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Carta do IBRE
Dezembro 2009
A inescapável
poupança externa
Por se tratar de questão central no debate
fatores, responsável por cerca de 40% da
sobre o desempenho econômico brasileiro, a
expansão do PIB no período.
escassa poupança nacional é tema recorrente
A taxa de investimento, por sua vez, subiu
nas Cartas do Ibre. Mesmo com tudo o que
firmemente de 14% do PIB, em 2003, para
já foi dito, o assunto está longe de esgotado
19,1% no terceiro trimestre de 2008, quando
e, por isso, merece novas reflexões. Com o
foi abalroada pela turbulência e despencou.
surpreendente ritmo da retomada da econo-
Tudo leva a crer, porém, que, com a vigorosa
mia após a fase mais aguda da crise global,
recuperação da economia, e a rápida reocupa-
o Brasil caminha novamente para apresentar
ção da capacidade instalada, os investimentos
significativos déficits nas contas correntes,
devem retomar a marcha batida que caracte-
a outra face da moeda da importação de
rizou os ótimos anos antes da crise.
poupança externa para compensar o nosso
A decolagem simultânea do consumo e dos
excesso de consumo e investimento em rela-
investimentos, porém, recoloca em pauta a
ção à renda.
questão da poupança. De maneira bastante
Com a atratividade do país talvez no seu
esquemática, poder-se-ia dizer que os déficits
ponto máximo da história, num momento em
em conta corrente são mais desconfortáveis
que as qualidades do Brasil como receptor de
para os economistas que temem uma exces-
investimentos são exaltadas por prestigiosos
siva dependência do resto do mundo, do que
órgãos da imprensa mundial, como Financial
para aqueles que tendem a encarar a baixa
Times e The Economist, não parece faltar
poupança como uma característica estrutu-
disposição internacional para financiar a
ral. Para o segundo grupo, mais do que um
economia brasileira. E , de fato, a fase de
problema insolúvel, os déficits demandam
crescimento iniciada em 2004, e brevemente
a adequação do ambiente institucional e do
interrompida pela crise global, parece ter
marco regulatório à necessidade permanente
muita qualidade. Trata-se de um ciclo puxa-
de atrair poupança externa como complemen-
do pelo aumento da produtividade total dos
to da doméstica.
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Dezembro 2009
Debate
uma base de dados de 150 países, de 1965 a
Os economistas que esposam esse ponto de
1994, montada por técnicos do Banco Mun-
vista defendem, de maneira geral, o ajuste
dial: “What drives savings across the world
fiscal como forma de amenizar a carência de
(o que condiciona a poupança pelo mundo)”,
poupança, pelo aumento de seu componente
Review of Economics and Statistics, maio de
público. Além disso, o controle dos gastos
2000: 165-181. Com o auxílio da técnica de
correntes do governo pode abrir espaço para
painel dinâmico, desenvolvida nos estudos
a queda dos juros, o que barateia a interven-
de Arellano e Bover, em 1995, e por Blundell
ção do Banco Central no mercado cambial.
e Bond em 1997, o trabalho tenta avaliar a
Assim, permite o equilíbrio macroeconômico
correlação de diversas variáveis com a pou-
com um câmbio real um pouco menos “va-
pança doméstica.
Os resultados do estudo apontam um
lorizado”.
Para essa corrente de economistas, porém,
forte componente de
o Brasil, com sua baixa poupança estrutural,
inércia na poupança.
jamais terá um câmbio real intenso e per-
Mas também fica cla-
sistentemente “desvalorizado”, como o dos
ramente identificado
países asiáticos. O máximo a que se pode
que poupança e renda
pretender é a obtenção de um modesto in-
n ac io n a l t e nd e m a
cremento de poupança pelo esforço do setor
crescer ju nt as , em-
público, atenuando um pouco a tendência à
bora não se consiga
valorização. E o único remédio que traz esse
determinar o sentido
efeito duplo é o ajuste fiscal.
da causalidade. A res-
O Brasil, com
sua baixa
poupança
estrutural,
jamais terá
um câmbio
real intenso e
persistentemente
“desvalorizado”,
como o dos
países asiáticos
Os economistas mais avessos ao desenvol-
trição fiscal (aumento
vimento dependente da poupança externa,
da poupança pública)
por sua vez, têm como espinha dorsal dos
most ra- se posit iva-
seus argumentos a hipótese de que é o próprio
mente correlacionada
crescimento que traz a poupança que viabiliza
ao aumento da poupança doméstica, mas
mais crescimento. Assim, compete ao governo
com 50% de neutralização, devido à reação
lançar a economia numa trajetória de rápida
em sentido contrário do componente privado
expansão, para que, desse modo, o país saia
— metade do aumento (presente ou esperado
da armadilha da baixa poupança. Como se
no futuro) da renda privada, proporcionado
vê, as receitas são quase opostas: ajuste fiscal,
pelo recuo das despesas do governo, é gasta;
num caso, impulso fiscal, no outro.
metade é poupada. A urbanização, por sua
1
O argumento de que o incremento na
vez, reduz a poupança doméstica, enquanto
taxa de crescimento da economia eleva a
a percepção de maior risco na economia e de
taxa de poupança não pode ser descartado
aumento da taxa de inflação elevam-na.
quando se analisa dados empíricos, o que
Apesar da associação entre crescimento
não significa, tampouco, que possa ser de-
e poupança revelada no estudo do Banco
finitivamente comprovado. Esse foi um dos
Mundial, o Brasil parece funcionar de forma
temas analisados num estudo que partiu de
oposta à média global nessa questão. No ciclo
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de crescimento de 2004 a 2008, a poupança
público, e dos cerca de 68% dos benefícios
doméstica caiu, levando a uma necessária
do INSS que atingem até um salário mínimo.
expansão da poupança externa absorvida
Na verdade, a contínua valorização real do
pela economia.
salário mínimo — que vem ocorrendo há mais
de uma década — faz com que o piso previdenciário do INSS englobe uma proporção
Simultaneidade
crescente dos benefícios, engrossando, por-
Uma possível explicação para a excepciona-
tanto, a massa das aposentadorias e pensões
lidade do caso brasileiro está no mecanismo
que acompanham, ou mesmo superam, os
que parece estar por trás da tendência geral
aumentos dos trabalhadores ativos.
de aumento simultâneo do crescimento e da
Todo esse arranjo deixa claro que, no
poupança doméstica. A China, com sua ex-
Brasil, o mecanismo pelo qual a expansão do
pansão vigorosa, talvez seja o país no qual
PIB impulsiona a poupança doméstica (e que
se possa ver com mais clareza esse fenômeno.
é muito vigoroso em campeões do crescimento
O aumento acelerado do PIB amplia a renda
como a China) encontra-se neutralizado. A
real dos trabalhadores em idade ativa, ao
poupança dos trabalhadores ativos brasileiros
passo que a renda dos inativos consegue, na
não é maior do que a despoupança de apo-
melhor das hipóteses, se manter em linha com
sentados e pensionistas, pelo simples fato de
o aumento do custo de vida. Dessa forma,
que a renda dos dois grupos cresce em linhas
com taxas muito elevadas de crescimento
paralelas — e quiçá a dos inativos cresça até
da economia, a poupança dos trabalhadores
mais, em alguns casos.
ativos se dá sobre rendas crescentes, enquanto
Na verdade, esta combinação gera um
a despoupança dos inativos é limitada pelo
desestímulo direto à poupança, mesmo na
pequeno tamanho relativo da sua renda, já
fase ativa da vida, pela generosidade da
Previdência brasileira. O impacto
dos sistemas previdenciários sobre
No Brasil, o mecanismo pelo qual a expansão
do PIB impulsiona a poupança doméstica (e que
é muito vigoroso em campeões do crescimento
como a China) encontra-se neutralizado
a propensão a poupar fica claro no
artigo “Social Security and Households’ Saving” Quarterly Journal
of Economics, agosto de 2003:10751119. Trata-se de um estudo com
microdados de consumo e poupança
que saíram do mercado de trabalho quando
de indivíduos, que busca avaliar o impacto
o país era bem mais pobre.
da reforma previdenciária italiana de 1992,
O Brasil, porém, foge a essa regra geral,
no governo Amato.
já que boa parte da massa dos rendimentos
A Itália era caracterizada tradicionalmente
de aposentadorias e pensões acompanha o
por elevados níveis de poupança (para país
aumento real dos salários dos trabalhadores
desenvolvido), atribuídos a um mercado
ativos (e por vezes até os ultrapassa). Esse é
financeiro pouco desenvolvido, com ênfase
o caso, por exemplo, de todo o funcionalismo
em hipotecas, e ao forte altruísmo interge-
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racional. A partir de 1980, porém, a taxa de
como já se viu anteriormente, o crescimento
poupança doméstica inicia um movimento
econômico, por si mesmo, tampouco deve
mais forte de queda. Depois de ter chegado
ampliar a poupança, pois não há o descola-
a 24% do PIB, em 1960, caiu para algo em
mento entre a renda de ativos e inativos que
torno de 10% no início dos anos 1990.
ocorre na maior parte dos países em processo
O sistema previdenciário italiano teve seus
de acelerada expansão do PIB.
primeiros passos no sentido de tornar mais
Em suma, como país de baixa poupança
generosos benefícios e regras ainda nos anos
doméstica — mas, com uma economia saudá-
1950, o que pode explicar o movimento de
vel e plena de oportunidades de investimentos
queda da poupança doméstica. A reforma de
—, o Brasil deve consolidar um ambiente
Amato, na verdade, foi para corrigir alguns
institucional que permita ao capital externo
excessos de liberalidade, elevando a idade de
complementar de forma contínua o excesso de
aposentadoria e o número mínimo de anos para
consumo e investimentos em relação à renda
contribuição, e introduzindo o cálculo do bene-
nacional. Não se trata de se endividar de for-
fício em função do salário médio da vida ativa,
ma açodada e despreocupada com o resto do
em vez dos últimos cinco anos. São mudanças
mundo. O principal canal desse financiamento
que, inclusive, lembram as duas reformas da
deve ser o da renda variável, seja na aquisição
Previdência brasileira desde os anos 1990.
de ações ou em investimentos diretos. Além
O estudo de microdados mostra que, para
disso, mesmo dentro do contexto de absorção
trabalhadores em plena idade ativa, num in-
de capitais externos e de câmbio relativamente
tervalo de faixa etária em torno de 40 anos,
valorizado (duas faces da mesma moeda), sem-
a queda no valor presente dos benefícios
pre é bom se preocupar com os excessos. Um
previdenciários futuros traduziu-se em um
Estado com gastos correntes mais controlados
aumento da poupança pessoal numa escala
e investimentos maiores ajudaria, agregando
próxima de um para um. Esse é
talvez um dos trabalhos empíricos
a indicar de forma mais robusta e
bem fundamentada que, de fato, as
expectativas sobre benefícios previdenciários futuros influenciam as
O financiamento externo deve se concentrar em
renda variável, isto é, na aquisição de ações ou
em investimentos diretos
decisões individuais de poupança.
alguma poupança doméstica adicional, e re-
Generosidade
movendo parte da pressão de alta do real.
No Brasil, portanto, como o sistema previdenciário é especialmente generoso — e
a economia política indica que a tendência
1
futura é ampliar ainda mais os benefícios
taxa de câmbio nominal para se obter uma depreciação real per-
—, não se devem nutrir ilusões acerca de um
manente, que viesse a transferir renda do trabalho para o capital.
grande aumento da poupança privada. E ,
Esse tema foi tratado na Carta do Ibre de junho de 2009.
Há ainda aqueles que defendem o instituto da manipulação da
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