revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Rua Apurinã nº 04 – Praça 14 de Janeiro, Cep: 69020-170 Manaus - AM Fones: (092) 3305-4782/4719 E-mail: [email protected] FUNDADORES Ricardo Torres Santana Jorge Alberto Mendonça LISTA DO CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA HUGV EDITOR-CHEFE Fernando Luiz Westphal Maria Augusta Bessa Rebelo Rosane Dias da Rosa Kathya Augusta Thomé Lopes Maria Lizete Guimarães Dabela LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA HUGV Aluísio Miranda Leão Ângela Delfina B. Garrido Antonio Carlos Duarte Cardoso Célia Regina Simoneti Barbalho Cláudio Chaves Clemencio Cezar Campos Cortez Cristina de Melo Rocha Dagmar Keisslich David Lopes Neto Domingos Sávio Nunes de Lima Edson de Oliveira Andrade Edson Sarkis Gonçalves Ermerson Silva Eucides Batista da Silva Eurico Manoel Azevedo Fernando César Façanha Fonseca Fernando Luiz Westphal Gerson Suguyama Nakajima Ione Rodrigues Brum Ivan da Costa Tramujás Jacob Cohen João Bosco L. Botelho José Correa Lima Netto Julio Mario de Melo e Lima Kathya Augusta Thomé Lopes Lourivaldo Rodrigues de Souza Luís Carlos de Lima Luiz Carlos de Lima Ferreira Luiz Fernando Passos Maria Augusta Bessa Rebelo Maria do Socorro L. Cardoso Maria Fulgência Costa L. Bandeira Maria Lizete Guimarães Dabela Mariano Brasil Terrazas Massanobu Takatani Miharu Magnória Matsuura Matos Neila Falcone Bonfim Nelson Abrahim Fraiji Nikeila Chacon de O. Conde Osvaldo Antônio Palhares Ricardo Torres Santana Rosana Cristina Pereira Parente Rosane Dias da Rosa Rubem Alves da Silva Júnior Wilson Bulbol revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Copyright© 2009 Universidade Federal do Amazonas/HUGV REITORA DA UFAM Prof.ª Dra. Márcia Perales Mendes Silva DIRETOR DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Prof. Dr. Lourivaldo Rodrigues de Souza PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIAL Wagner Alencar ORGANIZAÇÃO Thaís Borges Viana DIRETORA DA EDUA Prof.ª Dra. Iraildes Caldas Torres DIRETORA DA REVISTA Profª Dayse Enne Botelho REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA) Sergio Luiz Pereira CAPA Serviço de Ergodesign TIRAGEM 300 EXEMPLARES FICHA CATALOGRÁFICA Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287 CDU 61(051) R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas. Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 9, n. 1-2 (2010) / Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2010 91 p. Semestral Título da revista em português inglês ISSN – 1677-9169 1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas. CDU 61(051) Sumário Editorial 10 1. Perfil clínico e laboratorial de pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) 12 2. Câncer de pulmão no Estado do Amazonas – Um estudo epidemiológico com base hospitalar 18 3. Prevalência de síndrome metabólica em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico na Amazônia Ocidental 25 4. Uso do Questionário de Avaliação do Zumbido (Tinnitus Handicap Inventory) adaptado para o português para avaliação da qualidade de vida dos pacientes com queixa de zumbido atendidos no Ambulatório Araújo Lima 34 5. Análise da qualidade de vida de pacientes submetidos à correção cirúrgica de deformidades na parede torácica anterior 42 6. Amiloidose Sistêmica. Relato De Caso 49 7. Insuficiência Renal Aguda na Hemoglobinúria Paroxística Noturna - Relato de Caso 54 8. Melanoma Primário de Mucosa Nasal 58 9. Anemia pela infecção por parvovírus b19 em paciente de transplante renal 63 10. Adenoma de Paratireoide Intratorácico: Relato de Caso 65 11. Correção Cirúrgica de Hérnia Diafragmática de Morgani - Relato de Caso 68 12. Evolução de Pacientes com Nefrite Lúpica Tratados com Ciclofosfamida 73 13. Paraganglioma Jugular: Relato de Caso 80 14. Estenose Laríngea Causada por Tuberculose 84 15. Fissura Labiopalatina Completa: Relato de Dois Casos 87 Resumo de Tese TRAUMA DE PÂNCREAS: ANÁLISE RETROSPECTIVA DE CINCO ANOS 92 Contents Editorial 10 Clinical and laboratorial profile of patients with systemic lupus erythematosus (sle) 12 Lung Cancer din the State of Amazonas an Epidemilogical study based on hospital 18 The prevalence of metabolic syndrome in patients with systemic lupus erythematosus in the ocidental amazonia 25 Use of tinnitus handicap inventory adapted to portuguese for assessment of quality of life of patients with tinnitus attended in the araújo lima clinic 34 Analysis of quality of life of patients undergoing surgical correction of deformities in the anterior chest wall 42 Light-chain amyloidosis. Case report 49 Acute renal failure in paroxysmal nocturnal haemoglobinuria. Case report 54 Primary melanoma of the nasal mucosa 58 Anemy due parvovirus b19 infection in kidney transplanted patient 63 Parathyroid adenoma intra-thoracic: case report 65 Surgical repair of morgani diaphragmatic hernia: case report 68 Evolution of patients with lupus nephritis treated with cyclophosphamide 73 Paraganglioma jugular: case report 80 Laryngeal stenosis caused by tuberculosis 84 Cleft lip and palate: report of two cases 87 Sumary of thesis on pancreatic trauma: a restropective analysis of five years 92 Editorial A RHUGV e a Residência Médica A RHUGV está em plena evolução com um número crescente de artigos apresentados para a avaliação do Conselho Editorial. A maioria destes artigos foi apresentada pelos Serviços dos respectivos Programas de Residência Médica como uma forma de substituir a Monografia clássica por um trabalho científico, alteração estatutária realizada na gestão do Prof. Msc. Juscimar Carneiro frente a Comissão de Residência Médica do HUGV. A produção intelectual do médico residente encontra-se diretamente associado ao Serviço a que está vinculado, sendo que se o residente está cursando a um Programa de Residência Médica com preceptores direcionados e estimulados a produção científica, provavelmente este residente será inserido a um projeto de pesquisa em desenvolvimento e conseguirá realizar um artigo ao final do curso. De outra forma, os serviços sem esta tendência a produção intelectual determinam aos seus residentes um caminho mais árduo até alcançar a publicação de um trabalho científico. É extremamente importante para o Hospital Universitário Getúlio Vargas e para a Universidade Federal do Amazonas ter um periódico com publicação regular. Além de contemplar uma das bases da Universidade que é a pesquisa, podemos criar a memória de um Serviço por meio da publicação da prática médica diária executada por seus pares. A excelência de um Programa de Residência Médica está atrelada ao seu produto final que é a formação do residente, mas teoricamente a chance de uma boa formação médica passa pela oportunidade oferecida aos seus alunos e, com certeza, este objetivo será alcançado mais facilmente se o discente é colocado diante um grupo de preceptores preocupados com a contextualização da prática diária. O discente geralmente aspira dentro de sua realidade ter as mesmas titulações de seus preceptores, remetendo a sua pratica diária o exemplo adquirido durante a pós-graduação, sendo sob esta ótica extremamente importante o Chefe de Serviço estar emparelhado em seus pensamentos com a academia e a produção científica, principalmente em se tratahndo de um Serviço sediado dentro de uma Instituição de Ensino Superior. Fernado Luiz Westphal. Editor da Revista 9 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Kelly Simone Castro dos Santos, Maíra Fernandes de Almeida, Thamara Karoline Perrone Maciel, Domingos Sávio Nunes de Lima PERFIL CLÍNICO E LABORATORIAL DE PACIENTES COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES) CLINICAL AND LABORATORIAL PROFILE OF PATIENTS WITH SYSTEMIC LUPUS ERYTHEMATOSUS (SLE) Kelly Simone Castro dos Santos*, Maíra Fernandes de Almeida*, Thamara Karoline Perrone Maciel**, Domingos Sávio Nunes de Lima*** RESUMO O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica de natureza autoimune e com apresentação clínica polimórfica. Seu estudo é de interesse multidisciplinar, no entanto não existem dados sobre o seu comportamento no Amazonas. OBJETIVO: Investigar o perfil demográfico, clínico e laboratorial dos pacientes com LES acompanhados regularmente no Serviço de Reumatologia do Ambulatório Araújo Lima da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). METODOLOGIA: Estudo descritivo, de caráter retrospectivo, baseado na análise de prontuários, avaliando população com o diagnóstico de LES que tenham quatro ou mais critérios do Colégio Americano de Reumatologia (ACR). As informações foram registradas em um banco de dados, sendo utilizado o programa Epi-Info para descrição estatística simples. RESULTADOS: Foram revisados 130 prontuários, predominando pacientes do sexo feminino (93,1%), com média de idade 36 ± 12 anos, sendo 79,2% da raça não branca. A média de idade do início da doença foi de 28 ± 10 anos. Os critérios de classificação mais frequentemente observados foram FAN (91,5%) e artrite (90%). Foram encontrados 120 (93%) pacientes com pelo menos um fator de risco para doença arterial coronariana (DAC), sendo o sedentarismo (59,7%) e a dislipidemia (53,8%) os mais comumente verificados. Quanto ao tratamento, todos os pacientes haviam usado costicosteroides em algum momento. CONCLUSÃO: Esta pesquisa propicia uma visão parcial das características do LES na amostra estudada, onde se pode observar semelhança com outras séries da literatura. Estes dados podem ser usados para melhor planejamento das ações em saúde voltadas ao Lúpus. DESCRITORES: Lúpus; colagenose; doença autoimune. ABSTRACT Systemic lupus erythematosus (SLE) is a chronic inflammatory disease of autoimmune nature and with heterogeneous clinical presentation. This study is of interest multidisciplinary, however, no data on their behavior in the Amazon. OBJECTIVE: To investigate the demographic, clinical and laboratory evidence of SLE patients followed regularly in the service of rheumatology outpatients Araújo Lima School of Medicine, Federal University of Amazonas (Ufam). METHODOLOGY: A descriptive, retrospective study, based on analysis of medical records, assessing the population with the diagnosis of SLE who have four * Médica Residente de Clínica Médica do HUGV-Ufam ** Médica *** Médico Reumatologista/Doutor em Medicina/Professor da Ufam 11 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 PERFIL CLÍNICO E LABORATORIAL DE PACIENTES COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES) or more criteria of the American College of Rheumatology (ACR). The information was recorded in a database, and using Epi-Info for simple statistical description. RESULTS: We reviewed 130 medical records, predominantly female patients (93.1%), mean age 36 ± 12 years, 79.2% were non-white. The average age of onset was 28 ± 10 years. Criteria for the classification most commonly observed were FAN (91.5%) and arthritis (90%). Found 120 (93%) patients with at least one risk factor for coronary artery disease (CAD) and sedentary lifestyle (59.7%) and dyslipidemia (53.8%) the most commonly observed. Regarding treatment, all patients had used steroids at some moment. CONCLUSION: This study provides a partial view of the characteristics of SLE in the study sample, where one can see similarity with other published series. These data can be used for better planning of health actions Lupus. Word-key: Lupus; collagenous; autoimmune illness. INTRODUÇÃO correlacionado suas manifestações clínicas iniciais, evolutivas, alterações laboratoriais, comorbidades e terapêutica, refletindo o espectro de apresentações clínicas dessa patologia no Estado do Amazonas. O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica multissistêmica, de natureza autoimune. Sua etiologia permanece obscura e sua fisiopatologia possivelmente representa o resultado da interação de múltiplos fatores, destacando-se a ação dos fatores ambientais em indivíduos geneticamente predispostos.1, 2, 3 MÉTODO A coleta de dados foi realizada no Serviço de Reumatologia do Ambulatório Araújo Lima (AAL), Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), após análise e aprovação pela Comissão de Ética em Pesquisa da Ufam. Embora afete ambos os sexos, atinge predominantemente jovens do sexo feminino, numa proporção de 9 a 10 mulheres para 1 homem, em idade reprodutiva, com pico de incidência entre 15 e 40 anos de idade.4 Na população geral, o LES afeta aproximadamente 1 caso em 2.000 a 10.000 habitantes. Sua distribuição é universal, porém a doença tende a ser mais comum e mais severa em pessoas de raças não caucasoides.1, 2 Trata-se de um estudo descritivo, de caráter retrospectivo, onde foram selecionados 130 prontuários de pacientes com diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico definido de acordo com o proposto pelo Colégio Americano de Reumatologia (ACR).7 Avaliou-se população de ambos os sexos, de todas as faixas etárias, com o diagnóstico de LES em acompanhamento regular no Serviço de Reumatologia do AAL, a fim de identificar seu perfil demográfico, clínico e laboratorial. Dentre os dados analisados têm-se: local de nascimento, procedência, raça, sexo, idade de início da doença, tempo de evolução, critérios diagnósticos do lúpus, presença de fatores de risco para doença arterial coronariana (DAC), comorbidades, alterações laboratoriais, além de tratamento medicamentoso. Seu estudo é de interesse multidisciplinar; entretanto, no Brasil, são poucos os trabalhos que descrevem como se dá o comportamento clínico do LES com estatísticas regionais. Além disso, há necessidade de maiores estudos sobre as manifestações clínicas e laboratoriais em regiões equatoriais, onde a alta incidência de raios ultravioleta favorece “surtos epidêmicos” da doença.5, 6 O presente trabalho aborda aspectos epidemiológicosdepacienteslúpicos,acompanhados regularmente num serviço de reumatologia, 12 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Kelly Simone Castro dos Santos, Maíra Fernandes de Almeida, Thamara Karoline Perrone Maciel, Domingos Sávio Nunes de Lima As informações foram registradas em um banco de dados, sendo utilizado o programa EpiInfo para descrição estatística simples. Análises estatísticas foram conduzidas utilizando-se testes do qui-quadrado e t de Student para testar diferenças entre variáveis categóricas e contínuas, respectivamente. Métodos e padrões de análise para estudos descritivos foram realizados. A análise dos dados foi iniciada com descrição estatística simples, IC 95% e testes de significância foram empregados para validar essas proporções encontradas. Foram calculadas médias IC 95% e testes de significância para variáveis numéricas. Sobre o aspecto socioeconômico, observase que a renda mensal por família varia de 0 a 20 salários, com média de 2 salários/mês. O número de coabitantes é de 4 pessoas [variando de 1 a 10 pessoas] por domicílio. Seis famílias (5,8%) não possuem emprego, vivendo da ajuda de familiares ou amigos. Aproximadamente 27% vivem com menos de um salário mínimo por mês, 30% com menos de dois salários e apenas 3% possuía renda superior a três salários mínimos. Quanto à procedência, 96% dos pacientes acompanhados residem no Amazonas, sendo 83,8% da capital Manaus e 12,3% do interior do Estado. Residem em outros Estados 3,8% da amostra, destacando-se entre eles o Estado do Pará. Nasceram no Amazonas 77,7% dessa população (sendo 38,4% na capital), e 22,3% nasceram em outros Estados. RESULTADOS A média de idade ao início da doença foi de 28 ± 10 anos [variando de 2 a 51]. A mediana do tempo de diagnóstico foi de 65 meses, variando de 4 a 483 meses. A idade atual, idade de início da doença, tempo de diagnóstico e tempo de acompanhamento dos pacientes são mostrados na Tabela 1. Foram revisados 130 prontuários onde predominam pacientes do sexo feminino (93,1%), com média de idade de 36 ± 12 anos [variando de 13 a 74], sendo 79,2% da raça não branca. Média±DP Mediana [limites] Idade atual (anos) 36 ± 12 36 [13-74] Idade de início da doença (anos) 28 ± 10 28 [02-51] Tempo de diagnóstico (meses) 80 ± 70 65 [4-483] Tempo de acompanhamento (meses) 66 ± 46 59 [1-276] Tabela 1 – Idade atual, idade de início da doença, tempo de diagnóstico e tempo de acompanhamento dos 130 pacientes com LES. Os pacientes apresentaram uma média de 5 dos 11 critérios de classificação [variando de 4 a 10]; os mais frequentemente encontrados foram FAN (91,5%) e artrite (90%), ilustrado na Tabela 2. O FAN foi positivo em 119 dos pacientes em acompanhamento, sendo o padrão homogêneo o mais frequentemente observado (35,5%), seguido pelo padrão pontilhado. 13 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 PERFIL CLÍNICO E LABORATORIAL DE PACIENTES COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES) Critério do ACR para LES Frequência Porcentagem FAN 119 91,5 Artrite 117 90 Fotossensibilidade 101 77,7 Rash malar 94 72,3 Lesão discóide 15 11,5 Úlcera oral 37 28,5 Alteração hematológica 68 52,3 Sorológico 68 52,3 Comprometimento renal 54 41,5 Serosite 43 33,1 Envolvimento neurológico 15 11,5 Tabela 2– Frequência e porcentagem dos critérios de classificação do Colégio Americano de Reumatologia (ACR) nos 130 pacientes do estudo. O comprometimento osteoarticular (artrite) e cutaneomucoso (fotossensibilidade, rash malar, lesão discoide e úlcera oral) foram as manifestações clínicas mais frequentes. As alterações dermatológicas são frequentemente observadas durante a evolução da doença. Lesões típicas como exantema em vespertílio aparecem em 72,3% e lesões do tipo discoide ocorrem em 11,5%. Fotossensibilidade é verificada em 77,7% dos pacientes. O comprometimento hematológico foi observado em 52,3% pacientes, em algum momento da evolução clínica. Destes, 60% apresentaram linfopenia, 31,5% leucopenia, 20,8% apresentaram anemia hemolítica autoimune e 8,5% plaquetopenia. As alterações hematológicas foram frequentes no início da doença, exceto linfopenia que apresentou aumento de incidência ao longo da evolução clínica. Alterações do sedimento urinário foram observadas em 41,5% dos pacientes. Dos pacientes com alterações renais, 19,4% apresentaram proteinúria maior que 500 mg/dia em algum momento ao longo da doença, sendo 68% observada no início. Neste estudo, 20,2% pacientes realizaram biópsia renal e destes 44% tiveram classificação histológica renal IV. convulsão, psicose e quadros cerebrais localizados. No Sistema Nervoso Periférico encontramos relato de neuropatia periférica em 5,38% dos pacientes. Neste estudo, observou-se fenômeno de Raynaud em 12,3%, vasculite em 14,7% e livedo em 6,2% pacientes. A presença de comorbidade foi identificada em 88,5% dos pacientes, sendo: dislipidemia 53,8%, hipertensão 40,8%, fibromialgia 12,3%, púrpura trombocitopênica idopática (PTI) 7% e herpes zoster e trombose venosa profunda (TVP) 4,7%; osteoporose foi encontrada em 9,2%, sendo a coluna o local mais acometido (75%) e osteopenia em 28,46% dos pacientes, estando o fêmur e a coluna frequentemente acometidos (43,2%). O índice de massa corpórea (IMC) foi utilizado para classificação de pacientes nos biótipos normal, magro, com sobrepeso, obeso e obeso mórbido, segundo a classificação da OMS, sendo mostrado na Tabela 3.8 Considerou-se o IMC ideal de 18,4 a 24,9 kg/m2. As pessoas com IMC de 25 a 29,9 kg/m2 estão acima do peso (sobrepeso) e com IMC acima de 30 kg/m2 são obesas. Valores acima de 40 kg/m2 são considerados como obesidade mórbida. A obesidade foi encontrada em 18,9% pacientes do estudo O comprometimento do Sistema Nervoso Central ocorreu em 11,5% dos pacientes, incluindo 14 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Kelly Simone Castro dos Santos, Maíra Fernandes de Almeida, Thamara Karoline Perrone Maciel, Domingos Sávio Nunes de Lima BIÓTIPO N.o de pacientes Porcentagem Magro 7 5,5 Normal 52 40,9 Sobrepeso 44 34,6 Obeso 22 17,3 Obeso mórbido 2 1,6 Tabela 3– Frequência e porcentagem do biótipo conforme o IMC encontrado nos pacientes em estudo. Na amostra estudada foram encontrados 93% dos pacientes com fatores de risco para DAC, sendo que os mais frequentemente encontrados foram sedentarismo, dislipidemia e hipertensão arterial. FATOR DE RISCO PARA DAC Dos 120 pacientes com fatores de risco para DAC, a média foi de 2, variando de 1 a 6 fatores. A frequência e porcentagem dos fatores de risco para DAC são mostradas na Tabela 4. N.o de pacientes Porcentagem Sedentarismo 77 59,7 Dislipidemia 70 53,8 Hipertensão arterial 53 40,8 Obesidade 24 18,9 DAC familiar 18 13,8 Tabagismo 5 3,8 Diabetes 3 2,3 Tabela 4 – Frequência e porcentagem de fatores de risco para DAC nos pacientes com LES. Considerou-se o estilo de vida sedentário como sendo a prática de atividade física em uma frequência inferior a 2 vezes por semana, de baixa intensidade e com duração menor que 30 minutos por dia. Neste estudo, 70 (53,8%) pacientes apresentaram dislipidemia, todos receberam tratamento não medicamentoso (dieta e exercício físico), e 27,1% desses pacientes receberam tratamento medicamentoso. Observamos ainda que o controle da dislipidemia só foi possível em 11 (15,7%) pacientes. Em 31 (44,3%), que não apresentaram dislipidemia inicialmente, desenvolveram ao longo da evolução clínica. Vinte e oito (40%) dos pacientes mantiveram o perfil lipídico alterado ao longo de toda evolução clínica a despeito do tratamento clínico. Quanto ao tratamento, todos os pacientes haviam usado corticosteroides em algum momento do tratamento. Dos pacientes analisados, 85,9% estão em uso regular de prednisona. A dose média de prednisona foi de 10 mg/dia, variando de 2,5 a 60 mg/dia. Em relação ao uso de antimaláricos, 83,8% utilizaram em algum momento e 61,5% dos pacientes estão usando difosfato de cloroquina. O tempo médio de uso foi de 36 meses, variando de 3 a 126 meses. Aproximadamente 78 pacientes realizaram fundoscopia, sendo observada impregnação por cloroquina em 10,3%. 15 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 PERFIL CLÍNICO E LABORATORIAL DE PACIENTES COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES) Sobre os imunossupressores, 30,7% dos pacientes estavam usando ciclosporina, azatioprina ou metotrexato no momento do estudo. O imunossupressor mais usado é a azatioprina. No momento da coleta de dados, 64,1% dos usuários de imunossupressor usavam azatioprina e 23,1% usavam também metotrexato. Foi observado que 16,2% dos pacientes realizaram pulso de metilprednisolona, sendo nefrite a indicação isolada mais frequente (72,2%). Aproximadamente 25,4% dos pacientes realizaram pulsoterapia com ciclofosfamida, sendo também a nefrite a indicação isolada mais frequente (76,7%). DISCUSSÃO O LES é uma doença de marcada predileção pelo sexo feminino, em uma proporção 9:1, afetando principalmente mulheres no seu período de vida reprodutivo.1, 2, 3 O grande predomínio da raça não branca reflete a descendência étnica da Região Norte que, embora de colonização portuguesa e espanhola, sofreu grande incentivo à miscigenação com os povos indígenas no período colonial. Percebe-se uma população pobre, cujo poder aquisitivo não permite a compra de medicamentos sendo fundamental o bom funcionamento do Sistema Único de Saúde. Dentre os critérios de classificação do ACR para o lúpus, o mais encontrado foi o FAN. A pesquisa do FAN tem particular importância para o diagnóstico de lúpus. A positividade desse teste, embora não específico para o diagnóstico de LES, serve como triagem em função de sua alta sensibilidade (maior que 99%) e alto valor preditivo negativo.8 Em conformidade com outras estatísticas brasileiras, as manifestações cutâneas e articulares foram as mais frequentemente encontradas.3, 8 A fotossensibilidade é uma manifestação que sabidamente aumenta com a incidência dos raios solares.9, 10 Em pacientes com lúpus, há uma relação entre exposição à radiação ultravioleta, autoanticorpos, genética e outros fatores no desenvolvimento da fotossensibilidade. Os mecanismos podem incluir: modulação de autoanticorpos, efeitos citotóxicos, apoptose com expressão de autoantígenos, upregulation de moléculas de adesão e citocinas, indução de óxidonítrico sintase e DNA antigênico gerado por raios UV.6 Em um estudo avaliando 164 pacientes em região de clima equatorial, rash malar, fotossensibilidade e lúpus discoide foram encontrados em 60,4%, 66,5% e 34,8%, respectivamente.11 No presente estudo, a porcentagem de acometimento dermatológico foi mais frequente que em outras séries, à exceção do lúpus discoide.1, 5, 8, 10, 11 Os demais achados clínicos foram semelhantes ao descrito na literatura.1, 8, 9, 11, 12, 13 O comprometimento vascular ocorre em 30 a 40% na fase ativa e ao longo da evolução.1 Neste estudo, observou-se fenômeno de Raynaud em 12,3%, vasculite em 14,7% e livedo em 6,2% dos pacientes. Alterações renais foram encontradas em 41,5% dos pacientes, em conformidade com a literatura.13 Diferentes mecanismos, atuando isolados ou em conjunto, parecem estar implicados na patogênese da doença arterial coronariana (DAC) de pacientes com LES.14 Os fatores de risco para doença coronariana na população em geral incluem estilo de vida sedentário, tabagismo, obesidade, dislipidemia (alteração do perfil lipídico), diabetes melito, história familiar de DAC prematura (mulheres com menos de 65 anos e homens com menos de 55 anos) e hipertensão.14, 15 Pacientes com LES apresentam maior prevalência de fatores de risco reconhecidos para aterosclerose.16, 17 Neste estudo, 93% da população apresenta pelo menos um fator de risco cardiovascular, sendo que mais da metade apresentam dislipidemia, sobrepeso/ obesidade e sedentarismo, tendo destaque também a HAS com 40,8% de prevalência. Vários estudos em mulheres têm enfatizado o perfil lipídico como importante fator causal da doença coronária aterosclerótica. É consensual que o aumento dos níveis séricos de colesterol total, LDLcolesterol, triglicerídeos são fatores de risco para DAC, enquanto os níveis elevados de HDL-colesterol são protetores.18 Alterações no perfil lipídico são um 16 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Kelly Simone Castro dos Santos, Maíra Fernandes de Almeida, Thamara Karoline Perrone Maciel, Domingos Sávio Nunes de Lima dos mais frequentes fatores de risco para DAC em pacientes com LES.17 Em 1992, um estudo mostrou que 56% das pacientes estudadas apresentaram alteração no perfil lipídico em algum momento da doença17 e outro estudo relatou dislipidemia em 46% dos pacientes.19 Em nosso estudo, 70 (53,8%) pacientes apresentaram dislipidemia, todos receberam tratamento não medicamentoso (dieta e exercício físico) e 27,1% desses pacientes receberam tratamento medicamentoso. Observamos ainda que o controle da dislipidemia só foi possível em 11 (15,7%) pacientes. Em 31 (44,3%), que não apresentaram dislipidemia inicialmente, desenvolveram ao longo da evolução clínica. Vinte e oito (40%) dos pacientes mantiveram o perfil lipídico alterado ao longo de toda evolução clínica a despeito do tratamento clínico. Quanto ao tratamento, todos os pacientes haviam usado corticoide em algum momento da evolução. Os corticoides podem causar muitos efeitos colaterais a longo prazo. Os principais são: aumento da susceptibilidade a infecções, descompensação diabética, hipertensão arterial, necrose asséptica, síndrome de Cushing, osteoporose e aterosclerose.17, 20 Independente do órgão ou sistema afetado, o uso contínuo de antimaláricos (difosfato de cloroquina: 4 mg/kg/dia ou sulfato de hidroxicloroquina: 6 mg/kg/dia) é indicado com a finalidade de reduzir a atividade da doença e tentar poupar corticoide em todos os pacientes com LES.22, 23 Melhora do perfil lipídico e redução do risco de trombose são benefícios adicionais atribuídos ao uso de antimaláricos.21, 22 Dos pesquisados, 83,8% dos pacientes utilizaram em algum momento e 61,5% dos pacientes estão usando difosfato de cloroquina. O tempo médio de uso foi de 36 meses, variando de 3 a 126 meses. Em pacientes com tratamento refratário à corticoterapia, está indicado o uso de imunossupressores. Os imunossupressores mais usados foram a azatioprina seguida pelo metotrexate. Pulsoterapias com metilprednisolona e ciclofosfamida tiveram como indicação mais frequente a nefrite lúpica. CONCLUSÃO Em conclusão, dentro da variedade de manifestações clínicas encontradas no LES, estudouse o comportamento dessa patologia nos pacientes de um serviço de referência para tratamento de doenças do colágeno no Amazonas, mostrando uma visão preliminar das características dessa doença no Estado. A população em seguimento é constituída principalmente de pacientes jovens, do sexo feminino, não brancas e procedentes da capital e interior do Estado. A situação socioeconômica é desfavorável, muitas vezes necessitando do auxíliodoença ou da ajuda de familiares ou amigos para o sustento. As características clínicas, laboratoriais e história natural da doença se comportam de forma semelhante a outras séries da literatura, à exceção do comprometimento cutaneomucoso mais frequente neste trabalho. Na amostra analisada a presença de comorbidades é frequente, tendo quase toda a população algum fator de risco clássico para DAC. A terapêutica aplicada encontrase de acordo com as drogas padrão utilizadas no tratamento do LES. 17 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 CÂNCER DE PULMÃO NO ESTADO DO AMAZONAS – UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO COM BASE HOSPITALAR CÂNCER DE PULMÃO NO ESTADO DO AMAZONAS – UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO COM BASE HOSPITALAR LUNG CANCER DIN THE STATE OF AMAZONAS AN EPIDEMILOGICAL STUDY BASED ON HOSPITAL Fernando Luiz Westphal*, Luiz Carlos Lima**, Maria do Socorro Lucena Cardoso***, José Corrêa Lima Netto****, Edson Oliveira Andrade*****, Andrey Salvione da Silva******, Rodrigo Padilha*******, Danielle Cristine Westphal******* RESUMO OBJETIVO: Analisar as características epidemiológicas do câncer de pulmão na cidade de Manaus. Este estudo avalia o quadro clínico predominante, prevalência de tabagismo, a carga tabágica, o meio diagnóstico mais utilizado e o tipo histológico encontrado. MÉTODOS: É um estudo retrospectivo de casos de câncer de pulmão, de janeiro de 1993 até dezembro de 2002. Os pacientes foram atendidos no Hospital Universitário Getúlio Vargas, na Sociedade Beneficente Portuguesa e na Fundação Centro de Controle de Oncologia, em Manaus (Amazonas – Brasil). Os dados foram coletados dos prontuários, localizados nos arquivos médicos de cada localidade, incluindo o perfil epidemiológico, estado clínico, tabagismo, localização, meio diagnóstico e o tipo histológico. RESULTADOS: 441 pacientes se enquadraram no critério da amostra, dos quais 75,0% eram homens e 25,0% mulheres; com idade média de 61 anos; 53,3% tinham história de tabagismo; dentre os quais a carga tabágica foi 44,1 maços/ano; o tumor localizavase no pulmão direito em 57% dos casos e 43% no esquerdo; 48,1% dos pacientes apresentavam sintomas de tosse e 41,6% dores torácicas; a broncoscopia foi usada em 57,7% dos casos, e aspiração por agulha fina em 10,6% como diagnóstico; em relação ao tipo histológico, 63,7% dos casos foram encontrados carcinoma de células escamosas, e 24,0% adenocarcinoma. CONCLUSÃO: Na cidade de Manaus, o câncer de pulmão ocorre mais em homens, em idades avançadas; a maioria dos pacientes fuma e tem uma alta carga tabágica; tosse e dor torácica são os sintomas mais frequentes; carcinoma de células não pequenas (especialmente o carcinoma escamocelular) é a forma mais comum. Termos: Câncer, câncer de pulmão, neoplasias, epidemiologia, saúde pública. ABSTRACT OBJECTIVE: To analyze the epidemiological features of lung cancer in the city of Manaus. This study aims to evaluate the predominant clinical picture, smoking prevalence, tobacco smoking load, the diagnostic procedure, and the encountered histological type. METHODS: This is a retrospective study of lung cancer from January 1993 to December 2002. The patients were seen at Getúlio Vargas University Hospital, the Portuguese Beneficent Society, and the Oncology Control Center Foundation, in Manaus * Cirurgião Torácico, Doutor, Chefe da Divisão de Cirurgia Torácica da Universidade Federal do Amazonas ** Cirurgião Torácico, Ph.D. Membro do Departamento de Cirurgia Torácica da Universidade Federal do Amazonas HUGV – Manaus, Brasil *** Professora, Doutora da faculdade de Medicina da UFAM. **** Cirurgião Torácico. Membro do Departamento de Cirurgia Torácica da Universidade Federal do Amazonas HUGV. ***** Professor, Doutor da faculdade de Medicina da UFAM. ****** Residente de Cirurgia Geral da Universidade Federal do Amazonas HUGV ******* Estudante de Medicina da Universidade Federal do Amazonas. ******* Estudante de Medicina da Universidade Federal do Amazonas 18 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos Lima, Maria do Socorro Lucena Cardoso, José Corrêa Lima Netto, Edson Oliveira Andrade, Andrey Salvione da Silva, Rodrigo Padilha, Danielle Cristine Westphal (Amazonas – Brazil). The data were collected from the charts, located in the medical file, including the epidemiological profile, clinical state, and the use of tobacco products, location, diagnostic procedure used and histological type. RESULTS: 441 patients were observed, of whom 75.0% were male and 25.0% female; with median age of 61 years; 53.3% had a history of tobacco use; among which, the smoking load was 44.1 packs/year; the tumor was located in the right lung in 57% and in the left in 43%; 48.1% of patients presented coughing and 41.6% chest pains; bronchoscopy was used in 57.5% of the cases, and fine needle aspiration in 10.6% as diagnostic procedure; in relation to the histological type, 63.7% of the cases were found to have squamous cell carcinoma, and 24.0% adenocarcinoma. CONCLUSION: In the city of Manaus, lung cancer occurs more frequently among men, in older age groups; most of the patients smoke and have high tobacco smoking load; cough and chest pain are the most frequent symptoms; nonsmall cell carcinoma (especially squamous cell carcinoma) is the most common form. MeSH terms: Cancer, lung cancer, neoplasm, epidemiology, public health. INTRODUÇÃO tipo histológico mais comum era o carcinoma espinocelular; no entanto, desde os anos 70, houve um aumento nos casos de adenocarcinoma, que se tornou o tipo histológico de maior incidência. Acredita-se que esse fato ocorreu por conta da mudança nas características dos cigarros e do padrão de deposição de agentes cancerígenos no pulmão.4 Apesar disso, há países na Europa onde o carcinoma de células escamosas entre os homens é o mais comum.5 Mais de 90% dos pacientes com câncer de pulmão apresentam alguns sintomas no início da doença; no entanto, a suspeita só surge geralmente após uma radiografia de tórax modificado.6 O câncer de pulmão é reconhecido como uma das neoplasias mais frequentes no mundo e aquele com a maior taxa de mortalidade.1 No Brasil, é considerado o segundo câncer mais frequente entre homens e o quarto entre as mulheres. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), foram estimados 27.170 novos casos, dos quais 990 ocorrem no Estado do Amazonas.2 Entre essas pessoas, os homens representam 65,7% dos casos e as mulheres 34,3%, mostrando que esse tumor acomete homens com mais frequência, na proporção de 1.91:1.2 Em 2003, o Inca estimou 16.230 óbitos por câncer de pulmão, e observaram que entres os cânceres está em primeiro lugar entre as causas de morte em homens e a segunda entre as mulheres (atrás apenas do câncer de mama), no Brasil. No Amazonas, a diferença ocorre apenas no sexo feminino, no qual ele ocupa o terceiro lugar entre as causas de morte por câncer, atrás do câncer de mama e de útero.3 A Pesquisa disponível atualmente relata algumas características importantes em algumas séries na literatura,7-10 tais como sinais e sintomas iniciais, alterações radiológicas, o hábito tabágico e os tipos histológicos mais frequentes. O objetivo deste estudo, portanto, foi obter dados epidemiológicos de pacientes submetidos ao tratamento da neoplasia pulmonar de acordo com os centros de referência para doenças do tórax, na cidade de Manaus. A causa do câncer de pulmão está diretamente relacionada à exposição a determinadas substâncias cancerígenas conhecidas, como o tabaco, o principal agente cancerígeno, arsênico e amianto.1 O risco de desenvolver câncer de pulmão entre os fumantes está diretamente relacionada à duração do hábito de fumar e de carga tabágica.4 No passado, o MATERIAL E MÉTODOS Os critérios de inclusão Os prontuários dos pacientes diagnosticados 19 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 CÂNCER DE PULMÃO NO ESTADO DO AMAZONAS – UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO COM BASE HOSPITALAR Análise Estatística com câncer de pulmão admitidos no Hospital Universitário Getúlio Vargas, Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas e Fundação Centro de Controle de Oncologia do Amazonas, na cidade de Manaus/Brasil, de janeiro de 1993 a dezembro de 2002 foram revisados. Este projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCECON). Todos os pacientes com diagnóstico histopatológico específico de câncer de pulmão primário realizado pela análise de material obtido por meio de biópsias ou de ressecção foram incluídos. A classificação histopatológica do câncer de pulmão utilizado foi o da Organização Mundial da Saúde.11 Os dados foram analisados pelos testes de Fisher e do qui-quadrado com intervalo de confiança de 95%, utilizando o programa Epi-info para computadores. O teste do qui-quadrado de Pearson foi utilizado para avaliar a associação entre variáveis categóricas e o teste de t-Student foi utilizado para a comparação das médias. RESULTADOS Perfil epidemiológico Entre os pacientes com suspeita de câncer de pulmão, 441 preencheram os critérios de inclusão, dos quais 327 eram homens e 114 mulheres. A faixa etária esteve entre 9 e 86 anos (média de 61 anos). A média de idade em homens e mulheres foi de 59 e 62 anos, respectivamente. = 13,35, p = 0,0097). A comparação das médias de idade entre os sexos (Gráfico 1) pelo teste de t-Student mostrou uma diferença estatisticamente significativa (χ 2 = 13,35, p = 0,0097). Os dados dos pacientes foram coletados por meio de um protocolo, incluindo o perfil epidemiológico, hábitos de tabagismo e carga tabágica, aspectos clínicos, radiológicos com a medida do maior diâmetro da massa em centímetros, localização, métodos de diagnóstico e tipos histológicos. Quanto ao quadro clínico, os itens analisados foram: tosse, dispneia, dor torácica, febre, hemoptise e fraqueza, como sinais e sintomas relacionados ao tumor primário; rouquidão, disfasia, síndrome da veia cava superior e síndrome de Horner como manifestações de propagação extratorácica do tumor. O Gráfico 2 mostra que a incidência de câncer de pulmão em ambos os sexos tende a ser igual, ao longo do tempo. Gráfico 1 – Distribuição dos gêneros e intervalos de idade. 20 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos Lima, Maria do Socorro Lucena Cardoso, José Corrêa Lima Netto, Edson Oliveira Andrade, Andrey Salvione da Silva, Rodrigo Padilha, Danielle Cristine Westphal Gráfico 2 – Distribuição anual: a incidência de câncer de pulmão entre gêneros. Sinais e sintomas dimensão, teve uma média de 6,2 cm, variando de 1,8 a 15 cm. O aspecto do tumor na tomografia foi descrita em 184 pacientes, como uma massa e atelectasia sendo os principais tipos encontrados, com 90 e 36 casos, respectivamente. Os sinais e sintomas mais comuns causados pelo tumor primário foram: (214) dor torácica, (185) fraqueza (147), dispneia (133), hemoptise (128), tosse e febre (61). Nos setenta pacientes com problemas relacionados com a invasão intratorácica, os principais sintomas encontrados no momento do diagnóstico foram mediastinais em 64, e da abertura torácica superior em 6, rouquidão em 37 pacientes e síndrome da veia cava superior em 23. Os procedimentos de diagnóstico Os métodos mais utilizados do diagnóstico de câncer de pulmão foram broncoscopia em 256 pacientes, aspiração por agulha fina em 47, histopatologia pós-operatória em 28, a biópsia do linfonodo em 22, a biópsia por congelação em 11, biópsia pulmonar por toracotomia em 11, citologia do derrame pleural em 9, biópsia pleura em 8, mediastinoscopia em 5, e em 8 casos vários métodos foram utilizados. O hábito de fumar Houve evidências relacionadas ao hábito de fumar em 244 casos de câncer de pulmão, entre os quais 237 eram fumantes e 7 negaram tal hábito. A carga tabágica (em 112 casos) média foi de 44,1 maços/ano, variando de 5,3-126. Nos homens, a média foi de 45,2 maços/ano, enquanto nas mulheres foi de 37,1; no entanto, não foi observada diferença significativa entre ambos (p = 0,2350). Tipos histológicos Entre os tipos histológicos, o carcinoma de células escamosas foi o mais frequente, observado em 281 (63,7%) pacientes, seguido do adenocarcinoma, em 106 casos (24,0%) (9 carcinomas de células alveolares). Carcinoma de pequenas células foi descrito em 39 (8,9%), carcinoma de grandes células em 15 (3,4%). A incidência do carcinoma espinocelular vem reduzindo ao longo do tempo, enquanto o adenocarcinoma manteve-se constante (Gráfico 3), ao contrário do que tem sido observada no carcinoma de células pequenas, no qual tem havido um aumento no número de casos. Aspectos radiológicos Dos 121 pacientes da amostra com aspecto radiográfico descrito no gráfico, os tumores estavam presentes como uma massa sólida em 26 casos, 21 como uma consolidação, em 20 como atelectasias e nódulo em cada um, e 16 de derrame pleural. O tamanho do tumor, em 108 pacientes, na sua maior 21 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 CÂNCER DE PULMÃO NO ESTADO DO AMAZONAS – UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO COM BASE HOSPITALAR Por meio da análise da distribuição por sexo versus tipos histológicos, uma diferença significativa da amostra pelo teste de Kruskal-Wallis (χ 2 = 13,333, p = 0,003) foi observada (Tabela 1). Gráfico 3 – Série anual da incidência dos tipos histológicos. Local do tumor GÊNERO Tipos Histológicos Feminino Masculino TOTAL Células escamosas 53 228 281 (63,7%) Adenocarcinoma 49 57 106 (24,0%) Pequenas células 9 30 39 (8,9%) Grandes células 3 12 15 (3,4%) Tabela 3– Tipo histológico versus gênero (n = 441). Dos 337 pacientes avaliados, a distribuição entre os pulmões foi de 192 casos no lado direito e 145 no lado esquerdo. Entre estas, o câncer foi localizado no lóbulo superior direito em 81 pacientes, lóbulo superior esquerdo em 62, lobo inferior direito em 39, lóbulo inferior esquerdo em 25 e lobo médio em oito pacientes. O câncer de pulmão é mais comum no sexo masculino. O predomínio no sexo masculino tem sido relatado em uma proporção de 2:1, na maioria dos países europeus, similar ao nosso estudo. No México, uma relação de 1,6:1 foi observada, que é considerado inferior à de muitos países das Américas.10, 12 Em nosso estudo, encontramos uma relação de 2,8:1, quase igual ao observado por outros autores,13 de 2,7:1, em pacientes atendidos em São Paulo. Tem sido afirmado que a doença afeta principalmente os idosos,10 nos quais a maior DISCUSSÃO 22 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luiz Carlos Lima, Maria do Socorro Lucena Cardoso, José Corrêa Lima Netto, Edson Oliveira Andrade, Andrey Salvione da Silva, Rodrigo Padilha, Danielle Cristine Westphal incidência está entre 50 e 70 anos observada em carcinoma de não pequenas células7, 14 similar ao observado em nossa pesquisa. Em estudos realizados por uma análise baseada em registro de 97.281 pacientes com câncer de pulmão diagnosticados na Dinamarca de 1943 a 1994,8 e um estudo prospectivo de material total de câncer do pulmão de um condado da Suécia de 1997 a 1999, todos os dados sobre os gêneros, sintomas, fases e tabagismo também foram semelhantes aos nossos.9 Houve uma diferença significativa entre as médias de idade entre os sexos, que também foi observado no presente estudo. O estudo prospectivo foi realizado em pacientes diagnosticados com câncer de pulmão de 1997 a 2000, no Departamento de Doenças Respiratórias do Hospital Universitário de Rouen, França.19 Em relação ao tabagismo, exposição ao amianto e localização do câncer de pulmão, é importante notar uma carga tabágica média de 42,3 maços/ano, que é análogo ao nosso estudo. Apesar da diferença de carga de tabagismo entre os sexos, este não mostrou significância, fato relatado anteriormente,13 que também foi observado em nosso estudo. O pulmão direito foi o mais frequentemente afetado. Há um relatório de uma frequência de 63,2%,9 fato também observado em nosso estudo em 57% dos pacientes. Esses mesmos autores identificaram os lóbulos superiores dos pulmões como os lugares em que o câncer se desenvolve mais comumente, perto de 42% dos casos. Um índice similar de 46% foi relatado,20 e em nossa pesquisa lobos superiores foram acometidos em 63%. Desde 1960, a incidência entre as mulheres foi aumentando gradualmente acompanhando o movimento de emancipação feminina e da globalização. Ao mesmo tempo, um aumento gradual da mortalidade tem sido observado, superando o câncer de mama.4 Essa tendência tem sido observada na série anual de nossos pacientes, indicando um aumento previsto do número de mulheres fumantes.5, 13 Em mulheres francesas, de acordo com Grivaux et al.,21 broncoscopia seguido por aspiração com agulha fina foram identificados como os procedimentos de diagnóstico utilizados mais comumente para o câncer de pulmão. Em nosso estudo, esse fato também é verdadeiro, mostrando que a broncoscopia é um procedimento diagnóstico valioso, principalmente em lesões centrais da árvore brônquica.22, 23 No momento do diagnóstico, o paciente raramente é assintomático. Nos pacientes com câncer de pulmão, foi comprovado que apenas 7%9 e 11%,15 respectivamente, apresentaram uma queixa no diagnóstico. Deve ser considerado que, nesses estudos, 36% e 19,7% dos pacientes, respectivamente, foram diagnosticados em estágios iniciais. Em nossa amostra, apenas 1% estava assintomática, conflitantes com os estudos anteriores. Tosse foi a queixa mais comum, também confirmado por esses e outros autores.9, 13-15 Como frequentemente em países 8 desenvolvidos, como Dinamarca, como nas nações em desenvolvimento, como no México,10 o adenocarcinoma foi identificado como o tipo histológico mais comum entre as mulheres, enquanto nos homens foi o carcinoma de células escamosas predominantes na maioria dos países europeus.5 No Brasil, muitos estudos têm mostrado que o carcinoma espinocelular é o mais frequente, com médias que variam de 47% a 60,3%.7, 14, 20, 23, 24 No Estado do Amazonas, o carcinoma epidermoide é também o mais comum entre os homens, bem como em mulheres. Por outro lado, há outra pesquisa, na Suécia, que mostra mulheres com adenocarcinoma como o mais comum.9 Em uma análise da incidência do tipo histológico de câncer de pulmão ao longo do tempo, uma redução no número de casos de A exposição à fumaça do tabaco está diretamente relacionada ao desenvolvimento de câncer de pulmão. Essa situação é evidenciada por muitos estudos que demonstram a incidência entre 67% e 92%.10, 15-18 Na nossa amostra, também foi detectado que 237 (97,1%) casos estavam ligados ao hábito de fumar. Nos homens, esse hábito é mais comum do que nas mulheres.9, 12 Estes autores referem uma incidência de 92% no sexo masculino e 79% no sexo feminino. A incidência observada em nosso estudo foi a de 98,6% nos homens e 86,8% nas mulheres. 23 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 CÂNCER DE PULMÃO NO ESTADO DO AMAZONAS – UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO COM BASE HOSPITALAR carcinoma de células escamosas e um aumento no adenocarcinoma foram observados, fatos relatados por alguns autores.4, 5, 14 Apesar da incidência de adenocarcinoma, em nossa pesquisa, que se manteve estável ao longo do tempo, o declínio no número de casos de carcinoma de células escamosas foi comprovado. Isto pode ser por conta da aplicação de filtros de cigarros, o que obriga os fumantes a fazer inalações mais profundas e de reter mais o fumo, pela pequena quantidade de nicotina inalada. Assim, o depósito das substâncias cancerígenas começa nas regiões distais da árvore brônquica, onde o adenocarcinoma se desenvolve na maioria dos casos.5 8. Skuladottir H, Olsen JH, Hirsch, FR. Incidence of lung cancer in Denmark: historical and actual status. Lung Cancer. 2000 Feb; 27(2):107-18. Tendo em conta as limitações da investigação deste estudo retrospectivo, por meio dos prontuários de pacientes como a fonte de obtenção de dados, não foi possível realizar uma análise completa de algumas variáveis incluídas no protocolo do estudo. 13. Uehara C, Jamnik S, Santoro I. Lung cancer: comparison between sexes. J Pneumol. 2000;26(6):286-90. 9. Koyi H, Hillerdal G, Brandén E. A prospective study of a total material of lung cancer from a county in Sweden 1997–1999: gender, symptoms, type, stage, and smoking habits. Lung Cancer. 2002 Apr;36(1):9-14. 10. Medina FM, Barrera RR, Morales JF, et al. Primary lung cancer in Mexico city: a report of 1019 cases. Lung Cancer 1996 Jun:14(2-3):185-93. 11. World Health Organization (WHO). Histological typing of lung tumors, Vol.1. 3rd ed. International Histological. Geneva, WHO; 1999. 12. Dias OM, Turato ER. 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MÉTODOS: Participaram da pesquisa 125 mulheres, maiores de 18 anos, com idade média de 34,5 ± 10,2 anos, com diagnóstico de LES há no mínimo um ano. O diagnóstico da SM foi definido segundo os critérios de 2002 do National Cholesterol Education Program (NCEP). As variáveis analisadas foram idade, idade de início da doença, tempo de doença, critérios de 1997 do American College of Rheumatology (ACR) preenchidos, tabagismo, menopausa, sedentarismo, LDLcolesterol, uso de antimaláricos e dose acumulada de corticoesteroides. RESULTADOS: Das 125 pacientes estudadas, 60 (48%) apresentaram SM. A presença de SM foi significativamente associada ao acometimento renal (p<0,001) e a doses cumulativas maiores de corticoesteroides (p=0,007). As pacientes em uso de antimaláricos tiveram uma prevalência menor (p=0,044) de SM. CONCLUSÃO: A síndrome metabólica tem alta prevalência entre as pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, com correlação positiva para lesão renal e maior dose acumulada de corticoesteroides e teve como fator protetor o uso de antimaláricos. Palavras-chave: Lúpus eritematoso sistêmico, síndrome metabólica, doença cardiovascular, fatores de risco. ABSTRACT PURPOSE: To analyze the prevalence of metabolic syndrome (MS), a cluster of cardiovascular risk factors usually related of central deposit of fat and insulin resistance, in women with systemic lupus erythematosus (SLE) and correlate with demographical, clinical and therapeutic data, and others cardiovascular risk factors. METHODS: One hundred twenty five women participated of the research, all of them were 18 years old or older, with mean age of 34,5 ± 10,2 years, diagnosed with SLE for at least one year. The diagnosis of MS was defined according to the 2002 criteria of National Cholesterol Education Program. The analyzed variables such as age, age at diagnosis, time of disease, 1997 criteria of American College of Rheumatology (ACR), smoking, menopause, sedentarism, LDL-cholesterol, use of antimalarial drugs and cumulative dose of corticosteroids. RESULTS: Out of 125 patients, 60 (48%) were diagnosed with MS. The * Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas ** Médica Residente de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas, Universidade Federal do Amazonas *** Professor Doutor da Discilplina de Reumatologia do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas **** Professor Doutor da Discilplina de Reumatologia do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas e Médico Assistente de Clínica Médica da Universidade Federal do Amazonas. 25 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 PREVALÊNCIA DE SÍNDROME METABÓLICA EM PACIENTES COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO NA AMAZÔNIA OCIDENTAL presence of MS was significantly associated with renal injury (p<0,001) and with high cumulative doses of corticosteroids (p=0,007). Patients in use of antimalaric drugs had a lower prevalence (p=0,044) of MS. CONCLUSION: The metabolic syndrome has high prevalence among patients with MS, with positive correlation for renal injury and high cumulative dose of corticosteroids and had as protecting factor the antimalarial drugs. Keywords: Systemic lupus erythematosus, metabolic syndrome, cardiovascular disease, risk factors for INTRODUÇÃO como um transtorno complexo representado por um conjunto de fatores de risco cardiovasculares usualmente relacionados à deposição central de gordura e à resistência à insulina.11 Os elementos que compõem a síndrome são circunferência abdominal aumentada, HDL-colesterol baixo, hipertrigliceridemia, hipertensão e glicemia de jejum alterada.11, 12 A SM tem sido considerada uma das mais importantes situações de risco para a doença cardiovascular, dobrando a taxa de mortalidade por coronariopatias.12 A doença arterial coronariana (DAC) causada pela presença de aterosclerose prematura representa alta morbidade e mortalidade entre os indivíduos com lúpus eritematoso sistêmico (LES).1 Trabalhos observacionais iniciados na década de 70 descreveram morte por infarto agudo do miocárdio em 45% dos pacientes com maior tempo de doença.2 Estudos com longo tempo de acompanhamento estimam um risco de novos eventos coronarianos de 13-15% em dez anos de doença.3, 4 Comparadas a população da mesma faixa etária, mulheres com LES possuem um risco 5 a 10 vezes maior de eventos cardiovasculares.5, 6 A fórmula tradicional de Framingham falhou ao analisar o risco cardiovascular em mulheres com LES, pois em um estudo retrospectivo com 263 pacientes com LES foi estimado apenas 4,5 casos de doença coronariana e 2 casos de acidente vascular cerebral, porém ocorreram 34 e 16 eventos, respectivamente.7 Estudos recentes sugerem que a inflamação subclínica crônica faz parte da síndrome metabólica.13, 14 Altos níveis de proteína C reativa e fibrinogênio estão associados à circunferência abdominal aumentada e resistência insulínica.14, 15 Este trabalho tem por objetivo descrever a prevalência de síndrome metabólica com base em critérios diagnósticos de fácil execução ambulatorial, em mulheres com lúpus eritematoso sistêmico. O mecanismo da formação acelerada de aterosclerose no LES ainda é desconhecido, mas as hipóteses são multifatoriais. Os tradicionais fatores de risco para DAC estão presentes nessas pacientes – mulheres com LES desenvolvem hipertensão e diabetes melito em uma faixa etária inferior à população geral, e também apresentam maior dislipidemia e sedentarismo.8 A inflamação crônica autoimune contribui para formação de partículas pequenas e densas de LDL-colesterol e ainda aumenta o estresse oxidativo na placa aterosclerótica.9 O uso de corticoesteroides, apesar do efeito anti-inflamatório, pode alterar o perfil lipídico quando em altas doses ou utilizados por períodos prolongados.10 MÉTODOS Trata-se de um estudo prospectivo observacional, tipo coorte transversal, realizado no Serviço de Reumatologia do Ambulatório Araújo Lima (AAL) na Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em um período de nove meses. Participaram da pesquisa pacientes do sexo feminino, maiores de 18 anos, com diagnóstico de LES definido de acordo com os critérios propostos pelo Colégio Americano de Reumatologia (ACR),16 com no mínimo um ano de doença. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Amazonas, Processo n.o 40/2006. A Síndrome Metabólica (SM) é definida 26 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Sileno de Queiroz Fortes Filho, Ana Carolina Quincó Muerza, Maíra Fernandes de Almeida, Luiz Fernando de Souza Passos, Domingos Sávio Nunes Após assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, as pacientes foram submetidas à anamnese e exame físico direcionados para a pesquisa. A medida da circunferência abdominal foi realizada com fita métrica simples, na metade da distância entre a crista ilíaca e o rebordo costal inferior.11 A pressão arterial foi aferida na posição sentada, após dez minutos de repouso. presença de tabagismo, sedentarismo e menopausa. Para tabagismo foi considerado o fumo atual ou nos últimos seis meses, sedentarismo para aquelas que não realizam atividade física no mínimo três vezes por semana por trinta minutos e menopausa para aquelas que não menstruam há um ano ou mais. Com relação às medicações utilizadas, foram pesquisados antimaláricos e corticoesteroides. Os antimaláricos foram avaliados pelo uso nos últimos cinco anos de tratamento e os corticoesteroides pelo uso nos últimos 12 meses, ambos de maneira contínua ou fragmentada. Para aquelas que utilizavam corticoesteroides, foram descritas as doses acumuladas de um ano anterior à pesquisa. O diagnóstico de síndrome metabólica foi realizado pela presença de 3 ou mais dos critérios propostos pelo National Cholesterol Education Program III (NCEP-ATP III)17 também utilizados pela I Diretriz Brasileira de Síndrome Metabólica:11 circunferência abdominal > 88 cm, triglicerídeos ≥150 mg/dL, HDL-colesterol < 50 mg/dL, pressão arterial sistólica ≥ 130 mmHg ou diastólica ≥ 85 mmHg e glicemia de jejum ≥ 110 mg/dL. Para os componentes pressão arterial e triglicerídeos, o uso de medicação anti-hipertensiva ou hipolipemiante foi considerado suficiente para o preenchimento do critério de inclusão respectivo,11 assim como o diagnóstico prévio autorrelatado de diabetes. Análise Estatística Frequências absolutas e relativas para os dados qualitativos foram obtidas por contagem direta; média e desvio-padrão (DP) foram utilizados para descrição dos dados quantitativos. Para analisar a associação entre as variáveis categóricas utilizou-se o teste do Qui-quadrado de Pearson, e quando não satisfeitas as condições para aplicação do teste de Pearson, utilizouse o teste com correção de Yates. Foi aplicada regressão logística e intervalo de confiança ao nível de 95% (IC95%) para cálculo do odds ratio associado às variáveis consideradas. Na análise de comparação das médias utilizou-se o teste t de Student quando os dados encontravam-se As características demográficas e clínicas pesquisadas foram: idade em anos, idade do início do LES em anos, o tempo de evolução da doença estimado em meses e o número de critérios diagnósticos para o LES segundo o ACR (mínimo de quatro e máximo de onze). Outros tradicionais fatores de risco cardiovasculares também foram analisados: lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol) alterada quando superior ou igual a 100 mg/dL, Figura 1 – Distribuição dos critérios nas pacientes com síndrome metabólica e lúpus eritematoso sistêmico (n=60) 27 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 PREVALÊNCIA DE SÍNDROME METABÓLICA EM PACIENTES COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO NA AMAZÔNIA OCIDENTAL normalmente distribuídos e o teste de Mann-Whitney quando rejeitada a hipótese de normalidade. O software utilizado para a construção do banco de dados e análise foi o programa Epi-Info versão 3.3 e o nível de significância utilizado nos testes foi de 5%. Figura 2 – Distribuição do número de critérios da síndrome metabólica em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (n=125). RESULTADOS Dos 125 pacientes, 60 apresentaram a SM, configurando uma taxa de 48%. Os critérios mais Síndrome metabólica Sim (n = 60) Não (n = 65) P Média de idade (em anos) 35,7 ± 9,6 33,4 ± 10,6 0,208(*) Média de idade de início da doença (em anos) 28,2 ± 10,1 27,2 ± 9,5 0,570(*) Tempo de doença (em meses) 87,8 ± 61,2 74,0 ± 53,8 0,183(*) Rash malar [n(%)] 44 (73,3) 51 (78,5) 0,502(*) Úlcera oral [n(%)] 16 (25,0) 15 (24,6) 0,906(*) 4 (6,7) 5 (7,7) 0,900(†) Fotossensibilidade [n(%)] 46 (76,7) 57 (87,7) 0,105(*) Artrite não erosiva [n(%)] 57 (95,0) 58 (89,2) 0,390(†) Serosite [n(%)] 23 (38,3) 17 (26,2) 0,145(*) Critério hematológico n(%)] 29 (48,3) 35 (53,8) 0,538(*) Critério renal [n(%)] 28 (46,7) 10 (15,4) < 0,001(*) Critério sorológico [n(%)] 32 (53,3) 29 (44,6) 0,323(*) Critério neurológico [n(%)] 8 (13,3) 5 (7,7) 0,302(*) Anticorpo antinuclear [n(%)] 55 (91,7) 61 (93,8) 0,900(†) Tabagismo [n(%)] 1 (1,7) 2 (3,1) 0,944(†) Menopausa [n(%)] 8 (52,6) 11 (47,4) 0,576(*) LDL-c ≥ 100mg/dL n(%)] 44 (73,3) 41 (63,1) 0,141(*) Sedentarismo n(%)] 42 (70,0) 39 (60,0) 9 Lesão discoide [n(%)] Tabela 1 – Dados comparativos das pacientes com lúpus eritematoso sistêmico com e sem síndrome metabólica atendidas no Ambulatório Araújo Lima, Manaus-AM. (*) – Teste do Qui-quadrado de Pearson (†) – Teste do Qui-quadrado de Yates 28 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Sileno de Queiroz Fortes Filho, Ana Carolina Quincó Muerza, Maíra Fernandes de Almeida, Luiz Fernando de Souza Passos, Domingos Sávio Nunes prevalentes em ordem decrescente foram: HDL baixo (91,7%), circunferência abdominal aumentada (83,3%), hipertensão arterial (78,3%), hipertrigliceridemia (70,0%) e glicemia de jejum alterada (6,7%) (Figura 1). doença de 27,7 ± 9,8 anos e tempo de doença médio de 80,6 ± 50,7 meses com mediana de 72 meses. Não foi encontrada diferença estatística da idade, idade do início da doença e tempo de doença em meses em relação à presença de síndrome metabólica ao nível de 5% de significância (Tabela 1). Quanto ao número de critérios para a SM entre todas as mulheres estudadas, 7 (5,6%) não apresentavam nenhum critério, 22 (17,6%) um critério, 36 (28,8%) dois critérios, 39 (31,2%) três critérios e 21 (16,8%) quatro critérios. Nenhuma paciente apresentou cinco critérios (Figura 2). Em relação ao número de critérios do ACR para o diagnóstico de LES, observou-se média de 5,7 ± 1,5 critérios nas pacientes com síndrome metabólica, que foi estatisticamente igual às pacientes sem a síndrome, com média de 5,3 ± 1.1 (p=0,309). A frequência dos critérios do ACR para o lúpus nas 125 pacientes estudadas foi: eritema malar A população estudada apresentava idade média de 34,5 ± 10,2 anos, idade média do início de Não N % Síndrome metabólica Sim % p N Antimaláricos(†) 27 50,0 36 69,2 0,044(*) Corticoestoroides(†) 46 85,2 49 94,2 3909,33 ± 3135,89 0,126(*) Dose cumulativa média de corticoestoróides(‡) 5733,15 ± 3276,20 0,007(*) Tabela 2 – Antimaláricos e corticoesteroides das pacientes com lúpus eritematoso sistêmico com e sem síndrome metabólica atendidas no Ambulatório Araújo Lima, Manaus-AM. (*) – Teste do Qui-quadrado de Pearson (†) - Das 125 pacientes estudadas, 106 tinham esses dados disponíveis (54 com síndrome metabólica e 52 sem síndrome metabólica) (‡) - Dose cumulativa média de prednisona nos últimos 5 anos das pacientes que faziam uso de corticoesteroides (46 com síndrome metabólica e 49 sem síndrome metabólica) (76%), úlcera oral (24,8%), lesão discoide (7,2%), fotossensibilidade (82,4%), artrite não erosiva (92%), serosite (32%), critério hematológico (51,2%), critério renal (30,4%), critério sorológico (48,8%), critério neurológico (10,4%) e anticorpo antinuclear (92,8%). a maioria (64,8%) não realizava atividades físicas regularmente. O LDL-colesterol esteve alterado em 68% dos casos. Estas variáveis não tiveram significância estatística com relação à presença de síndrome metabólica (Tabela 1). O acometimento renal foi o único critério que apresentou prevalência superior entre as pacientes com síndrome metabólica, 73,7% com SM e 26,3% sem SM (p<0,001) (Tabela 1), dado esse que pôde ser confirmado com a maior realização de biópsia renal, 87,5% versus 12,5% (p=0,004). Em relação às medicações utilizadas, os prontuários de 106 pacientes continham os dados requeridos na metodologia da pesquisa. Das 50 mulheres que não apresentavam a síndrome metabólica, 35 (70%) utilizavam antimaláricos e 15 (30%) não utilizavam (p=0,036), enquanto entre as 56 lúpicas com síndrome metabólica, 28 (50%) usavam antimaláricos e 28 (50%) não (Tabela 2). O uso de antimaláricos mostrou, portanto, um efeito protetor com relação à síndrome metabólica, com Nas 125 pacientes com LES, o tabagismo teve uma baixa frequência (2,4%). As mulheres menopausadas representaram 15,2% da amostra e 29 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 PREVALÊNCIA DE SÍNDROME METABÓLICA EM PACIENTES COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO NA AMAZÔNIA OCIDENTAL um odds ratio de 0,44 com IC95% (0,20-0,98). Quanto ao uso de corticoesteroides, a dose média acumulada de prednisona ou equivalente nos últimos 12 meses nas pacientes com síndrome metabólica foi significativamente superior à dose média daquelas sem SM (5733,15 mg ± 3276,20 contra 3909,32 mg ± 3135,88 [p=0,007]) (Tabela 2). O uso de corticoesteroides foi, portanto, um fator contribuinte para a presença da síndrome metabólica. avaliado o perfil socioeconômico, a população estudada provavelmente possui baixo poder aquisitivo. Dessa forma, consideramos plausível a alta prevalência de SM entre as pacientes com LES residentes na região amazônica, constituindose em um importante fator de risco para doença cardiovascular nessa população. A obesidade entre as pacientes com LES é pouco prevalente; a média do índice de massa corporal não ultrapassa 30 kg/cm2 em trabalhos que avaliam os tradicionais fatores de risco neste grupo.8, 22, 27-29 Apenas 20,6% de 172 pacientes eram obesas em uma coorte brasileira.22 Já a deposição central de gordura apresenta frequência maior que 45% nesta população.21, 22, 29 Em nosso estudo, das 125 pacientes avaliadas, 48% tinham circunferência abdominal aumentada e entre as mulheres com SM foi o segundo critério mais presente, 83,3%. DISCUSSÃO A síndrome metabólica apresentou alta prevalência – em torno de 50% – entre as mulheres portadoras de lúpus eritematoso sistêmico acompanhadas no Ambulatório Araújo Lima da Universidade Federal do Amazonas, em Manaus. Poucos trabalhos na literatura reportam dados sobre síndrome metabólica em populações lúpicas, apontando prevalências entre 16 e 32%.1822 Em um estudo casos e controles envolvendo 102 pacientes nos Estados Unidos encontrouse significância estatística apenas quando utilizados os critérios da OMS para SM – 32,4% em pacientes com LES e 10,9% nos controles. Já com os critérios do ATP-III a frequência entre os dois grupos foi considerada similar, 29,4% e 19,8%, respectivamente. Neste mesmo trabalho, a resistência insulínica, base da síndrome metabólica juntamente com a obesidade central, foi associada a níveis aumentados de marcadores inflamatórios, proteína C reativa e velocidade de hemossedimentação, em pacientes com LES.21 No único trabalho brasileiro do gênero, Telles et al.22 relataram a prevalência de 28,4% de SM em pacientes lúpicas do Estado de Minas Gerais. A maioria das pacientes no presente estudo tinha dislipidemia. O HDL-colesterol estava alterado em 75,2% das mulheres estudadas, o LDL-colesterol em 68% e os triglicerídeos em 49,6%. Quando analisadas apenas as mulheres com SM, estes percentuais subiam para 91,7%, 73,3% e 70,0%, respectivamente. A dislipidemia no LES é descrita em todos os trabalhos referentes a fatores de risco cardiovascular.8, 9, 22, 27-30 A resposta inflamatória no lúpus é considerada uma das responsáveis pelo perfil lipídico aterogênico, correlacionando-se com aumento do VLDLcolesterol, do LDL-colesterol e dos triglicerídeos e diminuição do HDL-colesterol.31 Um fator ainda mais grave nas alterações lipídicas dos pacientes com LES é a presença em maiores níveis de partículas pequenas e densas de LDL-colesterol, consideradas mais danosas pelo maior potencial de oxidação e indução de resposta inflamatória na placa aterogênica.9 Logo, a recomendação atual é considerar níveis ideais de LDL-colesterol abaixo de 100 mg/dL para esse grupo de pacientes.32 Paísesclassificadoscomoemdesenvolvimento possuem uma alta prevalência de SM em sua população geral.23, 24, 25 Estudos epidemiológicos em mulheres turcas,23 indianas24 e mexicanas25 relatam a presença de SM em 39,1%, 39,9% e 59,9%, respectivamente. No Brasil, a síndrome metabólica chega a 36% em mulheres de classe econômica menos favorecida,26 apesar de não termos Estudos casos e controles são unânimes em revelar maior prevalência de hipertensão em pessoas com LES.8, 28, 30, 33 Trabalhos que utilizam exames de imagem para relatar a maior presença de aterosclerose subclínica também confirmam 30 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Sileno de Queiroz Fortes Filho, Ana Carolina Quincó Muerza, Maíra Fernandes de Almeida, Luiz Fernando de Souza Passos, Domingos Sávio Nunes este dado.27, 29, 34 Em nosso trabalho, a pressão arterial sistêmica esteve aumentada em 55,6% das 125 pacientes e em 78,3% daquelas com SM. terapia de reposição hormonal, que teoricamente poderia diminuir o risco cardiovascular destas pacientes, não trouxe benefício para as mulheres da população em geral.40 Com relação à intolerância à glicose em jejum, apenas 7 (5,6%) de todas as mulheres estudadas apresentaram tal critério; destas, 4 possuíam SM. O número total, porém, aumenta para 18 (14,5%) quando se considera alterado valores de glicemia acima de 100 mg/dL, dado não descrito nos resultados. Bruce e colaboradores relatam que entre 5 e 7% das pacientes com LES tornamse diabéticas e aquelas em uso de altas doses de corticoesteroides são as mais vulneráveis.35 O acometimento renal foi significantemente mais prevalente entre as pacientes com síndrome metabólica, dado que é reforçado pela maior indicação de biópsia renal neste grupo. Bultink et. al.18 descreveram a insuficiência renal como fator de risco independente para a SM. Níveis de colesterol total aumentados, maiores que 200 mg/dL, foram associados à maior injúria renal e mortalidade em pacientes com LES.41 O risco de aterosclerose prematura esteve aumentado em pacientes com LES juvenil que possuem proteinúria em níveis nefróticos.42 A presença do critério renal já descreve a severidade da doença. Desse modo, o controle da lesão renal pode diminuir o risco de mortalidade cardiovascular entre as pacientes com LES. A idade elevada e o maior tempo de evolução da doença são fatores agravantes para eventos coronarianos ou acidentes vasculares cerebrais.36, 37 Em dois trabalhos, um deles realizado no Brasil, que avaliaram eventos secundários entre os quais a aterosclerose em pacientes com LES, a média de idade superava os 40 anos e o tempo médio de evolução da doença era maior que dez anos.36, 37 A idade avançada ao diagnóstico também é descrita como fator de risco para doenças cardiovasculares.3 Em nosso estudo não houve diferença estatística para a presença de síndrome metabólica em relação à idade, idade ao diagnóstico e tempo de evolução da doença. O uso de antimaláricos entre as pacientes estudadas foi considerado fator protetor para síndrome metabólica, com um odds ratio de 0,44 com IC95% (0,20-0,98). O benefício da hidroxicloroquina no tratamento para o LES foi associado à melhora do perfil lipídico desses pacientes em alguns trabalhos.43, 44, 45 Os pacientes com LES, que faziam uso de antimaláricos de forma isolada ou em associação com corticoesteroides, tiveram os níveis de VLDL-colesterol, LDL-colesterol e triglicerídeos reduzidos e os de HDL-colesterol aumentados em comparação com aqueles pacientes que faziam uso apenas de corticoesteroides.44, 45 Há relatos de que os antimaláricos também contribuem para inibição da agregação plaquetária e ainda reduzam os níveis de glicemia de jejum.46, 47 Os corticoesteroides, por conta de sua propriedade anti-inflamatória, são a base do tratamento para os períodos de exacerbação do LES. Por outro lado, a distribuição central de gordura, hipertensão arterial e a resistência insulínica são efeitos adversos que aumentam o risco de eventos cardiovasculares em pacientes que necessitam de doses maiores para o controle da doença.48 Buckey e Robert relatam pela primeira vez, em 1975, a associação do uso de corticoesteroides por mais de O sedentarismo foi relatado em 64,8% das pacientes estudadas. Mulheres com LES têm um estilo de vida mais sedentário que mulheres saudáveis.8 Petri et al.,38 em uma grande coorte, descreveram a falta de atividade física como um dos fatores de risco mais prevalentes (70%) para doença arterial coronariana entre as pacientes com LES. A menopausa precoce também contribui para a doença ateroscleróstica por conta da perda de produção de estrogênio.39 No presente trabalho, em que apenas 15,6% das mulheres eram menopausadas, não houve diferença estatística em relação a SM. Mulheres com LES atingem a menopausa em torno de 45 anos de idade, em média quatro anos antes da maioria das mulheres,8 e é justamente nesse período que ocorre o primeiro evento cardiovascular consequente à aterosclerose provocada pela doença.8 O uso da 31 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 PREVALÊNCIA DE SÍNDROME METABÓLICA EM PACIENTES COM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO NA AMAZÔNIA OCIDENTAL um ano e a presença de aterosclerose em exames de necropsia.49 Há, porém, ainda controvérsias sobre este assunto. Alguns trabalhos50, 51 relacionaram o maior uso de esteroides ao aumento da espessura do espaço íntima-média da artéria carótida por ultrassonografia, já outros27, 52 não encontraram tal correlação positiva. Pacientes com LES vítimas de eventos cardiovasculares recebiam doses cumulativas de corticoesteroides maiores que aqueles sem evento.28 Em nosso trabalho, a média da dose cumulativa de prednisona utilizada pelas mulheres com síndrome metabólica foi superior àquelas sem a síndrome (p=0,007). Bultink et. al.18 descreveram a associação da SM com doses intravenosas de metilprednisolona, ao contrário de Chung et. al.21 que não observaram esse fato. O real papel dos corticoesteroides na gênese da aterosclerose prematura em pacientes com LES, seja ele independente ou modificando outros fatores de risco, ainda necessita de maiores estudos. 166-9. 2. Urowitz MB, Bookman AAM, Koehler BE, et al. The bimodal mortality pattern of systemic lupus erythematosus. Am J Med. 1976; 60: 221-5. 3. Bruce IN, Gladman DD, Urowitz MB: Premature atherosclerosis in SLE. Rheum Dis Clin North Am. 2000; 26: 25778. 4. 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MÉTODOS: Neste estudo do tipo exploratório descritivo, de caráter prospectivo, o Questionário de Avaliação do Zumbido (Tinnitus Handicap Inventory) adaptado para o português foi aplicado a 13 pacientes com queixa de zumbido de origem otoneurológica atendidos no Ambulatório Araújo Lima durante o período de um ano. A confiabilidade do questionário foi medida pelo coeficiente alfa de Cronbach. RESULTADOS: Dentre os 13 pacientes que participaram da pesquisa, 84,6% eram do sexo feminino e a média de idade foi de 51,92 anos. A duração média do sintoma foi de 26,38 meses. Quanto à gravidade do zumbido, 30,8% dos pacientes apresentavam sintoma de grau desprezível e 15,4% de grau leve, com qualidade de vida ótima e boa, respectivamente, enquanto 23,1% apresentavam sintoma moderado com qualidade de vida razoável. No outro extremo, 15,4% dos pacientes apresentavam grau severo e 15,4% grau catastrófico, com qualidade de vida ruim e péssima, respectivamente. A confiabilidade do questionário foi considerada satisfatória (α=0,920). CONCLUSÕES: A maioria dos pacientes apresenta um grau de incômodo desprezível ou leve e consegue se habituar a ele, sem grande interferência nas atividades rotineiras. Entretanto, é possível encontrar casos em que o sintoma é extremamente incômodo e incapacitante. Descritores: Zumbido, qualidade de vida, atividades cotidianas. ABSTRACT OBJECTIVE: Evaluate the quality of life of patients with tinnitus attended in the Araujo Lima Clinic using the Portuguese version of the Tinnitus Handicap Inventory, a self-applicable questionnaire which assesses * Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas ** Mestre em Otorrinolaringologia. Professor-Adjunto da disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Amazonas e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas *** Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas 35 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Rafael Siqueira de Carvalho, Renato Telles de Souza, Márcia dos Santos da Silva, Janaína Almeida de Souza tinnitus impact on patients’ life quality. METHODS: In this exploratory descriptive prospective study, the Tinnitus Handicap Inventory adapted to the Portuguese was applied to 13 patients with tinnitus with otoneurology origin attended in the Araújo Lima Clinic during a period of one year. The reliability of the questionnaire was measured using Cronbach’s alpha. RESULTS: Among the 13 patients that participated of this study 84,6% were female and the average age was 51.92 years. The average duration of symptoms was 26.38 months. About the severity of tinnitus, 30.8% of patients had symptoms of negligible degree and 15.4% mild, with great and good quality of life, respectively, while 23.1% had moderate symptoms with reasonable quality of life. At the other extreme, 15.4% of patients had severe and 15.4% had catastrophic degree, with bad and terrible quality of life, respectively. The reliability of the questionnaire was considered satisfactory. CONCLUSIONS: Most of patients have a negligible or mild degree of discomfort and can get used to it without much interference in your routine activities. However, it’s possible to find cases which symptom is extremely uncomfortable and disabling. Keywords: Tinnitus, quality of life, activities of daily living. INTRODUÇÃO contendo 25 perguntas, com um escore variando de 0 a 100, de acordo com a repercussão na QV do paciente. Por conta da facilidade de medida, aplicação e interpretação, o chamado Tinnitus Handcap Inventory (THI) vem sendo, desde então, amplamente utilizado na avaliação clínica do zumbido, quantificando o incômodo causado por este sintoma.11 O questionário original, formulado em inglês, foi adaptado para estudos na Dinamarca e na Espanha, ambos com resultados satisfatórios que reforçam a viabilidade do THI.7, 12 No Brasil, o THI já foi utilizado em alguns estudos e também apresentou viabilidade e aplicabilidade bastante favoráveis, estando apto a ser utilizado na rotina de avaliação clínica das repercussões na QV dos pacientes com a queixa de zumbido.7, 13, 14 O zumbido pode ser entendido como uma sensação auditiva percebida nos ouvidos ou na cabeça, sem a presença de um estímulo externo.1 É um sintoma bastante comum na prática otorrinolaringológica, tendo uma prevalência na população adulta em torno de 10 a 15%.2, 3 No Brasil, estima-se que 28 milhões de pessoas sejam portadoras de zumbido.4 Estudos mostram que o zumbido pode se tornar uma condição incapacitante em até 5% dos casos, afetando a vida normal do paciente e sua qualidade de vida (QV).5, 6 Dentre os prejuízos causados por este sintoma, podemos citar o repouso, a comunicação e o ambiente social, o que acaba por repercutir na esfera psíquica, causando irritação, ansiedade, insônia, depressão e outras alterações emocionais.7, 8 O objetivo deste trabalho é aplicar o THI traduzido para o português para avaliar a QV dos pacientes com queixa de zumbido de origem otoneurológica atendidos no Ambulatório Araújo Lima (AAL). Tendo em vista o impacto do zumbido sobre a QV do paciente, tem-se observado um crescente interesse em adotar meios efetivos de avaliação das repercussões causadas por este sintoma. Métodos como emissões otoacústicas, audiometria tonal, a eletronistagmografia e a eletrococleografia auxiliam no diagnóstico, mas não são eficazes para demonstrar os prejuízos na qualidade de vida do paciente, pois trazem poucas informações quanto à gravidade do zumbido.7, 9, 10 MÉTODOS Trata-se de um estudo exploratóriodescritivo, prospectivo, com abordagem quantitativa e qualitativa. Em 1996, foi proposto um questionário Foram selecionados 13 pacientes com queixa 36 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 USO DO QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DO ZUMBIDO (TINNITUS HANDICAP INVENTORY) ADAPTADO PARA O PORTUGUÊS PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DOS PACIENTES COM QUEIXA DE ZUMBIDO ATENDIDOS NO AMBULATÓRIO ARAÚJO LIMA de zumbido de origem otoneurológica, triados pelo Serviço de Otorrinolaringologia no Ambulatório Araújo Lima durante o período de 1.º de agosto de 2008 a 1.º de junho de 2009. Os indivíduos foram primeiramente atendidos pela equipe de residência em ORL no ambulatório geral e, aqueles que se enquadravam no perfil do estudo, foram encaminhados para a segunda consulta no ambulatório de zumbido, com a equipe responsável por este projeto de pesquisa. Os pacientes responderam ao protocolo padrão do serviço, pelo qual foram questionados diretamente a respeito da interferência do zumbido nos principais aspectos da vida, a saber: concentração, emocional, atividade social e sono. Em seguida, responderam à versão em língua portuguesa do THI. O THI é composto por 25 questões, divididas em três escalas: a funcional, a emocional e a catastrófica. São três as opções de resposta para cada uma das questões, pontuadas da seguinte maneira: para as respostas sim, 4 pontos, às vezes, 2 pontos e não, nenhum ponto. As respostas são pontuadas de zero quando o zumbido não interfere na vida do paciente, até 100 (pontos ou %) quando o grau de incômodo é grave. A somatória dos pontos resultantes das questões é categorizada em cinco grupos ou graus de Grau de Gravidade Qualidade de Vida 0 – 16 18 – 36 38 – 56 Desprezível Leve Moderado Ótima Boa Razoável 58 – 76 Severo Ruim 78 – 100 Catastrófico Péssima Tabela 1 – Graus de gravidade do zumbido relacionados à pontuação do THI e sua correlação com a qualidade de vida do paciente. gravidade, demonstrados na Tabela 1. Primeiramente foi realizada a tradução do THI para a língua portuguesa e, posteriormente, a tradução da primeira versão em português novamente para a língua inglesa, na expectativa de tornar a tradução o mais fiel possível. Finalmente, o questionário foi novamente traduzido para o português, buscando utilizar termos mais fidedignos à cultura brasileira. Para avaliar a qualidade dos pacientes, fez-se uma correlação com a pontuação obtida, de forma que, quanto mais próxima de 0 fosse a pontuação, melhor a qualidade de vida do paciente e quanto mais próxima de 100, pior a qualidade de vida. Assim, os pacientes classificados como grau desprezível ou leve de incômodo possuem qualidade de vida boa ou ótima, enquanto os que foram classificados como tendo o incômodo moderado possuem qualidade de vida razoável e os classificados com grau severo ou catastrófico apresentam qualidade de vida péssima ou ruim (Tabela 1). A análise estatística foi feita por meio do software PASW Statistics 17.0, em inglês. O grau de gravidade do zumbido foi medido pela somatória de pontos ou porcentagem (score) e distribuído segundo a Tabela 1. Para medir a confiabilidade do questionário foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach (α), que mede a consistência interna (homogeneidade) de cada item. A consistência interna varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, mais confiável é o questionário, sendo aceitáveis valores maiores que 0,7. A versão do questionário utilizada para realização deste trabalho foi proposta por Letícia Petersen Schmidt e colaboradores, publicado em 2006 pela Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. Segundo a autora, foi desenvolvido um protocolo para tradução baseado em trabalhos que abordam a metodologia de tradução de questionários para outros idiomas, com ênfase na tradução conceitual. Trabalho aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas 37 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Rafael Siqueira de Carvalho, Renato Telles de Souza, Márcia dos Santos da Silva, Janaína Almeida de Souza (CAAE 0069.0.115.000-08). dos pacientes (38,5%) referia uma percepção bilateral. O segundo local mais referido foi o lado esquerdo (23,1%), juntamente com a percepção descrita como vinda da cabeça (23,1%). A maioria dos pacientes referia sintoma de início súbito (69,2%) e periodicidade intermitente (61,5%). A Tabela 1 apresenta as principais características da amostra estudada. RESULTADOS Dentre os pacientes selecionados, a maioria (84,6%) eram mulheres. A média de idade foi de 51,92 anos e a média de duração do sintoma foi de 26,38 meses. Foram descritos diferentes tipos de som, sendo os mais comumente descritos o zumbido em apito, semelhante ao barulho de cachoeira e em guizo de cigarra (15,4% cada um). Apesar dessa grande variedade de sons descritos, todos os pacientes referiam ouvir apenas um único tipo de som. Quanto à localização do zumbido, a maioria Características Idade Tempo de Zumbido Quando questionados a respeito da interferência do zumbido nos principais aspectos da vida, o item mais citado foi a concentração, prejudicada pelo zumbido em 30,8% dos pacientes seguido pelo campo emocional, citado por três pacientes (23,1%). Dentre o total da amostra estudada, três pacientes (23,1%) referiram interferência nos quatro aspectos abordados e seis Média Desvio-Padrão 51,92 anos 15, 45 anos 26,38 meses 18,1 meses Frequência Sexo F = 11 (84,6%) M = 2 (15,4%) Tipo de Som Único = 13 (100%) Múltiplo = 0 Descrição do Som Apito = 2 (15,4%) Cachoeira = 2 (15,4%) Guizo de cigarra = 2 (15,4%) Outros = 7 (53,8%) Localização OD = 1 (7,7%) OE = 3 (23,1%) Bilateral = 5 (38,5%) Cabeça = 3 (23,1%) Não soube informar = 1 (7,7%) Início Súbito = 9 (69,2%) Progressivo = 4 (30,8%) Periodicidade Constante = 5 (38,5%) Intermitente = 8 (61,5%) Doença Otológica Prévia Sim = 2 (15,4%) Não = 11 (84,6%) Doenças Atuais Apenas HAS = 4 (30,8%) Apenas dislipidemia = 1 (7,7%) HAS + Dislipidemia = 2 (15,4%) Distúrbios neurológicos = 1 (7,7%) Nenhuma doença atual = 5 (38,5%) Tabela 2 – Caracterização da Amostra Estudada. F=Feminino; M=Masculino; OD=Orelha direita; OE=Orelha esquerda; HAS=Hipertensão arterial sistêmica 38 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 USO DO QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DO ZUMBIDO (TINNITUS HANDICAP INVENTORY) ADAPTADO PARA O PORTUGUÊS PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DOS PACIENTES COM QUEIXA DE ZUMBIDO ATENDIDOS NO AMBULATÓRIO ARAÚJO LIMA (46,2%) afirmaram não haver interferência em nenhum desses aspectos. Os resultados estão expostos na Tabela 2. O grau de gravidade do zumbido e a QV medidos pelo THI estão expostos na Tabela 3. A confiabilidade do questionário, medido pelo coeficiente alfa de Cronbach, foi satisfatório para o questionário total (α = 0,920). Os valores encontrados para as subescalas foram: 0,900 para a funcional, 0,803 para a emocional e 0,432 para a catastrófica. O baixo valor encontrado para a subescala catastrófica pode ser explicado pelo pequeno número de questões. Concentração Sim = 4 (30,8%) Não = 9 (69,2%) Emocional Sim = 3 (23,1%) Não = 10 (76,9%) Atividade Social Sim = 2 (15,4%) Não = 11 (84,6%) Sono Sim = 2 (15,4%) Não = 11 (84,6%) Tabela 3 – Principais aspectos que sofrem influência negativa pelo zumbido. DISCUSSÃO Grau de Gravidade N % Qualidade de Vida Desprezível 4 30,8 Ótima Leve 2 15,4 Boa Moderado 3 23,1 Razoável Severo 2 15,4 Ruim dos pacientes referem alterações no equilíbrio emocional, 50,3% no sono, 49,3% na concentração e 14,2% nas atividades sociais.18 Em nosso estudo, também foi observado interferência do sintoma nestas quatro grandes áreas, com uma pequena inversão nas áreas mais afetadas, sendo que a mais afetada em nossos pacientes foi a concentração (30,8%), seguida pelo equilíbrio emocional (23,1%), atividade social e, finalmente, o sono (15,4% cada). Observa-se que, em nossa amostra, o prejuízo nesses setores parece ser menor que no estudo anteriormente citado, muito provavelmente por conta das características próprias de cada população. É possível, no entanto, notar a forte influência do zumbido na QV dos pacientes, pois o sintoma pode ser mais grave do que se percebe, sendo necessária uma investigação mais detalhada e muito além do exame otorrinolaringológico convencional. O zumbido é considerado o terceiro pior sintoma para o ser humano, sendo superado apenas pelas dores crônicas e tonturas intensas e intratáveis.2 Suas características são extremamente variáveis, sendo os tipos de sons similares mais descritos aqueles em assovio, guizo de cigarra, apito, zumbido e jorrando. Pode ser na orelha direita, esquerda ou em ambas, ou percebida como vindo de dentro da cabeça, de alta ou baixa frequência, agudo ou crônico, constante ou intermitente, de causa patológica conhecida ou obscura, com diferentes níveis e padrões de estresse psicológico, associado ou não a perda auditiva.15, 16 A mesma variedade de características foi observada neste estudo. Sabe-se que, em até 80% dos casos, o zumbido é leve e intermitente, de modo que os pacientes nem chegam a procurar auxílio médico. Apenas os 20% restantes apresentam repercussão importante ou até incapacitante na QV, interferindo com o sono, a concentração e as atividades sociais, além de provocar distúrbios emocionais.17 Um estudo realizado num centro de referência em otorrinolaringologia mostrou que 59,3% Na última década, houve um aumento significativo no número de instrumentos voltados para avaliação da QV na área da saúde. Como a maior parte desses instrumentos foi elaborada originalmente na língua inglesa, o crescente interesse em traduzir esses instrumentos trouxe à tona diversas controvérsias quanto aos métodos de 39 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Rafael Siqueira de Carvalho, Renato Telles de Souza, Márcia dos Santos da Silva, Janaína Almeida de Souza tradução e adaptação cultural deles. Enquanto uns apontam que o conceito de QV está intimamente ligado à cultura, outros defendem a existência de um “universal cultural” e que, independente da cultura ou época, o importante é que o indivíduo se sinta bem psicologicamente, possua boas condições físicas, sinta-se integrado na sociedade e funcionalmente competente.19 avaliar a interferência do zumbido nas atividades cotidianas do indivíduo, entre elas concentração, percepção auditiva, atenção, sono e leitura, além de avaliar a interferência na vida social do paciente e a piora do sintoma em situações de estresse. Pela escala emocional, é possível avaliar as alterações no estado psíquico do paciente por intermédio de sentimentos como irritabilidade, frustração, indisposição, dificuldade de relacionamento com familiares e amigos, depressão, ansiedade e insegurança. A escala catastrófica questiona situações extremas e pensamentos negativistas. São avaliados sentimentos como desespero, incapacidade diante do sintoma e sensação de descontrole. A Organização Mundial de Saúde define QV como “a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.20 O termo tem significado eminentemente humano e reflete a capacidade de síntese cultural dos elementos que cada sociedade considera como padrão de conforto e bem-estar, refletindo o grau de satisfação de cada indivíduo com os mais diversos setores da vida familiar, amorosa, social e a própria existência.21 Em nossa série, foi observada uma distribuição pouco heterogênea entre os níveis de gravidade e impacto na qualidade de vida. Enquanto seis (46,2%) pacientes apresentaram QV ótima ou boa, quatro (30,8%) se encontravam no outro extremo, com grande prejuízo emocional e social, sendo considerados como tendo QV ruim ou péssima. Estes resultados dependem muito mais da percepção que cada paciente tem do seu sintoma do que da presença do sintoma propriamente dito, uma vez que esse pode ser extremamente variável de indivíduo para indivíduo. Mesmo em nosso estudo, entretanto, que contou com poucos pacientes, é possível constatar a capacidade com a qual o zumbido tem de interferir de forma negativa na QV do paciente. Quando utilizado no campo da saúde, o termo parece ter um grande número de significados, mas todos eles centrados na avaliação subjetiva do paciente, necessariamente ligados ao impacto do estado de saúde sobre a capacidade do indivíduo de viver plenamente. Sabe-se, no entanto, que esta expressão é muito mais ampla e inclui uma variedade de condições que podem afetar a percepção do indivíduo, seus sentimentos e seu comportamento, relacionados às suas funções diárias, incluindo, mas não se limitando, a sua condição de saúde e as intervenções médicas.19 Num sentido mais restrito, o termo “qualidade de vida ligada à saúde” pode ser definido como o valor atribuído à vida, levandose em consideração as deteriorações funcionais, as percepções e condições sociais induzidas por doenças, agravos de saúde e tratamentos.21 CONCLUSÃO Pela sua subjetividade e grande variedade de apresentação, o zumbido é melhor avaliado por métodos que levem em consideração não apenas o indivíduo em si, mas também os fatores sociais, emocionais e ambientais que atuam no seu bemestar. Apesar das queixas serem constantes, a maioria dos pacientes é capaz de manter suas atividades habituais sem grandes interferências, mantendo uma QV aceitável. Apenas numa minoria de casos o zumbido se apresenta como um sintoma incapacitante. Por intermédio de vários trabalhos de tradução e adaptação, o THI foi considerado o instrumento mais conceituado para avaliar a QV dos pacientes com zumbido.10 Por meio dele é possível avaliar o impacto do sintoma nos diferentes aspectos da vida do paciente pelas subescalas funcional, emocional e catastrófica. Pela escala funcional, o THI permite 40 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 USO DO QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DO ZUMBIDO (TINNITUS HANDICAP INVENTORY) ADAPTADO PARA O PORTUGUÊS PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA DOS PACIENTES COM QUEIXA DE ZUMBIDO ATENDIDOS NO AMBULATÓRIO ARAÚJO LIMA REFERÊNCIAS Neck Surg. 1996; 122(2): 143-8. 12. Zachariae R, Mirz F, Johansen LV, Andersen SE, Bjerring P, Pedersen CB. Reliability and validity of a Danish adaptation of the Tinnitus Handicap Inventory. Scand Audiol. 2000; 29(1): 37-43. 13. 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Arch Otolaryngol Head 41 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Maria do Socorro de Lucena Cardoso, Rodrigo Augusto Monteiro Cardoso Talita Sampaio Carvalho ANÁLISE DA QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES SUBMETIDOS À CORREÇÃO CIRÚRGICA DE DEFORMIDADES NA PAREDE TORÁCICA ANTERIOR ANALYSIS OF QUALITY OF LIFE OF PATIENTS UNDERGOING SURGICAL CORRECTION OF DEFORMITIES IN THE ANTERIOR CHEST WALL Fernando Luiz Westphal*, Luís Carlos de Lima**, José Corrêa Lima Netto***, Maria do Socorro de Lucena Cardoso****, Rodrigo Augusto Monteiro Cardoso*****, Talita Sampaio Carvalho***** RESUMO INTRODUÇÃO: As deformidades Pectus Excavatum (PEX) e Pectus Carinatum (PC) acometem, aproximadamente, uma a cada trezentas pessoas e são, usualmente, assintomáticas, sendo a queixa principal de ordem estética. Os pacientes frequentemente tornam-se arredios, introvertidos e afastados do convívio social e de atividades físicas em que tenham de expor o tórax. O objetivo deste projeto foi avaliar os resultados obtidos após o procedimento cirúrgico, em geral, quanto à satisfação dos pacientes e ao nível de qualidade de vida após o procedimento, ocorrência de complicações e a relação delas com a técnica utilizada, aos índices de recidiva e de mortalidade cirúrgica. MÉTODOS: Estudo retrospectivo e prospectivo, com abordagem quantitativa e qualitativa. A coleta de informações foi feita por meio da análise de prontuários, nos Serviços de Cirurgia Torácica do HUGV e SBPA, e do preenchimento de protocolo de estudo pelo paciente que tenha realizado a cirurgia corretiva de PEX ou de PC. Os seguintes dados foram coletados nos prontuários: epidemiológicos, técnica utilizada e complicações pós-operatórias. As informações obtidas por meio da entrevista do paciente foram: o tipo de deformidade, o grau de satisfação com o procedimento cirúrgico e a cicatriz, as complicações pós-operatórias e a recidiva da deformidade. RESULTADOS: Foram analisados 18 pacientes com idade média de 13,94 anos, sendo 15 (83,33%) do sexo masculino e todos portadores da deformidade Pectus Excavatum. O grau de satisfação obtido foi relatado como Alto por 12 (66,67%) pacientes e Médio para 33,33%. Ocorreram complicações em 6 (33,33%) pacientes, dos quais 5 submetidos ao uso de técnica aberta. Recidivas discretas da deformidade foram relatadas por 6 (33,33%) dos entrevistados. O índice de mortalidade cirúrgica encontrado foi nulo. CONCLUSÃO: A maioria dos pacientes entrevistados mostrou-se muito satisfeita com os resultados obtidos após a correção cirúrgica de suas deformidades. Complicações pós-operatórias foram mais observadas em cirurgias por esternocondroplastia, ao contrário das cirurgias por videotoracoscopia, que apresentaram baixos níveis de complicações e mostraram-se mais seguras. Os índices de recidiva discreta da deformidade apresentaramse em valores elevados, correspondendo a um terço das cirurgias. Nenhum paciente veio a óbito durante os procedimentos cirúrgicos de correção da PEX. * Professor-Adjunto e Coordenador da disciplina de Cirurgia Torácica da Universidade Federal do Amazonas ** Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas *** Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas **** Professora-Adjunta da disciplina de Pneumologia da Universidade Federal do Amazonas ***** Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas. 42 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 ANÁLISE DA QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES SUBMETIDOS À CORREÇÃO CIRÚRGICA DE DEFORMIDADES NA PAREDE TORÁCICA ANTERIOR Palavras-chave: Deformidades, tórax, tratamento, resultados. ABSTRACT INTRODUCTION: The deformities Pectus Excavatum (PEX) and Pectus Carinatum (PC) commit, approximately, one in every three hundred people and are, usually, asymptomatic, being the main allegation of aesthetics nature. Patients often become aloof, introverted and withdraw from social and physical activities in which they expose the chest. The objective of this project was to evaluate the results after surgery, in general, as the patient satisfaction and level of quality of life after the procedure, occurrence of complications and their relation to the technique, the recurrence rates and surgical mortality. METHODS: Retrospective and prospective study with quantitative and qualitative approach. Data collection was done through analysis of medical records in the departments of Thoracic Surgery from HUGV and SPBA, and through the study protocol, completed by the patient. The following data were collected from medical records: epidemiological, technique and postoperative complications. Information collected through the protocol were: type of deformity, degree of satisfaction with the surgery and surgical scar, the postoperative complications and recurrence of deformity. RESULTS: We analyzed 18 patients with mean age of 13.94 years, 15 (83.33%) were male and all patients with pectus excavatum deformity. The satisfaction obtained was reported as high for 12 (66.67%) patients and as mean for 6 (33.33%) patients. Complications occurred in 6 (33.33%) patients, of whom 5 submitted to the use of open technique. Discrete recurrence of the deformity was reported by 6 (33.33%) respondents. The surgical mortality rate was considered zero. CONCLUSION: Most patients interviewed was very pleased with the results after surgical correction of their deformities. Postoperative complications were more frequent in sternochondroplasty surgery, unlike Thoracoscopic surgery who had low levels of complications and were more secure. The slight recurrence rates ocurred in high levels, accounting for one third of the surgeries. No patient has died during the surgical procedures for correction of PEX. Key-words: Deformities, thorax, treatment, results. INTRODUÇÃO esterno e consequente depressão da parede.3 As funções fisiológicas de órgãos intratorácicos são preservadas em portadores de PEX, entretanto o problema está relacionado ao constrangimento destes pacientes com a deformidade, visto que geralmente são pessoas introvertidas e com tendência ao isolamento social.4 Deformidades discretas em crianças e adolescentes podem ser atenuadas com a natação ou sessões de RPG (Reeducação Postural Global) visto que a estrutura óssea desses pacientes ainda se encontra em desenvolvimento e tem considerável maleabilidade. Pessoas cujas deformidades são acentuadas, principalmente adultos, cujos ossos encontram-se já consolidados, são recomendadas a realizar tratamento cirúrgico para que obtenham resultados efetivos.5 Pectus Excavatum (PEX) e Pectus Carinatum (PC) são as deformidades congênitas de maior incidência da parede anterior do tórax. As deformidades torácicas podem ocorrer por depressão do esterno, PEX, ou pela protrusão anterior do osso, PC.1 PEX é a deformidade congênita de maior frequência na parede torácica anterior, acometendo três vezes mais o sexo masculino.1 A prevalência de anomalias torácicas em escolares na cidade de Manaus é de 1,95%, a PEX aparece com 65,4% dos casos e a PC com 34,6%.2 Diversas teorias tentam explicar a origem desse defeito, a hipótese mais aceita preconiza o desenvolvimento exagerado das cartilagens costais, gerando um deslocamento em sentido dorsal do Existem duas técnicas cirúrgicas disponíveis para a correção de PEX: a esternocondroplastia 43 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Maria do Socorro de Lucena Cardoso, Rodrigo Augusto Monteiro Cardoso Talita Sampaio Carvalho e a técnica de Nuss. Ravitch publicou, em 1949, uma técnica para a correção de PEX por esternocondroplastia, ainda utilizada atualmente, acrescida de algumas modificações.6 Em 1987, Nuss apresentou os princípios de uma nova técnica, minimamente invasiva e realizada a partir de pequenas incisões laterais no tórax, para a colocação de barra metálica retroesternal.7 das deformidades PEX e PC, entre os anos de 1993 e 2009, nos serviços de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) e Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas (BPBA), e que preencheram o Protocolo de Pesquisa. A realização da pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). A partir dos prontuários, foram coletadas informações referentes: à idade do paciente no momento do procedimento, ao sexo, ao tipo de técnica utilizada e às complicações pósoperatórias ocorridas. O protocolo de estudo (Figura 1) encontra-se dividido em duas partes. A primeira parte aborda a coleta de dados gerais do paciente, entre eles: nome, idade, hospital em que foi realizada a cirurgia e o número de prontuário. A segunda parte se refere mais propriamente ao procedimento realizado, coletando as seguintes informações: o tipo de deformidade operada, o grau de satisfação com o procedimento cirúrgico, a ocorrência de possíveis melhorias de saúde e, se ocorridas, quais foram elas; opinião quanto à cicatriz cirúrgica, a ocorrência de complicações pós-operatória e o índice de recidiva. PC é a deformidade menos frequente da parede torácica anterior, tendo uma prevalência de 15% entre as demais malformações torácicas.1 Em Manaus, entretanto, a prevalência verificada entre escolares foi de 34,6% entre os acometidos por deformidade na parede torácica.2 Esse defeito congênito é caracterizado pela protrusão do esterno e das cartilagens costais, pelo excessivo crescimento das cartilagens em sentido anterior.1 Os tratamentos mais utilizados na correção dessa deformidade são: o uso de órtese, preconizado por ortopedistas, e a cirurgia, defendida por muitos cirurgiões torácicos.4, 8, 9 O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade de vida em pacientes submetidos à cirurgia corretiva das deformidades PEX e PC. Os dados coletados foram analisados por meio de estatística descritiva para as variáveis. Para avaliar a associação entre as variáveis (qualitativas) foi utilizado o Teste Exato de Fisher. O sowtware usado para a análise descritiva foi Microsoft Office Excell 2007, e para a análise inferencial o software estatístico R.2.11. Foi utilizado um nível de 5% de significância com coeficiente de confiança de 95%. MÉTODO O estudo consistiu em uma análise clínicocirúrgica de caráter retrospectivo e prospectivo, com abordagem qualitativa e quantitativa. A população do estudo foram os pacientes operados para a correção Parte 1 – Questionário 1. Identificação Hospital:____________________________________ Número de registro:________ Nome:_________________________________________________Idade: __________ 2. Qual deformidade você apresentava antes da cirurgia? Pectus Excavatum Pectus Carinatum 3. Qual o seu grau de satisfação com o procedimento cirúrgico de correção de sua deformidade? Pequeno Médio Alto 4. Houve alguma melhoria na sua saúde? Não Sim Caso responda sim, o que melhorou? Cansaço Falta de ar Palpitações Dor no peito Outra . Qual? ________________ 5. Qual a sua opinião em relação à cicatriz cirúrgica? Imperceptível Pouco perceptível Perceptível, incômoda Muito perceptível e incômoda 6. Ocorreu alguma complicação pós-operatória? Não Sim Caso responda sim, que complicação? Respiratória Cardíaca Infecção Outras . Qual? ________________ 7. Você percebeu o reaparecimento, mesmo que discreto, da deformidade? Não Sim 44 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 ANÁLISE DA QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES SUBMETIDOS À CORREÇÃO CIRÚRGICA DE DEFORMIDADES NA PAREDE TORÁCICA ANTERIOR RESULTADOS de saúde atenuados pelo procedimento cirúrgico foram citados, de forma isolada ou combinada: o cansaço, a dispneia e a “dor no peito” (Tabela 1). O total de paciente encontrado foi de 26, entretanto apenas 18 foram contactados para o desenvolvimento do projeto, sendo 15 do sexo masculino e com idade média de 13,94 anos. A cicatriz cirúrgica foi classificada como pouco perceptível por 11 (61,11%) pacientes. Todavia, 2 (11,11%) julgam-na muito perceptível e muito incômoda e pouco mais de 5 (27,78%) consideraram sua cicatriz perceptível e incômoda (Tabela 1). A PEX foi a deformidade dominante entre as deformidades operadas, representando 100% dos casos. A técnica cirúrgica utilizada foi a esternocondroplastia em 11 (61,11%) das cirurgias realizadas e a videotoracoscopia com a colocação da placa de Nuss em 7 (31,89%). Complicações pós-operatórias foram relatadas por 6 (33,33%) pacientes. As complicações respiratórias isoladas foram predominantes; observou-se, em alguns casos, a associação delas à outra classe de complicações, que não as complicações cardíacas ou por infecção. O reaparecimento discreto da deformidade, após a realização do procedimento cirúrgico, foi relatado por 6 (33,33%) dos entrevistados, não podendo ser determinado o período de ocorrência da recidiva (Tabela 1). O grau de satisfação foi considerado elevado com o procedimento cirúrgico em 12 (66,67%) pacientes. Grau mediano de satisfação foi manifestado por 6 (33,33%) dos entrevistados (Tabela 1). Melhorias à qualidade de vida foram relatadas por 12 (66,67%) dos entrevistados. Entre os problemas Variáveis f f(%) 12 6 66,67% 33,33% Existência de melhoria na saúde após a cirurgia Sim 12 Não 6 66,67% 33,33% Se sim, qual a melhoria ocorrida Cansaço Cansaço e falta de ar Cansaço, falta de ar e dor no peito Cansaço, falta de ar e outra Dor no peito Falta de ar Falta de ar, palpitação e dor no peito Outra 2 2 1 3 1 1 1 1 16,67% 16,67% 8,33% 25,00% 8,33% 8,33% 8,33% 8,33% Opinião quanto à cicatriz cirúrgica Muito perceptível e incômoda Perceptível e incômoda Pouco perceptível 2 5 11 11,11% 27,78% 61,11% Ocorrência pós-operatória Sim Não 6 12 33,33% 66,67% Complicação pós-operatória Outra Respiratória Respiratória e outra 2 2 2 33,33% 33,33% 33,33% Grau de satisfação com a cirurgia Alto Médio Reaparecimento discreto da deformidade após a cirurgia Sim Não 6 12 33,33% 66,67% f: Frequência; f(%): Frequência Relativa Tabela 1– Resultados obtidos a partir do Protocolo de Pesquisa. 45 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Maria do Socorro de Lucena Cardoso, Rodrigo Augusto Monteiro Cardoso Talita Sampaio Carvalho A correlação dos dados relativos à técnica utilizada e a ocorrência de recidivas revelaram o discreto reaparecimento da deformidade apenas em pacientes operados por cirurgia aberta, ou esternocondroplastia. Em 6 (54,55%) dos 11 pacientes operados com essa técnica houve uma parcial recidiva do Pectus, não ocorrendo, entretanto, um retorno ao estágio original da deformidade. Nenhum dos pacientes operados com a técnica de Nuss manifestou haver notado nenhum reaparecimento, mesmo que discreto, de sua deformidade (Tabela 2). A ocorrência de complicações pós-operatórias apresentou maior incidência em cirurgias com técnica tradicional (cirurgias abertas). As cirurgias por esternocondroplastia apresentaram complicações em 6 (33,33%) pacientes, enquanto nos procedimentos realizados por videotoracoscopia (cirurgia por vídeo) foi observado apenas 1 (5,56%) caso (Tabela 2). Variáveis Tipo de Cirurgia Aberta f P-valor Vídeo f(%) Total F f(%) f f(%) 1 5,56% 6 33,33% Ocorrência de complicações pós-operatórias Sim 5 27,78% 0,31 1 Não 6 33,33% 6 33,33% 2 66,67% 6 33,33% Reaparecimento discreto da deformidade Sim 6 33,33% 0 0,00% Não 5 27,78% 7 38,89% 2 66,67% 0,04 1 Opinião quanto à cicatriz cirúrgica Muito perceptível e incômoda 0 0,00% 2 11,11% 2 11,11% Perceptível e incômoda 4 22,22% 1 5,56% 5 27,78% Pouco perceptível 7 38,89% 4 22,22% 11 61,11% 0,2223 Tabela 2 – Correlação entre os tipos de cirurgia e variáveis relevantes ao sucesso da cirurgia. Um terceiro parâmetro, no comparativo das técnicas cirúrgicas utilizadas, é a opinião do pacientes quanto à cicatriz cirúrgica. Apenas pacientes operados por videotoracoscopia julgaram sua cicatriz muito perceptível e muito incômoda, correspondendo ao um total de 28,57% dos pacientes operados por essa técnica. A maior parte dos pacientes operados tanto por esternocondroplastia (63,64%) quanto pela técnica de Nuss (57,14%) manifestou achar sua cicatriz pouco perceptível. Perceptível e incômoda foi a classificação atribuída por 36,36% dos pacientes operados por cirurgia invasiva e 14,29% operados com técnica minimamente invasiva. Nenhum paciente operado por esternocondroplastia ou videotoracospia manifestou achar sua cicatriz imperceptível. Não foi encontrado nenhum óbito relacionado à realização do procedimento cirúrgico. DISCUSSÃO PEX e PC são deformidades congênitas da parede anterior do tórax que acometem 1:300 pessoas.1 Estudo realizado em 2009 constatou uma prevalência de Pectus entre escolares de Manaus, de 1,95%, sendo 1,275% referentes à PEX e 0,675% à PC. Dos 26 escolares que apresentaram a deformidade, 17 (65,4%) tinham PEX e 18 (69,2%) eram do sexo 46 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 ANÁLISE DA QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES SUBMETIDOS À CORREÇÃO CIRÚRGICA DE DEFORMIDADES NA PAREDE TORÁCICA ANTERIOR masculino. Em relação a problemas possivelmente associados à deformidade, 17 escolares (65,4%) relataram dor torácica, dispneia ou palpitações.2 complicações pós-operatórias (33,33%), mas com baixo grau de gravidade, em sua maioria. Apenas uma complicação mais grave foi registrada, um caso de pneumotórax. Entre as demais, podemos citar: hiperalgesia pós-cirúrgica, deslocamento da barra e dificuldade de cicatrização. Todos os pacientes participantes da presente pesquisa apresentaram apenas a deformidade Pectus Excavatum, sendo eles, predominantemente, do sexo masculino. Tal resultado demonstra a preponderância da PEX e a maior prevalência dela entre os homens, como já haviam observado os demais estudos sobre o assunto. A correção cirúrgica da Pectus Excavatum pode ser realizada por meio de dois procedimentos cirúrgicos distintos: esternocondroplastia ou videotoracoscopia com colocação da placa de Nuss.9 Nem todos os pacientes têm, entretanto, a opção de escolher pelo uso de uma técnica ou de outra, tendo em vista o custo bem mais elevado do último procedimento. Tem-se constatado que os maiores problemas ocasionados pela deformidade, ao paciente, são de ordem estética, refletindo-se no seu convívio social e qualidade de vida. Poucos prejuízos à saúde e função de órgãos torácicos têm sido notados. Entre cirurgiões torácicos, preconiza-se a correção cirúrgica como método mais eficaz para a solução dos defeitos.1 A esternocondroplastia ou cirurgia aberta apresenta mais indicações cirúrgicas, para a correção de deformidades na parede torácica anterior, de que a cirurgia por videotoracoscopia.4, 9 É importante ressaltar, portanto, que nem sempre será possível a correção da deformidade pela técnica de Nuss. Entre os 18 pacientes pesquisados, 11 foram operados por esternocondroplastia. Um estudo realizado com 59 pacientes submetidos à correção cirúrgica de PEX, por esternocondroplastia (cirurgia aberta), o resultado estético obtido foi satisfatório para 95,6% dos pacientes, 2,6% declararam-se não totalmente satisfeitos e 1,75% revelaram a recidiva da deformidade.4 Neste estudo observouse um elevado grau de satisfação em 66,67% dos pacientes, a parte restante mostrou-se, ao menos, medianamente satisfeita. A preferência, quando possível, em se optar pela técnica de Nuss se deve à menor invasividade do procedimento e, consequentemente, aos menores riscos de complicações e maior discrição da cicatriz cirúrgica.7 Entre as complicações verificadas na amostra do estudo, as ocorridas em decorrência dessa técnica foram três vezes menores, isso em valores absolutos, se comparadas àquelas ocorridas após a esternocondroplastia. A satisfação verificada quanto à cicatriz cirúrgica, entretanto, foi maior entre pacientes operados por técnica invasiva, mesmo tendo esse sofrido incisões maiores, se comparadas àquelas por videotoracoscopia. Outro dado significativo obtido pela pesquisa e pouco relatado na literatura foi a maior eficácia da técnica de Nuss na correção das deformidades, se considerarmos que apresentou índice de recidiva nulo, em comparação a um índice de mais de 50% de discreto reaparecimento do Pectus nas esternocondroplastias. Os bons índices de opinião quanto à cicatriz cirúrgica corroboram a satisfação dos pacientes em relação aos benefícios estéticos alcançados com o procedimento, contribuindo para seu melhor convívio social, aumento da autoestima e qualidade de vida. Observou-se uma diminuição do grau de cansaço, dispneia e dor no peito. As correções cirúrgicas dessas deformidades são passíveis de recidiva e encontram-se descritas na literatura, como referida na pesquisa supracitada. Um estudo realizado em 2008 refere à ocorrência de reaparecimento da deformidade entre as complicaçãoes pós-operatórias ocorridas em 3 dos 24 pacientes operados por esternocondroplastia para a correção de PEX.8 Na presente pesquisa a ocorrência de discreta recidiva da deformidade foi constatada em 6 pacientes (33,33%). O estudo verificou a ocorrência de um número significativo de As deformidades da parede torácica anterior vêm apresentando maior indicação cirúrgica a cada dia, amparada pela realização e resultados 47 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Maria do Socorro de Lucena Cardoso, Rodrigo Augusto Monteiro Cardoso Talita Sampaio Carvalho de estudos como este. Altos índices de satisfação, a ocorrência de poucas complicações, em sua maioria, de pequena gravidade, e mortalidade cirúrgica praticamente nula são alguns dos parâmetros que corroboram a indicação da cirurgia como meio mais rápido e eficaz para a correção dessas deformidades. Gonçaves JL, Bergonse Neto N. Pectus Excavatum / Pectus Carinatum: tratamento cirúrgico. Rev. Col. Bras. Cir. jul./ ago. 2003; 30(4): 249-261. 5. Beirão ME. Tratamento conservador do “pectus carinatum” com uso de órtese. Rev. Bras. 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CASE REPORT Marina Valente Maia*, Mariela Conceição*, Riani Helenditi Camurça*, Ellysson Oliveira Abinader**, Juliana Matos***, Luiz Carlos Santana**** RESUMO Amiloidose Sistêmica (AS) faz parte de um grupo de doenças que têm em comum a deposição extracelular patológica de proteínas insolúveis em órgãos ou tecidos. Amiloidose de cadeia leve é a forma mais comum de amiloidose sistêmica e é associada a várias alterações orgânicas, entre elas discrasia sanguínea. O objetivo deste estudo foi relatar o caso clínico de paciente portador de amiloidose sistêmica do tipo AS, diagnosticado no Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas, Manaus-Amazonas. O tratamento é preocupante não somente dos resultados quanto na avaliação e evolução da eficácia. Muitos são propostos como combinações de VAD (vincristina, doxorrubicina, dexametasona); melfalan e prednisona; talidomida e prednisona e outros. Descritores: Amiloidose de cadeia leve, amiloidose sistêmica primária, síndrome nefrótica. ABSTRACT Amyloidosis is a condition inherent to a group of diseases, with exhibit the common feature of pathological extracellular deposition of insoluble proteins in organs or tissues. Light-chain (AL) amyloidosis is the most common form of systemic amyloidosis and is associated with an underlying plasma cell dyscrasia. The objective was relate a primary amyloidosis case report from Manaus-Amazonas witch diagnosis was made in Getulio Vargas University Hospital. The treatment of primary amyloidosis concerning not only the results but also the problems in evaluating its efficacy. Many treatments are proposed like combinations VAD (vincristine, doxorubicin and dexamethasone); melphalan and prednisone; talidomide and prednisone; others. Descritors: Light-chain amyloidosis, nephrotic syndrome, primary systemic amyloidosis. Há mais de 400 anos houve os relatos dos primeiros casos do que mais tarde Virchow, em 1854, chamaria de amiloidose. A proteína amiloide possui propriedades ultraestruturais de definição aos raios-x e bioquímica exclusivas, compostas INTRODUÇÃO Médica Residente de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas *** Médica Residente de Nefrologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas **** Colaborador – Especialista em Clínica Médica. Universidade Federal do Amazonas. Hospital Universitário Getúlio Vargas * ** 49 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Marina Valente Maia, Mariela Conceição, Riani Helenditi Camurça, Ellysson Oliveira Abinader, Juliana Matos, Luiz Carlos Santana de fibrilas insolúveis de baixo peso molecular. Estas subunidades são derivadas de precursores solúveis que adotam uma conformação de folhas β pregueadas antiparalelas. A coloração vermelhocongo (demonstração de birrefrigência sob a luz polarizada à microscopia) foi introduzida desde 1920 para melhor demonstrar a substância amiloide nos tecidos e o uso da tioflavina T (produzindo intensa fluorescência verdeamarelada) foi popularizada em 1950. Em algumas instâncias, o tipo de amiloide pode ser definido por imuno-histologia (imunofluorescência ou técnicas imunoenzimáticas), ou por microscopia imunoeletrônica. As doenças amiloides podem ser divididas em sistêmicas ou localizadas, de acordo com a extensão do seu depósito, ou ainda em formas adquiridas ou hereditárias, de acordo com o caráter do depósito. Na Amiloidose Sistêmica (AS) os órgãos mais envolvidos são: coração, rins, fígado e nervos periféricos. Os sinais e sintomas gerais são inespecíficos ou podem estar relacionados ao órgão acometido. O paciente na maioria das vezes apresenta perda ponderal significativa e astenia. Assim, procura-se relatar um caso com várias manifestações, de evolução insidiosa e progressiva que desafiou o diagnóstico etiológico. importante, que até julho de 2008 já somavam 51 kg. Em seguida, apresentou dificuldade para deambular e alternância do hábito intestinal com constipação e diarreia. Em janeiro de 2008, associou-se ao quadro tontura, lipotímia e hipotensão ortostática. Em março de 2009, persistência da clínica e aparecimento de proteinúria em sedimento urinário e em julho piora da perda de peso agora com 60 kg a menos, anasarca, fraqueza intensa e hipotensão significativa que o impedia à mudança de decúbito. Ao exame físico encontrava-se anasarcado, desidratado, hipocorado, dispneico (frequência respiratória de 24 irpm), restrito ao leito e com manchas hipercrômicas em região plantar. Ausculta respiratória com murmúrio abolido em bases e hemitórax esquerdo até 1/3 médio, sem creptos. Ausculta cardíaca: RCR 2T com bulhas hipofonéticas sem sopros. Pressão arterial supina 100 x 70 mmHg, sentado 90 x 60 mmHg e ortostático 70 x 40 mmHg. Abdômen globoso, flácido, doloroso à palpação profunda em Hipocôndrio Direito (HD), fígado a 5 cm do rebordo costal direito, baço impalpável, piparote positivo. Reflexo aquileu abolido bilateralmente, patelar abolido à direita e sensibilidade diminuída nos membros inferiores (tipo bota), força muscular grau 4 nos membros inferiores e grau 5 nos superiores. Radiografia de tórax na internação: derrame pleural bilateral, com sinais de congestão. Eletrocardiograma (ECG): baixa voltagem em derivações periféricas, com desvio de eixo para esquerda (Figura 1). Ecocardiograma (ECO): hipertrofia moderada concêntrica de ventrículo direito (VD) e esquerdo (VE), disfunção diastólica de VE moderada, derrame pericárdico moderado, fração de ejeção 89% – Metodo de Teicholz (Figura 2). Toracocentese: estudo do líquido pleural – transudato. Teste Tuberculínico (PPD): não reator. Hormônio da Tireoide (TSH): 2,9 e T4L: 1,6. Teste de Sífilis (VDRL) e Sorologias (vírus da imunodeficiência adquirida – HIV, hepatites B e C, TORCH): negativas. Colonoscopia: dentro dos padrões da normalidade. Tomografia Computadorizada (TC) de tórax: consolidação de contornos lobulados, com broncogramas de permeio e volumoso derrame pleural. TC de abdômen: espessamento difuso de adrenal esquerda. Proteinúria de 24h: 3,4 g/24h. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, pardo, 47 anos, natural de Manacapuru, interior do Amazonas, procedente de Manaus, internado em duas ocasiões diferentes com queixas complementares e cumulativas. Em setembro de 2007 internou com diarreia havia um mês, três episódios/dia, com restos alimentares, sem sangue ou pus de moderado volume, com cólica abdominal, portanto de característica baixa, com episódios alternados de incontinência fecal, epigastralgia com irradiação para hipocôndrio direito com duração de 30 min a 1 hora, com piora à alimentação, além de náuseas, vômitos e febre baixa. Em outubro, piora progressiva dos vômitos e da epigastralgia, acompanhado de parestesia de membros inferiores e perda ponderal 50 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 AMILOIDOSE SISTÊMICA. RELATO DE CASO Eletroforese de proteínas: Gama 31,57% (VN: 14%21%), albumina 41,19% (VN 53%-70%). Biópsia renal (Serviço de Patologia da Unifesp): amiloidose renal caracterizada por depósitos de substância amiloide em glomérulos, parede arterial e arteriolar, alterações degenerativas vacuolares em células tubulares; pinocitose tubular de IgA e C3 e traços glomerulares de IgM e C3, padrão de lesão não imune. O paciente foi tratado com associação de Talidomida e Prednisona, no entanto não houve melhora nem reversão dos sinais e sintomas. Figura 1 – Eletrocardiograma de baixa voltagem e desvio de eixo para esquerda. Figura 2 – Ecocardiograma transtorácico: hipertrofia moderada concêntrica de VD e VE, disfunção diastólica de VE moderada, derrame pericárdico moderado sem sinais de restrição, fração de ejeção 89% (Teicholz). DISCUSSÃO Na Amiloidose Sistêmica (AS), tipo apresentado pelo paciente, os sintomas iniciais são, frequentemente, fadiga e perda de peso. Já as manifestações órgão-específico envolvem principalmente rins e coração. O envolvimento renal manifesta-se com proteinúria e culmina com síndrome nefrótica com edema e hipoalbuminemia.1 Evidências de disfunção renal frequentemente são encontradas e raramente progressivas. A elevação de creatinina sérica, juntamente com hipertensão arterial sistêmica, também é incomum.1, 2 O envolvimento cardíaco manifesta-se com insuficiência cardíaca congestiva rapidamente progressiva e pode ser precedida de anormalidades 51 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Marina Valente Maia, Mariela Conceição, Riani Helenditi Camurça, Ellysson Oliveira Abinader, Juliana Matos, Luiz Carlos Santana elétricas. Predominam as características de insuficiência ventricular direita associada à baixa voltagem, frequentemente ligada à insuficiência cardíaca na ausência de doença arterial. O ecocardiograma mostra aumento de pressão de enchimento do lado esquerdo, com pequena onda A, por conta da combinação de infiltração atrial e restrição do enchimento diastólico. A espessura miocárdica da parede livre do ventrículo esquerdo (VE) avaliada ao ECO não só é alteração diagnóstica, como se pode inferir que quanto mais espessa, pior a evolução.8 como tuberculose, síndrome da imunodeficiência humana, hipotireoidismo, deficiências enzimáticas associadas à má absorção e perda ponderal significativa. O comprometimento importante do sistema nervoso autônomo e periférico, representados por hipotensão significativa e incapacitante, além de parestesias em luva e bota, mostra a necessidade de excluir alguns diagnósticos como doenças de etiologia viral e bacteriana, como vírus hepatotrópicos e sífilis. A quimioterapia é o tratamento de escolha para esta condição. Baseado no Guidelines Working Group of UK Myeloma Fórum, a quimioterapia pode ser classificada em três grupos. O primeiro, de baixa dose, baseado no uso singular de melfalan ou ciclofosfamida, com ou sem o uso de prednisona.6 O segundo grupo, de dose intermediária, é baseado num curso mensal de VAD (vincristina, adriamicina, dexametasona) ou dose intravenosa intermediária de melfalan (25 mg/m2), com ou sem dexametasona. E o terceiro grupo, o transplante autólogo de células-tronco (TACT), com o uso de melfalan intravenoso de 100200 mg/m.2, 5 Pacientes com mais de 1,2 cm e menos que 1,5 cm de espessura miocárdica apresentam sobrevida de 1,3 ano e aqueles com mais de 1,5 cm apresentam sobrevida de 0,4 ano. Novos marcadores estão sendo desenvolvidos. A captação de componente P de substância amiloide (SAP) marcado com iodo 123 tem se mostrado útil no diagnóstico da doença e na avaliação do prognóstico.3 Em muitos casos, trombos no átrio podem estar presentes, mesmo que o ritmo cardíaco seja sinusal, e o surgimento de fibrilação atrial está associado com alto risco de tromboembolismo.3, 4 Verificam-se, em vários trabalhos, resultados ruins e insatisfatórios no tratamento com colchicina e que o esquema vincristina, adriamicina e dexametasona (VAD) deve ser considerado a primeira linha de tratamento para os pacientes com idade inferior a 70 anos que não têm sintomas de insuficiência cardíaca, neuropatia autonômica ou neuropatia periférica. Dose intermediária de melfalan pode ser considerada em pacientes que toleram terapia intravenosa, mas que o VAD tenha sido contraindicado ou tenha produzido uma resposta inadequada. Altas doses de Dexametasona apresentam resultados iniciais semelhantes ao VAD e deve ser instituída quando este apresenta alta toxicidade. Ainda é comum o acometimento dos sistemas nervoso autônomo e periférico. A síndrome do Túnel do Carpo é frequentemente relatada, sendo a neuropatia motora rara. A neuropatia sensorial tem padrão distal para proximal e simétrica, e manifesta-se com quadro de dor. Já a disfunção do sistema nervoso autônomo é mais grave, resultando em hipotensão, impotência e distúrbios de motilidade gastrintestinais. Em complemento aos distúrbios autônomos gastrintestinais (saciedade precoce, constipação ou diarreia), o trato gastrintestinal é frequentemente infiltrado com depósitos amiloides, mas raramente é associado à má absorção ou pseudo-obstrução.7 O esquema escolhido para o nosso paciente foi associação de Talidomida e Dexametasona em doses altas com acompanhamento mensal da resposta, pela gravidade e avanço da doença, que foi descoberta tardiamente. O seguimento deste paciente foi realizado pelo Serviço de Hematologia do hospital e após isso encaminhado Pela apresentação clínica insidiosa e de difícil diagnóstico, foram pedidos vários exames a fim de excluir outras doenças e comorbidades que correspondessem ao quadro. A amiloidose pode se manifestar de várias formas com derrames cavitários, mimetizando doenças imunodepressoras, endocrinológicas e infecciosas 52 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 AMILOIDOSE SISTÊMICA. RELATO DE CASO REFERÊNCIAS ao ambulatório da Fundação de Hematologia do Amazonas (Hemoam), uma vez que lá se encontravam especialistas com maior experiência no caso. Sabe-se que o esquema VAD apresenta inúmeras vantagens no tratamento da AS, na qual uma resposta rápida é desejada. Somase a isso o fato de esse esquema não depletar a reserva de célula-tronco, resguardando a possibilidade da utilização do TACT (transplante autólogo de células-tronco). O VAD foi o esquema que demonstrou maior média de sobrevida (50 meses), com resposta de 50% dos pacientes.5 Como o paciente, no entanto, apresentava clínica exuberante e comprometimento cardíaco, sistema nervoso autonômico e neuropatia periférica, além de grandes possibilidades de toxicidade e não tolerância às drogas quimioterápicas, optou-se por esse esquema paliativo, na tentativa de melhorar a qualidade de vida dele. 1. Esteve V, Almirall J, Ponz E, et al. Renal involvement in amyloidosis. Clinical outcomes, evolution and survival. Nefrologia. 2006;26: 212-217. 2. Falk RH, Comenzo RL, Skinner M. The systemic amyloidoses. N Engl J Med. 1997; 337: 898-909. 3. Garibaldi B, Zaas D. An unusual case of cardiac amyloidosis. J Gen Intern Med. 2007; 22: 1047-1052. 4. Gorevic PD, Schur PH, Romain PL. An Overview of Amyloidosis. UpToDate; 2009. 5. 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RELATO DE CASO ACUTE RENAL FAILURE IN PAROXYSMAL NOCTURNAL HAEMOGLOBINURIA. CASE REPORT Juliana da Costa Matos*, Isabele Reis Araújo*, Wilson Seffair Bulbol** RESUMO Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) é uma doença clonal adquirida das células-tronco hematopoiéticas, caracterizada por hemólise intravascular, hemoglobinúria e trombose venosa. Ocorre por um defeito molecular da membrana dos eritrócitos com redução na expressão das proteínas CD59 e CD55. Relatamos um caso de HPN em paciente de 30 anos, sexo masculino, evoluindo insuficiência renal aguda dialítica. O paciente apresentou melhora da função renal, atingindo sua creatinina basal de 0,3 mg/dl. IRA na HPN é associada com crises hemolíticas e pode resolver sem dano residual. Palavras-chave: Hemoglobinúria paroxística noturna, insuficiência renal aguda, hemodiálise. ABSTRACT Nocturnal paroxysmal hemoglobinuria (NPH) is an acquired clonal disorder of hematopoietic stem cells characterized by intravascular hemolysis, hemoglobinuria, and venous thrombosis. It occurs due to defective membrane molecules of erythrocytes with reduced expression of CD59 and CD55. We describe a case of NPH in a 30-year-old man who had one episode of dialytic acute renal failure. The patient renal function improved presenting a baseline creatinine of 0,3 mg/dL. Acute renal failure in NPH is associated with hemoglobinuric crises and may be resolved without residual damage. Keywords: Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria, acute renal failure, hemodyalis. INTRODUÇÃO cromossomo X. O déficit da proteína glicosilfosfatidil-inositol (GPI) condiciona alterações nas proteínas reguladoras de membrana (CD55 e CD59) que acarretam uma sensibilidade anormal ao complemento.1 Caracteriza-se por hemólise intravascular, hemoglobinúria, hemossiderinúria, anemia, trombocitopenia, hematopoese A hemoglobinúria paroxística noturna é uma enfermidade clonal adquirida da célulatronco hematopoiética, caracterizada por mutações somáticas do gene PIG-A, ligadas ao Médico Residente, segundo ano em Nefrologia, Hospital Universitário Getúlio Vargas ** Nefrologista, preceptor da residência médica em Nefrologia e Mestre em Nefrologia da Unifesp-EPM * 54 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA NA HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA. RELATO DE CASO diminuída e tendência a fenômenos trombóticos, especialmente em veias abdominais.2 Insuficiência renal aguda pode ocorrer em associação às crises hemolíticas.3 Fatores precipitadores das crises hemolíticas incluem drogas, infecções, imunizações e exercícios, mas frequentemente a etiologia permanece desconhecida.4 Atualmente, ainda não dispomos de tratamento que efetivamente reduza os episódios de hemólise intravascular ou melhore os sintomas da doença. Estratégias terapêuticas, utilizando anticorpos monoclonais humanizados (eculizumab) contra frações proteicas do complemento, têm sido tentadas recentemente, reduzindo a necessidade de transfusões e diminuindo a severidade dos fenômenos hemolíticos. revelaram: hemograma= 3.000 leucócitos/ mm3, Ht=18,0%, Hb=6,2 g/dl, 90.000 plaquetas/ mm3; sódio= 135 mEq/L, potássio= 4,8 mEq/L, ureia=235 mg/dl, creatinina=12,4 mg/dl, parcial de urina: densidade=1,020, pH=6,0, proteínas (++), hemoglobina (+++), leucócitos 25/campo, hemácias 15/campo, ausência de bactérias, ultrassonografia de vias urinárias com rins tópicos com aumento da ecogenicidade e dimensões aumentadas. Tratado com transfusão sanguínea, pulsoterapia corticoide e hemodiálise (quatro sessões). Submetido à biópsia renal que evidenciou hemossiderose maciça e alterações degenerativas tubulares. Descrevemos um caso de hemoglobinúria paroxística noturna que se apresentou com insuficiência renal aguda após crises hemolíticas, necessitando de terapia substitutiva renal na ocasião e evoluindo com recuperação da função renal. Evoluiu com aumento progressivo do volume urinário e queda nos níveis de ureia e creatinina, tendo alta hospitalar com creatinina de 1,7 mg/ dl. Atualmente, dois anos após o episódio de insuficiência renal aguda, apresenta creatinina de 0,3 mg/dl. RELATO DO CASO DISCUSSÃO Paciente de 30 anos, branco, sexo masculino, com diagnóstico de anemia havia 4 anos em tratamento na Fundação Hemoam. Foi submetido à investigação para hemoglobinúria paroxística noturna, tendo realizado os testes imunofenotipagem CD55 e CD59, que confirmaram o diagnóstico. Tratado com hemoterapia, ácido fólico, prednisona. A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma rara doença clonal adquirida de células hematopoiéticas.5 Ocorre predominantemente em adultos. Caracteriza-se por uma hematopoese insuficiente, resultante de um aumento da sensibilidade dos eritrócitos à hemólise intravascular mediada pelo complemento por deficiência da expressão de proteínas reguladoras de membrana CD55 e CD59.6 Ocorrem mutações somáticas do gene PIG-A, ligadas ao cromossomo X.7 O déficit da proteína glicosil-fosfatidil-inositol (GPI) condiciona alterações de membrana que são responsáveis pela hemólise.3 Na população brasileira, a mutação no gene PIG-A foi descrita pela primeira vez por Carvalho e colaboradores.8 Insuficiência renal aguda e crônica pode ocorrer em pacientes com HPN3,5, 9 IRA é associada com crises hemolíticas e pode ocorrer recuperação sem dano residual,10 conforme observado neste paciente. Podem ocorrer: hemoglobinúria, hematúria, proteinúria, hipertensão, distúrbios de concentração urinária Fazia dois anos, admitido em crise hemolítica com história de astenia, palidez, urina avermelhada, febre, dor lombar, diminuição do volume urinário e dispneia. Refere início dos sintomas após quadro diarreico prévio. Ao exame físico consciente, taquipneico, ictérico (++/4+), palidez cutânea e mucosas +++/4+, PA= 130/90 mmHg, FC= 85bpm, desidratado +++/4+, edema MMII ++/4+ com cacifo. Auscultas cardíaca e pulmonar sem alterações, abdome doloroso com hepatomegalia de 5 cm abaixo do rebordo costal e traube livre. Exames laboratoriais 55 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Juliana da Costa Matos, Isabele Reis Araújo, Wilson Seffair Bulbol e repetidos episódios de trombose em microvasos renais.7, 9, 11 A IRA pode ser a primeira manifestação da doença.5, 10 A ocorrência de IRA em grandes séries de HPN é muito rara12 ou não é descrita.13 Clark e colaboradores8 descreveram 21 casos de HPN e somente um caso de azotemia leve. Em alguns pacientes, a IRA ocorre na HPN associada a choque hipovolêmico, sepse, gestação ou pielonefrite,5 porém a principal causa de óbito é a trombose venosa e insuficiência medular.14 A causa comum de insuficiência renal aguda na HPN é necrose tubular aguda. Quando ocorre insuficiência renal crônica, entretanto, visualizamos mudanças túbulo-intersticiais com intensos depósitos de hemossiderina no túbulo proximal e nefroesclerose arterial.15 O exame histológico em casos de IRA na HPN tem demonstrado hemossiderose tubular proximal, sendo escassa em túbulo distal e glomérulo. É importante monitorar a função renal desses pacientes, principalmente durante as crises hemolíticas, além de tomar medidas para aumentar o volume urinário, como hidratação adequada, para evitar depleção do espaço extracelular e hipotensão arterial, que causam redução da perfusão renal e predispõem a quadros de IRA em situações de hemólise. Figura 1 – Biópsia renal revela depósitos de pigmento (setas) em células epiteliais tubulares, acompanhado por necrose tubular e degeneração. (Hematoxilina e eosina) Figura 2 – Azul da Prússia confirma como pigmentação depósitos de hemossiderina (setas). 56 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA NA HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA. RELATO DE CASO REFERÊNCIAS little PIG-A goes J Clin Invest. 2000; 106: 637-41. 8. Franco de Carvalho R, Arruda VR, Saad ST, Costa FF. Detection of somatic mutations of the PIG-A gene in Brazilian patients with paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Braz J Med Biol Res. 2001; 34: 763-6. 1. Parker C, Omine M, Richards S, Nishimura J, Bessler M, Ware R, et al. Diagnosis and management of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 2005; 106: 3699-709. 9. Clark DA, Butter SA, Braren V, Hartmann RC, Jenkins Jr DE. The kidney in PNH. Blood. 1981; 57: 83-9. 2. Jarva H, Meri S. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: the disease and a hypothesis for a new treatment. Scand J Immunol. 1999; 49: 119-25. 10. 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JAMA. 1971; 215(3): 433-6. 57 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Alexandre Herculanno Ribera Marcião, Luiz Carlos Nadaf Lima Rafael Siqueira de Carvalho, Renato Telles de Sousa, Leandro Tavares Flaiban MELANOMA PRIMÁRIO DE MUCOSA NASAL PRIMARY MELANOMA OF THE NASAL MUCOSA Alexandre Herculanno Ribera Marcião* ,,Rafael Siqueira de Carvalho*, Luiz Carlos Nadaf Lima**,, Renato Telles de Sousa***, Leandro Tavares Flaiban**** RESUMO O Melanoma primário de mucosa nasal é um tumor raro, de comportamento agressivo e prognóstico sombrio, correspondendo menos de 1% de todos os melanomas e menos de 4% dos tumores nasossinusais, diferente da pele do nariz que é o local mais comum de câncer de pele. Juntamente com a cavidade oral, são os principais locais de acometimento da mucosa aerodigestiva. Relatamos caso de um paciente idoso, na 7.a década de vida, com obstrução nasal progressiva e epistaxes recorrentes de tumor de concha nasal inferior em fossa nasal direita, com diagnóstico histopatológico de melanoma. Foi submetido à maxilectomia medial direita com remoção do septo nasal em contato e encaminhado à radioterapia pós-operatório. ABSTRACT The primary melanoma of the nasal mucosa is a rare tumor of dismal prognosis and aggressive behavior, with less than 1% of all melanomas and less than 4% of the tumors nasosinusal, unlike the skin of the nose is the most common site of cancer of the skin. Together with the oral cavity, are the main sites of involvement of the mucosa disgestive and airway. We report the case of an elderly patient, in the 7th decade of life with progressive nasal obstruction and recurrent epistaxis from inferior turbinate of tumor in right nasal cavity, with histopathologic diagnosis of melanoma. He was submitted to right medial maxillectomy with removal of nasal septum in touch and referred to radiotherapy after surgery. INTRODUÇÃO prognóstico sombrio, correspondendo menos de 1% de todos os melanomas e menos de 4% dos tumores nasossinusais,1, 5 diferente da pele do nariz que é o local mais comum de lesão cutânea.4 Juntamente com a cavidade oral, são os principais locais. Os tumores malignos da cavidade nasal propriamente dita é uma entidade incomum, porém os tumores nasossinusais malignos são responsáveis por 3% dos tumores malignos aerodigestivos superiores.3 Esses tumores desenvolvem-se a partir de melanócitos na mucosa nasossinusal. Microscopicamente, seu aspecto é bastante variável em suas formas celulares, nucléolos muito O melanoma primário de mucosa nasal é um tumor raro, de comportamento agressivo e Médico Residente em ORL do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) – Ufam Médico Assistencial em ORL do HUGV – Ufam. Mestre em ORL pela Unifesp *** Professor da disciplina de ORL do Curso de Medicina – Ufam. Mestre em ORL pela Unifesp. Chefe do Serviço de ORL do HUGV – Ufam **** Médico Assistencial em ORL do HUGV – Ufam * ** 58 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 MELANOMA PRIMÁRIO DE MUCOSA NASAL evidentes, núcleos hipercromáticos e alto número de mitoses, com grânulos melanócitos evidentes.1 Macroscopicamente, podem apresentar forma polipoide ou ulcerado, e a cor varia de branco, róseo, vermelho a cinza, marrom ou preto.2 Amazonas – Ufam), queixando-se de obstrução nasal progressiva à direita, com piora nos últimos 3 meses, evoluindo com epistaxes recorrentes de pequeno volume. À rinoscopia anterior, observou-se massa de aspecto irregular, com manchas escuras e crostas hemáticas ocupando a fossa nasal direita. A Tomografia Computadorizada dos Seios da Face demonstrou material de partes moles preenchendo a metade inferior da fossa nasal direita em toda sua extensão, com comprometimento da parede medial do seio maxilar direito e do septo nasal (Figura 1 A e B). Após biópsia, conclui-se que o tumor tinha características histológicas de melanoma moderadamente diferenciado. Seus sintomas são inespecíficos e tardios, representados por obstrução nasal e epistaxe, podendo confundir com doenças mais prevalentes como rinossinusites crônicas.1, 2, 3 Além da sua dificuldade de diagnóstico por conta de sua localização, um terço das lesões podem ser amelanocíticas.2 Por conta de seu comportamento agressivo e clínica inespecífica, seu diagnóstico normalmente é tardio para uma lesão já avançada, o que piora substancialmente o prognóstico a curto prazo. Após discussão do caso em reunião clínica do Serviço de Otorrinolaringologia, foi programada ressecção cirúrgica com margens e radioterapia subsequente. Durante o ato cirúrgico, foi observada a lesão primária na concha nasal inferior direita com contato com a parede lateral, concha nasal média e septo nasal, sendo realizado Turbinectomia Total Média e Inferior direita, Maxilectomia medial direita e remoção do septo nasal em contato (Figura 2). RELATO DO CASO Paciente idoso, na 7.a década de vida, tabagista, foi atendindo pelo Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas (Universidade Federal do Figura 1 A – TC de seios da face, corte axial, com imagem sugestiva de material de partes moles em fossa nasal direita. Figura 1 B – TC de seios da face, corte coronal, observando erosão de septo nasal e parede medial de seio maxilar direito. 59 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Alexandre Herculanno Ribera Marcião, Luiz Carlos Nadaf Lima Rafael Siqueira de Carvalho, Renato Telles de Sousa, Leandro Tavares Flaiban Figura 2 – Lesão tumoral em conchas nasais média e inferior. das lesões no momento do diagnóstico. Isso se torna ainda mais complicado pela presença de lesões satélites e pela existência de áreas de melanoma amelanótico concomitantes em muitos casos.1 DISCUSSÃO Os tumores malignos nasais apresentam como fatores de risco a exposição ao níquel, pó de madeira, solventes químicos e principalmente ao tabagismo.4 Os Melanomas Nasais, no entanto, não possuem uma etiologia certa e seus fatores de risco são desconhecidos,3 não surgindo de lesões precursoras ao contrário dos melanomas malignos cutâneos. Há autores, no entanto, que sugerem que a exposição ao Formaldeído seria um dos fatores de risco.5 Em aproximadamente 10 a 50% dos casos, os pacientes podem apresentar metástases ganglionares e em 40 a 76% metástases acometendo pulmão, fígado, cérebro, pele e órbita.1 O diagnóstico de melanoma pode ser confirmado histologicamente pela presença da melanina preto-castanho-claro por meio das colorações hematoxilina-eosina e prata de FontanaMasson, pelo exame ultraestrutural, ou por estudos imuno-histoquímicos positivos para proteína S100, VIM e HMB45.1, 6, 7 Os marcadores epiteliais (CEA, EMA, citoceratinas) são negativos.1 Ocorrem geralmente em pacientes de idade avançada, entre 50 e 70 anos de idade, com extremos que podem variar de 23 a 93 anos de idade, havendo discreto predomínio do sexo masculino, embora idade e sexo não influenciem o prognóstico.1, 3, 6, 7 O tratamento cirúrgico com ressecção de amplas margens de segurança, envolvendo todas as estruturas ósseas adjacentes à neoplasia, é método de escolha.1, 3, 5, 6, 7 A maioria dos autores considera que os resultados com a radioterapia, quimioterapia e a imunoterapia são decepcionantes, ou apenas paliativos naqueles pacientes com margens irressecáveis ou com metástase a distância.1, 3, 6, 7 A adição da radioterapia à cirurgia tende a diminuir a taxa de insucesso local, mas não melhora significativamente a sobrevida, por causa da alta taxa de metástases.5 Seus sintomas são inespecíficos, obstrução nasal e a epistaxe, sejam isolados ou concomitantes, são os mais observados, os quais podem simular uma rinossinusite crônica. O aumento do volume nasal, a rinorreia, rinolalia, hiposmia, cefaleias fronto-orbiotárias, algias faciais, exoftalmia, diplopia nos casos com invasão de órbita.1, 3, 6, 7 Uma das características mais notáveis dos melanomas mucosos é o seu curso clínico imprevisível.3 Existe uma divergência entre os autores quanto à prevalência dos locais, sendo os mais prevalentes a parede lateral, as conchas nasais inferiores e médias, o septo nasal, seios maxilares e etmoidais,1, 3, 5, 6, 7 porém o sítio preciso de origem do tumor é muitas vezes difícil de se determinar por conta da extensão O prognóstico do melanoma de fossas nasais é ruim por tratar-se de um tumor bastante agressivo, diagnosticado em formas avançadas pela sua característica intracavitária. Estudos mostram sobrevidas discretamente 60 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 MELANOMA PRIMÁRIO DE MUCOSA NASAL diferentes, porém todos concluem que seu prognóstico é sombrio, onde mais da metade dos pacientes morrem no período de 3 anos (7 a 65%) 1,5 e apenas 22 a 36% apresentam 5 anos de sobrevida.1, inespecíficos, não devem ser menosprezados, uma vez que o único fator que melhora a sobrevida do paciente é seu diagnóstico precoce. 5, 6, 7 REFERÊNCIAS Alguns pacientes morrem dentro de algumas semanas ou meses após a apresentação inicial dos sintomas, com rápida disseminação da doença apesar do tratamento cirúrgico. Outros permanecem um longo período de tempo sem a manifestação da doença até que algum fator prejudique o equilíbrio imunológico, o que permite uma recorrência agressiva a curto prazo. Outros sobrevivem por períodos maiores intercalados pelo surgimento de metástases locais e cervicais que podem ser controladas cirurgicamente.1 1. Guimarães RES, Becker HMG, Ribeiro CA, Crossara PFBT, Brum LRA, Melo MMO. Melanoma maligno da mucosa nasossinusal: revisão da literatura e relato de dois casos. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. 2003; 69 (1): 131-5. 2. Silva TE, Rabuske PA, Bernz MCN, Hass LJ, Nemetz MA. Melanoma Mucoso: Relato de Caso. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. 1999; 65 (2): 176-9. 3. Person OC, Nishimoto ES, Okada EF, Hamasakli SF, Nardi JC, Dell’aringa AR. Melanoma Maligno Primário de Mucosa Nasal. International Archives of Otorhinolaryngology. 2005; 9 (1): 80. 4. Bhattacharryya N. Cancer of Nasal Cavity – Survival and factor influencing prognosis. Arch otolaryngology Head Neck Surgery. 2002; 128: 1079-108. CONCLUSÃO 5. Jahn V, Brennger H, Garbe C, Maassen MM, Moehrle M. Melanoma of the Nose: Prognostic Factors, Three – Dimensional Histology, and Surgical Strategies. Laryngoscope. 2006; 116: 1204-1211. Por se tratar de uma neoplasia de mucosa rara, com sintomas tardios, de comportamento agressivo e diagnóstico tardio, os estudos voltados para o melanoma de mucosa nasal no intuito de esclarecer seus fatores de risco, desenvolver métodos de diagnóstico precoces e modalidades terapêuticas mais eficazes são difíceis de serem desenvolvidos. 6. Bradley PJ. Primary malignant mucosal melanoma of the head and neck. Current Opinion in Otolaryngology & Head and Neck Surgery. 2006; 14: 100-4. 7. Branwein MS, Rothstein A, Lawson W, Bodian AC, Urken ML. Sinonasal Melanoma: A Clinicopathologic Study of 25 Cases and Literature Meta-analysis. 1997; 123(3): 290-6. 8. Dauer EH, Lewis JE, Rohlinge AL, Weaver AL, Olsen KD. Sinonasal melanoma: A clinicopathologic review of 61 cases. Otolaryngology–Head and Neck Surgery. 2008; 138: 347-52. Dessa forma, seus sintomas, que são 61 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Isabele Reis de Araújo, Juliana da Costa Matos, Junio Aguiar Azevedo ANEMIA PELA INFECÇÃO POR PARVOVÍRUS B19 EM PACIENTE DE TRANSPLANTE RENAL ANEMY DUE PARVOVIRUS B19 INFECTION IN KIDNEY TRANSPLANTED PATIENT Isabele Reis de Araújo*, Juliana da Costa Matos*, Junio Aguiar Azevedo** RESUMO Anemia é uma importante intercorrência no transplante renal. Dentre diversas causas, uma causa frequente é a infecção por Parvovírus B19, que ocorre em até 23% dos pacientes. Este relato descreve um caso de paciente transplantada renal com anemia crônica severa por infecção por Parvovírus B19. Descritores: Anemia, parvovírus B19, transplante renal. SUMMARY Anemia is an important complication in kidney transplant. Among various causes, a cause SUMARY Anemia is an important complication in kidney transplant. Among various causes, a cause frequent is Parvovirus B19 infection, which occurs in 23% of patients. .This case report describes a renaltransplant patient with severe chronic anemia due Parvovirus B19 infection. Keywords: Anemia, kidney transplantation, parvovirus B19. O objetivo deste estudo foi relatar o caso de transplantado renal evoluindo anemia crônica por infecção por Parvovírus B19 após o transplante renal em Serviço de Nefrologia no Hospital Universitário Getúlio Vargas. RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 24 anos, branca, submetida a transplante renal de doador vivo (mãe, HLA haploidêntico), em dezembro de 2007, pela Insuficiência Renal Crônica por Nefrite Lúpica. Após o transplante, manteve o quadro de anemia sintomática com necessidade de transfusão de concentrado de hemácias lavadas. Realizado estudo da anemia. Os exames demonstravam: hemoglobina: 6,7 g/dL; hematócrito: 20%; VCM: 82; leucócitos: 5600; plaquetas: 301000; ferritina: 737; ferro sérico: 142; saturação de transferrina: 28%; creatinina: 1,0 mg/dL; coombs direto negativo; C3: 126; C4: 25; TSH: 0,35; T4 livre: 1,07; dosagem de vitamina B12: 316 (normal); dosagem de INTRODUÇÃO O Parvovírus humano B19 é a causa etiológica da “quinta doença” ou Eritema Infeccioso em crianças. É uma doença autolimitada em hospedeiros imunocompetentes. Em imunocomprometidos, causa infecção crônica, podendo levar à anemia grave por supressão da eritropoiese.1, 2, 3 Médico Residente segundo ano em Nefrologia, Hospital Universitário Getúlio Vargas ** Recebido do Hospital Universitário Getúlio Vargas, Serviço de Nefrologia. * 62 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 ANEMIA PELA INFECÇÃO POR PARVOVÍRUS B19 EM PACIENTE DE TRANSPLANTE RENAL folato > 20; pesquisa de hemácias fragmentadas: negativas; contagem de reticulócitos: 0,4%; dosagem de haptoglobina: 242. Sendo assim, feito diagnóstico de anemia normocrômica normocítica, sem evidências de hemólise, deficiência de ferro, vitamina B12 ou ácido fólico. Iniciado agente estimulante da eritropoietina (EPREX, 200UI/kg/ sem), sem resposta laboratorial. série megacariocítia preservada, discreta linfoplasmocitose de fundo, hemossiderose moderada, trama retículo-óssea preservada. Decidiu-se realizar tratamento com imunoglobulina (400 mg/kg/dia/ por 5 dias) durante três meses, substituído tacrolimus por ciclosporina (300 mg/dia) e diminuído dose de rapamicina (1 mg/dia). Paciente responde bem ao tratamento, mantendo níveis laboratoriais normais de hemoglobina (11,4 g/dL). A terapia imunossupressora estava sendo realizada com tacrolimo (8 mg/dia), micofenolato de sódio (1.440 mg/dia) e prednisona (7,5 mg/dia). Em abril de 2008, a paciente retornou com a equipe de Reumatologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas, sendo realizado PCR e identificado Parvovírus B19. Realizado tratamento com imunoglobulina humana (400 mg/kg/dia por 5 dias), suspenso agente estimulante da eritropoietina e micofenolato de sódio e iniciado rapamicina (2 mg/dia), tendo apresentado resposta laboratorial importante que se manteve por aproximadamente 30 dias. Após, iniciou novo quadro de anemia (hemoglobina: 6,8 g/dL), sendo realizado mielograma que demonstrava medula hipocelular, eritropoiese ausente, visualizados elementos proeritrolastos e megaloblastos, 82% de granulócitos sem alterações de maturação, ferro 4+/4. Biópsia de medula óssea: discreto grau de hipocelularidade, hiperplasia reativa da série eritroide com micro e megablastos, série granulocítica com maturação preservada, moderado grau de eosinofilia, megacariócitos com morfologia e maturação preservada, hemossiderose moderada, preservação da trama retículo-óssea. Em maio de 2008, realizado nova pulsoterapia com imunoglobulina, evoluindo com melhora clínica e laboratorial. DISCUSSÃO A anemia é uma complicação frequente do transplante renal. Sua causa é difícil de estabelecer pelos inúmeros fatores envolvidos. Pode ocorrer por: hemólise, sangramentos, efeito mielotóxico de fármacos, agentes infecciosos, deficiência de ferro, folato e vitamina B12, infecções por Parvovírus Humano B19 (B19V) em transplantados renais são comuns. A sua incidência varia de 0%-6,3%, porém é mais alta em pacientes que apresentam anemia, chegando a 23%.6 B19V é um vírus pequeno, com uma cadeia única de DNA descoberto em 1975. A sua patogênese pode ser explicada pelo seu tropismo e citotoxicidade direta contra células progenitoras eritroides.6 A manifestação clínica da infecção por B19V depende do estado imunológico do hospedeiro. Em pacientes imunocompetentes, a infecção pode ser assintomática ou autolimitada como Eritema Infeccioso em crianças ou artropatias em adultos. Em fevereiro de 2009, a paciente é internada no Centro Integrado de Nefrologia do HUGV, com anemia sintomática, recebendo concentrado de hemácias lavadas, e realizando novo estudo da anemia, sem alterações. Realizada sorologia e PCR para parvovírus, ambos com resultado negativo. Nova biópsia de medula óssea é realizada com pan-hipocelularidade, megaloblastose, presença de megaloblastos anômalos, com frequentes intranucleares de aspecto viral, maturação preservada da série granulocítica, Em pacientes com anemia hemolítica crônica, a infecção pode resultar em crise aplástica transitória ou hidropsia fetal não imunológica em gestantes. Já pacientes imunocomprometidos, a infecção é mais grave e crônica, por conta da deficiência na produção de anticorpos neutralizantes. Anemia grave por supressão da eritropoiese pode ocorrer em imunocomprometidos com infecção crônica.16 Há alguns relatos de glomerulopatias e 63 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Isabele Reis de Araújo, Juliana da Costa Matos, Junio Aguiar Azevedo disfunção do enxerto relacionado à infecção por parvovírus.17 Em seu estudo, porém, Ki e col. não demonstraram nenhuma evidência de associação entre a infecção e alterações no enxerto.16 parvovirus B19 infection after renal transplantation requires reduction of immunosuppression and high-dose immunoglobulin therapy. Nephrol Dial Transplant. 2002; 17: 1840-1842. 5. Huertas EG, Melon S, Laures AS, et al. Infección por parvovirus B19 en trasplante renal. Diagnóstico por detección del genoma viral en sangre periférica. Nefrologia. 2005; 25: 67-72. A transmissão ocorre por três maneiras: (1) pela via respiratória, meio mais comum; (2) transmissão vertical, no caso da gestante ser infectada durante as primeiras 20 semanas, o risco para o feto é maior; e (3) transmissão hematogênica. 6. Waldman M, Kopp JB. Parvovirus-B19-associated complications in renal transplant recipients. Nat Clin Pract Nephrol. 2007; 3: 540-550. 7. Cavallo R, Merlino C, Re D, et al. B19 virus infection in renal transplant recipients. J Clin Virol. 2003; 26: 361-368. 8. Barzon L, Murer L, Pacenti M, et al. Investigation of Intrarenal viral infections in kidney transplant recipients unveils an association between parvovirus b19 and chronic allograft injury. J Infect Dis. 2009; 199: 372-380. A suspeição ocorre em pacientes com anemia com reticulocitopenia grave. O diagnóstico é feito por meio da pesquisa de anticorpos anti-B19 IgG e IgM em pacientes imunocompetentes. Em imunocomprometidos, PCR é o método de escolha, por não exibirem resposta humoral detectável. 9. Naides SJ, Howard EJ, Swack NS, et al. Parvovirus B19 infection in human immunodeficiency virus type 1 – Infected persons failing or intolerant to zidovudine therapy. J Infect Dis. 1993; 168: 101-105. 10. Kurtzman G, Frickhofen N, Kimball J, et al. Pure red-cell aplasia of 10 years’ duration due to persistent parvovirus B19 infection and its cure with immunoglobulin therapy. N Engl J Med. 1989; 321: 519-523. A biópsia óssea demonstrará uma hipoplasia da série eritroide, e uma alteração morfológica patognomônica que são os proeritroblastos gigantes com inclusões intranucleares proeminentes e vacúolos citoplasmáticos. 11. Liang TB, Li DL, Yu J, et al. Pure red cell aplasia due to parvovirus B19 infection after liver transplantation: a case report and review of the literature. World J Gastroenterol. 2007; 13: 2007-2010. 12. Arzouk N, Snanoudj R, Beauchamp-Nicoud A, et al. Parvovirus B19-induced anemia in renal transplantation: a role for rHuEPO in resistance to classical treatment. Transpl Int. 2006; 19: 166-169. Embora não exista terapêutica específica para esta infecção, imunoglobulina endovenosa parece ser benéfica, por conta dos altos títulos de anticorpos IgG específicos para Parvovírus B19.15, 18 Esses efeitos benéficos, contudo, podem ser apenas temporários. Alguns estudos mostram melhora com infusões periódicas de imunoglobulina. A dose mais adotada é 400 mg/kg/dia por 5 dias ou 1 g/ kg/dia por 2 a 3 dias.19, 20 Este regime é curativo, na maioria das vezes, com melhora da viremia acompanhado de reticulocitose e aumento nos níveis de hemoglobina. 13. Park JB, Kim DJ, Woo SY, et al. Clinical implications of quantitative real time-polymerase chain reaction of parvovirus B19 in kidney transplant recipients – a prospective study. Transpl Int. 2009; 22: 455-462. 14. Subtirelu MM, Flynn JT, Schechner RS, et al. Acute renal failure in a pediatric kidney allograft recipient treated with intravenous immunoglobulin for parvovirus B19 induced pure red cell aplasia. Pediatr Transplant. 2005; 9: 801-804. 15. Renoult E, Bachelet C, Krier-Courdet MJ, et al. Recurrent anemia in kidney transplant recipients with parvovirus B19 infection. Transplant Proc. 2006; 38: 2321-2323. 16. Ki CS, Kim IS, Kim JW, et al. Incidence and clinical significance of human parvovirus B19 infection in kidney transplant recipients. Clin Transplant. 2005; 19: 751-755. 17. Moudgil A, Nast CC, Bagga A, et al. Association of parvovirus B19 infection with idiopathic collapsing glomerulopathy. Kidney Int. 2001; 59: 2126-2133. REFERÊNCIAS 1. Kumar J, Shaver MJ, Abul-Ezz S. Long-term remission of recurrent parvovirus-B associated anemia in renal transplant recipient induced by treatment with immunoglobulin and positive seroconversion. Transpl Infect Dis. 2005; 7: 30-33. 2. Wicki J, Samii K, Cassinotti P, et al. 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Metade dos adenomas possui localização intratorácica, mais precisamente no mediastino anterior. O tratamento cirúrgico dele é a opção de escolha nos casos em que o controle clínico dos níveis de calcemia e paratormônio sérico falharam. Palavras-chave: Adenoma, paratireoide, intratorácico, hiperparatireoidismo primário, hipercalcemia. ABSTRACT Parathyroid adenoma is the cause of primary hyperparathyroidism in about 80% of cases; the diagnosis should be suspected in individuals with hypercalcemia or with the classic clinical manifestations of disease. Half of the adenomas are located intra-thoracic, more specifically in the anterior mediastinum. Surgical treatment is chosen in cases where the clinical control of the levels of serum calcium and PTH failed. Keywords: Adenoma, parathyroid, intra-thoracic, primary hyperparathyroidism, hypercalcemia. INTRODUÇÃO de paratormônio por técnicas de radioimunoensaio recentemente desenvolvidas.4, 5 Adenoma de paratireoide é a causa de hiperparatireoidismo primário (HPTP) em cerca de 80% dos casos, devendo-se suspeitar do diagnóstico em indivíduos com hipercalcemia ou com manifestações clínicas clássicas da doença.1, 2 RELATO DO CASO Paciente de sexo masculino, 54 anos, natural e procedente de Manaus, capital do Amazonas. O paciente refere que desde meados de 2009 evoluiu com alteração urinária que se manifestava por cor esbranquiçada da urina e um “pó branco” precipitado quando ela se encontrava em estase. Associado ao quadro, apresentou perda ponderal de 10 kg, miastenia progressiva, incapacitando-o, inclusive, O HPTP é um distúrbio comum do metabolismo ósseo, envolvendo os íons e fósforo, causado pelo aumento nos níveis circulantes de paratormônio.3 A confirmação diagnóstica baseia-se atualmente na determinação de níveis elevados * Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas ** Médico Especialista em Cirurgia Torácica; Professor do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Amazonas *** Médica Especialista em Cirurgia Torácica **** Médica Residente de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas 65 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Enio B. Carneiro, Arteiro Menezes,Tatiana Cattebeke, Lubyanka F. Pereira, Vanessa Cardoso a deambular. Após procurar atendimento médico, foi constatado por meio de exames complementares: Cálcio sérico 21,1 mg/dl (referência: 8,5 a 10,1), paratormônio 2.257 picograma/ml (referência: 11 a 67), nefrolitíase bilateral, sem, contudo, apresentar nenhum grau de insuficiência renal. E uma massa mediastinal localizada em topografia paratraqueal direita, desviando a traqueia para a esquerda. Com todos esses achados, foi solicitado cintilografia de paratireoide cuja conclusão foi sugestiva de adenoma (Figuras 1 e 2). Figura 1 – Cintilografia de paratireoide alguns minutos após a administração do radiofármaco (Incidência para crânio). DISCUSSÃO 2h da administração do radiofármaco (Incidência para tórax). O paciente, após a semiologia inicial realizada pela endocrinologia, foi referenciado ao Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas, sendo submetido à toracotomia mediana, em nível de manúbrio e exérese de massa em mediatino superior. O material foi enviado para estudo histopatológico no Laboratório de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas, obtendo o diagnóstico de adenoma de paratireoide intratorácico. O paciente evoluiu de forma satisfatória no pós-operatório, com melhora gradual da calcemia e dos níveis de paratormônio, assim como os sintomas apresentados durante sua admissão. Atualmente, encontra-se em seguimento ambulatorial pela endocrinologia e pela cirurgia torácica, gozando de boa saúde. A maioria dos pacientes que apresentam hiperparatireoidismo primário tem como origem do quadro o adenoma solitário de paratireoide. Essa lesão é responsável pelos sintomas em até oito de cada dez pacientes.6 Em estudo realizado por pesquisadores, foi demonstrado que metade dos adenomas se localizava em mediastino anterior.7 Não diferente do que fora mostrado na literatura mundial, o paciente descrito neste relato de caso apresentava adenoma, único, em paratireoide e de localização em mediastino. A ocorrência de adenomas de paratireoide mediastinais está estimada entre 11 a 22% nos pacientes com hiperparatireoidismo primário; no entanto, a proporção de pacientes com adenomas mediastinais é alta, aproximadamente 38% entre aqueles pacientes que necessitam ser reoperados para tratar o HPTP.8, 9 No caso em questão, o paciente foi operado e após seguimento ambulatorial por seis meses, verificou-se a remissão completa dos sintomas, não sendo necessária a reintervenção cirúrgica. 66 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 ADENOMA DE PARATIREOIDE INTRATORÁCICO: RELATO DE CASO Dessa forma, a exérese cirúrgica da lesão do modo que foi realizada, com completa remoção do tecido produtor de paratormônio, é curativa em mais de 95% dos pacientes com o distúrbio, fato este já observado nos estudos realizados por Iyer e colaboradores.10 aspiration cytology: a case report. J Bras Patol Med Lab. 2006; 42(3): 215-217. De fato, a evidência de estabilização ou indução de regressão das complicações ósseas e renais do HPTP, após a paratiroidectomia, constitui o argumento central das recomendações finais da conferência de consenso do National Institute of Health, que preconizam a terapêutica cirúrgica em doentes com idade inferior a 50 anos, com evidência de hipercalcemia grave, nefrolitíase, hipercalciúria, insuficiência renal crônica ou com osteopenia. 4. Kao PC, Van Heerden JA, Grant CS, Klee GG. Clinical performance of parathyroid hormone immunometric assays. Mayo Clin Proc. 1992; 67: 637-645. 2. Zarhani AA, Levine MA. Primary hyperparathyroidism. Lancet. 1997; 349: 1233-1238. 3. Chies JR, Cruz EP, Oliveira JC, Xavier FM, Moriguchi EH. Parathyroid adenoma in primary hyperparathyroidism in the elderly: case report. Sci. med. 2005; 15(2): 103-106. 5. Bronw RC, Asthon JP, Weeks I. Circulating intact parathyroid hormone measured by a two-site immunochemiluminometric assay. J Clin Endocrinol Metab. 1987; 65: 407-414. 6. Marx SJ. Hyperparathyroid and hypoparathyroid disorders. New England Journal of Medicine. 2000; 343(25): 1863-1875. 7. Nwariaku FE, Snyder WH, Burkey SH, Watumull L, Mathews D. Inframanubrial Parathyroid Glands in Patients with Primary Hyperparathyroidism: Alternatives to Sternotomy. World Journal of Surgery. 2005; 29: 491-494. Essa parece ser, portanto, a melhor conduta para casos semelhantes ao apresentado neste relato. 8. Clark OH. Mediastinal parathyroid tumors. Arch. 1988; 123: 1096-1100. REFERÊNCIAS 9. Iyer RB, Whitman GJ, Sahin AA. Parathyroid adenoma of the mediastinum. Am J Roentgenol. 1999; 173: 94. 10. Conn JM, Gonçalves MA, Mansour KA. The mediastinal parathyroid. Am Surg. 1991; 57: 62-66. 1. Medeiros MO, Rosas RJ, Oliveira VG, Neto SH, Souza LS, Torres MR. Parathyroid adenoma diagnosed by fine needle 67 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Rodrigo Augusto Monteiro Cardoso, Márcia dos Santos da Silva CORREÇÃO CIRÚRGICA DE HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA DE MORGANI: RELATO DE CASO SURGICAL REPAIR OF MORGANI DIAPHRAGMATIC HERNIA: CASE REPORT Fernando Luiz Westphal*, Luís Carlos de Lima**, José Corrêa Lima Netto***, Rodrigo Augusto Monteiro Cardoso****, Márcia dos Santos da Silva**** RESUMO A hérnia de Morgani é descrita como um defeito congênito do diafragma anterior, por onde ocorre a herniação de conteúdo abdominal para a cavidade torácica. Apresentamos um caso de paciente obeso mórbido, com sintomas respiratórios tipo dispneia a pequenos esforços, associados à ortopneia. Na investigação diagnóstica, a radiografia de tórax evidenciou a presença de uma hipotransparência no hemitórax direito e a Tomografia Computadorizada do tórax confirmou a presença da hérnia diafragmática de Morgani com compressão de estruturas mediastinais. A conduta realizada foi a correção cirúrgica por toracotomia lateral, visto que o paciente apresentava sintomas e houve herniação de um segmento do cólon, caso em que há grande risco de obstrução e perfuração intestinal. A evolução foi satisfatória, sem complicações e sem recidiva no segmento de 6 meses. Observou-se melhora importante da ortopneia. ABSTRACT Morgagni hernia is described as a congenital defect of the diaphragm, for which there is herniation of abdominal contents into the chest cavity. We report a case of morbidly obese patient with respiratory symptoms such small effort dyspnea, associated with orthopnea. Diagnostic investigation, chest X-ray revealed the presence of a hypointense right hemithorax and computed tomography confirmed the presence of Morgagni hernia with compression of mediastinal structures. The approach employed was the surgical correction by thoracotomy, since the patient has symptoms and there was herniation of a segment of colon, in which case there is a high risk of obstruction and intestinal perforation. The result was satisfactory, without complications and without recurrence in segment 6 months. There was significant improvement of orthopnea. * Professor-Adjunto e Coordenador da disciplina de Cirurgia Torácica da Universidade Federal do Amazonas ** Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas *** Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas **** Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas 68 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 CORREÇÃO CIRÚRGICA DE HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA DE MORGANI: RELATO DE CASO INTRODUÇÃO RELATO DE CASO A hérnia diafragmática de Morgani ou de Larrey é uma má formação congênita rara e de diagnóstico pouco comum.1 Esse defeito ocorre pela passagem de estruturas ou órgãos abdominais para a cavidade torácica por meio do trígono esternocostal, também denominado espaço de Larrey ou forame de Morgani, região de passagem para os vasos epigástricos superiores e alguns vasos linfáticos.2 A hérnia de Morgani (HM) é usualmente assintomática.1 Sintomas podem ocorrer, ocasionalmente, em pacientes obesos ou traumatizados, por conta do aumento da pressão intra-abdominal, desencadeando disfunções respiratórias e, mais raramente, complicações intestinais.3, 4 Paciente do sexo masculino, 23 anos, branco, asmático e obeso mórbido (IMC = 48 kg/m²), foi encaminhado ao Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas por referir dispneia a pequenos esforços, havia mais de um ano, e ortopneia. Ao exame físico, apresentou submacicez na metade do hemitórax direito, broncoespasmo moderado e redução dos sons. Os exames complementares apresentaram os resultados seguintes: a) Radiografia de tórax: obliteração do seio costofrênico direito e presença de tênues transparências em terço inferior do hemitórax direito; b) Tomografia Computadorizada (TC) de tórax: presença de volumosa hérnia diafragmática ocupando a região anterior do hemitórax direito desde o diafragma até o ápice, produzindo o desvio para a esquerda do mediastino com compressão do coração; A correção cirúrgica da má formação é, em geral, eletiva. Há, entretanto, casos relatados de intervenções urgentes pela ocorrência de episódios agudos de obstrução digestiva ou de torção gástrica.5 c) Espirometria: CVF = 2,47 (38%), FEV1 = 1,81 (32%), Tiffenou = 0,76 (78%). Parâmetros compatíveis com distúrbio ventilatório obstrutivo acentuado. O objetivo deste trabalho é relatar um caso de hérnia de Morgani em paciente com obesidade mórbida, tratado cirurgicamente e revisar a literatura atual. Figura 1 – Radiografia de tórax revelando imagem de hipotransparência em terço médio e inferior do hemitórax direito. 69 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Rodrigo Augusto Monteiro Cardoso, Márcia dos Santos da Silva Figura 2 – Ressonância magnética ilustrando a presença de defeito do diafragma com herniação de conteúdo abdominal para a cavidade torácica. Observa-se compressão de estruturas do mediastino. Figura 3 – Tomografia Computadorizada de tórax demonstrando presença de hipotransparência em região anterolateral direita, com aeração de permeio compatível com conteúdo intestinal. Observa-se compressão das câmaras cardíacas direitas. Figura 4 – Radiografia de tórax, com 6 meses de pósoperatório, revelando obliteração do seio costofrênico direito e correção da hérnia diafragmática. 70 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 CORREÇÃO CIRÚRGICA DE HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA DE MORGANI: RELATO DE CASO O paciente foi submetido à toracotomia lateral direita. O defeito diafragmático e o conteúdo abdominal na cavidade torácica foram identificados. O segmento intestinal herniado (flexura hepática do cólon) foi reduzido de volta à cavidade abdominal e parte do epíplon foi ressecada. O diafragma, no trígono esternocostal, recebeu sutura descontínua, em plano único e com fio inabsorvível, reforçados por tela de Marlex. por adultos, com maior prevalência para o sexo feminino, e em situações de aumento da pressão intra-abdominal.11, 3, 4 As principais responsáveis por tal ocorrência são os traumas e a obesidade mórbida,3, 4 como encontrada no relato desse caso. No exame radiográfico de tórax, os achados são inespecíficos e o saco herniário pode ser interpretado como possível pneumonia, neoplasia, entre outros.11 Para a caracterização mais precisa do defeito é indicada a realização de Tomografia Computadorizada (TC) e/ou ressonância 12 magnética. Neste paciente, o diagnóstico foi confirmado após a realização de TC, que evidenciou saco herniário ocupando o hemitórax direito. Após a correção cirúrgica, o paciente apresentou significativa melhora em sua função respiratória, atestada por novo exame de espirometria cujos resultados foram: CVF: 3,68 (57%), FEV1: 2,87 (51%), Tiffenou: 83% (0,83). O tratamento da hérnia de Morgani é indicado quando o cólon encontra-se dentro do saco herniário, tendo em vista o alto risco de obstrução. Para pequenas herniações apenas do omento, somente os adultos sintomáticos têm indicação cirúrgica.12 Em crianças, entretanto, alguns especialistas recomendam a correção cirúrgica, mesmo sem a manifestação de sintomas, para prevenir futuras complicações.5, 12 No paciente relatado, a cirurgia tinha indicação por conta da herniação da flexura hepática do cólon e comprometimento da dinâmica respiratória. DISCUSSÃO A ocorrência da hérnia de Morgani se deve a um defeito da fusão embrionária das partes costal e esternal do diafragma, anteriormente à linha média (posição retroesternal), originando, assim, o chamado forame de Morgani, no trígono esternocostal.6 Os conteúdos herniários que podem ser encontrados, por ordem de frequência, são: epíplon, cólon (usualmente o transverso), estômago, fígado e intestino delgado.7, 8 No caso relatado, observou-se a presença de epíplon e cólon transverso. O procedimento visa reduzir o saco herniário e ocluir o forame de Morgani, existente no diafragma malformado. A abordagem cirúrgica pode ser torácica, por toracotomia ou videotoracoscopia, ou abdominal, por meio de laparotomia ou videolaparoscopia.12, 13 O paciente referido submeteu-se à intervenção cirúrgica aberta e com acesso pelo tórax. Existem quatro tipos de herniações diafragmáticas congênitas (HDC): hérnia hiatal, hérnia paraesofágica, hérnia de Bochdalek e a hérnia de Morgani. Entre todos os tipos de HDC, a hérnia de Larrey ou de Morgani representa apenas 2 a 3% dos casos.3, 4 A HDC pode estar associada a dificuldades respiratórias que ameaçam a vida, por conta da inibição do desenvolvimento e da insuflação dos pulmões, além de ser a principal causa de hipoplasia pulmonar. Existem relatos de que a região genômica afetada seria a do cromossomo 15q26.9 A correção cirúrgica da hérnia de Morgani, como outros procedimentos, encontra-se sujeita a recidiva. Estudo retrospectivo realizado na Espanha, publicado em 2002, revelou um índice de reaparecimento da má formação de 21,4%, entre 12 e 132 meses após a cirurgia.5 Passados 13 meses da realização do procedimento relatado, a recidiva da deformidade não foi observada nos exames de controle do paciente. A hérnia de Morgani é usualmente assintomática e muitos pacientes descobrem o defeito acidentalmente, ao realizar exames da cavidade torácica com outras finalidades clínicas.10 Em conclusão, enfatizamos a importância da realização de um diagnóstico preciso, observando atentamente a história do paciente e realizando A sintomatologia é manifestada, geralmente, 71 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, José Corrêa Lima Netto, Rodrigo Augusto Monteiro Cardoso, Márcia dos Santos da Silva todos os exames necessários. A hérnia de Morgani é uma doença rara e que, muitas vezes, tarda a ser diagnosticada, submetendo o paciente a tratamentos incorretos e a perdas na qualidade de vida. O tratamento indicado, para casos sintomáticos e com risco de obstrução intestinal, é a cirurgia, tendo em vista a prevenção de possíveis complicações e a grande melhora da sintomatologia dos pacientes, entre os quais se inclui o caso aqui apresentado. 2000; 100(1): 31-3. REFERÊNCIAS 9. Moore KL, Persaud TVN. Embriologia Clínica. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2008. p. 156-7. 1. Maksoud JG. Cirurgia Pediátrica. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. p. 469-509. 2. Gardner E, Gray DJ, O’Rahilly R. Anatomia: Estudo regional do corpo humano. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1988. p. 263-4. 3. Contini S, Dalla Valle R, Bonati L, Zinicola R. Laparoscopic Repair of a Morgagni Hernia: Report of a case and Review of the Literature. J Laparoendosc Adv Surg Tech A. 1999; 9(1): 93-9. 4. 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Revista AMRIGS. 2004; outdez. 48(4): 265-267. 11. Freitas LF, Amâncio FM, De Souza LRMF, De Oliveira MRP, Bosi TCC, De Andrade FCG, Fatureto MC, Lopes GP. Hérnia de Morgani: relato de caso. Rev. Imagem. 2007; 29 (2): 67-70. 12. Loong TPF, Kocher HM. Clinical presentation and operative repair of hernia of Morgani. Postgrad Med J. 2005; 81: 41-44. 13. Hussong, RL; Landreneau, RJ; Cole, FH. Diagnosis and repair of a Morgani hernia with video-assisted thoracic surgery. Ann Trorac Surg. 1997; 63: 1474-1475. 72 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 EVOLUÇÃO DE PACIENTES COM NEFRITE LÚPICA TRATADOS COM CICLOFOSFAMIDA EVOLUÇÃO DE PACIENTES COM NEFRITE LÚPICA TRATADOS COM CICLOFOSFAMIDA EVOLUTION OF PATIENTS WITH LUPUS NEPHRITIS TREATED WITH CYCLOPHOSPHAMIDE Kelly Simone Castro Santos*, Maíra Fernandes de almeida*, Domingos Sávio Nunes de Lima**, RESUMO A nefrite lúpica constitui importante marcador de atividade do lúpus eritematoso sistêmico (LES) e principal causa de morbi-mortalidade nessa afecção, em especial a evolução para insuficiência renal crônica e terminal. Até o momento, a ciclofosfamida é considerada a terapia mais efetiva para tratamento inicial da nefrite lúpica grave. OBJETIVO: Avaliar a evolução dos pacientes com nefrite lúpica submetidos à pulsoterapia com ciclofosfamida acompanhados no Serviço de Reumatologia do Ambulatório Araújo Lima da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e descrever características histológicas e clínicolaboratoriais dessa população. MÉTODOS: Estudo tranversal, retrospectivo, baseado na análise de prontuários de pacientes com LES definido segundo critérios do American College of Rheumathology (ACR), em seguimento regular no Serviço de Reumatologia da Ufam e que realizaram no mínimo seis pulsos de ciclofosfamida para tratamento da nefrite. O programa Epi-Info foi utilizado para descrição estatística simples. RESULTADOS: Foram revisados 294 prontuários de pacientes dos quais 106 (36%) apresentavam acometimento renal e 29 atendiam aos critérios de inclusão. Verificou-se que 86,2% dos pacientes eram mulheres jovens, cujos critérios do ACR mais prevalentes foram FAN (96,5%) e poliartrite (82,8%). Nefrite como manifestação inicial ocorreu em 69% dos pacientes. 82,8% realizaram biópsia renal e apresentavam-se 69,9% com a classe histológica IV. Os pacientes tratados com ciclofosfamida em altas doses apresentaram boa resposta com menor evolução para IRC (10,3%) e doença renal terminal (3,4%). CONCLUSÃO: Este estudo mostra um panorama parcial da resposta dos pacientes com nefrite lúpica ao tratamento padrão com ciclofosfamida, com melhora do quadro clínico-laboratorial em sua evolução. Descritores: Lúpus, nefrite lúpica, ciclofosfamida. ABSTRACT Lupus nephritis is an important marker of activity of systemic lupus erythematosus (SLE) and a leading cause of morbidity and mortality in this disease, in particular, the evolution to chronic renal failure and terminal. So far, cyclophosphamide is considered the most effective therapy for initial treatment of severe lupus nephritis. OBJECTIVE: To evaluate the outcome of patients with lupus nephritis underwent intravenous cyclophosphamide followed at the rheumatology service at the Clinic Araujo Lima, Federal * Médica Residente da Clínica Médica do HUGV ** Médico Reumatologista, Doutor em Medicina, Professor da UFAM 73 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Kelly Simone Castro Santos, Maíra Fernandes de almeida, Domingos Sávio Nunes de Lima University of Amazonas (Ufam) and describe the histological and clinical and laboratory features of this population. METHODS: A transversal, retrospective, based on analysis of records of patients with SLE defined according to the American College of Rheumathology (ACR), regular follow-up in the rheumatology service of Ufam and who had at least six pulses of cyclophosphamide for treatment of nephritis. Epi Info was used for statistical description. RESULTS: Was reviewed medical records of 294 patients of whom 106 (36%) had renal involvement and 29 met the inclusion criteria. It was found that 86.2% of patients were young women, whose ACR criteria were more prevalent FAN (96.5%) and polyarthritis (82.8%). Nephritis as initial manifestation occurred in 69% of patients. 82.8% underwent renal biopsy, showed a 69.9% with histological grade IV. Patients treated with cyclophosphamide in high doses had good response with less progression to CRF (10.3%) and ESRD (3.4%). CONCLUSION: This study shows a partial picture of the response of patients with lupus nephritis to treatment with cyclophosphamide, with improvement of clinical laboratory in its evolution. Word-key: Lupus, lupus nephritis, cyclophosphamide. INTRODUÇÃO ainda não facilmente disponível, realizada somente naqueles pacientes clinicamente mais graves ou na expectativa dos dados histológicos contribuírem para uma tomada de decisão. É necessário para que se faça um diagnóstico preciso da nefrite lúpica, mas a sua realização ainda é motivo de controvérsias. Mais importante, talvez, do que se conhecer isoladamente o padrão histológico da nefrite lúpica, seria identificar parâmetros clínicos, laboratoriais e histológicos que pudessem estar associados com o prognóstico. Os estudos mostram-se inconsistentes com relação aos fatores demográficos, clínicos e laboratoriais associados ao prognóstico.8, 9, 10, 11, 12, 13 O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória multissistêmica, de natureza autoimune e evolução crônica, com apresentação heterogênea apresentando períodos de remissões e exacerbações.1, 2 O rim é um dos principais órgãos-alvo, podendo a nefrite lúpica apresentar-se como única manifestação clínica ou, mais comumente, como parte de um acometimento de múltiplos órgãos. O comprometimento renal em nível clínico e alterações do sedimento urinário e/ou proteinúria são observados em 29 a 65% dos pacientes.3, 4 Dados da literatura mostram que até 60% dos pacientes adultos com lúpus apresentam envolvimento renal, sendo uma das mais importantes manifestações. A severidade da nefrite varia muito, indo desde lesões discretas com doença subclínica a formas proliferativas difusas, com potencial de progredir para insuficiência renal crônica (IRC) terminal em 45% dos casos. A progressão da nefrite lúpica para IRC terminal constitui a principal causa de morbidade e mortalidade nos pacientes portadores de LES e corresponde a 1 a 4% do total de pacientes em tratamento dialítico ou submetidos ao transplante renal. A nefrite deve ser tratada precoce e adequadamente para se evitar a perda da função renal (insuficiência renal).5, 6, 7 As alterações morfológicas na biópsia renal de um paciente com lúpus eritematoso sistêmico (LES) correspondem a um espectro de lesões vasculares, glomerulares e lesão tubulointersticial. A classificação histológica da nefrite lúpica está disposta a seguir:8 •Tipo I: normal •Tipo II: glomerulonefrite mesangial A) com depósito mesangial B) com hepercelularidade mesangial •Tipo III: glomerulonefrite proliferativa focal ou segmentar •Tipo IV: glomerulonefrite proliferativa difusa •Tipo IV: glomerulonefrite membranosa A biópsia renal é um procedimento invasivo, No tratamento das nefrites proliferativas 74 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 EVOLUÇÃO DE PACIENTES COM NEFRITE LÚPICA TRATADOS COM CICLOFOSFAMIDA está indicada uma fase de indução com agentes imunossupressores citostáticos (nos primeiros seis meses), particularmente a ciclofosfamida endovenosa, inicialmente sob a forma de pulsos mensais e, posteriormente, bimestrais ou trimestrais (fase de manutenção), até um ano após a remissão da nefrite. Na terapia de manutenção, na tentativa de diminuir os efeitos colaterais decorrentes do uso prolongado de ciclofosfamida, pode-se utilizar azatioprina ou micofenolato mofetil, após a indução da remissão da nefrite lúpica.2 Comissão de Ética em Pesquisa da Ufam. Trata-se de um estudo descritivo, de caráter retrospectivo, onde foram revisados os prontuários dos 294 pacientes com diagnóstico de LES definido de acordo com os critérios propostos pelo American College of Rheumatology (ACR) e acompanhados regularmente no AAL.16 Avaliou-se população de ambos os sexos, de todas as faixas etárias com diagnóstico de LES em acompanhamento regular no Serviço de Reumatologia, sendo definidos como amostra os pacientes que apresentavam os seguintes critérios de inclusão: 1) acometimento renal definido segundo os critérios do ACR como proteinúria persistente maior que 0,5 g/dia ou mais que +++ (três cruzes) no sedimento urinário; cilindros celulares de hemácias, granulares, tubulares ou mistos; ou pacientes cujo exame de biópsia renal evidenciou nefrite;16 2) pacientes que foram submetidos ao protocolo de ciclofosfamida recebendo no mínimo 6 (seis) pulsos. O tratamento com corticosteroides e imunossupressores, embora tenha melhorado a sobrevida dos pacientes com nefrite lúpica, está associado a vários efeitos colaterais. É necessário, portanto, saber reconhecer os pacientes com maior risco para doença renal progressiva, para que possam ser tratados mais efetiva e rapidamente com o objetivo de se prevenir evoluções desfavoráveis.14, 15 Foram excluídos os prontuários que não continham as informações básicas necessárias para avaliar a evolução clínica e laboratorial dos pacientes tratados com ciclofosfamida e os pacientes que realizaram menos de 6 (seis) pulsos de ciclofosfamida até o momento da coleta de dados do estudo. A demanda do Serviço de Reumatologia de Ambulatório Araújo Lima (AAL) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) pode ser considerada representativa dos casos de lúpus e nefrite lúpica em Manaus e, até mesmo, referência para outros municípios do Estado. A maioria dos pacientes com nefrite lúpica no Amazonas é encaminhada para tratamento especializado no AAL considerado como centro de referência para essa patologia. Dentre os dados analisados têm-se: idade, raça, sexo, critérios de classificação do lúpus, presença de comorbidades e classificação histológica renal, indicação de tratamento com ciclofosfamida, resposta terapêutica à ciclofosfamida, evolução clínico-laboratorial pós-tratamento. Este trabalho descreve características demográficas, clínico-laboratoriais e histológicas dos pacientes com nefrite lúpica acompanhados regularmente no Serviço de Reumatologia do AAL e a evolução destes após tratamento com pulsoterapia de ciclofosfamida, considerada tratamento padrão da nefrite lúpica em suas formas graves; estabelecendo assim um panorama parcial do comportamento dessa doença no Estado do Amazonas. As informações foram registradas em um banco de dados sendo utilizado o programa Epi-Info para descrição estatística simples. Análises estatísticas foram conduzidas utilizando-se testes do quiquadrado e t de Student para testar diferenças entre variáveis categóricas e contínuas, respectivamente. Métodos padrões de análise para estudos descritivos foram conduzidos. A análise dos dados foi iniciada com descrição estatística simples. MÉTODO RESULTADOS A coleta de dados foi realizada no Serviço de Reumatologia do AAL da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS), Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) – Ufam, após análise e aprovação pela Foram revisados 294 prontuários de pacientes lúpicos dos quais 106 (36%) apresentaram 75 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Kelly Simone Castro Santos, Maíra Fernandes de almeida, Domingos Sávio Nunes de Lima acometimento renal, de acordo com o critério de classificação do lúpus (proteinúria persistente maior que 500 mg/dia ou mais que +++ no sedimento urinário; cilindros celulares de hemácias, granulares, tubulares ou mistos).16 Esses dados assemelhamse aos descritos por autores que afirmam que o comprometimento renal em nível clínico e alterações do sedimento urinário e/ou proteinúria são observados em 29 a 65% dos pacientes com LES.3 Dos 106 pacientes com comprometimento renal, 56 realizaram pulsoterapia com ciclofosfamida para tratamento da nefrite, porém somente 37 (66%) destes pacientes receberam mais de cinco pulsos. Apenas 29 (27,35%) destes continham prontuários com as informações necessárias ao estudo, atendendo aos critérios de inclusão. sexo feminino e 4 (13,8%) do sexo masculino. Quanto à cor da pele, a doença foi mais frequente entre pacientes não brancos (75,9%). Quatorze (48,3%) pacientes estavam trabalhando ou estudando no momento da coleta dos dados; desse modo, executando suas atividades laborativas a despeito do diagnóstico. A idade média atual dos pacientes é de 29 ± 8, variando de 12 a 44 anos, sendo a idade média no início da doença de 22 ± 8, variando de 6 a 39 anos. A mediana do tempo de diagnóstico foi de 86 meses, variando de 27 a 156 meses. A idade atual dos pacientes, idade no início da doença e tempo de diagnóstico são mostrados na Tabela 1. Considera-se idade atual aquela registrada na última consulta (mais recente). Da amostra, 25 (86,2%) pacientes são do Média ±DP Mediana [limites] 31 [12-44] Idade atual (anos) 29 ± 8 Idade de início da doença (anos) 22 ± 8 22 [6-39] Tempo de diagnóstico (meses) 85 ± 37 86 [27-156] Tabela 1 – Idade atual, idade de início da doença, tempo de diagnóstico e tempo de acompanhamento dos 29 pacientes. A nefrite clinicamente aparente pode ser a apresentação inicial em apenas 5 a 25% dos casos.17 Neste estudo, porém, observou-se que 20 (69%) pacientes apresentavam alterações renais no momento do diagnóstico de LES. quatro ou mais critérios de classificação. A média de critérios foi de 6 (seis), variando de 4 a 10, sendo os mais frequentes FAN e artrite. A frequência e porcentagem dos critérios de classificação nos pacientes do estudo são mostradas na Tabela 2. Os 29 pacientes do estudo apresentaram CRITÉRIOS FREQUÊNCIA % Comprometimento renal* 29 FAN 28 Artrite 24 Fotossensibilidade 22 Sorológico 21 Rash malar 17 Alteração hematológica 16 55,2 Serosite 15 51,7 Úlcera oral 12 Envolvimento neurológico 7 Lesão discoide 0 0 100 96,5 82,8 75,9 72,4 58,6 41,4 24,1 Tabela 2 – Frequência e porcentagem dos critérios de classificação nos 29 pacientes do estudo.* critério de inclusão. 76 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 EVOLUÇÃO DE PACIENTES COM NEFRITE LÚPICA TRATADOS COM CICLOFOSFAMIDA Sobre comorbidades, a revisão dos 29 prontuários mostrou que 11 (37,9%) pacientes eram sedentários, 20 (69%) tinham hipertensão arterial, 17 (58,6%) apresentavam dislipidemia, 9 (31%) osteoporose, seis (20,7%) tinham história de infecção como tuberculose ou herpes zoster, e quatro (13,8%) trombose venosa profunda. antes do tratamento e quatro (13,8%) após a pulsoterapia. Alterações no sedimento urinário (proteinúria, hematúria, cilindrúria) e elevação das escórias nitrogenadas (ureia e creatinina) foram mais expressivas antes da pulsoterapia. Alterações renais (IRA, ureia e creatinina elevadas, proteinúria, cilindrúria e hematúria) antes e após a pulsoterapia com ciclofosfamida são mostradas na Tabela 3. No presente estudo, nove (31%) pacientes apresentaram insuficiência renal aguda (IRA) Frequência Porcentagem Antes Após Antes Após IRA 9 4 31 13,8 Hematúria 22 9 75,9 31 Cilindrúria 21 9 72,4 31 Proteinúria 25 11 96,2 39,3 ↑ Creatinina 10 6 35,7 20,7 ↑Ureia 19 9 70,4 31 Tabela 3 – Frequência e porcentagem das alterações no sedimento urinário e elevação das escórias nitrogenadas antes e após pulsoterapia nos 29 pacientes do estudo. Enquanto alguns autores têm demonstrado que parâmetros clínico-laboratoriais são capazes de predizer com acurácia o prognóstico da nefrite lúpica, sem necessidade de biópsia renal,13 outros advogam que os dados histológicos oferecem informações adicionais aos demais parâmetros.18 A média da dose de prednisona usada antes da pulsoterapia foi de 42 ± 20 mg/dia, variando de 5 a 80 mg/dia e 19 (65,5%) pacientes usavam cloroquina. A dose de corticoide após a terapêutica foi de 14 ± 13 mg/dia, variando de 2,5 a 60 mg/dia. 16 (55,2%) pacientes continuaram usando cloroquina. Doses menores de corticoide (prednisona) e cloroquina foram necessarias após a pulsoterapia. Quinze (51,7%) dos pacientes usaram azatioprina após a pulsoterapia, como tratamento de manutenção e dois (6,9%) fizeram uso do micofenolato de mofetil. As principais indicações de biópsias renais no serviço em estudo foram: a) perda de função renal; b) proteinúria em níveis nefróticos; c) falha na resposta terapêutica; d) dúvidas com relação ao melhor esquema terapêutico. Situações com clínica exuberante e grave dispensam, no entanto, a realização de biópsia devendo-se iniciar a terapêutica o precocemente possível. Houve remissão da atividade renal em 18 (62,1%) pacientes, esta definida como desaparecimento da proteinúria, hematúria e cilindrúria ou apenas presença de proteinúria inferior a 500 mg nas 24 horas, com função renal normal, creatinina ≤ 1,2 mg/dL; enquanto 11 Dos 29 pacientes estudados, 24 (82,8%) realizaram biópsia renal, sendo a classe histológica tipo IV a mais encontrada (69,2%), seguida dos tipos II (15,4%) e V (7,7%). 77 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Kelly Simone Castro Santos, Maíra Fernandes de almeida, Domingos Sávio Nunes de Lima (37,9%) apresentaram má resposta ao tratamento administrado (falha terapêutica). A ciclofosfamida ainda é considerada a terapia mais efetiva para o tratamento inicial de nefrite lúpica grave.5, 14, 15 Estudos clássicos mostram a superioridade da ciclofosfamida em relação ao uso isolado de corticoides, tanto no tratamento realizado por um período mais curto (6 meses), quanto o realizado por tempo mais prolongado, observando-se superioridade em relação a remissão mantida com o tratameto prolongado.20, 21 Apesar da eficácia demonstrada, no entanto, a toxicidade cumulativa associada ao esquema terapêutico com ciclofosfamida endovenosa em altas doses não deve ser negligenciada. De fato, está bem demonstrado que a administração prolongada de ciclofosfamida se associa a um maior risco de falência gonadal (38 a 52% das mulheres em risco) e de infecções graves, sem ser completamente eficaz em controlar a nefrite lúpica em todos os casos.22 A remissão da nefrite foi mantida em 12 (41,4%) dos pacientes que realizaram pulsoterapia. Recidiva da nefrite (reativação da doença renal) ocorreu em dois (6,9%) dos pacientes que inicialmente haviam apresentado remissão clínica; presença de sedimento urinário ativo (proteinúria, cilindrúria e hematúria), sem comprometimento da função renal, foi observado em 11 (37,9%) dos pacientes estudados; três (10,3%) evoluíram para insuficiência renal crônica (presença irreversível de creatinina maior ou igual a 1,5 mg/dL) e um (3,4%) para IRC terminal, necessitando de diálise definitivamente. DISCUSSÃO O presente estudo mostra semelhança com outras séries da literatura quando ressaltados aspectos demográficos, critérios de classificação do LES, comorbidades e classificações histológicas de pacientes portadores da nefrite lúpica.1, 3, 9, 17 O trabalho constatou que, após o tratamento com ciclofosfamida endovenosa em altas doses por período prolongado, os pacientes tiveram boa resposta terapêutica (62,1%) com remissão clínica da nefrite em 41,4% e uma menor probabilidade de evoluir para IRC (10,3%) e terminal (3,4%). Conforme dados da literatura, 5% dos pacientes progridem para falência renal crônica, requerendo diálise ou transplante renal.17 O curso clínico da nefrite lúpica é variável. Em casos leves as alterações se evidenciam apenas pela análise da urina. Anormalidades urinárias discretas podem normalizar-se durante o seguimento. Esse tipo de nefrite é muito comum e, geralmente, não requer tratamento especial. Em certos casos, contudo, as anormalidades urinárias persistem e podem piorar após algum tempo. Estes correm o risco de falência renal.9 Um estudo que avaliou 150 pacientes portadores de LES, observou mortalidade de 53%, sendo insuficiência renal a causa mais frequente.11 Dessa forma, exames adicionais são selecionados para avaliar a extensão da doença e para determinar a melhor forma de tratamento a fim de previnir complicações, dentre eles a biópsia renal. A média de proteinúria após tratamento imunossupressor de indução foi de 96,2 para 39,3%. Estudos demonstram que a característica mais marcante entre grupos de doentes que desenvolveram insuficiência renal e os que permaneceram com função renal preservada foi a redução da protenúria de 24 horas. Estes dados sugerem que o prognóstico renal a longo prazo poderia ser antecipado nos doentes com resposta inicial proteinúria à terapêutica imunossupressora e permitem identificar simultaneamente os grupos com risco mais elevado de desenvolver insuficiência renal crônica terminal.22 Aglomerulonefrite proliferativa difusa, classe histológica mais frequente na amostra em questão, tem potencial de progredir para insuficiência renal crônica (IRC) terminal em 45% dos casos quando não tratados.5 Usualmente requer tratamento agressivo para induzir remissão e prevenir morbidade renal significante e mortalidade.19 A reativação da doença renal ocorreu em apenas 6,9%. As recidivas renais ocorreram em aproximadamente 30% dos doentes, na maioria dos casos ainda durante a fase de tratamento imunossupressor.22 78 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 EVOLUÇÃO DE PACIENTES COM NEFRITE LÚPICA TRATADOS COM CICLOFOSFAMIDA Observou-se, ainda, que foi necessária menor dose de corticoide após a pulsoterapia com ciclofosfamida. 8. Weening JJ, D’Agati VD, Schwartz MM. International Society of Nephrology Working Group on the Classification of Lupus Nephritis; Renal Pathology Society Working Group on the Classification of Lupus Nephritis: The classification of glomerulonephritis in systemic lupus erythematosus revisited. Kidney Int. 2004; 65: 521-30. Afalha terapêutica se deu em 37,9% da amostra. Segundo alguns autores, perto de 20% dos pacientes não alcançarão remissão renal, utilizando-se os esquemas atualmente disponíveis.5 A azatioprina foi o tratamento de manutenção mais utilizado (51,7%), seguida pelo micofenolato de mofetil (6,9%). 9. Wallace JD, Hahn BH, Klippel JH. Clinical and laboratory features of lupus nephritis. In: Dubois Lupus erythematosus. Wallace DJ, Hahn BH, editors. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins. 2002. p. 1077-1091. 10. Medeiros. Análise de 95 biópsias renais de pacientes com nefrite lúpica: correlação clínico-histológica e fatores associados à insuficiência renal crônica. Rev Bras Reumatol. 2004; 4(44): 268-76. CONCLUSÃO 11. Appel GB, Cohen DJ, Pirani CL, et al: Long-term follow-up of patients with lupus nephritis. A study based on the classification of the World Health Organization. Am J Med. 1987; 83: 877-85. Observa-se, portanto, melhora no perfil clínico e laboratorial da maior parte dos pacientes que realizaram pulsoterapia para tratamento da nefrite lúpica grave, mostrando ser uma forma efetiva de alcançar remissão da atividade renal, prevenir reativações renais e prevenir ou interromper a perda crônica da função renal. Em razão de sua toxicidade e eventuais falhas terapêuticas, porém, novos esquemas terapêuticos devem ser avaliados. 12. Austin HA, Muenz LR, Joyce KM. Prognostic factors in lupus nephritis. Contribution of renal histologic data. Am J Med. 1983; 75: 382-91. 13. Esdaile JM, Levinton C, Federgreen W, Hayslett J, Kashgarian M. The clinical and renal biopsy predictors of long term outcome in lupus nephritis: A study of 87 patients and review of the literature. Q J Méd. 1989; 72: 779-833. 14. Austin HA, Klippel JH, Balow JE. Therapy of lupus nephritis – Controlled trial of prednisolone and cytotoxic drugs. N Engl J Med. 1986; 314: 614-9. 15. Balbi AL. Estudo comparativo das complicações terapêuticas no Lúpus eritematoso sistêmico e nas glomerulopatias idiopáticas. Rev. Assoc. Med. Bras. São Paulo: 47(4). REFERÊNCIAS 16. Tan EM, Cohen AS, Fries JF, Masi AT, MaShane DJ, Rothfield NF et al. Special article: The 1982 revised criteria for the classification of sytemic lupus erythematosus. Arhritis Rheum. 1982; 25: 1271-1277. 1. Rothfield NF. Systemic lupus erythematosus: clinical aspects and treatment. In: Apud, McCarty DJ, Koopman WJ, editors. Arthritis and allied conditions. 12. ed. Philadelphia: Lea & Febiger. 1993. p. 1.155-1.177. 17. Fernandes JMC. Elementos básicos de diagnóstico do lúpus eritematoso sistêmico (LES). Revista Temas de Reumatologia. 2000; 1(3). 2. Sato EI, Bonfá ED, Costallat LTL, Silva NA, Brenol JNT, Santiago MB, Szajubok JCM, et al. Consenso Brasileiro para o Tratamento do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Revista Brasileira de Reumatologia. 2002; 42(6). 18. Ravinal RC, Costa RS, Coimbra TM. Classes, activity and chronicity índices, and alpha-smooth muscle actin expression as prognostic parameters in lupus nephritis outcome. Lupus. 2002; 11: 82-7. 3. Lahita RG. Clinical presentation of systemic lupus erythematosus. In: Kelley WN, Harris ED, Ruddy S, Sledge CB, editors. Textbook of rheumatology. 5.ed. Philadelphia: Copyright. 1997. v. 2. p. 1028-39. 19. Flanc RS, Roberts MA, Strippoli GM. Treatment of diffuse proliferative Lupus Nephritis: a meta-analysis of randomized controlled trials. Am J Kidney Dis. 2004; 43: 197-208. 4. Balow JE. Renal manifestations of systemic lupus erythematosus and other rheumatic disorders. In: Gereendberg A, editor. Primer on kidney diseases. 2d ed. San Diego: Copyright; 1998. p. 208-15. 20. Boumpas D, Austin H, Vaughan E. Controlled trial of pulse methyprednisolone versus two regimens of pulse cyclophosphamidein severe lupus nephritis. Lancet. 1992; 5: 340-741. 5. Cameron JS. Lupus nephritis. J Am Soc Nephrol. 1999; 10: 413-24. 21. Gourley M, Austin H, Scott D: Methylprednisolone and cyclophosphamide, alone or in combination, in patients with lupus nephritis: a randomized, controlled trial. Ann Intern Med. 1996; 125: 549-557. 6. Rosner S, Ginzler EM, Diamond HS, Weiner M, Fries JF, Wasner C. A multicenter study of outcome in systemic lupus erythematosus. II. Causes of death. Arthritis Rheum. 1982; 25: 612-7. 22. Araújo CS, Pestana M. Tratamento da Nefrite Lúpica. Acta Med Port. 2008; 21: 259-272. 7. Balow JE, Decker JL. Mortality in lupus nephritis. Arthritis Rheum. 1979; 22: 764-9. 79 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho, Marcos Antônio Fernandes, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca PARAGANGLIOMA JUGULAR: RELATO DE CASO PARAGANGLIOMA JUGULAR: CASE REPORT Renata Farias de Santana,* Renato Telles de Souza,** Luiz Carlos Nadaf de Lima, *** Rafael Siqueira de Carvalho,* Marcos Antônio Fernandes,* Luiz Eduardo Wawrick Fonseca**** RESUMO Paraganglioma é um tumor que tem origem em qualquer local do corpo que contenha células da crista neural embrionária, sendo composto por células não cromafins. Perto de 85% dos paragangliomas são formados no abdome, 12% são formados no tórax e 3% desenvolvem-se na região da cabeça e pescoço. Glomus timpânico e glomus jugular costumam se apresentar como uma massa que cresce em orelha média resultando em sintomas como zumbido (80%) e perda auditiva (60%). Os nervos cranianos que passam pelo forame jugular podem sofrer compressão resultando em dificuldade de engolir, ou fraqueza ipsilateral dos músculos do trapézio e esternocleidomastoideo. Apresenta-se, neste artigo, caso de paraganglioma jugular que foi removido por neurocirurgia há 31 anos e recidivou, evoluindo como uma massa retroauricular em continuidade com conduto auditivo externo. Palavras-chave: Tumor glômico, paraganglioma, glomus jugular. ABSTRACT Paragangliomas are tumor that may develop at various body sites, derived from embryonic neural crest formed by not cromafins cells. About 85% of paragangliomas develop in the abdomen; only 12% develop in the chest and 3% in the head and neck region. Glomus tympanicum and Glomus jugulare: Both commonly present as a middle ear mass resulting in tinnitus (in 80%) and hearing loss (in 60%). The cranial nerves of the jugular foramen may be compressed, resulting swallowing difficulty, or ipsilateral weakness of the upper trapezius and sternocleiodomastoid muscles. We will show in this article, one patient, who have jugulare paraganglioma that was removed by neurosurgery about 31 years ago and came grown up again as a retroauricular mass that continous into the external ear canal. Keywords: Glomus jugulare, paraganglioma, glomus tumor. * Médico Residente em Otorrinolaringologia do HUGV ** Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia e Residência Médica em Otorrinolaringologia do HUGV *** Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia e Preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do HUGV **** Estagiário do Serviço de Otorrinolaringologia do HUGV 80 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 PARAGANGLIOMA JUGULAR: RELATO DE CASO INTRODUÇÃO qual se destaca por constituir neoplasia incomum de osso temporal e apresentar grande extensão, chegando a projetar-se em conduto auditivo externo e região retroauricular. Paragangliomas são aglomerados de células neuroendócrinas dispersos por todo o organismo; alguns deles estão conectados ao sistema nervoso simpático, e outros ao sistema nervoso parassimpático. A maior coleção dessas células é encontrada na medula suprarrenal, onde dão origem aos feocromocitomas. Os tumores que surgem nos paragânglios extrassuprarrenais são descritos como paragangliomas. Os paragangliomas desenvolvem-se em duas localizações gerais: paragânglios paravertebrais, que possuem conexões simpáticas e são cromafins positivo – metade elabora catecolaminas (da mesma forma que os feocromocitomas); paragânglios relacionados com os grandes vasos da cabeça e pescoço, constituindo a cadeia aórtico-pulmonar, incluindo os corpos carotídeos, corpos aórticos, gânglios julgulotimpânicos, gânglio nodoso do nervo vago e agregados localizados em torno da cavidade oral, nariz, nasofaringe, laringe e órbita – são inervados pelo sistema nervoso parassimpático, não são cromafins e raramente liberam catecolaminas.1, 2, 3 RELATO DO CASO Paciente feminino, 69 anos, branca, previamente hígida, apresentou-se ao Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas, queixando-se de massa retroauricular à direita, em continuidade com a parede posterior de conduto auditivo externo e sangramento (Figura 1). Refere que, aos 20 anos de idade, notou aparecimento de tumoração violácea em conduto auditivo externo (parede posterior), à direita, acompanhada apenas de vertigem. Aos 38 anos, procurou atendimento hospitalar e foi submetida à intervenção neurocirúrgica, sendo diagnosticado tumor glômico de jugular direito. No pós-operatório, evoluiu com paralisia em hemiface ipsilateral. Após 14 anos, houve recidiva da lesão, com exteriorização do tumor em região retroauricular, em continuidade com a parede posterior de conduto auditivo externo. Negava qualquer sintoma sistêmico ou quadro semelhante na família. O objetivo deste artigo é relatar o caso de paciente portadora de paraganglioma jugular, o Figura 1 – Foto de região temporal direita, mostrando tumoração retroauricular, que se projeta para conduto auditivo externo direito. 81 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho, Marcos Antônio Fernandes, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca Ao exame físico, observou-se tumoração violácea obliterando conduto auditivo externo, com extensão retroauricular, medindo cerca de 1 x 1 cm, no conduto auditivo externo, e 2 x 1,5 cm, na região retroauricular, consistência fibroelástica, indolor à palpação, móvel, não pulsátil e sem alteração de seu volume com manobra de Valsalva. Ressonância nuclear magnética de crânio evidenciou formação expansiva heterogênea na projeção do osso temporal direito (Figura 2). Radioterapia paliativa foi indicada, neste caso, pela ausência de margem cirúrgica adequada para exérese da lesão. Figura 2 – RNM de crânio, corte axial, mostrando tumoração projetando-se em osso temporal direito. DISCUSSÃO dependendo da localização, com distúrbios compressivos. Apenas 1 a 3% costuma cursar com secreção de hormônios como as catecolaminas, causando sintomas como crises hipertensivas de difícil controle. Os feocromocitomas, no entanto, que são células cromafins positivas derivadas também da crista neural cursam, em mais de 90%, com secreção de catecolaminas.3, 4 A paciente relatada não apresentava repercussões sistêmicas compatíveis com produção de substâncias tumorais. Os paragangliomas são originados de células não cromafins derivadas da crista neural. Essas células, quando normais, funcionam como parte do sistema nervoso simpático, atuando como quimiorreceptores localizados ao longo dos vasos sanguíneos, principalmente no corpo carotídeo (na bifurcação da carótida comum) e no arco aórtico.4 Aliteratura refere o predomínio do sexo feminino, entre a quinta e sexta décadas de vida.3 A paciente em questão iniciou quadro aos 20 anos de idade. Aproximadamente 85% dos paragangliomas são formados no abdome, 12% são formados no tórax e 3% desenvolvem-se na região da cabeça e pescoço.2 O caso abordado apresentava a lesão em região temporal direita. Paraganglioma é um raro tumor neuroendócrino, que costuma desenvolver-se em vários lugares do corpo. Aproximadamente 97% são massas benignas, que são totalmente curáveis por remoção cirúrgica, embolização ou radioterapia. Os 3% restantes costumam ser malignos cursando, inclusive, com metástases, 75% ocorrem de forma esporádica e 25% são hereditários.1, 2 No caso descrito, houve recidiva do tumor, a despeito da cirurgia inicial. Paraganglioma carotídeo é o mais frequente de cabeça e pescoço, costuma cursar desde uma massa levemente dolorida no pescoço como paralisia de alguns nervos, principalmente o X e XII par. Glomus timpânico e glomus jugular estão presentes comumente no ouvido médio resultando em zumbido e perda auditiva, podem evoluir com sintomas compressivos na região do forame oval levando a disfagia, fraqueza ipsilateral do trapézio A maioria deles é assintomática ou, em algumas situações, cursando com dor leve ou, 82 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 PARAGANGLIOMA JUGULAR: RELATO DE CASO e esternocleidomastoideo. Paraganglioma vagal é o menos comum da cabeça e pescoço, geralmente cursa como uma massa pouco dolorida, porém pode cursar em algumas situações com disfagia. Paraganglioma pulmonar, como o próprio nome refere, pode estar localizado no pulmão como um nódulo único ou múltiplo. Outras localizações são laringe, cavidade nasal, seios paranasais, tireoide, entre outras.4 A paciente do caso relatado era portadora de paraganglioma jugular e referia apenas vertigem. caso, pela impossibilidade de exérese da lesão.3, 5, 6 REFERÊNCIAS 1. Neto MELRB, Vuono IM, Souza LRO, Testa JRG, Pizarro GU, Barros F. Paragangliomas timpânicos: relatos de casos. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005; 71(1): 97-100. 2. Rocha MPR, Campagnolo AM, Macedo VS, Scarton FBS, Rocha HP, Kuhl G. Paraganglioma nasal: relato de caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005; 71(2): 237-40. 3. Bento RF, Lessa MM, Goto EY, Sanchez TG, Brito RV, Miniti A. Tumores glômicos: apresentação clínica e resultados cirúrgicos de 13 pacientes tratados consecutivamente. Arq Int Otorrinolaringol. 2000; 4(1): 114-20. Diante desses sintomas, faz-se obrigatória avaliação audiométrica, radiológica (de preferência a Tomografia Computadorizada ou ressonância nuclear magnética), lembrando-se de que as biópsias incisonais e as paracenteses estão completamente contraindicadas, por conta do alto índice de complicações proveniente do sangramento provocado. A cirurgia deve ser realizada em todos os pacientes com margem cirúrgica adequada, sempre com a confirmação do exame anatomopatológico, para descartar outros tumores. Radioterapia paliativa foi indicada, neste 4. Higino TCM, Nascimento GMS, Salgado DC, Boccalni CC, Favero ML; Tiago RSL. Afecções vasculares do osso temporal: diagnóstico diferencial e tratamento. Arq Int Otorrinolaringol. 2008; 12(2): 289-94. 5. Husband AD, Spedding A, Davis AE. Neck mass caused by an intraluminal jugular paraganglioma. 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Pode haver acometimento de pregas vocais, pregas vestibulares, epiglote, pregas ariepiglóticas, região interaritenoidea, entre outras. O presente relato aborda caso de paciente portador de estenose laríngea por complicação de tuberculose nessa localização, necessitando de traqueostomia definitiva. Palavras-chave: Estenose, laringe, tuberculose. ABSTRACT Tuberculosis is an infectious disease of chronic evolution caused by Mycobacterium tuberculosis. The involvement of the laryngeal mucosa may be seen by laryngoscopy, which can be observed nodular lesions, exophytic, with areas of mucosal ulceration, hyperemia, edema and monocordite. It may affect the vocal cords, vestibular folds, epiglottis, aryepiglottic, interarytenoid region, among others. This report discusses the case of a patient with laryngeal stenosis due to complication of tuberculosis in this location, requiring definitive tracheostomy. Keywords: Stenosis, larynx, tuberculosis. INTRODUÇÃO videolaringoscopia, podem ser observadas lesões nodulares exofíticas, com áreas de ulceração de mucosa, hiperemia ou edema.1, 3 A tuberculose é uma doença infectocontagiosa, de evolução crônica, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, que se caracteriza pela presença de granulomas e necrose caseosa central.1, A estenose laríngea pode ocorrer em função da complicação de tuberculose nessa localização, levando o paciente a necessidade de traqueostomia definitiva.4 2 RELATO DO CASO A forma laríngea pode desenvolver-se a partir da tuberculose pulmonar bacilífera, por inoculação direta na laringe por meio da secreção rica em bacilos originária dos pulmões. Através da Paciente do sexo masculino, 42 anos, * Professor Mestre / Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV ** Professor Mestre / Preceptor da Residência Médica de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV *** Médico Residente em Otorrinolaringologia do HUGV **** Estagiário do Serviço de Otorrinolaringologia do HUGV 84 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 ESTENOSE LARÍNGEA CAUSADA POR TUBERCULOSE natural e procedente de Manaus, Amazonas, recebeu atendimento médico, no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas, onde referia que havia, aproximadamente, um ano, iniciou quadro de tosse produtiva com secreção amarelada, acompanhada de febre baixa, geralmente noturna, além de disfagia para sólidos. Foi submetido à videolaringoscopia, a qual evidenciou tumoração em laringe (Figura 1). Figura 1 – Primeira videolaringoscopia. Após um mês do início do quadro, foi internado com piora da disfagia e surgimento de dispneia em repouso. Submeteu-se à nova videolaringoscopia, não sendo possível visualização de laringe, pelo importante edema da região. piora da dispneia e necessidade de traqueostomia definitiva. A última videolaringoscopia, realizada três meses após o término do tratamento para tuberculose, revelou ausência de epiglote e cartilagens aritenoides; bandas ventriculares e cordas vocais não visualizadas; reação cicatricial da região laríngea levando a obstrução respiratória (Figura 2). Posteriormente, foi realizada biópsia da lesão, cujo resultado foi tuberculose laríngea, sendo, então, iniciado o tratamento para esta patologia. O paciente, entretanto, logo evoluiu com Figura 2 – tuberculose. Videolaringoscopia após 85 tratamento para revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Márcia dos Santos da Silva, Cecília Mello Garcez, Marcello Amaral Nestor, Hamilton Ronald Pezo Venegas DISCUSSÃO forma extrapulmonar da doença, como a laríngea, deve ser cogitada e fazer parte do diagnóstico diferencial das etiologias de estenose de laringe. Afinal, o retardo em seu diagnóstico e tratamento pode tanto piorar o prognóstico do paciente quanto prolongar o período de infectividade da doença. A tuberculose é a doença granulomatosa mais comum da laringe. É causada pelo Micobacterium tuberculosis, altamente patogênico em pacientes debilitados, sendo a via inalatória a forma de contaminação.1, 5 A laringoscopia não mostra uma forma típica de acometimento, sendo a lesão muitas vezes indistinguível de carcinoma ou laringite crônica. A epiglote e a subglote podem apresentar edema exuberante, em alguns casos necessitando de traqueostomia. O local mais comum de envolvimento laríngeo é a prega vocal, seguido pela banda ventricular, o restante pode envolver a epiglote, prega ariepiglótica, aritenoide, comissura posterior e subglote.6 REFERÊNCIAS 1. Curtis A, Ridzon, R. et al. Extensive Transmission of Mycobacterium Tuberculosis from a child. N Engl J Med. 1999; 341(20): 1491-5. 2. Silva L, Klatau G, Costa H. Laringites Específicas. Tratado de Otorrinolaringologia. 2002; 4: 393-415. 3. Martins AG, Marques MPC, Ferreira NGM. et al. Manifestações otorrinolaringológicas da tuberculose. Rev Bras Otorrinolaringol. 2000; 66: 666-71. 4. Perazzo PSL, Costa AC, Moura MPC, Almeida WLC, Góis CRT. Pré e pós-operatório em pacientes submetidos a microcirurgias das principais lesões benignas da laringe. Rev Bras Otorrinolaringol. 2000; 66: 507-10. 5. Rizzo P, Mosto M. et al. Laryngeal Tuberculosis: An often forgotten diagnosis. Int J Infect Dis. 2003; 2(2): 129-131. 6. Garcia R. et al. Tuberculose e Blastomicose Laríngeas: relato de três casos e revisão de literatura. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004; 70(2): 255-9. 7. Silva L. et al. Laryngeal granulomatosis. Evaluation of the therapeutic and diagnostic methods in 24 cases. ACTA ORL:Técnicas em Otorrinolaringologia. 2007; 25: 16-23. O diagnóstico pode ser obtido pelo isolamento e cultura do M. tuberculosis. O melhor material para cultura é obtido por biópsia. A resposta à terapia antituberculosa é excelente e a maioria das lesões desaparece com tratamento.6, 8 A tuberculose continua sendo uma patologia de elevada prevalência na região amazônica. A 86 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 FISSURA LABIOPALATINA COMPLETA: RELATO DE DOIS CASOS FISSURA LABIOPALATINA COMPLETA: RELATO DE DOIS CASOS CLEFT LIP AND PALATE: REPORT OF TWO CASES Márcia dos Santos da Silva *, Cecília Mello Garcez *, Marcello Amaral Nestor **, Hamilton Ronald Pezo Venegas *** RESUMO As fissuras ou fendas faciais são uma das mais frequentes malformações congênitas, correspondendo a 13% de todas elas, sendo as fissuras labiopalatinas o tipo mais comum. Crianças com fissura labiopalatina apresentam alterações anatômicas e funcionais que limitam seu desenvolvimento desde as primeiras horas de vida, necessitando de acompanhamento multidisciplinar por vários anos. Apesar de o diagnóstico poder ser realizado por meio da ultrassonografia durante o pré-natal, este nem sempre é realizado, o que acaba por postergar o adequado acompanhamento da família que irá receber a criança com deformidade. O objetivo deste trabalho é relatar dois casos de fissura labiopalatina completa, não diagnosticados durante o pré-natal. Palavras-chave: Fissura labial, fissura palatina, anormalidades congênitas. ABSTRACT Facial clefts are among the most common congenital malformations, accounting for 13% of them and the cleft lip and palate are the most common type. Children with cleft lip and palate have anatomical and functional changes that limit their development since the first hours of life, requiring multidisciplinary follow for many years. Although the diagnosis can be made by ultrasound during the prenatal period this is not always done, which contribute to delay the proper assistance of the family who will take the children with deformity. The aim of this paper is to report two cases of complete cleft lip and palate, not diagnosed during the prenatal period. Keywords: Cleft lip, cleft palate, congenital abnormalities. * Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas ** Médico Neonatologista da Maternidade Ana Braga. Preceptor voluntário do Estágio em Pediatria – submódulo de Neonatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas *** Médico Neonatologista da Maternidade Ana Braga. Preceptor voluntário do Estágio em Pediatria – submódulo de Neonatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas 87 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Márcia dos Santos da Silva, Cecília Mello Garcez, Marcello Amaral Nestor, Hamilton Ronald Pezo Venegas INTRODUÇÃO importância não apenas para o planejamento terapêutico pós-natal, mas também para o aconselhamento dos pais, a fim de evitar a estigmatização da criança com deformidade.5 Define-se como malformação ou defeito congênito toda anomalia funcional ou estrutural do desenvolvimento do feto decorrente de fator originado antes do nascimento, seja genético, ambiental ou desconhecido, mesmo quando o defeito não for aparente no recém-nascido e só manifestar-se mais tarde.1 O objetivo deste trabalho é relatar dois casos de recém-nascidos com FLP completa não diagnosticada durante o pré-natal. RELATO DOS CASOS De forma geral, perto de 5% dos nascidos apresentam alguma malformação, determinada, total ou parcialmente, por fatores genéticos.2 As fendas ou fissuras faciais são uma das mais frequentes malformações congênitas, correspondendo a 13% de todas elas, com incidência que varia de 1:625 a 1:1.000 nascidos vivos.3 No Brasil, a prevalência estimada entre os anos de 1975 a 1994 foi de 0,19 por 1.000 nascidos vivos.4 Caso 1 Criança do sexo masculino, nascida de parto vaginal após 39 semanas de gestação, pesando 3.520 gramas, com Apgar de 9 no primeiro minuto e 10 aos cinco minutos, sem dificuldades respiratórias ou necessidade de reanimação. Mãe previamente saudável, 20 anos de idade, primigesta e primípara, realizou 10 consultas de pré-natal, sem intercorrências durante a gestação e sorologias de primeiro trimestre negativas. Crianças com fissura labiopalatina (FLP) apresentam diversos distúrbios decorrentes das alterações anatômicas e funcionais, necessitando de reabilitação que vai desde intervenção cirúrgica até orientação nutricional, odontológica, fonoaudiológica, médica e psicológica. Nesse contexto, o diagnóstico precoce é de fundamental Ao exame físico do recém-nascido foi observada fissura labial (foto 1) e fissura palatina, sem outras alterações. Figura 1 – Fissura labiopalatina em paciente do caso 1. O aleitamento materno foi estimulado já nas primeiras horas de vida e, por conta da dificuldade de amamentação por sucção débil, optou-se por complementar a dieta com 20 ml de leite humano ordenhado e pasteurizado, ofertado ao recém-nascido em copo, a cada 3h. Após as 24h iniciais, houve melhora no padrão de sucção e o aleitamento materno passou a ser a única forma de alimentação. Não houve necessidade de alimentação por sonda nasogástrica. 88 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 FISSURA LABIOPALATINA COMPLETA: RELATO DE DOIS CASOS Caso 2 palatina, sem outras alterações. O aleitamento materno foi estimulado já nas primeiras horas de vida e, por conta da dificuldade de amamentação por sucção débil, optou-se por complementar a dieta com 30 ml de leite humano ordenhado e pasteurizado, ofertado ao bebê em copo, a cada 3h. Como, no entanto, o recém-nascido permanecia com dificuldade de alimentação e apresentava risco de aspiração, optou-se por ofertar o leite humano por sonda nasogástrica (Figura 2B). Após 48h do nascimento, houve melhora no padrão de sucção, porém se continuou a fazer uso de complemento alimentar ofertado em copo. Criança do sexo feminino, nascida de parto vaginal após 39 semanas de gestação, pesando 3.810 gramas, com Apgar de 8 no primeiro minuto e 10 aos cinco minutos, sem dificuldades respiratórias ou necessidade de reanimação. Mãe previamente saudável, 23 anos de idade, secundigesta, realizou duas consultas de pré-natal, sem intercorrências durante a gestação e sorologias de primeiro trimestre negativas. Ao exame físico do recém-nascido foi observada fissura labial (figura 2A) e fissura Figura 2 – Fissura labiopalatina em paciente do caso 2 (A) e utilização de sonda nasogástrica para complementação alimentar no mesmo paciente (B). Em ambos os casos, mãe e criança receberam alta hospitalar em boas condições após 72h de internação, sendo encaminhadas à Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas – FCECON-AM, para acompanhamento e tratamento multidisciplinar das malformações observadas. palato juntas, além de ser o tipo mais comum, ocorrem duas vezes mais nos meninos que nas meninas, enquanto que as fissuras de palato isoladamente são mais comuns nas meninas. Três quartos das deformidades são unilaterais, sendo o lado esquerdo o mais prevalente.7 Nos casos apresentados, a criança do sexo masculino apresentava fissura labial à esquerda e a do sexo feminino apresentava fissura labial à direita. DISCUSSÃO A classificação das FLPs utiliza como referência o forame incisivo anterior, definindo três grupos principais de lesões: pré-forame incisivo ou fissural labial, que pode ser uni ou bilateral; pós-forame incisivo ou fissura palatina, sempre encontrada numa posição mediana, e transforame incisivo ou FLP, ocasionando a comunicação entre as cavidades nasal e oral.8 No presente relato, As fissuras labial e palatina são defeitos congênitos caracterizados pela descontinuidade das estruturas do lábio, palato, ou ambos, com lesões ocorrendo em diferentes locais e com extensão variável.6 Os meninos são mais afetados em uma proporção de 3:2. As fissuras de lábio e 89 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 Márcia dos Santos da Silva, Cecília Mello Garcez, Marcello Amaral Nestor, Hamilton Ronald Pezo Venegas ambas as crianças apresentavam FLP completa ou transforame incisivo. labiais isoladas, não está contraindicado nas fissuras mais complexas.5, 14 No presente trabalho, as duas crianças apresentaram sucção débil nas primeiras horas de vida, recebendo o leite humano por meio de copo, e uma precisou ser alimentada por sonda nasogástrica em função da persistência do déficit alimentar e risco de aspiração. Ambas evoluíram com melhora da sucção, passando ao aleitamento exclusivo em seio materno ainda nos primeiros dias de vida. A base embriológica da FLP é a falha na fusão dos processos maxilar e nasal medial, entre a 4.ª e a 9.ª semanas de desenvolvimento embrionário. O lábio superior é formado pela fusão das proeminências maxilares laterais com o processo nasal medial. A falha na fusão dessas estruturas resulta em fissura labial unilateral. A fissura labial bilateral resulta da falha na união das massas mesenquimais das proeminências maxilares com as proeminências nasais mediais fundidas. A fissura palatina decorre da falha de fusão das proeminências maxilares laterais entre si.9 A presença de FLP facilita o acúmulo de fluidos no ouvido médio, predispondo a otites de repetição e consequente perda auditiva. Também podem ocorrer distúrbios articulatórios e vocais, com atraso na aquisição da fala e da linguagem e problemas de aprendizagem.15 A etiologia da FLP é considerada multifatorial e inclui fatores hereditários e ambientais. Os fatores ambientais mais frequentemente associados são as deficiências nutricionais, o uso de anti-inflamatórios durante a gestação, exposição à poluição e à radiação ionizante, exposição do pai a pesticidas, epilepsia e estresse maternos, infecções e tabagismo durante o período de formação fetal, além de idade materna avançada.10, 11 Uma vez que os pais têm uma criança com FLP, o risco de a próxima criança ser afetada é de 2 a 5%. Mais da metade dos pacientes possuem familiares com a mesma malformação.12 Neste trabalho, a mãe do paciente do caso 1 e o pai da paciente do caso 2 também apresentaram FLP ao nascimento. As FLPs se associam a diversas alterações dentárias. Podem ser encontrados desde dentes extranumerários até a ausência congênita de dentes. Os dentes supranumerários ocorrem com maior frequência, nas margens das fissuras e, se extraídos precocemente, o osso pode reabsorver e aumentar a extensão da fissura. Outras alterações incluem incisivos centrais superiores natais ou neonatais, microdontias, dentes em T, giroversões, fusões e hipoplasia de esmalte. Também pode ocorrer má oclusão dentária por conta das discrepâncias esqueléticas entre o tamanho, forma e posição dos maxilares. É comum o achado de prognatismo mandibular, causado mais pela retrusão da maxila que pela protrusão da mandíbula, sendo por isso um pseudoprognatismo. O retardo do crescimento do maxilar é, contudo, o maior responsável pela má oclusão.12 A associação de outras malformações com a FLP é comum, apesar de não se saber ao certo a percentagem real desse achado. Podem ser encontradas em associação com FLP diversas síndromes genéticas, cromossomopatias e malformações múltiplas não sindrômicas. As malformações orgânicas mais associadas são as malformações esqueléticas, cardíacas, urogenitais e do sistema nervoso central.13 Em geral, o diagnóstico pré-natal das fendas faciais pode ser realizado pela ultrassonografia bidimensional; no entanto, esse método possui baixa sensibilidade para identificar as fissuras palatinas. A ultrassonografia tridimendisional parece ser o método mais adequado para essa finalidade, pois, além de apresentar maior acurácia na detecção das fendas faciais, permite avaliar sua localização e extensão.3 Crianças com FLP apresentam dificuldades para amamentação logo após o nascimento, pois embora o reflexo de sucção e deglutição sejam normais, há dificuldade em isolar a cavidade oral e exercer uma pressão suficientemente negativa para se obter a sucção adequada. Apesar de o aleitamento materno ser mais efetivo em crianças com fissuras Quanto ao tratamento da FLP, o momento ideal para sua realização ainda é um tema controverso, pois parece haver um notável equilíbrio 90 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 FISSURA LABIOPALATINA COMPLETA: RELATO DE DOIS CASOS entre os benefícios do desenvolvimento da boa fala contra os efeitos deletérios do crescimento da face média em função do traumatismo cirúrgico associado à cicatrização. Assim, a indicação para a cirurgia reparadora depende da avaliação da equipe multidisciplinar. As intervenções cirúrgicas podem ser iniciadas logo após o nascimento ou aos seis meses de vida, sendo o reparo da fissura labial a intervenção mais precoce. A palatoplastia é realizada por volta dos 18 meses de idade, desde que as condições ortopédicas e gerais do paciente sejam obtidas.7, 16 4. Loffredo LCM, Freitas JAS, Grigolli AAG. Prevalência de fissuras orais de 1975 a 1994. Rev Saúde Pública. 2001; 35(6): 571-5. 5. Silva EB, Furia CLB, Di Ninno CQMS. Aleitamento materno em recém-nascidos portadores de fissura labiopalatina: dificuldades e métodos utilizados. Rev Cefac. 2005: 7(1): 21-8. 6. Montagnoli LC, Barbieri MA, Bettiol H, Marques IL, Souza L. Prejuízo no crescimento de crianças com diferentes tipos de fissura labiopalatina nos 2 primeiros anos de idade: um estudo transversal. J Pediatr. 2005; 81(6): 461-5. 7. Peterson LJ. Tratamento de pacientes com fissuras orofaciais. In: Peterson LJ, Ellis E, Hupp JR, Tucker MR. Cirurgia oral e maxilofacial contemporânea. 4 ed. Rio de Janeiro: Mosby; 2007. p. 657-80. Em conclusão, ressaltamos a importância do diagnóstico pré-natal das FLPs e a necessidade de investigação de outras malformações ou síndromes genéticas que possam estar associadas. O aconselhamento dos pais e o tratamento multidisciplinar são fundamentais na assistência a esses pacientes, evitando estigmas e preconceitos para com a criança portadora de deformidade, buscando sempre lhes proporcionar uma vida o mais próximo do normal quanto for possível. 8. Spina V, Rocha DL. Fissuras labiopalatinas. In: Sucena R. Cirurgia plástica: contribuição para o ensino da especialidade. São Paulo: Roca; 1981. p. 925-44. 9. Moore KL. Embriologia clínica. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995. p. 360. 10. Modolin MLA, Cerqueira EMM. Etiopatogenia. In: Altmann EBC. Fissuras Labiopalatinas. 4 ed. São Paulo: PróFono; 1997. p. 25-30. 11. Loffredo LCM, Souza JMP, Yunes J, Souza Freitas JA, Spiri WC. Fissuras labiopalatais: estudo caso-controle. Rev Saúde Pública. 1994; 28(3): 213-7. 12. Levy BM. Alterações do desenvolvimento das estruturas bucais e parabucais. In: Shafer WG, Hine MK, Levy BM. Patologia Bucal. 3 ed. Rio de Janeiro: Interamericana; 1984. p. 1-69. 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Odontopediatria na primeira infância. São Paulo: Ed Santos; 2001. p. 627-43. 3. Araújo Júnior E, Guimarães Filho HA, Pires CR, Zanforlin Filho SM, Santana RM, Moron AF. Fendas fetais labiais e palatinas detectadas pela ultrassonografia tridimensional. Rev Imagem. 2005; 27(4): 263-68. 91 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010 TRAUMA DE PÂNCREAS:ANÁLISE RETROSPECTIVA DE CINCO ANOS TRAUMA DE PÂNCREAS: ANÁLISE RETROSPECTIVA DE CINCO ANOS SUMARY OF THESIS ON PANCREATIC TRAUMA: A RESTROPECTIVE ANALYSIS OF FIVE YEARS Rubem Alves da Silva Júnior Dissertação apresentada ao término do curso de Pós-Graduação Interinstitucional UFRJ/FUA, Nível de Mestrado, Área de Concentração Cirurgia Geral, Setor Abdominal, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. José Eduardo Ferreira Manso Professor-Adjunto do Departamento de Cirurgia da FM-UFRJ RESUMO A lesão pancreática traumática constitui um desafio ao cirurgião, seja na tentativa de se estabelecer um diagnóstico precoce ou na adoção de tratamento adequado que minimize a morbi-mortalidade pós-operatória. Para analisarmos fatores que convergem a essa situação, realizamos um estudo retrospectivo entre 1995 e 1999 de pacientes com lesão pancreática operados em um centro de trauma da cidade de Manaus. Dos 58 casos estudados, 55 (94,8 %) eram homens e três (5,2 %) mulheres. A idade variou entre 13 e 75 anos com uma média de 27 anos. Os traumatismos abertos foram os mais frequentes (86,2%) com os ferimentos por arma branca responsáveis por 72,0% dos casos. Cinquenta (86,2 %) pacientes apresentavam lesões intraperitoneais associadas, com uma média de 1,3 lesão por paciente, sendo estômago (39,7 %) o órgão mais comumente atingido. Os procedimentos cirúrgicos mais executados foram suturas simples e desbridamentos acompanhados de drenagem externa. A lesão ductal esteve presente em quatro (6,9%) dos casos, sendo identificada como fator concorrente ao óbito. A taxa de mortalidade foi de 20,7% com as lesões de grau III e IV, apesar de menos frequente, apresentaram maior índice de mortalidade. Dentre as complicações gerais, os abscessos intraperitoniais (19,6%) foram as mais comuns, vindo a seguir as fístulas (8,9%), essas diretamente relacionadas à lesão pancreática específica. Esse estudo nos permitiu concluir que o aumento da morbi-mortalidade está relacionado ao grau de gravidade da lesão pancreática e do ducto de Wirsung, e não à presença das lesões associadas. 92 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.9. n. 1-2 jan./dez. – 2010