Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS DE BIOLOGIA CELULAR E DO DESENVOLVIMENTO 1 O Padrão de Organização dos Seres Vivos O conceito de vida traz em si a idéia de auto-organização. Por quê? Porque se pensarmos em qualquer ser vivo, incluindo o ser humano, conseguimos distinguir uma forma física e as funções exercidas por essa forma física, a qual geralmente está subdivida em partes que se integram em um todo. Assim, da bactéria ao homem, existe um “corpo” que funciona com o objetivo de sobreviver e de se reproduzir. É claro que no caso das bactérias a reprodução deste corpo consistirá na partição da mesma em duas bactérias irmãs, enquanto que no homem ocorrerá a geração de um novo organismo a partir de células especiais (gametas) que contêm informações genéticas provenientes de um homem e de uma mulher. O padrão de organização dos seres vivos é conhecido desde o início do século XX como um padrão de organização em rede. Isso porque, a origem e o desenvolvimento de um dado organismo acontecem através de interações complexas, diretas e indiretas entre uma grande quantidade de elementos. Entretanto, se pegarmos um objeto não vivo, esse muitas vezes também apresenta níveis de complexidade bastante grandes. Então, o que difere o padrão de organização de um ser vivo do padrão de um ser não vivo? Tomemos uma mesa por exemplo. A mesa possui uma forma (quatro pés de apoio e uma prancha de madeira) e desempenha uma função: a mesa servirá para comer, para estudar, para colocar outros objetos de apoio. Os constituintes desta mesa também são elementos químicos tanto quanto o dos seres vivos. Então, o que separa os seres vivos da mesa que possui forma e função? A auto-organização dos seres vivos! A auto-organização presente em todos os seres vivos pode ser caracterizada a partir dos seguintes critérios básicos: 1º) a capacidade da auto-criação : Um ser vivo consegue a partir de uma única célula sobreviver, como é o caso dos organismos unicelulares, ou mesmo se desenvolver em um ser multicelular com mais de 75 trilhões de células, como é o caso de um ser humano adulto. Caso haja uma lesão no corpo, o ser vivo possui mecanismos para se “auto-consertar”, através de processos que envolvem a cicatrização e/ou até mesmo a regeneração, como acontece em alguns tecidos ou mesmo em órgãos de algumas espécies. A mesa não consegue “se criar”, portanto, alguém precisa “fazê-la”, e caso aconteça alguma injúria a ela, a mesa ou outro ser não vivo qualquer, não conseguirá jamais se “auto-consertar”. A auto-criação também denominada “autopoiése”. 2º) a capacidade de reprodução: Ao contrário de qualquer ser vivo que consegue produzir uma progênie (se reproduzir), um ser não vivo como a mesa não consegue “fazer outras mesinhas, que 1 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz crescerão e gerarão mais mesas”. Portanto, a auto-organização inclui a capacidade de reprodução dos seres vivos. 3º) a capacidade de manutenção da constância do meio corporal (homeostase): Se colocarmos uma mesa no sol e na chuva, em condições de variação de frio, calor e umidade, a mesa não terá a capacidade de ajustar a sua estrutura interna às mudanças ambientais e, portanto, não terá capacidade de amenizar o impacto do meio externo sob a sua estrutura. Assim, o ambiente agirá de modo direto sobre a mesa, muitas vezes causando danos irreparáveis. Já o ser vivo desenvolveu estratégias biológicas que permitem amenizar o impacto ambiental sob o seu corpo e que garantem a ele a manutenção da constância da água e de outros elementos químicos do seu meio interno. Essa constância é bem estudada na fisiologia e genericamente denominada “homeostase”. Em síntese, o ser vivo tem a capacidade de “ser”, através do seu desenvolvimento corporal, de “se fazer”, através da reprodução que dá origem a organismos similares a ele, e de “interagir com o meio ambiente ao mesmo tempo em que mantém um estado constante”, conhecido como homeostase corporal. Para que estas funções sejam possíveis estruturalmente todos os seres vivos são formados por quatro tipos de macromoléculas que irão ter um papel importante na sua organização. 2 As quatro macromoléculas principais da estrutura dos seres vivos Se observarmos qualquer tipo de ser vivo e analisarmos sua composição estarão presentes quatro tipos de macromoléculas: proteínas, carboidratos, gorduras (lipídios) e ácidos nucleicos (que formam o material genético, ácido desoxirribonucléico – DNA, e outros ácidos nucléicos funcionalmente importantes (ácidos ribonucléicos, RNAs). Estas macromoléculas são sintetizadas a partir de compostos ou substâncias menores ou unidades químicas. 2.1 Proteínas e Aminoácidos As proteínas são formadas por 100 ou mais moléculas de aminoácidos. No caso do ser humano, 20% do seu peso corporal é composto por proteínas que são responsáveis pela formação de estruturas celulares e teciduais importantes, além de produzirem moléculas que agem diretamente no metabolismo corporal (enzimas). Quimicamente um aminoácido é considerado uma molécula orgânica composta por átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio. Existem 20 tipos de aminoácidos presentes na formação dos seres vivos. Esses aminoácidos são obtidos via alimentação (dieta) ou através da síntese pelo organismo. Ou seja, quando comemos um bife, por exemplo, o nosso sistema digestório degrada a proteína deste bife em unidades menores (aminoácidos) que são absorvidas pelas nossas células intestinais e distribuídas para as células do corpo via sistema circulatório (sangue). A partir destes aminoácidos provenientes da dieta ou mesmo sintetizados pelas células é que o nosso organismo produz suas proteínas específicas. Os aminoácidos que não podem ser produzidos pelo corpo humano e precisam ser ingeridos via dieta são denominados AMINOÁCIDOS ESSENCIAIS: arginina, fenilalanina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, serina, treonina, triptofano, histidina e valina. Os AMINOÁCIDOS NÃO ESSENCIAIS são aqueles que o organismo consegue sintetizar: alanina, asparagina, cisteína, glicina, glutamina, prolina, tirosina, ácido aspártico, ácido glutâmico. O estudo aprofundado sobre a síntese e degradação de proteínas é feito, especialmente, na disciplina de bioquímica. 2 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz Em 1806, foi descoberto na França o primeiro aminoácido, extraído dos talos de aspargos, e foi chamado de “asparagina”. Depois disso, a cisteína, glicina e leucina foram encontradas no cálculo urinário, gelatina e músculos, respectivamente. Todos os aminoácidos constituintes das proteínas corporais foram descobertos até 1935. 2.2 Carboidratos e glicose Os carboidratos são moléculas formadas por cadeias de uma unidade química fundamental: a glicose. São moléculas de fundamental importância para os seres vivos, uma vez que eles possuem funções estruturais (por exemplo, na formação da membrana das células), fornecem e armazenam energia para a manutenção da vida. Além disto, muitos tipos de carboidratos possuem funções específicas importantes como veremos ao longo da nossa disciplina. Genericamente os carboidratos são conhecidos como “açucares”. Os carboidratos são quimicamente moléculas orgânicas também denominadas de “hidratos de carbono”. Sua fórmula empírica é (CH2O)n. Os carboidratos são a maior reserva de energia do reino vegetal, já que são produzidos via fotossíntese. Nos animais, os carboidratos relacionados com a produção de energia são encontrados em pequenas quantidades no sangue (sob a forma de glicose), no fígado e no músculo como glicogênio. É importante comentar que os carboidratos são o único tipo de molécula que produz energia no sistema nervoso e, portanto, é crucial para a nossa vida. A estrutura, os tipos de carboidratos, a síntese, o armazenamento e a produção de energia são temas estudados na disciplina de bioquímica. Para a saúde humana, o entendimento da bioquímica dos carboidratos é de fundamental importância, uma vez que está diretamente relacionada com diversas doenças prevalentes na população, como é o caso do diabetes ou mesmo da obesidade e da desnutrição. Os carboidratos são conhecidos como açucares ou sacarídeos, nome derivado do grego sakcharon que significa açúcar. Porém, é importante comentar que nem todos os carboidratos possuem sabor adocicado. 2.3 Lipídios (gorduras) Dentro das quatro macromoléculas que compõem os seres vivos, os lipídios são aquelas que apresentam maior variação na sua estrutura molecular. São substâncias cuja característica principal é a insolubilidade em solventes polares e a solubilidade em solventes orgânicos (apolares), apresentando natureza hidrofóbica, ou seja, aversão à molécula de água. Os seres vivos são capazes de sintetizar lipídios, no entanto algumas classes só podem ser sintetizadas por vegetais, como é o caso das vitaminas lipossolúveis e dos ácidos graxos essenciais. Portanto, muitos lipídios importantes para a vida humana são, necessariamente, obtidos através da dieta. A estrutura molecular mais comum dos lipídeos é formada por uma molécula de glicerol (álcool) ligada a três moléculas de ácidos graxos. Os lipídios são fundamentais para a vida, já que apresentam diversas funções, como por exemplo: reserva energética (sua estrutura pode ser degradada em moléculas de glicose utilizadas para gerar energia para o corpo), isolamento térmico (a gordura corporal evita que haja grande perda ou mesmo 3 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz ingresso de calor para o interior do corpo), elemento fundamental da composição das membranas celulares e como moléculas que dão origem a compostos que regulam a diferenciação de células e tecidos bem como sua função. Esse é o caso dos hormônios esteróides que são produzidos a partir do colesterol (que é um lipídio). 2.4 Ácidos nucleicos e nucleotídeos A quarta categoria de macromoléculas é conhecida genericamente como “ácidos nucleicos”. Especialmente o ácido desoxirribonucleico (ADN, em português: ácido desoxirribonucleico; ou DNA, em inglês: desoxyribonucleic acid), é um composto orgânico cujas moléculas contêm informações sobre os tipos de proteínas que serão produzidas pelo corpo que estão relacionadas com o desenvolvimento e funcionamento corporal, diferenciação das células e tecidos, regulação do metabolismo corporal, etc. Ou seja, o DNA é uma molécula reguladora da formação e manutenção do corpo humano auxiliada por outras moléculas de ácidos nucleicas conhecidas como RNAs (do Inglês ribonucleic acids, ácidos ribonucléicos). Do ponto de vista químico, o DNA é formado pelo entrelaçamento de dois longos polímeros de unidades simples (monômeros) de nucleotídeos. Cada nucleotídeo é formado por um açúcar com cinco aneis de carbono (Desoxirribose) ligados entre si por ligações fosfodiéster. Cada um desses polímeros é conhecido como hélice. Portanto, dizemos que o DNA é formado por uma dupla hélice. As hélices se unem pela ligação de duas moléculas que estão presentes em cada uma dessas estruturas. Essas moléculas são conhecidas como bases nitrogenadas. Portanto, ligada à molécula de desoxirribonucleotídeo (no primeiro carbono) está uma molécula conhecida como base nitrogenada. Existem quatro tipos de bases nitrogenadas no organismo: duas púricas (adenina e guanina) e duas pirimídicas (citosina e timina). Sempre uma guanina liga-se a uma citosina ou vice-versa e sempre uma adenina liga-se a uma timina ou vice-versa. A diversidade na sequência das bases nitrogenadas presentes em um segmento de DNA é que determina o tipo de proteína que será produzida pelo organismo. Acredita-se que a vida se originou nos oceanos há 4 bilhões de anos. Há 3,5 bilhões de anos, a altamente elaborada molécula DNA surgiu. O DNA é a base de toda a vida na Terra. O dogma central da biologia, baseado na supremacia do DNA, define o fluxo de informações nos organismos vivos. No caso, esse fluxo segue em uma única direção, do DNA para o RNA e depois para a proteína. Ou seja, DNA representa a memória de longo prazo da célula, que carrega informações que são passadas entre as gerações. Parte destas informações irá orientar a síntese das proteínas corporais. Para tanto, moléculas temporárias e mais instáveis (RNA) são produzidas a fim de direcionar a síntese das proteínas. Nos seres humanos, o DNA fica no interior do núcleo. Para o desencadeamento da síntese de proteínas são produzidas a partir dessa molécula, moléculas de RNAs que migram para o citoplasma, especificamente para o reticulo endoplasmático rugoso onde ocorre a síntese proteica propriamente dita. A produção de RNA é conhecida genericamente como transcrição e a produção de proteínas como tradução. Quando uma célula se prepara para se dividir ela duplica o seu material genético (DNA) através de um processo conhecido como replicação. O estudo da estrutura do DNA, suas funções, diversidade e problemas genéticos associados à saúde humana são estudados na disciplina de Genética. Na nossa disciplina serão abordadas duas questões centrais: como nos desenvolvemos a partir de uma única célula (embriogênese)? E quais são os principais tipos de tecidos (estrutura e função) que o 4 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz Átomos Moléculas Tecidos Órgãos Sistemas Corporais EMBRIOLOGIA Células Formação BIOLOGIA CELULAR HISTOLOGIA ANATOMIA FISIOLOGIA GENÉTICA QUÍMICA nosso corpo possui (histologia)? A Figura 1 apresenta de modo esquemático os principais níveis de organização dos seres vivos e as disciplinas relacionadas ao estudo dos mesmos destacando a embriologia e histologia. Organismos ECOLOGIA Populações Ecossistema de diferentes Espécies Biosfera Figura 1 Níveis de organização dos seres vivos e as disciplinas de conhecimento biológico a eles relacionadas destacando-se a histologia e a embriologia que são os dois principais focos aqui estudados. 3 Compartimentos corporais Um organismo multicelular, como é o caso do ser humano, apresenta o corpo dividido em dois grandes compartimentos: o compartimento intracelular e o compartimento extracelular. Isso ocorre 5 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz porque a evolução dos organismos multicelulares foi possível a partir da evolução de um ambiente que permitisse que células trabalhassem de modo cooperativo e harmônico para formar um corpo composto por tecidos, órgãos e sistemas. Assim, basicamente as células em todos os tecidos corporais estão imersas em uma matriz extracelular (ou líquido extracelular) que mimetiza as condições iniciais do mundo aquático quando só existiam organismos unicelulares. Já o conteúdo que existe dentro das células é denominado meio intracelular. O líquido extracelular que envolve as células informa sobre as condições ambientais em que o corpo se encontra. Assim, quando o ambiente externo muda, ocorrem também mudanças no líquido extracelular que permitem que as células se ajustem as mesmas. Porém, nossas células não são muito tolerantes a mudanças bruscas e, por esse motivo, existe uma série de mecanismos voltados para a manutenção da constância do meio extracelular. A capacidade do corpo em manter o líquido extracelular relativamente constante é conhecida como homeostase. Atenção: homeostase não significa equilíbrio entre o líquido extracelular e intracelular, que são diferentes em composição; homeostase significa que tais diferenças tendem a se manter constantes por mecanismos ativos. O estudo da homeostase corporal e patologias associadas a alterações que ocorram é tema da fisiologia. Na histologia estudaremos os principais tecidos corporais e observaremos que, conforme a sua estrutura e função, o meio extracelular varia em quantidade e também em composição, o que torna relevante o estudo da estrutura dos tecidos para entendermos as funções orgânicas e doenças associadas. 4 Células e Tecidos Muito cedo nos nossos estudos de ciências biológicas, aprendemos que a unidade da vida é a célula. A célula é a unidade fundamental do ser vivo (tanto unicelular quanto multicelular). Em organismos multicelulares, como é o caso do ser humano, a célula precisou desenvolver uma série de estruturas especializadas que permitem que ela se comunique com as células vizinhas ou mesmo com outras células que estão espacialmente distantes. Entender que estruturas são essas e seu papel na função do organismo é fundamental para identificarmos estados de saúde e doença. Em geral, podemos dizer que a célula dos eucariotos possui uma estrutura básica composta de uma membrana celular que a delimita, um citoplasma que contém estruturas também envoltas por membranas com funções específicas (organelas) e um núcleo também delimitado por membrana que contém as informações que irão determinar os aspectos físicos e funcionais daquele ser vivo (material genético, ácido desoxirribonucléico, DNA). Uma vez que somos organismos multicelulares, isso significa dizer que existem mais de 200 tipos de células que compõem o nosso corpo, as diferenças dessas células são de fundamental importância para a diferenciação, manutenção do corpo humano, sua reprodução e desenvolvimento. A seguir serão comentados os principais aspectos relacionados com a estrutura celular. 6 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz 4.1 A membrana plasmática celular A membrana celular delimita o meio interno da célula em relação ao ambiente que a envolve. Em termos estruturais, a membrana plasmática é composta por uma dupla camada de moléculas lipídicas (bicamada lipídica) formada por lipídios e moléculas de fosfato (moléculas fosfolipídicas).1 Essa estrutura é fundamental para a sobrevivência da célula porque a porção das moléculas hidrofóbicas, que compõem a membrana, fica na porção central da bicamada, enquanto que a porção hidrofílica fica exposta tanto para o exterior quanto para o interior da célula. Ou seja, a parte dos lipídios que é insolúvel em água fica voltada para o interior da bicamada lipídica, enquanto que a parte que é solúvel em água fica na superfície interna e externa da membrana. Dois tipos principais de moléculas lipídicas são encontrados na formação das membranas celulares: fosfolipídeos e colesterol. Além da bicamada fosfolipídica, são encontradas nas membranas celulares, moléculas de proteínas. Existem dois tipos de proteínas de membrana: proteínas periféricas ou extrínsecas e as proteínas integrais, intrínsecas ou trans-membrana. As proteínas periféricas se ligam fracamente as proteínas transmembranas e podem ser removidas sem que ocorram problemas na integridade da membrana. Já as proteínas transmembrana estão fortemente ligadas à bicamada lipídica e muitas delas atravessam a membrana inteira. Estas proteínas só podem ser separadas da bicamada lipídica se essa for degradada, ou seja, se a célula for destruída. Essa estrutura da membrana permite que a mesma desempenhe funções de fundamental importância para a célula, entre as quais: - Delimitação (isolamento físico) da célula em relação ao ambiente que a rodeia; - Regulação das trocas químicas ou físicas entre o interior da célula e o ambiente externo - Comunicação entre as células e o seu meio ambiente - Suporte estrutural para que as células formem os tecidos corporais, existindo proteínas transmembranas que se ligam na parte interna (citoplasma), atravessam a bicamada lipídica e se ligam a outras proteínas presentes no ambiente extracelular. - Delimitação de ambientes específicos intracelulares que possuem funções diferenciadas. Esses “ambientes físicos” delimitados por membranas são genericamente conhecidos como organelas. Portanto, em termos estruturais a membrana plasmática é composta pela bicamada lipídica e por glicolipídeos e glicoproteínas que possuem diversas funções (Figura 2). Como podemos observar, as proteínas da membrana são muito importantes para a estrutura e função celular. 1 Quando os cientistas conseguiram observar as células em microscópio eletrônico Singer e Nicolson (1972) propuseram este modelo da estrutura da membrana celular conhecido como modelo celular do mosaico fluído. 7 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz 4.1.1 Principais tipos de proteínas que existem na membrana plasmática Proteínas transportadoras de moléculas através da membrana Existem dois tipos de proteínas transportadoras: proteínas carreadoras que se ligam a uma determinada molécula, mudam a sua conformação estrutural e fazem com que essa molécula seja transportada para dentro ou para fora da célula, e proteínas de canal que formam passagens estruturais através da bicamada lipídica. Esses canais podem ser permanentemente abertos ou podem ser temporariamente abertos e fechados (abrem-se por algum tipo de estimulo químico, mecânico ou elétrico). Os canais que podem ser abertos e fechados são genericamente denominados de canais porta. Eles podem ser quimicamente, mecanicamente ou eletricamente fechados. Estes canais são de vital importância na fisiologia corporal. A seletividade do canal para a passagem de uma dada molécula é determinada pelo seu diâmetro e pela carga elétrica dos aminoácidos que envolvem o canal. Os canais abertos são muitas vezes denominados canais de vazamento, ou poros, como é o caso dos canais proteicos que deixam a água passar entre os compartimentos inter e intracelulares. Composição química da membrana celular Colesterol Fosfolipídeos Bicamada lipídica Carboidratos Glicolipídeos Proteínas Glicoproteínas -Estrutura e estabilidade da célula -Reconhecimento celular -Resposta imunológica -Canais, poros, receptores que permitem o transporte de moléculas através da membrana Figura 2 Esquema geral da estrutura das membranas plasmáticas (celulares) 8 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz Proteínas estruturais associadas à formação dos tecidos Também existem dois tipos gerais de proteínas estruturais da membrana: as proteínas do citoesqueleto e as junções celulares. Enquanto as proteínas do citoesqueleto são responsáveis pela forma física da célula (veja as diferenças, por exemplo, entre um neurônio e uma célula muscular), as junções celulares são responsáveis pela fixação das células umas as outras formando os tecidos ou mesmo determinando o aumento ou diminuição da permeabilidade desse tecido. Portanto, existem diversos tipos de junções celulares que são importantes de serem conhecidas. A Tabela 1 apresenta os principais tipos de junções celulares e suas funções. Enzimas O organismo possui uma grande quantidade de reações químicas que geralmente são mediadas por proteínas especiais denominadas enzimas. As enzimas são elementos catalisadores de uma reação química (aceleram ou diminuem a mesma) ainda que não participem da sua reação propriamente dita. Dizemos que as enzimas participam do metabolismo corporal e também na transferência de sinais entre as células do organismo. Geralmente as enzimas atuam dentro dos compartimentos intracelulares. Receptores proteicos Os receptores são uma classe de proteínas que têm a propriedade de se ligar a uma molécula externa a célula ou mesmo no seu interior e desencadear uma resposta específica da célula. Ou seja, funcionam como “agentes de informação” sobre sinais químicos, físicos ou elétricos recebidos para que a célula tome determinada atitude. A resposta a hormônios na sua maior parte é mediada pela presença de receptores hormonais específicos que induzem a célula a uma determinada resposta. Quando não existem esses receptores na membrana plasmática da célula ou no seu interior, não ocorrerá a resposta. Por isso, chamamos as células que possuem um determinado receptor para uma determinada moléculasinal (como por exemplo, hormônios) de células-alvo. Proteínas de Reconhecimento Celular O organismo precisa reconhecer o que é dele mesmo (próprio) do que não é (microorganismos ou outros agentes externos ao corpo). Por esse motivo, a membrana plasmática também possui proteínas que auxiliam esse reconhecimento e que são fundamentais para a proteção do nosso corpo. Isto porque, as células do nosso sistema imunológico que patrulham o organismo em busca de possíveis invasões conseguem reconhecer se as células são do organismo ou não. Você vai aprender mais sobre reconhecimento celular e a relevância na defesa corporal quando estudar imunologia. 9 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz Tabela 1 Principais tipos de junções celulares e suas funções biológicas Junções Estrutura Junções de São semelhantes a botões ou a um zíper de Adesão uma calça. Formadas por glicoproteínas ligam uma célula a outra formando o tecido com resistência a distensões ou torções. Este tipo de junção inclui os desmossomos, hemidesmossomos. Formada por proteínas transmembrana como as caderinas que se ligam internamente a filamentos do citoesqueleto e a outras proteínas presentes na matriz extracelular. Junções de Servem para impedir a passagem de material oclusão entre as células que está unindo. Ou seja, formam uma barreira física que torna aquele tecido impermeável a passagem de moléculas. Isto é possível pela presença de proteínas denominadas ocludinas. Junções comunicantes Este tipo de junção cria pontes citoplasmáticas que ligam duas células vizinhas permitindo que sinais (químicos, físicos, elétricos) sejam transmitidos entre as mesmas. As proteínas que formam este tipo de junção são as conexinas. Funções Criam uma unidade tecidual resistente. Este tipo de junção é muito freqüente na maioria dos tecidos corporais. Na fisiologia, as junções de oclusão são importantes porque criam barreiras, como é o caso da barreira hematoencefálica que impede que o sangue e os fluídos extracelulares presentes no cérebro entrem diretamente em contato. Essa estratégia é vital para impedir que substâncias que podem ser perigosas ao sistema nervoso entrem no mesmo. Existem outras barreiras teciduais como você terá oportunidade de estudar na histologia e na fisiologia. São um importante meio de comunicação célula-célula. Existem especialmente em células musculares e nervosas, mas também nas células hepáticas, do pâncreas, ovário, etc. 4.1.2 Movimentos através da Membrana Plasmática A membrana plasmática ao mesmo tempo em que funciona como uma barreira entre o meio intra e extracelular permite que ocorra fluxo de moléculas para que a célula possa sobreviver. Uma vez que o movimento de moléculas entre os compartimentos extra e intracelular é feito através da membrana plasmática, esse pode ocorrer com ou sem gasto de energia. A dinâmica do movimento das moléculas através das membranas é de especial interesse para a fisiologia. Entretanto, precisamos entender alguns aspectos cito-histológicos que podem estar relacionados a esses movimentos. A Figura 3 apresenta de um modo genérico os principais tipos de movimento através da membrana. Vale lembrar que a água consegue atravessar livremente a membrana celular conforme a concentração maior ou menor do meio 10 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz intra e extracelular. Este processo é conhecido como osmose e é ativamente regulado para manter tanto o volume intracelular quanto o volume extracelular. Uma propriedade importante da membrana plasmática em relação ao movimento das moléculas é que ela permite a separação de cargas elétricas. Ou seja, a carga elétrica pode ser diferente dentro da célula e no seu meio extracelular. Chamamos esta diferença de diferença de potencial da membrana. O estudo fisiológico do gradiente elétrico entre o líquido extracelular e intracelular é de grande importância para entendermos como as células do organismo se comunicam entre si. 4.1.3 Membrana plasmática e a comunicação célula-célula A comunicação entre as células é o que torna possível que o organismo responda de modo harmônico, cooperativo e ordenado aos diferentes estímulos internos (que o fazem se diferenciar, amadurecer, reproduzir e até mesmo envelhecer) e externos (representados por variações ambientais de diversas naturezas como a temperatura, umidade, pressão, etc.). Entretanto, existem somente dois tipos possíveis de sinais fisiológicos relacionados à comunicação celular: químicos e elétricos. Existem três processos básicos em que a comunicação célula-célula ocorre: (1) através da transferência de sinais químicos ou elétricos através das junções comunicantes; (2) comunicação das células que estão próximas entre si através da difusão de moléculas químicas produzidas por determinadas células no líquido extracelular. Este tipo de comunicação pode ser de dois tipos: autócrina e parácrina. Um sinal parácrino ocorre quando uma substância é secretada por células vizinhas, e atua em células próximas. Um sinal autócrino é quando uma substância secretada pela própria célula atua sobre ela mesma. Geralmente as substâncias parácrinas e autócrinas chegam até os seus alvos celulares via difusão. Existem vários tipos de substâncias parácrinas que você vai aprender quando estudar, principalmente, histologia, embriologia e fisiologia. Entre estas podemos citar: as citoquinas, os neuromoduladores, os eicosanóides (prostaglandinas, leucotrienos, etc.); (3) comunicação a longa distância que é feita basicamente por hormônios que são substâncias regulatórias produzidas em glândulas e que migram para muito longe do seu local de síntese, através da corrente sanguínea. 11 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz Movimento de moléculas Através da membrana celular Sem gasto de energia Com gasto de energia Difusão: - simples - facilitada -Transporte Ativo -Endocitose -Exocitose -Fagocitose Figura 3 Movimento de moléculas através da membrana plasmática. Existe um movimento que não necessita de energia adicional (difusão) que pode ser difusão simples (em que as moléculas lipofílicas, ou seja, que se dissolvem em lipídios atravessam a membrana) e a difusão facilitada que geralmente ocorre em moléculas hidrofílicas que não se dissolvem na gordura da bicamada lipídica. A molécula que é transportada via difusão facilitada atravessa a membrana plasmática com o auxilio de uma proteína presente na membrana. No transporte ativo, geralmente também existem proteínas de membrana envolvidas. A endocitose ocorre quando um determinado conteúdo presente no meio extracelular é inicialmente envolvido por membrana plasmática e esta se funde a membrana celular levando o conteúdo para o interior do citoplasma. A exocitose é o movimento contrário, em que um determinado conteúdo celular é envolvido por membrana e expelido para o exterior da célula. A fagocitose é um movimento celular mais complexo que envolve o engolfamento geralmente de material muito grande, como uma bactéria, por exemplo, para o interior da célula que, geralmente, degrada tal conteúdo. 4.2 Citosol e organelas citoplasmáticas O citoplasma celular é basicamente composto por uma parte líquida, o citosol, que é uma substância semi-gelatinosa que contém diversas moléculas importantes para a sobrevivência da célula, como nutrientes, íons, partículas insolúveis denominadas inclusão, e outras moléculas funcionais. Mergulhadas no citosol existem estruturas denominadas organelas citoplasmáticas que podem ou não serem delimitadas por membrana plasmática. As organelas sem membrana plasmática são: os ribossomos, que fazem parte da maquinaria da síntese de proteínas, os vaults (organelas recentemente descobertas com função ainda não bem esclarecida) e o citoesqueleto composto por fibras que é uma estrutura flexível e modificável. O citoesqueleto possui cinco importantes funções biológicas: (1) determina a forma celular, auxilia no suporte de dobramentos na membrana plasmática da célula denominados microvilosidades que aumentam a área de superfície de contato entre o meio intra e extracelular; (2) estabilização da posição das organelas, ou seja, ajudam na permanência de uma dada organela em um determinado local da célula; (3) auxilia no transporte de materiais dentro da célula de um local para o outro, de uma organela para outra; (4) conectam-se com fibras existentes no meio extracelular ligando uma célula a 12 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz outra e também permitindo a transferência de informações entre as células; (5) permite que determinadas células sejam capazes de se movimentar através do corpo humano tanto quanto este está sendo formado ao longo da embriogênese quanto quando ele é maduro. Por exemplo, o movimento de células imunes como os macrófagos que são atraídos por patógenos para engolfá-los e destruí-los é feito através de movimentos do citoesqueleto. Os centrossomos são organelas que atuam como centro organizador de microtúbulos das células, usando moléculas da proteína tubulina. Na maioria das células, os centrossomos possuem dois centríolos. Cada centríolo é um tubo cilíndrico de 27 microtúbulos arranjados em nove trios. Os cílios e flagelos, que são estruturas móveis presentes em alguns tipos de células, são formados a partir dos centrossomos celulares. Existem organelas envoltas por membrana plasmática com funções específicas. Entre essas, destacamos as mitocôndrias, que são o local onde ocorre a síntese de moléculas de energia que o organismo vai precisar para se manter, desenvolver, reproduzir e realizar todas as suas funções. Na mitocôndria, a partir de reações químicas complexas, a glicose que foi obtida a partir da alimentação ou mesmo da degradação de macromoléculas corporais dá origem a molécula de adenosina tri-fosfato (ATP), cuja quebra libera energia necessária para as reações metabólicas corporais. O estudo dos processos pelo qual o ATP é gerado ou mesmo a glicose é sintetizada a partir de outras macromoléculas que não os carboidratos é tema da bioquímica. O retículo endoplasmático (RE) é também uma organela de grande importância biológica para as células. Estruturalmente o RE é composto por uma rede de tubos membranosos conectados que é a continuação da membrana externa do núcleo celular. O retículo plasmático que está associado aos ribossomos é denominado retículo endoplasmático rugoso e está diretamente associado à síntese das proteínas do corpo. O processo de síntese proteica a partir de informações químicas presentes em moléculas temporárias de ácidos nucleicos (RNA mensageiro) é tema da disciplina de genética e biologia molecular. O retículo endoplasmático que não possui ribossomo é denominado de retículo endoplasmático liso, e é o local da síntese de diversas moléculas lipídicas, entre os quais os ácidos graxos, hormônios esteróides (como os hormônios sexuais testosterona, estrogênio, progesterona) que são sintetizados a partir de moléculas de colesterol, e outros tipos diversos de lipídios celulares. Os retículos endoplasmáticos lisos dos rins e do fígado possuem moléculas que desintoxicam e inativam drogas químicas e farmacológicas. O aparelho de Golgi consiste em cinco ou seis sacos ocos e encurvados que se empilham uns sobre os outros permitindo que proteínas sejam processadas e envolvidas por vesículas de membrana plasmática. Essas vesículas são de dois tipos: secretoras ou de armazenamento. Os lisossomos são conhecidos como sistema de digestão celular porque são pequenas vesículas esféricas que armazenam enzimas atuantes na digestão de elementos celulares. Os lisossomos são produzidos a partir do aparelho de Golgi. Podem existir lisossomos modificados, conhecidos como peroxissomos, que são vesículas menores que os lisossomos cuja função parece ser a degradação de cadeias longas de ácidos graxos e de moléculas estranhas ao corpo que sejam potencialmente tóxicas. Essas organelas receberam este nome a partir da observação de que a degradação dos ácidos graxos gera peróxido de hidrogênio (H2O2). Essa molécula é altamente reativa sendo funcionalmente considerada um radical livre. Por esse motivo, existem enzimas citoplasmáticas como a catalase e a glutationa peroxidase que transformam o peróxido de hidrogênio em água. Por esse motivo, essas enzimas são denominadas de enzimas antioxidantes. O estudo dos sistemas antioxidantes endógenos é feito na bioquímica. 13 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz Além dessas organelas, existe o núcleo que é considerado o centro de controle celular por conter moléculas de DNA que formam os cromossomos. No caso do ser humano, existem 46 cromossomos no núcleo porque existem 46 moléculas de DNA que se liga a proteínas estruturais (histônicas) e não-estruturais (não histônicas). Nas células que estão na interfase, o DNA associado à proteína apresenta uma forma relaxada conhecida como cromatina. Quando a célula vai se dividir, o DNA e as proteínas associadas se condensam em uma estrutura compacta conhecida como cromossomo. Portanto, cromossomo e cromatina são estruturalmente similares contendo o DNA que é o material genético do organismo. Dentro do núcleo ainda podemos reconhecer uma área altamente condensada rica em moléculas de RNA denominada nucléolo. O estudo da estrutura cromossômica é feito na disciplina de genética. 4.3 Matriz extracelular Os tecidos onde estão as células possuem um material extracelular genericamente denominado de matriz extracelular. A matriz extracelular possui a função de sustentação do tecido e também auxilia na manutenção da homeostase corporal. Tanto a quantidade de matriz quanto alguns tipos de moléculas que a mesma possui variam enormemente de um tipo de tecido para outro. Portanto, as características da matriz extracelular são bem estudadas na disciplina de histologia. Nesta primeira parte, nós revisamos alguns conceitos fundamentais associados a biologia celular que serão utilizados tanto no estudo histológico dos tecidos corporais quanto na embriogênese. Em síntese, vimos que os seres vivos são auto-organizados e controlam seu próprio crescimento, amadurecimento e reprodução. Que a unidade fundamental do ser vivo é a célula existindo então dois compartimentos corporais: o compartimento intracelular e o extracelular. Que a membrana plasmática que delimita a célula tem diversas funções importantes na biologia corporal e que o citosol e as organelas dividem funções que garantem a sobrevivência celular e as funções específicas das mesmas. Além disto, vimos que o material que rodeia a célula forma a matriz extracelular que além de sustentar o tecido é importante para a sua homeostase. 5 Ciclo celular A vida de uma célula inclui uma série de eventos seqüenciais que são conhecidos em geral como ciclo celular. Cinco fases são reconhecidas no ciclo celular: G1, S, G2, M e GO. Cada uma destas fases tem duração variável segundo o tipo de célula e o momento do desenvolvimento. Entretanto, os processos que ocorrem em cada etapa são similares para todas as células. 5.1 Fase G1 Esta primeira fase do ciclo celular é caracterizada por grande atividade funcional. Ou seja, ela executa funções específicas importantes para o organismo. Além disto, a célula se prepara para duplicar o seu material genético através da captação e produção dos elementos que compõe os ácidos nucleicos, especialmente o DNA, de aminoácidos e de enzimas. Células da pele e das mucosas, como apresentam uma divisão celular constante, possuem uma faze G1 muito curta. Vale salientar que o nome G (G1, G2) vem da palavra inglesa “gap” que quer dizer, nesse caso, “intervalo”. 14 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz 5.2 Fase S Esta fase é caracterizada pela duplicação do material genético (das fitas de DNA) para que a célula possa ser duplicada e forme células-filhas. O nome deste processo também é chamado de replicação. Uma vez que a duplicação do DNA é semi-conservativa, ou seja, a nova molécula de DNA é formada com uma fita velha (que serve como molde) e uma nova, a incorporação das bases nitrogenadas na fita que está se formando é coordenada por enzimas como a DNA polimerase. Por se tratar de uma reação química, podem ocorrer possíveis erros na incorporação destas bases nitrogenadas. Para evitar tais erros, o organismo possui um sistema de reparo do DNA que é constituído por enzimas que conseguem reconhecer se ocorreu um erro na formação da fita de DNA e corrigir tal erro. Caso este erro seja ignorado a nova fita de DNA vai possuir uma variação na suas bases nitrogenadas que são chamadas de mutações. As mutações que ocorrem nas células do organismo (somáticas) não são transmitidas para a prole. Entretanto, se ocorrerem mutações nas células germinativas (gametas) estas podem ser transmitidas para os filhos (para a próxima geração). 5.3 Fase G2 Esta fase também é conhecida como período pré-mitótico. Nela, a síntese do DNA está completa e os cromossomos, portanto, tem suas cromátides duplicadas. A célula como um todo se prepara para a divisão celular. 5.4 Fase M (Mitose) A fase M é curta e corresponde a divisão celular propriamente dita (mitose). Neste período ocorrem movimentações cromossômicas e clivagem da célula em duas onde a distribuição dos pares de cromossomos é equivalente. Em uma célula somática as principais etapas da mitose são: prófase, metáfase, anáfase e telófase. 5.5 Fase GO Logo após a divisão celular as novas células formadas apresentam menor atividade metabólica. Este período é denominado GO. Muitos tipos de célula possuem um período prolongado de repouso no qual as células não respondem aos estímulos. Na maior parte das células humanas normais o ciclo celular dura de 24 a 48 horas. 5.6 Senescência celular No organismo existe um fenômeno chamado de senescência celular que ocorre quando as células param de se dividir mitoticamente. Para entender esse processo é importante recordar que os cromossomos possuem uma região na sua extremidade chamada telômero. Essa região é composta por uma fita simples de DNA que protege os genes dos cromossomos. No caso, o telômero é composto por milhares de repetições de uma sequência de seis nucleotídeos que é rica em guanina (TTAGGG). Quando as células se dividem, uma parte do telômero é perdida em um processo conhecido como encurtamento telomérico. Quando o telômero fica com um tamanho mínimo, muito próximo da região do DNA que contém genes, a célula para de se dividir para evitar problemas funcionais. Essa senescência celular ou limite de Hayflick foi descoberto pelo pesquisador Leonard Hayflick, em 1965, quando observou que células cultivadas se dividiam aproximadamente umas 50 vezes antes de morrer. Na 15 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz medida em que as células se aproximavam desse limite, elas apresentavam sinais de velhice, incluindo: maior tamanho, diminuição na taxa de divisão das organelas (principalmente das mitocôndrias), aumento no tamanho de algumas organelas (também com destaque ao aumento no tamanho das mitocôndrias). Hoje, a partir de muitas pesquisas, sabemos que cada tipo de célula possui uma taxa de proliferação. Ao longo da embriogênese, quando existe necessidade de um grande aumento no número de células para formar o novo organismo, uma enzima denominada telomerase está funcional. A síntese dessa enzima pelas células faz com que a parte dos telômeros que foi perdida durante a divisão celular seja refeita. Entretanto, após a embriogênese a síntese desta enzima passa a ser permanentemente inibida, e as células passam, a cada ciclo, a encurtar seus telômeros, ou seja, passam a envelhecer. Por esse motivo, quando mais velho o indivíduo, menor é a resposta à cicatrização ou à regeneração tecidual. O encurtamento telomérico também é conhecido, portanto, como um relógio celular que indica o seu envelhecimento. Apesar da maior parte das células apresentarem o fenômeno de senescência, existem algumas linhagens celulares que não envelhecem porque possuem a telomerase ativa. Tais linhagens celulares geralmente são aquelas que repõem constantemente células de alguns tecidos e órgãos, como, por exemplo, as células do cabelo, da pele, das unhas, do sangue, etc. Para tanto, essas linhagens celulares (também chamadas de camadas germinativas) se dividem e logo a seguir se diferenciam produzindo a célula realmente funcional. As linhagens celulares que se mantêm indiferenciadas e em constante divisão a fim de formar novas células para o corpo são conhecidas como células tronco adultas. 6. Histologia: conceito A histologia engloba o estudo da função celular, da estrutura da célula e também dos tecidos que são formados pelo organismo vivo. Literalmente histologia significa “a ciência que estuda os tecidos corporais”. Em termos histológicos, são reconhecidos quatro tecidos básicos, já que os mesmos estão presentes em todos os órgãos corporais: tecido epitelial, conjuntivo, nervoso e muscular. O agrupamento tridimensional e diversificado desses tecidos forma os órgãos que, segundo suas características morfofuncionais fazem parte dos chamados sistemas corporais. Por fim, o conjunto dos vários sistemas corporais forma o corpo como um todo. 6.1 Bases da diferenciação e da manutenção cito-histológica Existem cinco processos importantes que ocorrem desde a diferenciação corporal (embriogênese) e por toda a vida do individuo a fim de manter a diferenciação das suas células e tecidos e, assim, manter o organismo funcional. Esses processos podem se diferenciar quanto à velocidade, intensidade e duração, conforme o tipo de órgão ou mesmo o momento do desenvolvimento ontogenético. 6.1.1 Divisão celular: será necessário que ocorra uma intensa divisão celular (mitose) para que o organismo tenha “matéria-prima” para desencadear o processo de formação dos tecidos, órgãos e sistemas corporais. 6.1.2 Interações bioquímicas: a morfogênese é principalmente comandada pela regulação diferencial dos genes (material genético) que estão presentes em todas as células. Ou 16 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz seja, em algumas células, alguns genes irão “funcionar” tendo seus produtos (proteínas) sintetizados em quantidade razoável ou mesmo em grandes quantidades, e em outras células, tais genes estarão inativos ou funcionarão muito pouco (produzindo uma quantidade mais baixa de proteínas). Essa regulação tem a capacidade de originar as diversas formas celulares e teciduais que existem no nosso corpo, bem como determinar a função destas células. A regulação genética é fortemente influenciada pela ação de produtos celulares provenientes de dentro e de fora da própria célula, incluindo compostos como hormônios e fatores de crescimento. Em muitos animais, como é o caso dos insetos, esses produtos regulatórios são produzidos pela “mãe”, sob a forma de proteínas, hormônios, ou mesmo mRNAs, sendo armazenados dentro do óvulo. Quando inicia o desenvolvimento embrionário, esses produtos orientam a diferenciação celular do organismo em formação. Já em vertebrados, de um modo geral, as substâncias regulatórias serão produzidas pelo próprio embrião. 6.1.3 Movimento celular: para a formação dos órgãos e sistemas corporais, as células diferenciadas terão que se “mover” para se posicionarem no lugar certo dentro do embrião. Esse processo é obtido porque células embrionárias têm capacidade de se locomoverem dentro do organismo. A motilidade celular é gerada pelos elementos contráteis do citoesqueleto. Os microfilamentos têm um papel importante na geração da motilidade. No caso, feixes de microfilamentos são ligados a regiões denominadas contatos focais que ancoram os feixes na membrana plasmática. O contato focal facilita a ligação da célula ao substrato e permite que as células exerçam uma tensão no substrato, que é necessária para que elas possam “mover-se” sobre ele. As principais moléculas que medeiam a ancoragem da célula ao substrato são membros da família de proteínas transmembranas denominadas integrinas. As integrinas atravessam a membrana celular e ancoram os microfilamentos de actina no lado de dentro. Do lado de fora, as integrinas ligam a fibronectina (outro tipo de integrina) na matriz extracelular. Os sinais iniciados pelas integrinas parecem influenciar outras propriedades celulares, como a diferenciação, a proliferação e a expressão de genes. 6.1.4 Adesão celular: como as células têm a capacidade de se moverem no corpo do embrião, as mesmas também necessitarão “parar” no destino final da sua migração. Caso isso não acontecesse, ocorreria uma “mistura de células”, impossibilitando a organização do corpo em tecidos e órgãos específicos. O processo que faz com que as células literalmente “grudem” no local certo e até mesmo em outros tipos celulares, é denominado de adesão celular. A propriedade de adesividade das células de um tecido é dependente de moléculas adesivas que estão sobre ou entre as superfícies das células. Várias moléculas célulaadesivas têm sido identificadas, incluindo as CAMs (Cel Adhesive Molecules) a as caderinas. Um exemplo é a molécula caderina E, que é uma proteína transmembrana. Além disto, as caderinas parecem estimular a diferenciação específica de tecidos. 6.1.5 Morte celular programada: o reconhecimento de eventos denominados morte celular programada (MCP) foi feito há mais de cem anos. Portanto, na literatura biológica existe, há muito tempo, excelentes descrições deste mecanismo utilizado no desenvolvimento dos seres vivos e, em especial, dos animais. A MCP é um mecanismo importante tanto para o desenvolvimento corporal, quanto para a manutenção da homeostasia (equilíbrio) dos tecidos do indivíduo adulto que, através desse processo, pode eliminar células supérfluas, 17 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz infectadas, transformadas (células que estão passando por um processo de transformação de normais à cancerosas) ou mesmo danificadas. O MCP nada mais é do que a ativação de um mecanismo interno da célula que a leva ao suicídio. A MCP também é denominada de apoptose (palavra de origem grega que descreve a queda das folhas e pétalas de um vegetal, proposto por Kerr, Wyllie e Currie em 1972). O processo da MCP ou apoptose possui as seguintes características: A) a membrana celular permanece intacta durante todo o processo de “suicídio”, não liberando o seu conteúdo no meio extracelular, o que poderia levar a uma reação inflamatória. B) as organelas e o conteúdo interno da célula, incluindo o próprio DNA, são digeridos por enzimas presentes na própria célula, como às presentes nos lisossomos. C) esses produtos são fragmentados e engolfados por membranas celulares formando pequenas vesículas denominadas de corpos apoptóticos. D) estes corpos apoptóticos são fagocitados por macrófagos, não causando nenhum dano ao tecido ou as células vizinhas da que morreu. Os sinais que podem desencadear a apoptose incluem: indução por sinais extracelulares (hormônios, substâncias regulatórias, etc), que é o mecanismo que desencadeia a MCP na embriogênse, e dano celular devido a algum agente externo, como a exposição da célula a radiação ionizante e a infecção viral. A MCP ocorre como estratégia importante no desenvolvimento animal, principalmente na formação de seus órgãos (remodelamento tecidual). Sem a MCP, provavelmente a forma desses órgãos, ou mesmo da nossa estrutura corporal, seria “esférica”, visto não existir nenhum mecanismo que possibilitasse a “modelagem corporal”. O exemplo mais corriqueiro de MCP na embriogênese é a formação dos dedos das mãos e pés do ser humano. Caso não houvesse indução de morte celular programada das linhagens celulares que intercalam os dedos, teríamos uma mão em forma de “pata” ou fusionada. 6.1 Estudo dos tecidos corporais A maior parte dos tecidos não pode ser analisada ao olho nu ou mesmo in vivo. Por esse motivo, eles precisam ser manipulados através de processos conhecidos, em geral, como “preparações histológicas” e são analisadas com o auxilio de um microscópio. O microscópio é o instrumento básico para o estudo das células e tecidos. A sua invenção é atribuída a Antoine Leeuwenhoek e Robert Hook no século XVII. Dois séculos depois (XIX), Schleiden e Schwann desenvolveram a teoria de que todos os seres vivos eram constituídos por células. A partir de então, métodos e técnicas histológicas começaram a se desenvolver cada vez mais. A condição principal no estudo cito-histológico é a obtenção de cortes histológicos muito finos que permitam que a luz passe através deles, permitindo a observação das estruturas. Assim, as unidades de medida utilizadas em microscopia são: o micrometro (m) para a microscopia ótica, o nanômetro (m) e o angstrom (Å) para a microscopia eletrônica (Tabela 1). 18 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz Tabela 1. Unidades de medidas e seus valores correspondentes em milímetros e metros. Unidade de Medida Símbolo Micrômetro m Nanômetro m Valor 0,001 mm (milésima parte do milímetro) 0,001m (milésima parte do micrômetro) 10-3 mm 10-6 m 10-6 mm 10-9 m Microscopia Ótica O microscópio ótico é o equipamento mais amplamente utilizado em análises cito-histológicas, tanto para atividades didáticas, quanto para atividades de pesquisa e de diagnóstico clínico. As principais partes constituintes do microscópio ótico são: (1) sistema ótico: composto por três sistemas de lentes (ocular, objetivas e condensador) e uma fonte de luz. (2) sistema mecânico: constituído por uma estrutura que suporta o sistema ótico e o de ajuste do foco (Figura 1). A finalidade do condensador é a projeção de um cone de luz uniforme sobre o objeto. Quando a luz penetra no objeto que está sendo visualizado, ele passa também para a objetiva. A objetiva projeta uma imagem aumentada no plano focal da ocular. Nesse local, a imagem é novamente ampliada. Assim, o olho humano vê uma imagem virtual, ampliada e invertida do objeto. A ampliação total é dada pela combinação de lentes do microscópio, que é igual ao produto das ampliações individuais das objetivas e da ocular. Deste modo, se uma objetiva possui uma ampliação de 100x a ampliação ocular será de 10x e a ampliação total de 1000x. Figura 1 Sistemas óticos e mecânicos do microscópio ótico. 2 2 Fonte: http://docentes.esa.ipcb.pt/lab.biologia/disciplinas/biologia/microscopia.pdf 19 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz Tipos de Microscópios Óticos Os microscópios óticos possuem lentes óticas de diversos tipos: (1) microscopia luminosa, (2) de campo escuro; (3) ultravioleta; (4) fluorescência e (5) de contraste de fase. A Tabela 2 apresenta uma síntese das características dos principais tipos de microscopia ótica. Tabela 2 Características gerais dos principais tipos de microscopia ótica com mecanismos diferenciais de resolução da imagem. Tipo de Microscópio Campo Escuro Contraste de Fase Fluorescência Principio A luz dispersa-se na superfície dos materiais. A luz dispersada entra na objetiva e o objeto aparece iluminado e brilhante sobre um fundo escuro, utilizando-se um tipo especial de condensador que ilumina o objeto obliquamente. Uso: análise de microorganismos não corados, suspensos em líquidos e preparações a fresco. A maior parte das células vivas não consegue ser investigada porque são transparentes e incolores. Esse tipo de microscópio tem um sistema ótico que permite diferir materiais com densidades ligeiramente diferentes. Microscopia utilizada para analisar células vivas, por exemplo, na mitose. Fluorescência é a propriedade que algumas substâncias, quando excitadas com radiação de baixo comprimento de onda, têm de emitir radiação de maior comprimento de onda. Microscópios baseado em fluorescência foram desenvolvidos e permitem o estudo de estruturas celulares e o seu uso no diagnóstico de múltiplas patologias humanas. Exemplo Células embrionárias do rim humano Lipídeos nos neurônios do córtex cerebral 6.2 Preparações histológicas A seguir serão comentados os principais processos envolvidos nas preparações histológicas. Fixação histológica – uma vez que o tecido ou parte de um tecido seja retirado do corpo, diversos processos degenerativos tendem a degradá-lo (autólise). O conjunto desses processos é denominado de degeneração post-mortem. Para evitar esse processo e a ação de bactérias decompositoras, a parte do tecido (peça histológica) deve ser preservada através da fixação. Para tanto, são utilizados compostos (fixadores), no qual se destacam o: formol, líquido de Bouim, líquido de Helly, aldeído glutárico e tetróxido de ósmio. 20 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz Impregnação do corte histológico – para que as estruturas do tecido sejam visíveis, a luz deve conseguir passar por elas. Por esse motivo, os cortes histológicos precisam ter uma espessura muito fina. Para se obter essa espessura, o tecido precisa de um suporte, que é obtido através da impregnação de compostos que permitem manter a peça histológica suficientemente rígida, para ser finamente cortada. Esse processo denomina-se impregnação. Esses compostos incluem: a parafina e as resinas epóxi, caso o corte seja para microscopia eletrônica. Para que o corra a impregnação, é necessário que se retire a água e outros compostos presentes na peça histológica, o que é feito através do processo de desidratação e diafanização (retirada do álcool da peça). Coloração histoquímica – o uso de compostos corantes permite o reconhecimento de estruturas específicas no corte histológico. O processo de coloração é denominado, genericamente, de histoquímica. O princípio básico da histoquímica é o uso de determinados compostos específicos para determinados tipos de estruturas histo-celulares. Localização de Proteínas e Carboidratos (Substâncias basófilas e acidófilas) - HE: a principal técnica de coloração de tecidos para o estudo de Histologia básica é a técnica HE (Hematoxilina-Eosina). Através dessa técnica, podemos diferenciar porções basófilas e acidófilas do tecido estudado. A hematoxilina é basófila, ou seja, tem afinidade por substâncias básicas (coloração azul). Sendo assim, ela costuma corar o núcleo e o Retículo Endoplasmático Rugoso (RER), locais onde há grande quantidade de proteínas (básicas pelo seu grupamento amina). A eosina é acidófila, tendo afinidade pelo citoplasma, fibras colágenas e outras substâncias ácidas das células (coloração rosa). Os carboidratos complexos (polissacarídeos) podem também ser localizados pela técnica de coloração de PAS (Periodic Acid-Schiff). Localização de lipídios – para que possamos observar compostos lipidicos nas estruturas histo-celulares, usamos corantes que possuem alto grau de dissolução em gorduras. Os principais exemplos de corantes específicos para lipídios são o Sudan IV e o Sudan Negro. Localização de ácidos nucléicos: para essa identificação, usamos o método de Feulgen. Nesse método, o DNA reage com uma solução de ácido clorídrico, que retira as bases púricas e forma grupamentos aldeídos na desoxirribose. Então, é adicionado o reativo de Schiff (fucsina básica descorada pelo anidrido sulfuroso) que se combina aos radicais aldeído para formar um composto insolúvel e vermelho. Quanto maior a intensidade da coloração maior a quantidade de DNA. Microscopia Eletrônica Uma vez que a microscopia ótica não apresenta uma resolução que permite observar a ultraestrutura celular, foi postulado, em 1924, pelo físico francês Louis de Broglie que os elétrons possuem propriedades ondulatórias que são similares à luz visível, ultravioleta e raios X. No caso, o comprimento de um elétron depende da sua velocidade e esta da energia de aceleração que lhe é imprimida. Com base nessas informações, foi possível desenvolver o microscópio eletrônico, que tem um poder de resolução 500 vezes maior do que o microscópio ótico (0,4 a 0,5 m). O primeiro microscópio eletrônico foi construído em 1931, na Universidade Técnica de Berlim, por Max Knoll e Ernst Ruska. Existem hoje: microscópio eletrônico de transmissão, microscópio eletrônico de varredura e de tunelamento. 21 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz 7 Aspectos Clínicos relacionados à Biologia Celular: Câncer A grande parte das doenças e patologias está diretamente relacionada com disfunções celulares, sejam causadas por estados crônicos (doenças não-transmissíveis) sejam por estados infectoparasitários (doenças transmissíveis). Entretanto, entre todas essas doenças, existe um conjunto de morbidades conhecida como “câncer ou neoplasia’ que envolve alterações importantes no ciclo e na função celular. 7.1 Câncer: base conceitual “Câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do corpo. Dividindo-se rapidamente, essas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores (acúmulo de células cancerosas) ou neoplasias malignas. Por outro lado, um tumor benigno significa simplesmente uma massa localizada de células que se multiplicam vagarosamente e se assemelham ao seu tecido original, raramente constituindo um risco de vida.”3 7.2 Epidemiologia O câncer é considerado um importante problema de saúde pública em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Na década de 2000, foi responsável por aproximadamente 6 milhões de mortes a cada ano, o que representa aproximadamente 12% de todas as causas de morte no mundo. Dados do Ministério da Saúde estimam que os dez tipos de neoplasias mais prevalentes nos homens são as de próstata, pulmão, estômago, cólon, reto e esôfago. Nas mulheres, a maior prevalência é câncer de mama, útero, cólon, reto, pulmão e estômago. Uma neoplasia que vem aumentando muito a sua prevalência nas últimas décadas é o câncer de boca e faringe. Em Porto Alegre, foram observadas taxas altas de incidência de câncer de boca tanto em homens (8,3 homens atingidos a cada 100 mil homens) e mulheres (1,4 mulheres atingidas a cada 100 mil mulheres). Essas taxas se encontram entre as mais elevadas do mundo.4 7.3 Biologia Tumoral As células neoplásicas possuem uma biologia celular bem diferenciada da célula saudável. Diferenças estruturais e bioquímicas fazem com que as células cancerosas se dividam de modo incontrolável, desdiferenciem-se (perdem a identidade celular do tecido que se originaram) e, portanto não tenham um papel funcional. Como a maior parte das células cancerosas voltam a ativar a enzima telomerase (elas perdem a capacidade de morrer) e, portanto, tornam-se imortais. As células cancerosas também têm a capacidade de induzir a formação de novos vasos sangüíneos (angiogênese), 3 4 Instituto Nacional do Câncer (INCA) Acesso: http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=322 Guerra et al. Rev Bras Cancerologia 2005; 51(3): 227-234. Acesso: http://www.inca.gov.br/rbc/n_51/v03/pdf/revisao1.pdf 22 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz a fim de obter mais facilmente nutrientes e oxigênio que são essenciais para o seu crescimento e proliferação. 7.3.1 Principais alterações morfo-funcionais da célula neoplásica Ocorrem importantes alterações na célula neoplásica que podem ser observadas a partir dos cinco processos básicos que tornam possível a diferenciação e a manutenção da identidade cito-funcional e histológica dos tecidos corporais: Divisão celular: células saudáveis dividem-se conforme estímulos teciduais e hormonais apresentando um crescimento harmônico. Adicionalmente, após um período, entram em senescência. As células neoplásicas dividem-se de modo incontrolável, não obedecendo nenhum tipo de limite bioquímico ou morfológico. Adicionalmente, a maior parte das células tumorais reativa a enzima telomerase e assim regeneram rapidamente seus telômeros. A conseqüência da volta na expressão da telomerase e da regeneração telomérica é que as células cancerosas se tornam imortais. Interações bioquímicas: células e tecidos conseguem se diferenciar e manter sua diferenciação via regulação diferencial da expressão dos genes. Nas células cancerosas, ocorrem alterações nessas interações bioquímicas e moleculares, modificando assim sua estrutura e função. As alterações morfológicas mais importantes em uma célula tumoral envolvem o citoesqueleto. Enquanto uma célula saudável tem um citoesqueleto organizado a partir de uma rede de microtúbulos, microfilamentos e filamentos intermediários, na célula cancerosa o citoesqueleto é desorganizado. A célula tumoral também apresenta uma quantidade menor de organelas. As proteínas presentes na membrana plasmática também podem sofrer alterações. Essas modificações proteicas na membrana plasmática muitas vezes são percebidas pelo sistema imunológico do organismo, que identificam uma célula alterada e a destroem. Porém, quando as ações desses anticorpos se tornam insuficientes, as células cancerosas crescem em número e se tornam tumorais. Movimento e adesão celular: mudanças nas proteínas de membrana das células cancerosas podem alterar a sua adesividade ao tecido de origem. A perda da capacidade de adesão celular pode levar a um movimento dessas células que migram através do sistema linfático para outras regiões corporais. Em tecidos que apresentam algum tipo de especificidade, essas células voltam a aderir e começam a se dividir formando assim um tumor secundário. Este processo é conhecido como metástase. A disseminação tumoral (metástase) é um processo complexo e que não está totalmente esclarecido, no qual cinco etapas podem ser observadas: (1) invasão e infiltração de tecidos vizinhos por células teciduais principalmente para dentro dos vasos linfáticos e sanguíneos; (2) liberação na circulação de células neoplásicas (isoladas ou em grupos); (3) sobrevivência destas células na circulação; (4) retenção nos vasos capilares de órgãos distantes; (5) extravasamento seguido de crescimento destas células dos vasos linfáticos e sanguíneos para o tecido. Morte celular programada (apoptose): estudos demonstraram que os tumores malignos são resistentes a apoptose. Essa resistência pode ser causada pelo impedimento da produção de proteínas que sinalizam que a célula está danificada, como é o caso da proteína p53. Por outro lado, as células cancerosas podem super-expressar outras proteínas como a survivina. Estudos têm sugerido que essa proteína está envolvida na resistência das células tumorais a quimioterapia e a radioterapia, e que sua inibição leva a morte das células cancerosas. 23 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz 7.4 Causas biomoleculares do câncer Uma célula normal pode sofrer alterações no DNA dos genes (mutações). As células em que material genético foi alterado passam a receber instruções erradas para as suas atividades e se tornam mais instáveis, aumentando a propensão que outras mutações voltem a ocorrer nas próximas divisões celulares. Na medida em que existe acúmulo de mutações, alterações genéticas podem ocorrer em genes especiais, denominados proto-oncogenes, que a princípio são inativos em células normais depois do período embrionário. Esses proto-oncogenes podem ser reativados, e esse é o caso, por exemplo, do gene da enzima telomerase, ou do gene da proteína survivina. Esses genes alterados passam a ser chamados de oncogenes. Por outro lado, genes que estavam ativos podem ser inativados, aumentando assim a chance de ocorrência de malignização. Como tais genes, uma vez que sejam inibidos de se expressar, podem ser uma das causas do câncer, eles são denominados de genes de supressão tumoral. Quando ativados erroneamente, os proto-oncogenes transformam-se em oncogenes, responsáveis pela malignização (cancerização) das células normais. Essas células diferentes são denominadas cancerosas. Portanto, o câncer é uma doença genética, ainda que não hereditária. O câncer hereditário (familiar) é responsável somente por cerca de 9% das neoplasias. Na maior parte das vezes, o câncer é desencadeado por fatores ambientais, com destaque a poluição, tabagismo, exposição à radiação, sedentarismo, obesidade, etc.5 5 Para informações adicionais consulte acesse: http://www.inca.gov.br/enfermagem/docs/cap2.pdf 24 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz ESTUDO DIRIGIDO (1) Quais são e explique os três critérios básicos do padrão de auto-organização dos seres vivos? (2) Quais são as quatro macromoléculas que constituem os seres vivos? Quais são as unidades fundamentais das proteínas, dos carboidratos e dos ácidos nucléicos? (3) O que são o meio extracelular e o meio intracelular. Explique sua importância para a vida dos organismos multicelulares incluindo o ser humano? (4) Caracterize de maneira geral a membrana plasmática? (5) Quais são as principais funções da membrana plasmática? (6) Caracterize de modo sintético: 6.1 proteínas transportadoras de moléculas através das membranas 6.2 enzimas 6.3 receptores protéicos 6.4 Junção de adesão 6.5 Junção comunicante 6.6 Junção de oclusão 6.7 Proteínas de reconhecimento celular (7) Quais são os três processos básicos de comunicação célula a célula. Caracterize-os. (8) Quais são as principais funções do citoesqueleto? (9) Faça uma síntese das principais organelas celulares e suas principais funções. (10) Caracterize a matriz extracelular. (11) Quais são os cinco processos importantes para a diferenciação celular e manutenção dos tecidos? Caracterize esses processos. (12) Comente de modo breve sobre as principais alterações que células neoplásicas possuem em relação a esses cinco processos. 25 Universidade Federal de Santa Maria-Centro de Ciências da Saúde Departamento de Morfologia Profa.Dra. Ivana Beatrice Mânica da Cruz REFERÊNCIAS – BIBLIOGRÁFICAS E DE FIGURAS JUNQUEIRA LC & CARNEIRO J. Histologia Básica. Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 2004; 2008 KERR JB. Atlas de Histologia Funcional. Artes Médicas, Porto Alegre, 2000. GARTNER Color Atlas Histology. Williams & Wilkins, Baltimore, 1994. KIERSZENBAUM AL. Histologia e biologia celular: uma introdução a patologia. Elsevier, Rio de Janeiro. 2008. COCHARD LR. Atlas de embriologia humana de Netter. Artmed, Porto Alegre, 2001. DOYLE MJ. Embriologia humana, Atheneu, São Paulo, 2005. MOORE K. Embriologia Clínica, Elsevier, Rio de Janeiro, 2008. BREW MCC. Histologia geral para a odontologia, Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 2003. 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