ser aceito apenas por negociação coletiva, e ainda se essa trouxer
melhoria
na
flexibilização
cláusula.
268
condição
sem
social
do
contrapartida
trabalhador,
pelo
pois
empregador
a
simples
invalidará
a
E, se esse aumento ocorrer validamente não pode ser
ultrapassado o limite semanal de 36 horas, pois se isso ocorrer o
instituto será destituído de seu sentido.
269
268
B R AS IL. T ri bun al S uper io r d o Tr aba lho . E- R R- 382. 825/ 97.0 . R elato r Mi n . Milton de
Mo u ra Fr anç a, DJ 29.08 .2003 . “FL E XIB ILIZ A ÇÃ O . AC O R D O C OLE TI VO . A LC AN CE.
TU R N O S I NI N TE R RU P TO S DE RE V EZA ME N TO . J OR N AD A D E S EI S H OR A S. HO R AS
E XTR A S. ( ... ) Ma s , é p rec is o qu e es s e di rei to, que não é ir res t rito , s eja exe r c ido den tro
de p rinc ípios e regr as que n ão c om p rom et am a hi gide z f ís ic o -ps íq uic a e fi nanc ei ra do
em p reg ado. O ac ordo c ole ti vo em e xa m e, c o nfo rm e ret rata o ac ó rdão rec o rri do, p revê
jo rnad a de 8 h oras pa ra o labo r em t urn o i ninter rup to de re ve z am ent o. C om todas as
v ên ias , inefic a z o ref erid o r eajus t e, n a m edi da em qu e pe rm ite a p ro rro gaç ão do
t raba lho em t urn o in inter rup to de 6 pa ra 8 h oras , s em c ont rap res taç ão r em une rat ória
das 7ª e 8 ª ho ras , c irc uns tânc ia que c om p rom ete não apen as a s aúde do tr abalh ador ,
c om o tam b ém s eu gan ho. R ec urs o de em ba rgos c on hec ido e pro vi do. ”
269
B R AS IL. T rib unal S uper io r do T raba lho . E- RR -4 35/2 000- 003 -15- 00.0 . R e lato r Min.
C ar los Albe rto Re is de Pau la, DJ 25- 06.2 004. “ EMB A R G O S. TU R N OS I NIN TE R R UP TOS
D E R EV EZ A ME N TO . VA LI DA DE . J O R NA DA SU P ER I OR A 6 H O RA S FI XA DA E M
A C O RD O C OL E TIV O. IMP O S S IB ILI DA D E. E XTR A P OLA Ç ÃO DA J O RN A DA DE 36
H O R AS SE MA N AI S. P REJ UD IC IAL ID A DE. S AÚ D E. E MP R E GA D O. O a rt. 7º , inc is o XIV,
da Lei Ma ior , ao c ontem pl ar a jor nada de t rabal ho em tur nos de re vez am e nto de 6
ho ras d iári as , p erm it iu s u a am pli aç ão p or m ei o de n egoc iaç ão c ol eti va . Es s a
pos s ibili dade de alt eraç ão de jo rnad a, c ont udo , não é l im itad a, pois de v e s er
obs er va da a c om p ens aç ão ou c onc es s ão de v antag ens ao em pre gado . N unc a , po rém , a
el im inaç ã o do dire ito à j orna da redu zi da, c om o s e ve rific a na hipót es e . O Ac ordo
C ole ti vo po de es ta belec e r tu rnos i ninte rr uptos d e re ve z am ent o c om jo rna das
s up eri ores a s eis hor as , c om o oc or reu, des de qu e s e obs er v e o lim ite d e 36 horas
s em a nais , pois o lim i te s em a nal rep res en ta pa ra o em p rega do a gar antia de h igide z
f ís ic a, um a v e z que a reduç ão do l abor em tu rno i nin ter rupt o d e re ve zam en to dec o rre
de c o ndiç ões m a is penos as à s aú de. O Ac o rdo Col eti vo em e xam e, ao fi xa r dur aç ão do
t raba lho de 8 ho ras e 44 s em anais , c o ntr ario u as d is pos iç ões d e p rot eç ão a o trab alho ,
po rqu anto d es c arac te ri zou a j orn ada r edu zid a v inc u lada ao tur no inin ter rup to de
r e ve zam e nto, qu e é as s eg ura da c ons ti tuc ion alm en te pelo lim i te s em anal de 36 hor as .
R ec u rs o d e Em bar gos n ão c onhec ido. ”
119
2.4.3 Normas fundamentais de limitação do tempo de
trabalho
O desgaste físico e mental, o combate às doenças profissionais
e acidentes de trabalho, bem como a necessidade do convívio social e
familiar,
do
exercício
do
direito
ao
lazer,
do
desenvolvimento
intelectual e cultural justificam a necessária limitação do tempo de
trabalho.
Tanto que o legislador constituinte assegurou o direito do
trabalhador à delimitação de sua jornada de trabalho, o pagamento
pela
hora
prestada
em
caráter extraordinário,
que
são
normas
imperativas de aplicação imediata e indisponibilidade absoluta. Assim,
insere no artigo 7º, incisos XII, XV e XVII os mecanismos para
limitação da jornada como o repouso semanal e as férias.
Também
a
Consolidação
das
Leis
do
Trabalho
tutela
a
regulação do trabalho quando trata das férias e repouso semanal
remunerado nos artigos 66 a 72 e 134 a 145 desse diploma legal.
O repouso semanal remunerado segundo Delgado é
o laps o tem por al de 24 hor as c ons ec utivas s ituado entre os
m ódulos s em anais de duração do tr abalho do em pr egado,
c oinc idindo pr ef er enc ialm ente c om o dom ingo, em que o
obr eir o pode s us tar a pr estaç ão de ser viç os e s ua
dis ponibilidade per ante o em pregador , c om o objetivo de
r ec uper aç ão
e
im plem entaç ão
de
s uas
ener gias
e
aperfeiç oam ento em s ua ins erç ão f am iliar , c om unitár ia e
polític a. O desc ans o ou r epous o s em anal ( d.s .r . ou r .s.r.) é
per íodo de interr upção da pr estaç ão de ser viç os , s endo,
270
dess e m odo, em ger al, lapso tem por al r em uner ado.
270
D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr,
20 11, p. 901.
120
O repouso semanal foi instituído num primeiro momento por
influência da Igreja Católica objetivando, segundo essa orientação,
reservar o domingo para homenagear a ressureição de Jesus Cristo.
Constantino em meados do século IV proibiu o exercício de qualquer
espécie de trabalho, a exceção das atividades agrícolas, no domingo,
permanecendo essa orientação até o século XIX.
271
A Organização Internacional do Trabalho tratou do repouso
semanal de um dia em sua Convenção nº 1, de 1919, e na Convenção
nº 14, de 1921.
As primeiras leis brasileiras que dispuseram sobre o repouso
semanal não o estenderam para todas as categorias de trabalhadores,
apenas para aqueles que exerciam suas atividades no comércio,
estabelecendo logo após para os trabalhadores da indústria, isso
ocorreu em 1932. Em 1940 o repouso semanal passou a regular todas
as categorias de trabalhadores. A Constituição Federal no artigo 7º,
inciso
XV,
assegura
o
descanso
semanal
remunerado,
preferencialmente aos domingos. Quanto a Consolidação das Leis do
Trabalho, no artigo 67, dispõe sobre o instituto não dispondo, todavia,
de sua remuneração. No que tange ao empregado que trabalha aos
domingos obrigatoriamente deve gozar o descanso semanal em outro
dia da semana, não sendo permitida a substituição do descanso por
pagamento em dinheiro, apesar de entendimento diverso do Tribunal
Superior do Trabalho. 272
Em relação aos feriados, possui características semelhantes ao
descanso
semanal
remunerado,
e
são
definidos
como
“lapsos
temporais de um dia, situados ao longo do ano-calendário, eleitos pela
legislação em face de datas comemorativas cívicas ou religiosas
271
MA N Ã S , C hris tian Ma rc ell o. T empo e t ra balh o : a t utel a ju rídic a do tem po d e tr abalho e
t em po l i vre . São Paul o: L Tr, 200 5, p . 1 20.
272
B R AS IL. Tr ibu nal Su per io r do T ra bal ho. Súm ul a n º 1 46: “o tra balho p res t ado em
dom ingos e fe ria dos , não c om pen s ado, de ve s e r pa go em dob ro, s em p reju í zo da
r em une raç ão r elat i va a o rep ous o s em ana l.“ Redaç ã o d e 2 8.10 .2003 de ac o rdo c om a
R es oluç ão n º 121 /200 3 do TS T.
121
específicas, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços
e sua disponibilidade perante o empregador.” 273
Os feriados podem ser civis ou religiosos. Os primeiros são
aqueles comemorativos de datas com relevância histórica para a
pátria ou nacionalidade. Podem ser comemoração de dias festivos da
cultura ocidental como o natal e o ano novo. Os feriados religiosos
cingem-se a datas comemorativas relevantes à tradição religiosa
dominante no país.
A legislação prevê também o instituto das férias que são “o
lapso temporal remunerado, de frequência anual, constituído de
diversos dias sequenciais, em que o empregado pode sustar a
prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador,
com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias e
de
sua
inserção
familiar,
comunitária
e
política.”
O
objetivo
da concessão e gozo de férias está atrelado “a metas relacionadas à
política
de
saúde
pública,
bem-estar
própria construção da cidadania.”
coletivo
e
respeito
à
274
Cite-se ainda a importância econômica das férias, haja vista a
realização de fluxo de pessoas em diversas regiões do país. E mais,
esse período de gozo de férias permite o exercício do direito ao lazer
do trabalhador com sua família.
275
273
D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr,
20 11, p. 901.
274
D EL G AD O , Mau ric io G odi nho. C ur so de di rei to d o t raba lho . 10 ª e d. São P aulo: LTr,
20 11, p. 914 -915 .
275
“ Pr elim in ares . Nul idad e da r. s en tenç a - c erc e am en to de de fes a . No p res e nte feito as
pa rtes s e m anif es ta ram , nos p ra zos e na fo rm a da l ei, as p ro vas foram r eali za das e o
f eito de vid am ente ins t ru ído. Na audi ênc ia , fic ou det erm in ado o enc e rram ento da
ins truç ão p roc es s u al, c om a c onc o rdânc i a das p ar tes . Nã o pod e a r ec lam ad a pr eten der
o dec reto d e s u a n ulida de, po r ter s id o venc i da em p rim ei ro gr au . Afas to. Do
ju lgam en to e xtr a p etit a. D ete rm ina das norm as s ão c oge ntes , de o rdem púb lic a, e não
po dem s er der rog adas . "P relim i nares . Nuli dade da r. s en tenç a - c erc eam en to de
de fes a . No pres ente f eito as par tes s e m anifes tar am , nos pra z os e na f orm a da lei , as
p ro vas fo ram reali z adas e o fei to de vidam en te i ns tr uído . Na audiênc ia, fic ou
de term inado o enc e rram en to da ins t ruç ão pr oc es s ua l, c om a c onc o rdâ nc ia das pa rtes .
N ão pode a rec lam a da p rete nde r o dec r eto de s ua nul idade , po r ter s ido v enc i da em
p rim ei ro g rau. Afas to. Do j ulgam e nto e xt ra peti ta . De term inadas norm as s ão c ogentes ,
de o rdem públ ic a, e não po dem s er der rog adas pe la m e ra vont ade das partes .
122
Homero tece importantes considerações sobre as férias ao
dispor
As f ér ias têm a pec uliar idade, no Dir eito do T r abalho, da
n atu rez a h íb rid a d e direit o e d ev er simultan eament e. Q ue
elas c orr es pondam a um direito do tr abalhador não r es ta
dúvida, c onquistando-as o tr abalhador em s eu dia- a-dia de
atividades pr es tadas ao em pr egador. Sua noç ão com o dever
c er tam ente é a m ais difíc il de enx ergar , num c onc eito que
vem s endo es quec ido pelas par tes .
A um a, por que as férias pass ar am a s er cons ider adas um
lux o exc ess ivo, dentr o do panor am a do des em prego
es tr utural (s e todos à m inha volta es tão des em pr egados ,
c om que fundam ento eu poss o f ic ar par ado tendo o
em pr ego?) e da baix a m ass a s alar ial (us ar ei as fér ias par a
aum entar m inha r enda, “ vendendo- as” ao em pr egador ou
f azendo atividades par alelas) . A duas, por que m uitos
em pr egador es deix am de s e pr ogr am ar e não c onc edem
c or retam ente o gozo das f ér ias , r em etendo todas as
questões par a a r esc isão do c ontr ato de tr abalho, a tal ponto
que as fér ias , que nada têm que ver c om a dis pensa do
em pr egado, pass ar am a s er dir etam ente ass oc iadas c om o
s entido de “ ver bas r esc is ór ias ”, o que c er tamente não s ão. A
tr ês , por que, nada obstante a cr is e de valores e de f inanç as
que a s oc iedade atr avess a, m uitos em pregados teim am em
dizer que não nec ess itam de f ér ias , que s e s entem bem na
atividade c ontínua e que s e s atisf azem c om desc ans os
pequenos , c om o o c ham ado f im de s em ana pr olongado, sem
s e dar em c onta que os f undam entos da paus a ao longo do
c ontr ato de tr abalho são divers os e a f inalidade do desc ans o
pr olongado é m uito mais am pla e vital par a a s aúde do s er
276
hum ano, cor pór ea e inc or pór ea.
Há
Intervalos
também
esses
os
intra
intervalos
e
para
entrejornadas,
descanso
e
objetivando
alimentação.
preservar
o
trabalhador, inclusive como já delineado adrede. O artigo 66 da
E nqua dra -s e a í a pa us a in tra jorn ada, im pos t a pelo art igo 71 c ons ol idado , p ara que os
t raba lhado res pos s am re fa zer s uas fo rç as . Trata -s e de norm a de tu tela da s aúde do
t raba lhado r, que d e ve s e r c um p rida pelos em p rega dores . Rejei to a a rguiç ão de
nu lidad e. MÉ R I TO. (. .. ) D as h oras e xt ras - in terv al o in traj orn ada. A norm a é c og ente ,
de or dem p úblic a . O i nte r valo int rajo rna da d e ve s er c onc edi do, inte gra lm en te. A não
c onc es s ão to tal ou pa rc ia l im plic a s eu pag am ent o c om ac rés c im o do adic i onal leg al.
I nteli gênc ia da OJ n. 307 d a S DI -1 do C . TS T. Fé rias - c om pe ns aç ão. Nes s e pas s o, o
bem é qu e p roc u ra tu tel ar, qu e é as s egu rado pelo dis pos it i vo c ons tit uc iona l é o
des c ans o, par a que o em p rega do pos s a s e refaz e r dep ois de do ze m es es tra balha dos ,
bem c om o p os s a c o n vi ve r c om s ua f am íli a e ter di reito ao l a zer . O d irei to é
i rre nunc iá v el e o em prega dor não po de c on ve rte r o pe río do de d es c ans o em pec úni a,
pe rm an ec endo o em p regad o num labo r inint er rupt o. R EC U RS O OR DI N ÁRI O A Q UE S E
N E G A P R OVI ME N TO ." Pr oc es s o n º 0 1775 -200 3-24 2-0 2-00 -0, 2006 , 10ª T, 17. 02.2 009.
R E C OR R EN TE TE XTI L J SE R RA N O L TD A. R EC OR R ID O J AI R D OS S AN TO S .
276
S IL VA, Hom e ro B atis t a Ma t heus da . C urs o de d ir eit o do t ra balh o apli cado . Vol . 2:
J o rnad as e paus as . Rio de J ane iro : E ls e vie r, 2009 , p. 259 .
123
Consolidação das Leis do Trabalho estabelece o intervalo obrigatório
de onze horas entre duas jornadas. O artigo 71, caput e § 1º desse
mesmo diploma legal estabelece a obrigatoriedade da concessão de
um intervalo para repouso e alimentação, quando a jornada de
trabalho exceder seis horas diárias, com duração mínima de uma
hora,
salvo
disposição
em
acordo
ou
convenção
coletiva.
O
desrespeito ao estabelecido o período será pago com acréscimo de no
mínimo cinquenta por cento. Mas, importa ressaltar que, mesmo sendo
permitida constitucionalmente a flexibilização de alguns direitos, e
mesmo que sejam os valores pagos de acréscimo não reporão a saúde
do trabalhador, ou tão pouco lhe darão o tempo perdido que poderia
ter exercido seu direito ao lazer, como consta do bem lançado
acórdão cuja ementa se transcreve
INT ERVALO INT RAJ ORNADA. REDUÇÃO . PREVISÃO DA
HO RA CORRIDA EM ACO RDO S COLET IVO S. A Cons tituição
F eder al de 1988 c onf er iu m aior es poder es aos s indicatos , de
m odo que ess as entidades podem , no inter ess e de s eus
ass oc iados e m ediante negoc iaç ão c oletiva, res tr ingir c er tos
dir eitos ass egur ados aos tr abalhador es a f im de obter outr as
vantagens não pr evis tas em lei. Não obs tante, tal
f lex ibilizaç ão não autor iza a negoc iaç ão c oletiva que atente
c ontr a norm as r ef er entes à s egur anç a e saúde no tr abalho.
De f ato, o es tabelec imento do inter valo m ínim o de um a hor a
par a r efeiç ão e desc ans o dentr o da j or nada de trabalho é
fr uto da obs er vação e anális e do c om portam ento hum ano, e
das r eações de s eu or ganism o quando expos to a vár ias
hor as de tr abalho. Doutr ina e j ur is pr udência evoluír am no
s entido da nec ess idade dess e inter valo m ínim o par a que o
tr abalhador pos sa não apenas inger ir alim entos , m as
tam bém diger i- los de f orm a adequada, a f im de evitar o
es tr ess e dos órgãos que com põem o s istem a diges tivo, e
poss ibilitar o m aior apr oveitam ento dos nutr ientes pelo
or ganism o, dim inuindo tam bém a f adiga decorr ente de hor as
de tr abalho. Se de um lado a Cons tituiç ão F eder al prevê o
r ec onhec im ento das c onvenç ões e ac or dos c oletivos de
tr abalho c om o dir eito dos tr abalhador es ur banos e r ur ais
( ar t. 7º, XX VI, da Cons tituição Feder al), de outro es tabelece
s er a s aúde um dir eito s oc ial a ser r es guardado ( ar t. 6º da
277
Carta Polític a) .
Verificamos até aqui as profundas mudanças sociais, políticas
e legislativas que ocorreram na evolução histórica do homem em
277
MA N Ã S , C hris tian Ma rc el lo. T emp o e t ra balh o : a tute la ju rídic a do tem po de trabalho
e tem p o li v re. Sã o P aulo: L Tr, 2005 , p. 128 .
124
relação à conquista de direitos humanos fundamentais, inclusive e
especialmente em relação ao tempo de trabalho e tempo de não
trabalho, denominado por alguns de tempo livre. A flexibilização da
jornada de trabalho e as limitações do tempo de trabalho devem ser
lidas de forma positiva para que o tempo de não trabalho seja
dedicado ao exercício do direito ao lazer 278, mesmo com os obstáculos
que devem ser enfrentados na pós-modernidade, culminando com a
concretização desse direito social.
278
B R AS IL. Tr ibu nal Re gi ona l do T raba lho da 12ª Re gião . 3 ª Turm a.
RO-V
01 382. 2005 .049 .12. 00.2 . A C . 1700 8/06 . Re l. J ui z Ge rs on Paul o Tab oad a Co nrado.
“ H O RA S E XTR A S. A G RIC U L TUR A. 1 . Se ris c o há para a ati vi dade ec on ôm ic a, n ão
po de ele – s ob p ena de o fens a a o dis pos to no a rtig o 2 º da CL T – s er tr ans fe rid o ao
t raba lhado r (P rinc íp io d a alt erid ade) . 2. D e ou tro nor te, a m an utenç ão do
em p ree ndim en to – s eja el e qua l fo r – não p ode s e v iabili z ar m edian te p rec a ri zaç ão das
c on diç ões de t raba lho, tan to m ais quan do, pa ra ob ter t al res ul tado , s e a ten ta c ont ra os
lim i tes f i xados em lei par a a d uraç ã o da p res taç ão de s e r viç os e , po r via tra ns vers a,
c on tra a c láus u la ge ral de res pe ito à d ignid ade da pes s oa h um ana , dotada de efic ác ia
i rra diant e im edi ata c apaz de obr iga r s eja res pe itad a nas relaç õ es c on tra tua is m antidas
en tre pa rtic ular es . 3. É e xa tam en te a aludida lim i taç ão qu e p ropic i a t anto a
r ec om pos iç ão da ene rgia pa ra o t rabal ho quan to o inte rre gno nec es s á rio pa ra a
a firm aç ão do hom em c om o c id adão , c o n vi vendo em s oc i edade e , q uiç á , bus c ando
la z er, es te tam bém um dos d irei tos s oc ia is pre vis tos no a rti go 6 º da Lei Ma ior . 4.
A s s im , s e é a ag ric ult ura m arc ada po r c ert o gra u de i nc er te za qua nto a nec es s i dade de
t raba lho e xt rao rdiná rio , de v e a quele qu e s e dis põ e a em p res a ria r n es s a ár ea s e d ar
aos m eios pa ra m an ter s eu i n ves tim ento s em tra ns g redi r a lei o u adot ar c om po rtam ento
an ti-s oc ial , c on trá rio aos dire itos fund am ent ais c ons a gra dos n o o rdenam ent o ju rídic o.”
125
3. Direito ao lazer
3.1 Conceito sociológico
No Brasil, os principais conceitos de lazer adotam a definição
clássica desenvolvida pelo sociólogo francês Joffre Dumazedier, em
obra elaborada na década de 1960 onde conclui que
Lazer é um conj unto de oc upaç ões às quais o indivíduo pode
entregar -s e de livr e vontade, s eja par a r epous ar , s eja par a
diver tir-s e r ecr ear- se e entr eter-s e, ou ainda par a
des envolver s ua inform aç ão ou f orm aç ão des inter ess ada,
s ua partic ipaç ão s oc ial voluntár ia ou s ua livr e c apac idade
cr iador a após livr ar -se ou des em bar aç ar -s e das obr igaç ões
279
pr of iss ionais, f am iliares e s oc iais.
Este
conceito de Dumazedier trata o
lazer como simples
oposição ao trabalho, delineando como principais funções do lazer o
descanso,
o
divertimento,
a
recreação,
o
entretenimento
e
o
desenvolvimento. Em sua obra, não comenta o dever do Estado em
realizar políticas públicas para a prática do lazer. Também, não
estuda o aumento do tempo livre do trabalhador como conquista de
classe em contraposição do capital e trabalho, representando, nas
palavras de Valmir José Oleias, “uma insuficiência teórica para a
análise do conceito de lazer.” 280
Ainda nesse conceito de Dumazedier, o descanso representa a
reposição de energias físicas e psíquicas do homem despendidas no
trabalho,
portanto,
ligadas
à
questão
biológica.
Quanto
ao
divertimento, recreação e entretenimento, representam a ruptura com
a vida cotidiana para evitar a fadiga e propiciando energia para
“suportar o fardo da vida rotineira” 281.
279
D U MA Z ED IE R, J of fre . Laz e r e c ul tu ra p opu la r. 3 ª ed., S ão Paul o: Pe rs pec ti va, 2004,
p . 34 .
280
O L EIA S,
Valm ir
J os é.
Co ncei to
de
laz e r.
< http :// www. c ds . ufs c .b r/~ v alm ir /c l.h tm l>. Ac es s o em 28 .03. 2008 .
281
D is p oní vel
em
C AL VE T, Ota v io Am aral . D i rei to ao Laz e r na s re laçõ es de tr abal ho. São Paul o: L Tr,
20 06, p. 60.
126
E, no que tange à função do desenvolvimento da personalidade,
Joffre Dumazedier explica que o lazer permite
um a partic ipaç ão s oc ial m aior e m ais livr e, a pr ática de um a
c ultur a des inter ess ada do c or po, da s ens ibilidade e da
r azão, além da f orm ação pr ática e téc nic a (...) no indivíduo
liber tado de suas obr igaç ões pr of iss ionais, c om por tam entos
livr em ente
esc olhidos
e
que
vis em
ao
c om pleto
des envolvim ento da pers onalidade, dentr o de um es tilo de
282
vida pes soal e soc ial.
Já no conceito de Luiz Octávio de Lima Camargo, mesmo
seguindo os passos de Dumazedier, destaca-se como elemento
importante do lazer a conquista da redução da jornada de trabalho
para realizar o tempo livre, definindo-se, assim, o lazer como
um conj unto de atividades gratuitas, pr azer os as , voluntár ias
e liber atór ias , centr adas em interess es culturais, fís icos,
m anuais, intelec tuais , ar tís tic os e ass oc iativos , r ealizados
num tem po livr e r oubado ou c onquis tado his tor ic am ente
s obr e a j ornada de trabalho prof is s ional e dom éstic o e que
interfer em no des envolvim ento pess oal a s oc ial dos
283
indivíduos .
Relevante estudo faz Valmir José Oleias para determinar o
conceito de lazer, inclusive criticando a obra de Dumazedier, em que
se constata a influência do fator social econômico na questão do lazer
em igual parâmetro que influencia a problemática do tempo livre.
Também anota a obrigação que possui o Estado de promover o lazer,
afirmando que
O lazer , em s ua form a ideal, s er ia um ins tr um ento de
pr om oç ão s oc ial, s er vindo par a: aux iliar no r om pim ento da
alienação do tr abalho, apr esentando-s e politic am ente c om o
um m ec anism o inovador aos tr abalhador es na m edida em
que es tabelec e novas pers pec tivas de relac ionam ento s oc ial;
pr om over a integr aç ão do s er hum ano livrem ente no seu
c ontexto
s oc ial,
onde
este
m eio
s ervir ia
par a
o
des envolvim ento de s ua c apac idade cr ític a, cr iativa e
282
D U MA Z ED IE R, J off re. Laz e r e cu ltu ra pop ula r. 3ª ed. Sã o P aulo: P ers pec t i va, 2004 , p.
34 .
283
C A MA R G O, Lui z Oc tá vio de Lim a. O qu e é laz e r. Sã o Paulo : Bras i liens e , 1999 , p. 97 .
127
tr ansform ador a; e, pr oporc ionar
284
fís ic o e m ental do s er hum ano.
c ondiç ões
de
bem - estar
Valmir José Oleias tece suas conclusões que seguem em
paralelo as questões jurídicas de direitos fundamentais 285
Ass im s endo, o c onc eito que pr oc ur o trabalhar em term os de
lazer , s ob o ponto de vis ta s oc ial, pr ec isa orientar -s e dentr o
das s eguintes linhas ger ais :
a) o lazer tem s ido, his tor ic am ente, um a atividade
nec ess ár ia ao des envolvim ento bio- ps íquic o-s oc ial do
hom em ;
b) o lazer es tá r elac ionado à dis ponibilidade do tem po livre;
c) o lazer diz r espeito m ais diretam ente às
pr ivilegiadas pela s ua s ituaç ão s óc io- ec onômic a;
c lass es
d) por f im , a pr átic a do lazer é inf luenc iada s obretudo pelo
Es tado, na m edida em que es te pode im plem entar polític as
públic as para o s etor , além de oferecer es paç os fís ic os
nec ess ár ios e adequados para a s ua ex ec uç ão.
Por tanto, a r elaç ão com o tr abalho, a s ua pres enç a ao longo
da histór ia da hum anidade, o c ar áter de c las se e a inf luênc ia
que o Estado c ontempor âneo pode apr es entar c oloc am -se
teor ic am ente c om o os pr inc ipais elem entos def inidor es do
286
lazer .
Valquíria Padilha também critica a concepção funcionalista de
Dumazedier e seus discípulos que estudam o lazer apenas como
oposto ao trabalho ou à obrigação, esvaziando o sentido do lazer, pois
o justificam como “fator de equilíbrio, um meio para o homem suportar
as coações da vida social.” 287
Critica a autora, também, a posição de Dumazedier que analisa
o lazer como se todos os homens fossem iguais tanto no exercício de
seu trabalho, como no lazer tido como remédio para a estafante e
desgastante vida de trabalhador.
284
O L EIA S,
Valm ir
J os é.
Co ncei to
de
laz e r.
< http :// www. c ds . ufs c .b r/~ v alm ir /c l.h tm l>. Ac es s o em 28 .03. 2008 .
D is p oní vel
em
285
C om o afi rm a Ota v io Am a ral Cal v et em s ua obra D ire it o ao Laz e r nas r e laçõ es d e
t ra bal ho. Sã o P aulo : L Tr, 200 6, p . 6 1-62 .
286
O L EIA S,
Valm ir
J os é.
Co ncei to
de
laz e r.
< http :// www. c ds . ufs c .b r/~ v alm ir /c l.h tm l>. Ac es s o em 28 .03. 2008 .
287
P A DIL HA , Va lquí ria. Sh opp ing
B oitem po, 2006 , p . 16 9.
ce nte r :
a
c at edra l
das
D is p oní vel
m erc ador ias .
São
em
Paulo:
128
Fugindo
dessas
limitações,
Nelson
Carvalho
Marcellino
é
pioneiro na crítica sistemática à concepção de lazer de Dumazedier,
entendendo lazer como
Um a c ultur a – c om preendida no seu sentido m ais am plo –
vivenc iada (pr atic ada ou f luída) no “ tem po dis ponível” . O
im por tante,
c om o
tr aç o
def inidor,
é
o
car áter
“ des inter ess ado” dessa vivênc ia. Não s e busc a, pelo m enos
f undam entalm ente, outr a r ec om pens a além da s atisf aç ão
pr ovoc ada pela s ituaç ão. A “ dis ponibilidade de tem po”
s ignif ic a poss ibilidade de opç ão pela atividade pr átic a ou
288
c ontem plativa.
Percebe-se que as críticas tecidas ao conceito de lazer da
concepção funcionalista, pretendem entendê-lo como um fenômeno
social que pertence a uma sociedade contraditória, desta forma o
lazer
também
seria
contraditório.
Isso
porque
o
lazer
poderia
transformar-se em tempo de reflexões ou em tempo para consumo
manipulado
pela
lógica
capitalista.
Verdadeiro
paradoxo
das
sociedades capitalistas industrializadas: de um lado, as pessoas
concebem o lazer como um tempo livre para se desligar das
obrigações cotidianas, descansando ou relaxando; de outro, essas
mesmas pessoas optam por lazeres programados e direcionados ao
consumo de bens e serviços, ou ainda, entregam-se a passividade do
mundo mágico da televisão.
289
Todos estes conceitos de lazer possuem alguns pontos em
comum, são eles: a identificação do lazer com um tempo livre das
obrigações e do trabalho; as atividades praticadas como forma de
exercício do lazer geralmente são esportivas ou culturais; o lazer
possui algumas características psicológicas como o fato de ser
agradável, espontâneo, lúdico e livre; está na maioria das vezes
ligado à noção de cultura; e há preocupações com políticas públicas
para a realização do lazer.
288
MA R C E LLI N O, N els on C ar v alho . Laz e r e huma niz aç ão. Cam pi nas : P api rus , 1990,
p . 31 .
289
P A DIL HA , Va lquí ria. Sh opp ing
B oitem po, 2006 , p . 17 4-175 .
ce nte r :
a
c at edra l
das
m erc ador ias .
São
Paulo:
129
Nota-se que a maioria dos sociólogos estudados abordam o
lazer em relação principalmente ao tempo livre disponibilizado pelo
trabalho,
personagem
principal,
seguido
pela
família.
Valquíria
Padilha afirma que
A pesquis a em lazer tem c om o pr es supos ição f undam ental
que vale a pena c onhec er c ientif ic am ente o lazer , não
s om ente por que um tal c onhec im ento pode eventualm ente
perm itir atingir um c erto dom ínio téc nic o des te c am po, m as
tam bém por que ele c ons titui um valor nele m esm o par a
290
noss a c om preens ão da s oc iedade.
Importa observar que, como objeto de estudo das ciências
sociais, o lazer está em constante transformação, pois a sociedade se
reconstrói todos os dias. Dessa forma, a sociologia do lazer deve se
preocupar em desenvolver novos questionamentos e possibilidades
para abrir caminhos realizáveis de lazer, e não tanto a definir a
concepção de lazer.
3.2 Conceito jurídico
José Afonso da Silva lê o direito ao lazer nos artigos 6º e 227 da
Constituição
da
República,
associando-o
aos
“direitos
dos
trabalhadores relativos ao repouso” 291, e relacionando-o ao direito
urbanístico e com o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, pois
afirma que sua natureza social “decorre do fato de que constituem
prestações estatais que interferem nas relações de trabalho” 292.
Segundo o autor lazer é
entrega à oc ios idade r epous ante. Rec r eação é entr ega ao
diver tim ento, ao es porte, ao br inquedo. Am bos s e des tinam
a r efazer as f orç as depois da labuta diár ia e s em anal. Am bos
r equer em lugar es apropr iados, tr anquilos num , repletos de
293
f olguedos e alegr ias em outr o.
290
I bidem , p. 178 -179 .
291
S IL VA, J os é Afo ns o da . C u rso de di rei to c ons ti tuci ona l po sit i vo . 19ª ed. , r ev. e
a tual. S ão Paulo : Mal heir os , 2001 , p. 319 .
292
I bidem , p. 318 .
293
I bid. , m es m a pági na.
130
Parcial razão assiste ao doutrinador, pois se entende o direito
ao lazer de forma mais ampla como se colocará adiante, mas lazer se
relaciona com qualidade de vida, que por sua vez depende, dentre
outros aspectos, de uma adequada política de desenvolvimento
urbano que priorize habitação, condições adequadas de trabalho e
recreação, e dessa forma, as pessoas alcançarão qualidade de vida.
Entende José Cretella Jr que o direito ao lazer possui o sentido
amplo de descanso e que seus titulares são os cidadãos em geral e,
em
particular,
o
trabalhador
e,
dessa
forma,
sendo
direito
do
empregado aduz que
Lazer é, ass im , o dir eito s oc ial, ou f ac uldade de ex igir por
par te de quem tr abalha, sendo, des se m odo, a pr estaç ão que
o em pr egador deve ao em pr egado, em dec orr ênc ia do
vínc ulo em pr egatíc io, tanto ass im que o “s alár io m ínim o”
f ix ado em lei dever á ser c apaz de atender às nec ess idades
vitais bás ic as do trabalhador e de s ua f am ília e, entr e es tas
o lazer ” (art. 7º, IV, da Car ta Polític a de 1988) . O lazer é, no
c ontexto cons tituc ional, nec ess idade vital bás ic a do
294
tr abalhador e de s ua fam ília.
Crítica a esse entendimento é feita por Tupinambá Nascimento,
pois afirma que o lazer não possui apenas o sentido de descanso,
mas também deve ser visto como atividade recuperativa a exemplo de
viagem, passeio ou esportes.
295
Segue-se neste estudo o pensamento de Beatris Francisca
Chemin, afirmando que é titular do direito ao lazer todo e qualquer
cidadão, pois inserido nos direitos sociais do artigo 6º da Constituição
da República. Mesmo porque seria uma incoerência afirmar direitos
como a educação, saúde, alimentação, segurança, dentre os outros,
apenas para o trabalhador. E mais, a Constituição da República afirma
294
C R E TELL A J R, J os é. Co men tár ios à Con st itu içã o b ra sile ir a d e 198 8. V . 2. Rio de
J an eir o: F ore ns e Uni ve rs i tári a, 1 998, p. 889 .
295
N A SC I ME N TO, Tupi nam bá M. C . do . C ome ntá rio s à Cons ti tui ção F eder al : di reitos e
ga ran tias fundam entais . V . 2 – ar t 5 º a 17. Por to Aleg re: Li vr ari a do Adv og ado, 1997,
p . 90 .
131
que toda pessoa humana deve ter dignidade 296, e dessa dignidade faz
parte a tutela do rol do artigo 6º, inclusive o direito ao lazer, que se
destina a todo cidadão e não apenas ao trabalhador. 297
Ainda, segundo Beatris Francisca Chemin 298, pensa-se o direito
ao lazer como contraponto ao tempo de trabalho, mas inclusive como
um tempo livre para exercer o descanso ou atitudes outras de vida
que possam envolver a cultura, a educação, a vivência familiar, ou o
exercício de atitudes prazerosas e criativas. Seu conteúdo possui
importância igualitária à saúde, à educação, à segurança, ao trabalho
e aos outros direitos sociais estampados no mesmo dispositivo
constitucional.
3.3 Positivação constitucional do direito social ao lazer
O direito social ao lazer é uma das grandes conquistas do
homem, fruto de grande evolução histórica como visto até aqui, e está
atualmente positivado tanto no âmbito internacional como nos direitos
internos.
296
P ara J os é Af ons o da Silv a “Di gnida de da pes s oa hum a na é um val or s up rem o q ue atrai
o c on teúd o de tod os os di reit os fund am ent ais do hom em , des d e o di reit o à vida.
‘ Conc e bido c om o ref er ênc ia c ons t ituc i onal un ific a dora de tod os o s di reitos
f undam e ntais [ obs er v am C an otil ho e Vi tal Mo rei ra ], o c onc e ito de d ignid ade da pes s oa
hum ana obr iga a um a d ens i fic aç ã o val ora ti va que t enh a em c on ta o s eu am pl o s en tido
no rm at i vo-c ons ti tuc ion al, e não um a qu alqu er idéi a apri orís tic a do hom em , não
po dend o r edu zi r-s e o s en tido da digni dade hum an a à def es a d os di rei tos p es s oais
t radic ionais , es quec e ndo- a n os c as os d e d ire itos s oc iais , o u i n voc á -la pa ra c ons t rui r
‘ teor ia do núc l eo d a pe rs on alida de’ i ndi vid ual, igno ran do-a qua ndo s e t rat e de gar antir
as bas es da e xis t ênc ia hum a na’. Daí d ec or re que a or dem ec onôm ic a há de ter po r fim
as s e gur ar a tod os e xi s tênc ia digna (ar t. 170 ), a o rdem s oc ial vis a rá a re ali zaç ã o da
jus tiç a s oc ial ( art . 19 3), a e duc aç ã o, o d es en vol vim e nto d a pes s o a e s eu p repa ro p ara
o e xe rc íc io da c idada nia (ar t. 2 05) etc . , não c om o m eros enunc i ados f orm ais , m as
c om o in dic ado res do c on teúdo no rm at i vo e fic a z da digni dade da pes s oa hum a na. ” I n:
C u rso d e di re ito cons tit uci ona l pos iti vo. 19ª ed ., r e v. e a tual. São Paulo : Malhe iros ,
20 01, p. 109.
297
C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na
v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 175 .
298
I bidem , p. 176 .
132
O artigo XXIV da Declaração Universal dos Direitos Humanos da
ONU de 1948 traz estampado em seu texto o direito ao lazer como
direito essencial a qualquer homem, dispondo que “Todo ser humano
tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas
de trabalho e a férias remuneradas periódicas.”
Nossa Constituição Federal de 1988 estabelece inicialmente os
fundamentos do Estado e logo após o sistema normativo básico dos
direitos fundamentais, evidenciando, nas palavras de Anna Candida
da Cunha Ferraz, que “o Estado brasileiro tem como valor, fins e meta
fundamentais
organizar-se
reconhecimento,
fundamentais.”
O
a
para
proteção
e
prover,
a
de
modo
concretização
eficaz,
dos
o
direitos
299
legislador
constituinte
gravou
no
artigo
6º
de
nossa
Constituição da República o direito ao lazer como direito fundamental
social positivando-o expressamente: “Art. 6º São direitos sociais a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância,
a
assistência
aos
desamparados,
na
forma
desta
Constituição.”
Mas não foi apenas nesse dispositivo constitucional que a
Constituição assegurou o direito ao lazer. O inciso IV do artigo 7º
trata
do
salário
necessidades
mínimo
básicas,
ao
que
lazer.
possa
O
atender,
artigo
217,
dentre
§
3º,
outras
fala
da
responsabilidade do Estado como incentivador do lazer. Já o artigo
227 destaca o dever da família, da sociedade e do Estado em
assegurar lazer às crianças e adolescentes.
299
F E RR AZ, Anna Candi da da C unha . As pec tos da pos i ti vaç ão d os d irei tos fundam entais
na Co ns ti tuiç ão de 198 8. I n: Di rei tos huma nos fu ndame nta is : p os iti vaç ão e
c onc ret i zaç ão . Ant onio C ar los Ped ros o [ et al] ; or gani z ado po r Ann a Candi da da C unha
F err a z. Os as c o: Edi fieo , 20 06, p. 124.
133
Por uma singela leitura do artigo 7º, inciso IV, se verifica que o
direito ao lazer foi colocado em igualdade com outros direitos como
moradia, alimentação, educação, saúde, vestuário, higiene, transporte
e previdência social, considerando-o como necessidade vital básica,
não apenas do trabalhador, como também de sua família. Assim como
a saúde, o direito ao lazer é um bem relevante à vida humana,
elevado que está à condição de direito fundamental.
O artigo 217, § 3º, da Constituição Federal, do título da Ordem
Social, capítulo que trata da Educação, da Cultura e do Desporto, se
relaciona com os artigos 6º e 7º, inciso IV, pois o lazer é colocado
como integrante do desporto informal, o qual abriga atividades físicas
exercidas livremente em clubes, escolas, empresas, parques. Consta,
também, que o poder público incentivará o lazer como forma de
promoção social.
Para Beatris Francisca Chemin “o lazer deve fazer parte da
vida do cidadão como forma de atividade física, de manter o equilíbrio
entre o corpo e a mente e, sendo forma de integração social, pode ser
exercido por qualquer pessoa, pertencente a qualquer classe social,
atingindo e congregando inclusive as manifestações comunitárias.”
300
No tocante ao caput do artigo 227, deve-se considerar que a
oportunização de práticas esportivas possui o condão de afastar as
pessoas das drogas, da marginalidade, integrando minorias carentes.
No entanto, o ideal seria unir tudo isto, levando esporte, lazer e
cultura “como práticas sociais integrantes do patrimônio cultural e da
cultura corporal humana da sociedade contemporânea, práticas essas
ligadas diretamente à melhoria da qualidade de vida de todas as
pessoas.”
301
300
C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na
v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 190 .
301
I bidem , p. 193 .
134
Alexandre Lunardi, ao tratar do lazer como direito fundamental
positivado, salienta que além das normas que tratam diretamente o
direito ao lazer, há outras que indiretamente tutelam o exercício do
direito ao lazer a exemplo daquelas disciplinadoras da duração do
trabalho, da limitação da jornada de trabalho, da flexibilização da
jornada de trabalho, do repouso e das férias
302
, exatamente como
analisado em capítulo anterior neste estudo.
Beatris
Francisca
Chemin
encerra
seu
estudo
incluindo
relevante anotação de Nelson Carvalho Marcellino, in Estudos do
lazer
O lazer , por tanto, não pode m ais s er enc ar ado c om o
atividade de sobr em es a ou m oda pass ageir a, m as m er ec e
tr atam ento s ér io, c om o m uito bem ex press a Mar cellino
( 2000b, p. 17) : o adequado s er ia “c ons ider á- lo não c om o
s im ples fator de am enizaç ão ou alegr ia par a a vida, m as
c om o ques tão m esm o de s obr evivênc ia humana, ou m elhor,
de s obr evivênc ia do hum ano do hom em .” Reivindic ar e
c oncr etizar , pois o dir eito ao tem po livr e c om o lazer é
ex pr ess ar um a nova f orm a de s e ef etivar a dignidade
303
hum ana.
Nota-se da positivação constitucional do direito ao lazer que o
legislador entende o lazer apenas como exercício em tempo livre de
não trabalho, ligado diretamente ao trabalhador, e a prática de
esportes, não vislumbrando o necessário alcance sócio cultural como
tratado neste estudo.
3.4 Efetivação do direito ao lazer
Uma das grandes preocupações da pós-modernidade atrela-se a
efetivação das normas jurídicas. Bittar define adequadamente essa
preocupação quando salienta: “Eis a preocupação com a questão da
302
L U NA RD I, Al e xand re. Fu nção so cia l d o di rei to ao laz er na s rel ações de t rabalho.
S ão Paul o: L Tr , 20 10, p. 27 .
303
C H E MI N, Bea tris Fr anc is c a . C ons ti tuiç ão e laz e r : um a p ers p ec ti va do t em po li v re na
v id a do ( trab alhad or ) b ras il eiro . Cur itib a: J u ruá Edi tor a, 2005, p. 193 .
135
lei na pós-modernidade: menos validade e mais eficácia, menos forma
e mais sentido prático-social.”
Para
a
304
concretização
dos
direitos
econômicos,
sociais
e
culturais são necessárias várias ações em diversas esferas de
atuação, o que significa dizer que devem convergir interesses e ações
política, social, econômica e jurídica. Alguns 305 até sustentam que não
é só por meio do cumprimento de suas obrigações, englobadas aqui
as ações positivas do Estado e dos particulares, que se chegará à
realização
efetiva
desses
direitos,
impugnação do seu inadimplemento.
mas,
também,
por
meio
da
306
Keller salienta a obrigação, positiva e negativa, do Estado na
efetivação
dos
exigibilidade
e
direitos
fundamentais,
justiciabilidade
desses
tratando
direitos.
brevemente
Observa
que
da
os
direitos sociais “devem ter sua exigibilidade reconhecida tanto na
relação Estado-cidadão
justiciabilidade,
entende
como entre
que
particulares”. Ao
“deve
ser
analisar a
interpretada
como
a
possibilidade de protestar perante o Poder Judiciário pela ausência de
cumprimento de obrigações que decorrem de um determinado direito”,
mas não reconhece ações processuais reais que garantam esses
direitos.
307
Lunardi,
procedimentos
ao
inverso,
judiciais
para
aponta
detalhadamente
concretização
do
direito
alguns
ao
lazer,
tratando inicialmente da ação de inconstitucionalidade por omissão 308,
304
B I TTA R, Ed uar do C. B. O di rei to na p ós- mode rn ida de. 1ª ed . Rio de J ane iro : Forens e
U ni ve rs itá ria , 20 05.
305
A B RA MO V I CK, Vic tor ; CO U R TIS , Chris tian . A pun tes s ob re l a e xi gibili dade judic ial de
los der ec hos s oc i ales . I n: S A RLE T, I ngo W olfga ng. Di reitos fund am en tais s oc i ais :
es tudos d e di reit o c ons ti tuc ion al, in ter ac ion al e c om p ara do. Rio d e J anei ro: Ren o var ,
20 03, p. 137 -138 ap ud K ELL ER , W erner. O d i rei to ao t rab alho c omo di reito
f und amen tal : i ns tr um entos de efet i vidad e. São Pau lo: L Tr , 2 011, p. 35.
306
K ELL E R, W erne r. O d ire ito a o tr abal ho com o d ir eit o fun dame nta l : ins t rum en tos de
e feti vi dade . São Paul o: LTr , 2011 , p . 34 -35 .
307
I bidem , p. 35.
308
L U NA RD I, Al e xand re. Fu nção so cia l d o di rei to ao laz er na s rel ações de t rabalho.
S ão Paul o: L Tr , 20 10, p. 11 3-1 25.
136
prevista no artigo 103, § 2º, da Constituição da República que
determina “ Art. 103, § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por
omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será
dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências
necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo
em trinta dias.”
Após considerações sobre o instituto, conclui que
o r es ultado de um a aç ão de inc onstituc ionalidade por
om iss ão é apenas dar c iênc ia ao Poder res pec tivo, tanto
Legis lativo c om o Exec utivo, da om iss ão pr atic ada. Iss o
oc orr e
em
r azão
da
pr oteç ão
do
pr incípio
da
discr ic ionar iedade do legis lador, que es tabelece que o
m om ento para a pr átic a do ato é um a decis ão polític a do
Poder em ques tão, não podendo, por tanto, ser perm itido que
outro Poder r ealize esta interfer ênc ia s ob pena de violaç ão
do ar t. 2º da Cons tituiç ão F eder al, que es tabelece os
Poder es da União c om o harm ônic os e independentes entre
s i.
No que se r efer e ao Poder Ex ec utivo, ainda que a
Constituiç ão F eder al es tipule a obr igaç ão de f azer no pr azo
de 30 dias , ela não prevê qualquer s anç ão par a hipótes e de
desc um pr im ento da ordem j udic ial, o que tor na igualm ente
309
inef icaz a s ua dec is ão.
Esse autor estuda também o mandado de injunção para a
efetivação do direito social ao lazer, previsto no artigo 5º, inciso “LXXI
– conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania.” Conclui que este instituto possui apenas
eficácia declaratória, “uma vez que são muito reduzidas as hipóteses
em
que
o
tribunal
concede
o
direito
imediatamente
até
a
superveniência da norma reguladora.” No ponto nodal deste estudo, a
questão da efetivação do direito ao lazer, Lunardi conclui que esses
institutos – ação de inconstitucionalidade por omissão ou mandado de
injunção – não contribuem para a efetivação do direito ao lazer.
309
I bidem , p. 123 .
310
I bid. , p . 127 .
310
137
Jorge Luiz Souto Maior analisou o direito ao lazer, mas
nomeando-o como o direito desconexão do trabalho, afirmando que
sua efetivação seria um resgate da natureza humana com o encontro
de “si mesmo, para que consiga ser pai, mãe, filho, amigo; para que
leia livros, assista filmes etc.; para que tenha tempo de rir, chorar, se
emocionar. Não se alcança a plenitude do ser sem o sentimento.” 311
Souto
Maior
afirma
nesse
estudo
ser
necessário
para
a
efetivação do direito à desconexão do trabalho (direito ao lazer) que
uma técnica jurídica nova deveria tutelar o alcance desse direito, não
só do trabalhador, mas também daquele que não está atrelado ao
direito do trabalho. Também deveriam ser estabelecidas técnicas
jurídicas de controle e repressão rigorosas sobre a prestação de
serviço em horário extraordinário, com vistas aos limites diários e
semanais da jornada de trabalho constantes do artigo 7º, inciso XIII,
da Constituição da República, e, tema estudado anteriormente neste
em relação à limitação da jornada e flexibilização da jornada de
trabalho.
312
Para se alcançar a solução da problemática proposta, qual seja,
a de encontrar os meios ou o meio de efetivação do direito social ao
lazer, importa considerar se o homem, o homem trabalhador, foi
educado para e pelo lazer, “no sentido de estabelecer um estilo de
vida em que exista equilíbrio entre trabalho e lazer.” Tanto a família, a
mídia, a vizinhança, a instituição comunitária, a escola podem ter
contribuído para uma educação que não priorize o exercício do lazer,
e
em
consequência,
a
busca
concretização da cidadania.
pela
realização
desse
direito,
a
313
311
MA I O R , J or ge Lui z Sou to. Do d ir ei to à d esc onex ão d o t rab alh o. Re vis ta do
D epa rtam ento de Di reit o d o Trab alho e da S egurid ade Soc ia l. Fac uld ade de D irei to da
U ni ve rs ida de d e S ão Paulo . V. 1 , n . 1 , ja n/ j un 2 006 , p . 91 -95 .
312
I bidem , p. 91 -95.
313
MÜ L L ER , Adem i r. C ultu ra do la ze r do tr abalh ado r da i ndús t ria : i nc lus ão ou e xc lus ão?
I n: MÜ LLE R, Adem i r; DA C O S TA , Lam a rtin e Pe rei ra [o rg. ] Laz e r e t raba lho : um ú nic o
ou m últ iplos olha res ? San ta Cru z do Sul : ED U NI SC , 83/1 15, 2003 , p . 12 1-12 2.
138
Muller afirma nesse contexto que
lazer é um a atividade m ultidis c iplinar e dever ia ser
tr abalhada de um a form a inter dis c iplinar entre os vár ios
pr of iss ionais
da
esc ola.
Ar tes,
f es tas
tr adic ionais,
exc urs ões ,
j ogos ,
es portes ,
ginás tic a,
danç a,
ac am pam entos, teatr o, m ús ic a, pintura, entr e outr as, s ão
f orm as lúdic as de educ ar as cr ianç as e j ovens para o lazer
e, na vivênc ia dessas pr átic as , vem a educ aç ão pelo
314
lazer .
Em verdade, como analisado em detalhes, o direito ao lazer é
uma conquista histórica. Há, todavia, necessidade de uma construção
da cultura do direito ao lazer. Isso porque não é só do poder público a
obrigação de oferecer políticas públicas para a efetivação do direito
ao lazer. Outros atores participam dessa cultura acerca do exercício
do direito ao lazer, como a família, a comunidade, o sindicato, amigos,
dentre outros, e principalmente, a escolha pessoal.
315
Para Calvet, deve-se atentar para a orientação da conduta do
empregador nas relações trabalhistas, no ensejo de que esse respeite
as determinações legais relativas à duração do trabalho, jornada,
repouso
e
descansos
estabelecidos,
bem
como
incentive
os
trabalhadores a práticas que desenvolvam o lazer. Salienta também o
autor que devem ser incentivadas práticas que viabilizem o despertar
da
criatividade
e
do
exercício
do
pensamento,
garantindo
ao
trabalhador um patamar mínimo de qualidade de vida. A criação de
ambientes de desenvolvimento do lazer é outra prática sugerida pelo
autor.
316
Sustenta, ainda, que esse incentivo, essa cultura positiva do
exercício do direito ao lazer possibilitaria a tutela judicial do instituto,
pois atualmente a cultura dominante dificilmente traz efeitos positivos
à demanda judicial.
317
314
I bidem , p. 122 .
315
I bid. , p . 133 .
316
C AL VE T, Ota vio Am ar al. D ir eit o a o Laz e r nas re laçõ es de t raba lho . São Paulo : LTr,
20 06, p. 106 -109 .
317
I bidem , p. 110 .
139
Nesse sentido, poucas são as decisões judiciais encontradas.
Em nossa pesquisa, observamos justificativas simples aos pedidos de
indenização pela supressão do exercício do direito ao lazer em razão
do número excessivo de horas extraordinárias praticadas em algumas
empresas. A justificativa equivalente nas decisões restringe-se à
questão do pagamento das horas extras, entendendo os juízes não
fazer jus o trabalhador a indenização pela supressão, posto configurar
um bis in idem. Mas, algumas decisões já foram prolatadas no sentido
de reconhecer a condenação de indenização por danos morais pela
supressão do exercício do direito ao lazer, como a decisão abaixo
DIREIT O AO LAZ ER. DIREIT O SO CIAL PREVIST O NO
ART IGO 6º, “CAPUT ”, DA CO NST IT UIÇÃO F EDERAL.
INDENIZ AÇÃO POR DANO S MO RAIS. O dir eito ao lazer ,
pr evis to na Cons tituição F eder al c om o dir eito s oc ial e em
divers as outras norm as inter nac ionais , ao s er violado, ger a o
dir eito à r epar aç ão, em razão do latente dano à m or al
c aus ado, pois diante da pr ivação do direito ao lazer do
r ec lam ante, foi obs tado o dir eito ao c onvívio s oc ial e
f am iliar, bem com o o dir eito ao desc anso.
( ...)
Ass im , o dir eito ao lazer , previsto na Constituiç ão F eder al
c om o dir eito s oc ial e em divers os outr os tex tos legis lativos ,
ao s er violado, ger a o dir eito à r epar aç ão, em r azão do
latente dano à m or al c aus ado, pois diante da pr ivação do
dir eito ao lazer do rec lam ante, foi obs tado o dir eito ao
c onvívio soc ial e fam iliar , bem c om o o dir eito ao desc ans o.
O dano m oral oc as iona les ão na esfer a pers onalíss im a do
titular , violando s ua intim idade, vida privada, honr a e
im agem , im plic ando num a indenizaç ão c om pensatór ia ao
318
ofendido.
A pós-modernidade carrega inúmeros paradoxos resultantes do
desenvolvimento desenfreado do capitalismo, surgindo a necessidade
de tutela dos direitos sociais fundamentais, dentre eles o direito ao
lazer, no ensejo precípuo de salvaguardar a dignidade da pessoa
humana, e obter um sistema que concretize a justiça social, isso se
dará com esforços conjuntos do Estado e sociedade civil.
318
B R AS IL. Tr ibu nal Reg ion al d o T rab alh o d e S ão Paul o. 4ª Tu rm a. R O
00 733. 2008 .261 .02. 00-5 . Des . Relat ora I va ni Cont ini Bram ante . DJ 0 9.11 .20 10.
nº
140
Conclusões
Analisando
as
transformações
sociais
dos
últimos
séculos
concluímos que os direitos fundamentais são direitos dinâmicos que
nascem e florescem da evolução do homem e suas conquistas. Um
construído histórico que visa tutelar as diversas formas que o homem
convive em sociedade, as relações do particular e dessa sociedade
com o Estado, bem como as relações do homem com o meio ambiente
que faz parte.
Esses
direitos
fundamentais
foram
reconhecidos
progressivamente na história do homem e do direito, possuindo
caráter cumulativo, de complementariedade e não de alternância, não
havendo substituição de direitos ao longo do tempo. Denominando-os
em grupo, para fins didáticos, como diretos fundamentais de primeira,
segunda e terceira dimensões.
O direito ao trabalho e o direito ao lazer são conquistas do
século XIX emergindo dos impactos da revolução industrial para
socorrer as extenuantes e degradantes formas de trabalho, no ensejo
de combater as condições de trabalho nas fábricas, minas e outros
empreendimentos, que usavam mulheres e crianças para um trabalho
em
condições
insalubres
pelo
pagamento
de
salários
baixos.
Conquistas do movimento revolucionário e reformista que nasceu de
revolta intelectual e política.
A revolução industrial trouxe também novas tecnologias que
evoluem em ritmo frenético chegando hoje à era da informação,
transformando o mundo do trabalho dos primórdios ruralistas para as
redes de informações globais. O homem deixa de pensar o trabalho
como dor, sofrimento, pecado, escravidão, venda do tempo, atividade
nobre e meio de subsistência e caminha para a busca de realizações
pessoais, até se defrontar com um enigma: trabalhar para viver, viver
para trabalhar, ou trabalhar e viver?
141
Nos últimos trinta anos, com a pós-modernidade, há um debate
social sobre a questão. Sociólogos, psicólogos, antropologistas e
juristas debatem questões sobre a centralidade do trabalho e seus
efeitos sociais. Isso porque a era da informação traz novas formas de
prestação de serviços em conflito com o trabalho assalariado. No
entanto,
isso
não
significa
afirmar
que
essas
transformações,
flexibilidade e informalismo deem ensejo ao fim da centralidade do
trabalho. Apenas ajustes de conduta e necessidade de florescimento
de novas tutelas jurídicas.
Surge desse contexto novos paradigmas, novas necessidades,
sendo uma delas a observância da regulação do tempo de trabalho,
flexibilização adequada das horas de trabalho e tutela da limitação do
tempo de trabalho, sob pena de suprimir o exercício do direito ao
lazer, instituto que propicia a convivência familiar, o desenvolvimento
intelectual,
cultural,
psicológico
e
educacional,
bem
como
a
recomposição das energias físicas e mentais.
Mas, para a efetivação do direito ao lazer primeiramente será
necessário uma transformação ideológica, uma construção cultural do
direito ao lazer, ou seja, a sociedade deverá ser educada a fazer do
lazer um estilo de vida equilibrando-se com o trabalho e as demais
atividades da vida. Com esse sentimento, essa conduta, o cidadão
buscará a realização de seus direitos que já está positivado no
ordenamento constitucional.
Assim a efetivação do direito ao lazer deve partir de uma
construção cultural, com políticas públicas voltadas a execução do
lazer, com a criação de ambientes de desenvolvimento do lazer nas
empresas, com a consciência do cidadão no valor e necessidade do
exercício
do
direito
ao
lazer,
políticas, legislativas e judiciais.
contagiando,
inclusive,
decisões
142
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