A questão social e suas expressões na sociabilidade capitalista

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A questão social e suas expressões na sociabilidade capitalista
Pollyana Venancio da Silva 1
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Resultado de investigação
O Serviço Social e as manifestações da Questão Social
(pobreza, desemprego, saúde, ídosos, gênero, etc)
Formação Social Capitalista, Questão Social, Direitos
Sociais, Crise Estrutural do Capital.
Introdução
O presente texto tem como objetivo fazer uma breve reflexão sobre os nexos
causais fundamentais à formação sócio-histórica e econômica do modo de produção
capitalista, salientando sua relação direta com a emergência, no século XIX, da
denominada “Questão Social” e o desenvolvimento da produção capitalista em seu
processo constante de expansão e acumulação. Propomo-nos também analisar a
dinâmica de seu desenvolvimento, dando ênfase a análise da atual crise do capital, que
arrasta-se desde os anos 70 do século XX.
Refletir sobre as manifestações da Questão Social requer levar em consideração o
processo histórico da formação da sociabilidade capitalista e suas particularidades. Tal
processo tem como base o que Karl Marx (1996) denominou de Lei Gral da Acumulação
Capitalista que, pressupõe e fundamenta-se na riqueza de uma classe a partir da miséria
e exploração de outra. Nas palavras de nosso autor, “a acumulação de riqueza num pólo
é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação da miséria, tormento de trabalho,
escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto, isto é, do lado da
classe que produz seu próprio produto como capital” (p. 275). Foi através dessa lei que,
deu-se a cisão da história humana em duas: a história dos colonizadores e a dos
colonizados, em nosso caso, com o agravante de termos sido colônia de exploração: o
chamado “Novo Mundo”.
1
Graduanda de Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Brasil.
Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
1
A cisão da história humana em duas2 faz parte do processo de expansão e
acumulação capitalista que intensifica-se a partir do século XVI, marcando o apogeu da
produção capitalista naquela época. A expansão do capital acarretou a expansão do
proletariado e o surgimento da relação capital. Marx denominou esse processo de relação
simples. Importa notar, que no decorrer do processo de acumulação capitalista surgiu,
também, a reprodução ampliada, que é a reprodução da relação capital em escala
ampliada, ou seja, capitalistas e capitalistas maiores em um polo e trabalhadores em
outro. Logo, é pressuposto à acumulação do capital a multiplicação do proletariado. Esta
relação criou o trabalhador assalariado, tornando-o dependente do capital. A compra da
força de trabalho tinha como finalidade alavancar a produção de mercadorias, a extração
de mais-valia e a geração de excedente econômico, o que deu a classe trabalhadora, na
sociabilidade capitalista, uma subvida. Elevando o conflito entre as classes fundamentais
do modo de produção capitalista e, negando dessa forma, o potencial de socialização da
produção capitalista – pois, ao mesmo tempo em que a produção capitalista expandiu-se
e ampliou sua capacidade de socialização da riqueza socialmente produzida, envolvendo
o conjunto das atividades econômicas em escala mundial –, a apropriação dessa riqueza
continuou sendo privada, assim, o conjunto dos produtores diretos, a classe trabalhadora,
continuou impossibilitada de apropriar-se do excedente por ela produzido.
Este conflito adquiriu conotação política, em meio a Revolução Industrial na
Inglaterra do século XIX, a partir da consolidação do modo de produção capitalista, sendo
denominado pelos liberais e conservadores de Questão Social. Neste sentido, a
vinculação da denominada Questão Social ao pauperismo no interior do capitalismo já se
encontra registrada desde a primeira produção teórica do Serviço Social. Para Edlene
Pimentel (2007):
A “questão social” é vista na produção do Serviço Social relacionada ao pauperismo e à
reação dos trabalhadores às precárias condições de vida geradas no capitalismo. Essa
referência à “questão Social” já se encontra presente no Prefácio da edição portuguesa
da obra “Diagnóstico Social” de Mary Richmond (p. 15),
2
A cisão da história humana em duas histórias se refere ao processo de colonização operado a partir do século XVI na
América do Sul e em diversas partes do mundo. Inicialmente, por portugueses e espanhóis que dividiu o mundo entre
países ‘colonizadores’ e ‘colonizados “’ ou como se denomina hoje ‘centrais‘ e de ‘terceiro mundo’, cabendo aos últimos, por
meios dos mais violentos possíveis, fornecer a riqueza necessária à expansão européia. Com relação a tal processo de
colonização, Eduardo Galeano comenta o seguinte: “É a América Latina a região das veias abertas. Desde o descobrimento
até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e como tal tem se acumulado e
se acumula até hoje nos distantes centros de poder. [...] O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm
sido sucessivamente determinados, de fora, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo” (1998, p. 14).
2
Percebemos, assim, que a gênese da Questão Social e do Serviço Social é a
mesma, no sentido que ambas surgem a partir das contradições inerentes ao evolver do
modo de produção capitalista, embora com objetivos e interesses distintos.
Em meio a esse contexto de contradições é que encontramos, também, a
existência das crises econômicas capitalistas. Marcelo Braz e José Paulo Netto (2007)
afirmam que:
A história, real e concreta, do desenvolvimento do capitalismo, a partir da consolidação
do comando da produção pelo capital, é a história de uma sucessão de crises econômicas
[…] com períodos de expansão e crescimento da produção sendo bruscamente coartados
por depressões, caracterizadas por falências, quebradeiras e, no que toca aos
trabalhadores, desemprego e miséria (p. 156. Grifos do autor).
Logo, para amenizar os efeitos danosos tanto da Questão Social quanto das crises
econômicas o Estado é chamado a atuar de forma direta/indireta, por meio de
instrumentos tais como o Serviço Social, na regulação e manutenção das relações
sociais, aprofundando, muitas vezes, a situação de desigualdade social, econômica,
política e cultural entre os países “centrais” e de “terceiro mundo”, especialmente, em
momentos de crise, como o que atravessamos.
Crise Estrutural do Capital e Questão Social
Para Braz e Netto as crises econômicas que atingem o modo de produção
capitalista
– MPC –, “não têm uma única causa: elas são o resultado da dinâmica
contraditória do MPC – as múltiplas contradições que constituem o MPC convergem nas
crises” (2007, p.160). Entre essas múltiplas contradições os autores destacam três:
1ª a contradição entre a progressiva racionalidade que organiza a produção nas
empresas capitalistas (planejamento, cálculo das relações custo/benefício etc.) e
a irracionalidade do conjunto da produção capitalista (a ausência de um
planejamento global dessa mesma produção); 2ª a contradição entre a
necessária ação de cada capitalista para maximizar seus lucros e o resultado
objetivo dessa ação, a queda da taxa de lucro; e, 3ª o crescimento da produção
de mercadorias sem um correspondente crescimento da capacidade aquisitiva (a
“demanda solvável”) das massas trabalhadoras (p. 163-4).
As crises econômicas, dessa forma, são pluricausais e funcionais ao sistema do
capital, repetindo-se periodicamente, motivo pelo qual são conhecidas como crise cíclicas
do capital. Tais crises caracterizam-se como disfunções parciais, severas, do sistema do
capital, que não obstante, são assimiladas por esse sistema e, muitas vezes, são
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transformadas em sua base de sustentação. Entretanto, hoje, diante das condições em
que vivemos István Mészáros (2002), comenta o seguinte sobre tais crises:
É preciso admitir que enquanto a relação atual entre os interesses dominantes e
o Estado capitalista prevalecer e impuser com sucesso suas demandas à
sociedade não haverá grandes tempestades a intervalos razoavelmente
distantes, mas precipitações de freqüência e intensidade crescentes por todos os
lugares. Dessa maneira, a antiga “anormalidade” das crises – que antes se
alternavam com períodos muito mais longos de crescimento ininterrupto e
desenvolvimento produtivo – sob as condições atuais pode, em doses diárias
menores, se torna a normalidade do ‘capitalismo organizado’. De fato, os picos
das históricas e bem conhecidas crises periódicas do capital podem ser – em
princípio - completamente substituídos por um padrão linear de movimento (p.
697).
Pautado nesses pressupostos, nosso autor afirma que a crise que vivenciamos
atualmente não é mais uma crise cíclica do capital, e sim, a “representação de um
continuum depressivo, que exibe as características de uma crise cumulativa, endêmica,
mais ou menos permanente e crônica, com a perspectiva última de uma crise estrutural
cada vez mais profunda e acentuada” (p. 697). O desenvolvimento histórico do modo de
produção capitalista conseguiu transformar “suas potencialidades positivas em realidades
destrutivas. Esta virada no desenvolvimento se torna tanto mais pronunciada quanto mais
se aproxima dos limites do sistema do capital – os limites das cada-vez-mais-perdulárias
quantificação e expansão num mundo de recursos finitos” (p.614). Finitos, pois, a
irracionalidade que perpassa desde a produção capitalista até todas as formas de
relações humanas empreendidas na sociabilidade burguesa evidenciam a ativação dos
limites estruturais do capital.
Na percepção de Mészáros existem quatro principais características referentes à
ativação dos limites absolutos do capital, tendo em vista que todas “[…] as quatro
questões escolhidas para a discussão que vem a seguir não representam características
isoladas. Longe disso: cada uma delas é o centro de um conjunto de grandes
contradições. Como tais, elas demonstram ser inseparáveis” (p. 222). São elas: o
antagonismo estrutural entre a tendência de transnacionalização do capital, sempre em
expansão, e os Estados nacionais; a devastação, destruição e poluição sistemática da
natureza; as limitações impostas a emancipação feminina decorrente do papel histórico e
cultural imputado as mulheres sob o domínio do capital e o desemprego crônico.
A primeira característica elucidada é a referente ao antagonismo estrutural entre a
tendência de transnacionalização do capital, sempre em expansão, e os Estados
nacionais. Na perspectiva de Mészáros, este antagonismo estrutural é
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Inseparável de (pelo menos) três contradições fundamentais: as que existem
entre (1) monopólio e competição; (2) a crescente socialização do processo de
trabalho e a apropriação discriminatória e preferencial de seus produtos (por
várias personificações do capital – de capitalistas privados às auto-eternizadoras
burocracias coletivas); e (3) a divisão internacional do trabalho, ininterrupta e
crescente, e o impulso irreprimível para o desenvolvimento desigual, que
portanto, deslocam necessariamente as forças preponderantes do sistema global
do capital (no período posterior à Segunda Guerra Mundial, basicamente os
Estados Unidos) para a dominação hegemônica (p. 222. Grifos do autor).
Notamos que tais contradições, levaram à ascensão dos monopólios, constituídos
por um aglomerado de grandes corporações, que não eliminaram por completo os
resquícios do seu antecessor, devido a irracionalidade da lógica que rege o sistema do
capital, impedindo-o de planejar suas ações; a elevação da problemática questão
relacionada
a produção/distribuição/circulação/realização da riqueza socialmente
produzida; a exploração de mão de obra barata no “terceiro mundo” e as tentativas de
”abolição dos direitos de grupos e minorias” – inclusive a proteção dos sindicatos e a
antiga lei que assegurou o sálario mínimo para a seção mais desprotegida da classe
trabalhadora” (p. 237).
Tal situação é legitimada e respaldada pelo Estado, por intermédio de estratégias
via a “elaboração e o aperfeiçoamento dos métodos de ´'administração das crises” (p.
696), em consonância as necessidades das grandes nações capitalistas. Quanto ao papel
do Estado, hoje, em tempos de crise estrutural, nosso autor afirma que,
o Estado capitalista precisa agora assumir um papel intervencionista direto em
todos os planos da vida social, promovendo e dirigindo ativamente o consumo
destrutivo e a dissipação da riqueza social em escala monumental. Sem essa
intervenção direta no processo sociometabólico, que age não mais apenas em
situações de emergência mais em base continua, torna-se impossível manter em
funcionamento a extrema perdularidade do sistema capitalista contemporâneo (p.
700).
Assim, o Estado é chamado para favorecer o processo de deslocamento e
precarização do trabalho, intensificado após a flexibilização da organização do trabalho,
promulgando nas regiões mais afastadas do mundo, mandos e desmandos.
A tentativa irrefreável do sistema do capital de ir além de seus limites está
destruindo “as condições elementares de reprodução sociometáboloca, no intercãmbio
absolutamente inevitável da humanidade com a natureza” (p. 250), imputando aos
indivíduos, concebidos como seres egoístas por natureza, a responsabilidade por usarem
de forma inpensada os recursos naturais, cabendo a tais indivíduos, agora, apenas se
adaptarem a uma nova forma de vida sustentável. Assim:
As determinações e os imperativos materiais esmagadores que dirigem o capital
são minimizados e substituídos por impulsos psicológicos superficiais dos
indivíduos, transformando uma gravíssima questão multifacetada num discurso
5
neomalthusiano amplamente retórico sobre a necessidade de “controle
populacional” (p.251)
Através desse discurso retórico e da culpabilização dos indivíduos por não
conterem seus instintos procriatórios, abstraindo assim, a tendência universalizadora do
capital, que a tudo absorve, desde “obstáculos naturais ou fronteiras culturais e nacionais”
(p. 252), que se reduz a problemática da devastação, destruição e poluição sistemática da
natureza ao que muitas vezes pode ser denominado de modismo. Tal problemática possui
um horizonte muito mais amplo e sério que esse. Ou seja:
Isto não vale apenas para as exigências de energia da humanidade ou para a
administração dos recursos naturais e dos potenciais químicos do planeta, mas
para todas as facetas da agricultura global, inclusive a desvastação em grande
escala das florestas e a maneira irresponsável de tratar o elemento sem o qual
nenhum ser vivo pode sobreviver: a água (p. 253).
É por isso que:
As prioridades adotadas no interesse da expansão e da acumulação do capital
são fatalmente distorcidas contra os condenados à fome e à desnutrição,
principalmente no “Terceiro Mundo”. O que não significa que o resto do mundo
nada tenha a temer com relação a isso no futuro. As práticas de produção e
distribuição do sistema do capital na agricultura não prometem, para quem quer
que seja, um futuro muito bom, por causa do uso irresponsável e muito lucrativo
de produtos químicos que se acumulam como venenos resíduais no solo. Da
deterioração das águas subterrâneas, da tremenda interferência nos ciclos do
clima global em regiões vitais para o planeta, da exploração e da destruição dos
recursos das florestas tropicais etc. Graças a subserviência alienada da ciência e
da tecnologia às estratégias do lucrativo marketing global, hoje as frutas exóticas
estão disponíveis durante o ano inteiro em todas as regiões – é claro, para quem
tem dinheiro para comprá-las, não para quem as produz sob o domínio de meia
dúzia de corporações transnacionais (p. 255).
Dessa forma, devido a lógica perdulária e destrutiva que norteiam o
desenvolvimento da produção capitalista, dimensões importantíssimas para a vida
humana, como a ciência e a tecnologia, são auto-orientadas para o lucro e não para o
desenvolvimento de respostas satisfatórias as genuínas necessidades humanas. Ao
mesmo tempo em que o desenvolvimento cientifico e tecnológico é liberado pelo capital
esses, também são, enquadrados e afinados aos seus ditames materiais.
O sistema do capital perpassa todos os níveis de intercâmbio humano, assim
sendo, também, se configura como uma dimensão importantissima à reprodução
sociometabólica do capital, a família. Neste sentido:
O aspecto mais importante da família na manutenção do domínio do capital sobre
a sociedade é a perpetuação – e a internalização – do sistema de valores
profundamente íniquos, que não permite contestar a autoridade do capital, que
determina o que pode ser considerado um rumo aceitável de ação dos indivíduos
que querem ser aceitos como normais, em vez de desqualificados por
“comportamento não conformista”. É por isso que encontramos por toda parte a
síndrome da subserviência internalizada do conheço-meu-lugar-na-sociedade (p.
271).
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A ideia de igualdade burguesa é discriminatória, porque está sempre submetida à
uma determinação material alienante, que força os indivíduos a não se reconhecerem
enquanto tal e a se adequarem a normas, conceitos e padrões que mutilam sua
subjetividade, interferindo, assim, na dimensão objetiva de sua vida. Daí a importância da
família, enquanto instituição hierárquica internalizadora de valores.
É nesse contexto que, foi definido o lugar histórico e cultural, das mulheres na
sociabilidade capitalista, já que essa exerce papel preponderante na constituição da
família nuclear burguesa tanto como reprodutora biológica, transmissora de valores aos
filhos e filhas e como força de trabalho. Logo, no que diz respeito, à luta histórica e
organizada das mulheres por igualdade nesta sociedade,
não resultou em sua emancipação. Em vez disso, apareceu a tendência de
generalizar para toda a força de trabalho a imposição dos sálarios mais baixos a
que as mulheres sempre tiverem de se submeter; exatamente como a
”concessão” legislativa às mulheres, no caso da exigência de tratamento igual em
relação á idade da aposentadoria, resultou na elevação da sua idade de
aposentadoria (p. 272).
O que não quer dizer que não houve nenhum avanço, porém: “As mulheres
tiveram de compartilhar uma posição subordinada em todas as classes sociais, sem
excessão (p. 286). Ressaltamos ainda que: “Na história, a demanda pela verdadeira
igualdade vinha à tona com especial intensidade em períodos de crise estrutural, quando,
por um lado, a ordem estabelecida se rompia sob a pressão de suas contradições
internas e deixava de corresponder as suas funções sociometabólicas essenciais (p. 286).
Nesse sentido, a emancipação feminina não é só uma questão de gênero ou do modo de
produção capitalista, vai além, ela está ligada à manutenção das sociedades de classe.
Dentro desse quadro, Mészáros comenta que a emancipação feminina “dadas as
condições estabelecidas de hierárquia e dominação, a causa histórica da emancipação
das mulheres não pode ser atingida sem se afirmar a demanda pela igualdade
verdadeira” (2002, p.271), ou seja, a igualdade não como algo abstrato e formal referente
a determinados sujeitos ou setores sociais, e sim, as formas de organização social como
um todo em prol da superação das sociedades de classe.
No tocante ao desemprego crônico, é tratado na sociedade capitalista como um
fenômeno ligado às leis pseudonaturais e atemporais, como a teoria Malthusiana do
aumento da população, que negava qualquer tipo de assistência social aos pobres, a
menos que esta fosse concebida de forma esporádica, isenta do caráter de direito social.
Assim sendo:
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O problema é que, ao mesmo tempo em que se projetam (e se adiam)
pseudoemegências e catástrofes determinadas pela natureza, a “explosão
populacional” realmente ameaçadora – a tendência irresistível de desemprego
crônico em todos os países – é ignorada e completamente deturpada. É
deturpada como se fosse devida apenas a desenvolvimentos tecnológicos e às
descobertas científicas básicas e, portanto como se fosse devida à “aparência de
leis naturais”. Assim uma vez que se ignoram os parâmetros estruturais dados e
as limitações do sistema sob o qual operam as forças produtivas humanas e
materias […], os únicos remédios aceitáveis – no caso de se reconhecerem os
perigos da instabilidade – são, mais uma vez, os que puderem ser considerados
externos à dinâmica social real (p. 320. Grifos do autor).
O desemprego que atinge hoje grande parcela do mundo, não se deve a
“revolução” tecnológica ou científica, nem mesmo a falta de meios de subsistência em
relação a população mundial ou a “população redundante” ao sistema do capital, e sim, a
recusa por parte dos apologistas do capital em admitir a intensificação das contradições e
desigualdades inerentes a esta forma de sociabilidade. Desta forma:
Quando os defensores do sistema começaram a admitir que a escala do
desemprego era um pouco maior do que a que poderia estar contida nos
“pequenos bolsões” – e que tinham que admiti-lo porque precisavam cortar o
defict financeiro do Estado, que havia sido enganosamente atribuído ao “excesso
de auxílio desemprego” e não a sua causa subjacente -, continuaram a postular
que a nova fase do “desenvolvimento industrial” e da “revolução tecnológica”
consertaria tudo no devido tempo […] uma vez que as novas políticas […] fossem
“implantadas”, e que o “ambiente político”, assim como o “clima econômico”
favorecessem realmente a dinâmica expansão empresarial (p. 323).
Porém, o movimento real da dinâmica social está mostrando o contrário, desde os
anos 70 do século passado o desemprego crônico ou estrutural vem se aprofundando. A
flexibilização do trabalho que acompanhou o ideário neoliberal rebateu diretamente no
mercado de trabalho e provocou a desarticulação da classe trabalhadora através da
redução dos direitos trabalhistas e da competição acirrada entre os indivíduos sociais,
gerando conflitos e demissões em massa até mesmo nos países centrais, tendo como
consequência a precarização e marginalização de massas trabalhadoras. Para Mészáros,
são dois os pilares de sustentação de tal situação: “(1) torne a força de trabalho
precarizada, e (2) transforme em criminosos os que protestarem contra” (2002, p. 321).
Assim, o desemprego adoece, nos mais diversos sentidos, homens e mulheres em todo o
mundo porque tira até mesmo sua dignidade.
Assim sendo, a referida crise resvala no âmbito econômico, nas instituições
políticas e em tudo que componhe o conjunto das relações humanas tornando-as cada
vez mais instáveis e destrutivas, especialmente nos países de “terceiro mundo”, onde as
estratégias ‘modernizadoras’ do sistema do capital foram anuladas, por diversos fatores,
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entre eles a difusão de uma cultura subalterna. Herança deixada pelo processo de
colonização. Em relação aos países de “terceiro mundo” Mészáros afirma que,
a situação de dois bilhões e meios de pessoas do ‘Terceiro Mundo’ – um número
vertiginoso, do qual mais de um bilhão tinha que sobreviver, em 1995, com
menos de um dólar por dia, tal como agora reconhecido até pelo Secretariado da
Nações Unidas – não melhorou nem mesmo com as estratégias barulhentas, mas
pateticamente inadequadas, de “modernização” e “ajuda econômica”. Hoje, sob o
impacto de seus crescentes problemas e fracassos socioeconômicos, até o
“núcleo” mais rico do sistema do capital global se recusa a alocar, com o
propósito de aliviar a pobreza mundial, os miseráveis 0,7 por cento do PIB com os
quais haviam se comprometido antes. Na verdade, massas cada vez maiores
estão hoje condenadas a provar condições de abjeta miséria também nos países
‘capitalistas avançados’, ainda que não nas mesmas extensão e intensidade
suportadas pelo ‘Terceiro Mundo’ (2002, p. 632. Grifos do autor).
Essas e muitas outras expressões da Questão Social são intensificadas a partir da
crise estrutural do capital, sendo majoritariamente, as massas populacionais dos países
de “terceiro mundistas” a sentí-las mais brutalmente. A partir dessas constatações,
Pimentel defende a tese de que “ao expor os limites absolutos do capital, Mészáros acaba
por revelar as expressões das refrações da denominada ‘questão social’ nos dias de hoje,
quando analisa, a partir da crise estrutural do capital, a ativação dos limites absolutos do
capital e suas formas de expressão na atualidade” (2007, p.132).
Segundo Braz e Netto, para tentar controlar a crise estrutural o grande capital,
fomentou e patrocinou a divulgação maciça do conjunto ideológico que se
difundiu sob a desiguinação de neoliberalismo – a disseminação das teses,
profundamente conservadoras, originalmente defendidas desde os anos quarenta
do século XX pelo economista austríaco E. Hayek (1899 – 1992), que dividiu em
1974 o Prêmio Nobel de Economia com Gunnar Myrdal. O que se pode
denominar ideologia neoliberal compreende uma concepção de homem
(considerado atomisticamente como possessivo, competitivo e calculista), uma
concepção de sociedade (tomada como um agregado fortuito, meio de o individuo
realizar seus propósitos privados) fundada na idéia da natural e necessária
desigualdade entre os homens e uma noção restrita de liberdade (vista como
função da liberdade de mercado). Vulgarizando as formulações de Hayek, a
ideologia neoliberal, maciçamente generalizada pelos meios de comunicação
social a partir dos anos oitenta do século passado, conformou um espécie de
senso comum entre os serviçais do capital (entre os quais se contam
engenheiros, economistas, administradores, gerentes, jornalistas etc) e mesmo
entre significativos setores da população dos países centrais e periféricos (p. 226.
Grifos do autor).
Nossos autores salientam, ainda que,
o Estado foi demonizado pelos neoliberais e apresentado como um trambolho
anacrônico que deveria ser reformado – e, pela primeira vez na história do
capitalismo, a palavra reforma perdeu o seu sentido tradicional de conjunto de
mudanças para ampliar direitos; a partir dos anos oitenta do século XX, sob o
título de reforma(s) o que vem sendo conduzido pelo grande capital é um
gingantesco processo de contra-reforma(s), destinado à supressão ou redução de
direitos e garantias sociais (p. 227).
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Dessa forma a ideologia neoliberal propagou a necessidade de um Estado mínimo,
ou para melhor esclarecer a diminuição das funções estatais, principalmente, no que diz
respeito à satisfação dos direitos sociais e que rompe-se com as restrições sociopolíticas
que interferissem na liberdade de marcado das grandes potências capitalistas, por
exemplo as restrições ligadas à industria bélica, intensificando o processo de
transferência da riqueza social. Tal processo de privatização atingiu diretamente as
dimensões democráticas de intervenção do Estado no que diz respeito à regulamentação
das relações de trabalho, ao desmonte dos sistemas de seguridade social, à privatização
de complexos industriais nacionais inteiros e serviços de primeira importância para a
sociedade cívil. Nossos autores salientam que: “Essa monumental transferência de
riqueza social, construída com recursos gerados pela massa da população, para o
controle de grupos monopolistas operou-se nos países centrais, mas especilmante nos
países periféricos – onde em geral significou uma profunda desnacionalização da
economia e se realizou em meio a procedimentos corruptos (p. 228). Na América Latina
esse processo ganhou força ideológica em 1989, em Washigton, onde reuniram-se
funcionários do governo norte-americano e de organismos financeiros internacionais para
traçar um plano de ação para a reforma neoliberal nesse continente.
Contudo, todas as estratégias neoliberais implementadas, até agora, para conter a
atual crise estrutural do capital se mostraram falhas, porque, segundo Mészáros essa
crise possui o potencial de desestabilizar o sociometabolismo do sistema do capital e traz
em seu interior a ativação, do que ele, chama de limites absolutos do capital. Na nossa
percepção, tais limites contribuem substantivamente para expandir e aprofundar o leque
de expressões da Questão Social na sociabilidade contemporânea. Resulta daí, a
importância para o Serviço Social, compreender os nexos causais da crise estrutural do
capital e as novas formas de expressão da Questão Social, objeto de sua ação
profissional.
Conclusão
A crise do capital que experimentamos hoje é a manifestação escancarada das
contradições e perdularidade inerentes ao sistema do capital em seu processo histórico
de expansão e acumulação, afetando, paulatinamente, a totalidade de todo o complexo e
subcomplexos da vida social. Nesse sentido, constatamos, em pleno século XIX, a
manutenção das raízes humano-materiais da “Questão Social” e o alargamento de suas
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expressões. Como buscamos explicitar, essa não é uma crise que se caracteriza, apenas,
como uma disfunção parcial do sistema do capital, mas sim, que tal crise está diretamente
ligada a forma de reprodução social empreendida nesta sociabilidade. Suas origens estão
estritamente vinculadas à relação capital e de trabalho vigente na sociabilidade burguesa,
ou seja, a partir da divisão da sociedade em classes antagônicas, por meio da
expropriação dos produtores diretos dos meios de produção e da propriedade do produto
de seu trabalho.
A crise estrutural trouxe em seu interior a ativação dos limites absolutos do capital
que expressam a incontrolabilidade e irracionalidade da forma de organização social
vigente e põe em xeque a reprodução sociometabólica até mesmo do capital. Culpabilizase, por tal situação, o individuo entendido enquanto subjetividade não comprometida com
as normas e padrões que regem essa sociedade, retirando desse modo, a discussão do
âmbito social e aprisionando-a, somente, no âmbito psicológico e moral, isento de
qualquer reflexão ética substancial, deixando de lado a sua verdadeira causa subjacente.
Até agora, todas as estratégias formuladas para contornar tal situação só
conseguiram agravá-la, como é o caso do ideário neoliberal que provocou uma regressão,
especialmente no que concerne a garantia dos direitos sociais. Desse modo, a
resolutividade para os problemas inerentes à sociabilidade capitalista está na luta dos
sujeitos históricos pela sua superação, isto é, ir além do capital.
Bibliografia
BRAZ, Marcelo & Netto, José Paulo. As crises e as contradições do capitalismo. In:
Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo, Cortez, 2007.
GALEANO, Eduardo. As veias Abertas da América Latina. Trad. Galeno de Freitas. 38ª
Edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998, p. 14.)
PIMENTEL, Edlene. Uma “Nova Questão Social? Raízes materiais e humano-sociais do
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MARX, Karl. Capítulo XXIII – A Lei Geral da Acumulação Capitalista. In: O capital. Livro
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11
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Trad. Paulo
César Castanheira e Sérgio Lessa. 1ª ed. São Paulo: Editora da UNICAMP/BOITEMPO,
maio de 2002.
12
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