PRÁTICAS DE CRIAR CORPO – Sofia Neuparth Considero corpo um acontecimento. Comecei a estudar as práticas que exercitamos nestas sessões desde que comecei a ensinar dança, no início dos anos 80. Nessa altura eram sessões muito festivas que cada dia ginasticavam a experiência de qualquer pessoa poder saborear a dança. Começávamos sempre de pé porque me parecia que, se chegávamos andando, o melhor era continuar andando, apurando a atenção para a poesia dos gestos que fazemos acontecer só por estarmos vivos. Agora vejo mais a atmosfera que cada umaum produz nesse momento e deixo que a aula se concretize por entre essas invisibilidades. Nunca sei à partida o que vou dizer ou que prática vamos exercitar, mantenho-me rigorosamente afinada com o que vai aparecendo. Sempre me interessou tecer. Aceito que o corpo que vou sendo tem buracos, aceito que alguns desses buracos são a própria renda que me faz corpo-sofia. Não aceito a negligência e o abandono. Não aceito boicote ao sabor da dança. O encontro entre os tecidos do corpo, os tecidos do chão ou do ar pareciame, e ainda parece, um evento fascinante. A criação de formas que se vão fazendo corpo a partir da escuta da relação com o expandir-contrair, adensar-desajuntar, afundar-levitar foi a primeira pergunta que me desassossegou, e ainda desassossega, momento a momento. A elasticidade da atenção acompanha a elasticidade do gesto, é possível que alguns desses tais buracos ou outros lugares por onde não passa movimento me peçam anos e anos para se tecerem, outros realinham-se numa manhã. Apurar a escuta do corpo-acontecimento implica não me isolar do som, da temperatura, da luz, da relação entre a geografia do corpo e geografia da cidade. Assim, cada encontro da manhã abre espaço por entre as paisagens do corpo, deixar passar movimento, descomprime tensões fixadas onde o movimento não passa, escuta os mapas de linhas-manchas-deslizamentos-torções-embalosencaracolamentos. A escuta é movimento. É um trabalho sem princípio nem fim que celebra a continuidade que vibra em começar. Está aí a festa, a exuberância: continuar começando!