Rev. Bras. Marcspasso e Arritmia 5(3): 52·54. 1992. Espacto Aberto Inibi~6es por miopotenciais esqueleticos: Ainda hoje e problema? Paulo Roberto de Almeida GAUCHM REBRAMPA 78024-09 No inicio da decada de 80, a estimula~ao cardia· ca artificial no Brasil dispunha de marcapassos assincronicos, nao programaveis ou programaveis em 2 parametros. Estes ultimos permitiam a programa¢o em frequencia e largura do pulso. Os geradores multiprogramaveis, particularmente com programat;30 de valares diversos de sensibilidade , comer;aram a ser implantadas entre 1981 e 1982 e tornaram-se de usa rotineiro na metade da decada. Mas foi no inicio, mais precisamente entre 1980 e 1981, que as inibir;oes e/ou reversoes do estimulo do marcapasso, provocadas por miopotenciais esqueleticos, surgiram como uma importante complicar;ao, clareando 0 diagnostico de sintomas que, ate entao, nao tinham justificativa. Lembro ainda 0 caso de uma paciente que em 1979 reclamava de tonturas quando penteava 0 cabelo, outra apresentava 0 sintoma quando varria a casa ou lavava a roupa no tanque . Estas queixas eram frequentes em todos os Centr~s de Controles de Marcapa~sos mas, como ao exame clinico, eletrocardiografico e ate ao Holter MO se conseguia identificar as altera~oes no estfmulo do marcapasso, MO se dava importancia aos sintomas. Quando se medicava, fazia-se com vasodilatores cerebrais ou antiarritmicos. Os manuais que acompanhavam os marcapassos eram clares em afirmar que a sensibilidade vinha fixada em torno de 2.0 milivolts porque os miopotenciais eram da ordem de 0.6 a 1.0 milivolt. Grave erro dos fabricantes. Alguns anos depois chegamos a registrar potenciais musculares peitorais de ate 4.0 milivolts. Estes potenciais, vistas ao osciloscopio, com grande velocidade de varredura, surgiram com urn desenho semelhante ao QRS endocardico e com amplitude media em torno de 2.5 milivolts. Todos os setores envolvidos desconheciam 0 problema. Os cirurgioes quando implantavam marcapasso em pacientes chagasicos tinham dificuldades em encontrar bons sinais endocardicos, de modo a oferecer urn born funcionamento na demanda dos geradores, evitando-se assim a competir;ao de ritmos . Os cabos-eletrodos existentes na epoca ja possuiam tecnolog ia de p~nta . Entretanto, a superficie de estimular;ao destes cabos era a mesma destinada captar;ao dos sinais endocardicos, sendo entretanto, impropria para obter-se uma boa sensibilidade. Os geradores de pulso, por sua vez, permitiam programar;oes so mente em frequencia e largura do pulso . Urn renomado fabricante construiu entao um gerador dotado de alta sensibilidade, em torno de 1.0 milivolt, na tentativa de solucionar a questao. Deram a este aparelho 0 nome de marcapasso para Chagas. Realmente, resolveram urn problema. Diminufram consideravelmente as complicar;oes de competir;ao de ritmo, ja que 0 gerador sentia tudo. Sentia ate, e principalmente, 0 que nao deveria sentir, ou seja, os miopotenciais esqueleticos, alem de outras interferencias externas. Oeste fato resultou urn estigma ex istente nos marcapassos. E co mum, ainda hoje, ouvirmas temores dos pacientes, com relar;ao ao funcionamento do marcapasso frente ao usa de eletrodomesticos. Efreqiiente tambem a queixa de pacientes que MO conseguem realizartratamento dentario porque o profissional nega-se a faze-Io, por desconhecer 0 comportamento do marcapasso frente a sua apareIhagem. Sao apenas dois exemplos da inseguran~a e desconhecimento que a popula~ao, de um modo geral, manifesta. Estes temores tiveram sua origem com a utiliza~ao destes marcapassos extremamente senslveis, que se comportavam inadequadamente frente as intelierencias ambientais, somado ao fato de que, o paciente portador de qualquer tipo de protese tornase dependente, emocional e fisicamente, dos limites oferecidos pelo aparelho. Como nao se conheciam as fronte iras, ficava realmente muito dificil explicar aos doentes suas limita~oes. Relembro este fato so para a M M~dico Responsavel pelo Selo, de Mrucapasso e Auimia do SetV~ do Prof. Dr. Sergio AJrneida de Oliveira . Editor da Revista BrasiJeira de Marcapasso e Arritmia (Aeb,ampa) . Hospial Beneficencia Portuguesa de Sao Paulo. Ender~ : Rua Maestro Cardim.794 . CEP: 01323.()()1 - 52 Sao Paulo - SP - Brasil. GAUCH, P . R. A. - Inib~6es por miopotendais esqueleticos: Ainda hoje 1992 . e problema? Rev. Bras. Marcapasso tJ Arritmis, 5(3) : 52-54, ressaltar que ninguem conhecia realmente a ordem a~ao de valores que pode gerar urn potencial muscular implanmveis; 3) Eletrocardiografia dinamica em pacientes portadores de marcapassos unipolares que apre- esqueletico e as suas consequencias. Os cirurgices preferiam a estimula,ao unipolar, mesmo implantando cabos-eletrodos bipolares por varios motivos . Eis alguns argumentos utilizados : a) a espfcula do marcapasso era mais feci! de ser Identificada na cifnica, visto que a espfcula da estimula,ao bipolar e de pequeno tamanho; b) 0 Miniclinic, fabricado com circu~o oferecido pela tecnologia da epoca, tinha dificuldade para captar 0 sinal da estimula¢o bipolar; c) maior dificuldade de obter-se inibiyao do marcapasso bipolar, atraves de estimula9flo cutanea, quando se queria classifiear 0 grau de dependencia ao marcapasso; d) no caso de fratura do cabo-eletrodo unipolar ocorreria a perda da estimula'Yao automaticamente, sendo que no sistema bipolar, s6 se a fratura ocorresse no polo estimulado etc. Observem que a principal complica,ao dos sistemas bipolares, que e a taquicardia por circuito de reentrada entre os dois polos intracardfacos do caboeletrodo, ainda nao havia sido destacada em importancia, nao sendo portanto, motivo que desabonasse o usa deste tipo de estimulactao. A eletrocardiografia dinamica - sistema Holter MO possufa 0 equipamento hoje eXistente, resultando em muitas interlerencias no trar;ado. 0 que hoje e facilmente identificado como inibi,ces do estfmulo do gerador por miopotenciais, na epoca, por ser desconhecida esta entidade, era interpretada como interlerencia au rna capta'Yao do sinal cardiaco. Justificavase assim a ausencia da espfeula do mareapasso somada as altera,ces e interferencias na linha de base. A primeira referencia bibliografica publicada em oosso meio, tratando do assunto especifico das ini- bi,ces e/ou reversces dos marcapassos, por influencia dos miopotenciais esqueleticos, surgiu em 1981, nos resumos do XXXVI Congresso Brasileiro de Cardiologia. 0 trabalho foi apresentado como temalivre pelo Dr. Celso Salgado de Melo, representando o Grupo do Dr. Decio S. Kormann, com quem traba- lhavamos na epoca. Para efeito de localiza,ao, os lemas apresentados neste ano tratavam de estabelecer criterios para a indica,ao de implante de marcapasso unicamerais; mostravam a experiencia inicial, com poucos casos, de estimu ta~ao sequencial; estabeleciam as condutas adotadas em clfnica de marcapasso etc. o Dr. Decio Kormann, entre 1979 e 1981, alertado sobre 0 problema, utilizou todos os eslor,os pessoais e de sua estrutura no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia para desvendar tudo a respe ito das inibi¢es e/ou revers6es dos marcapassos por mio- patenciais. Este fato resultou em varias publica,ces : 1) Inibi,ces de marcapassos unipolares frente a miopotenciais; 2) Material e metodo para avalia,ao da de miopotenciais sobre marcapassos cardfacos sentaram inibi¢es por miopotenciais na clfnica de marcapasso; 4) Reversao para frequencia assincronica de marcapassos unipolares por miopotenciais; 5) Bipolariza,ao de marcapassos unipolares que apresentam inibi,ces por miopotenciais; 6) Influencia de miopotenciais sobre geradores unipolares multiprogramaveis e fisiol6gicos; 6) Estimula'Yao cardfaca com teleanodo : uma nova tecnica para estimula'Yao eletri- ca do cora¢o (foi eletto 0 melhortrabalho do Congresso Nacional de Cirurgia Cardfaca realizado em Sao Paulo, no ano de 1986), Estes temas, ah;m de identificarem e classificarem 0 problema, orientaram como detecta10 e trouxeram solu'Yoes economicas de tratamento.O Dr. Kormann foi incansavel na divulgac;ao destes achados. 0 principal objetivo, que era 0 de alertar toda a comunidade , foi atingido, tendo grande repercussao na classe medica brasileira e no exterior. Todos se convenceram da importancia do problema e a primeira solu'Yao encontrada, foi abandonar 0 usa da estimula~ao unipolar, optando sistematicamente pelo sistema bipolar. Esta conduta foi avalizada pela comunidade medica mundial, e em nosso meio, teve o apoio do Dr. Kormann que sentenciou a seguinte frase : -Todos os mareapassos unipolares devem tra- zerem seu env61ucro a mensagem - CUI DADO: PERIGO A VIDA".Os fabricantes de marcapassos, alertados sabre a problema, trataram de investir esfor'Yos para oferecer uma maior maleabilidade na programac;ao da sensibilidade dos marcapassos multiprogramaveis, que ja estavam surgindo. Dois an as bastararn para que tivessemos geradores que permitissem programar a sensibilidade a valores que viabilizavarn a utiliza'Yao da demanda, frente a ritmos proprios card faces e simultaneamente, minimizavam, sem entretanto selucionar, as indesejaveis inibi'Yoes e ou/reversoes por miopoteneiais. Neste periodo, a utiliza~ae retineira de sistemas bipolares fez surgir a complica'Yao mais indesejavel deste sistema: a taquicardia por cireuito de reentrada entre os dois polos da estimula,ao artificial. Esta taquicardia, para perpetuar-se exige que: 1) os dois polos de estimula,ao (anodo e catodo) estejam em contato com 0 musculo cardiaco e tenham limia- res de comando propfcios a despolariza-Io; 2) que estas por'Yoes musculares, onde os cabos-eletrodos estao impactados, possuam periodos refratarios diferentes , Se estes dois fatos existirern, n6s temos as condi~oes necessarias e sufieientes para engatilhar urna taquicardia por reentrada . Esta complica,ao do sistema bipolar e mais grave ainda que as inibi'Yoes e/ou reversoes do sistema unipolar ja que , esta ultima s6 acontece quando 0 paciente desenvolve esfor, o com os membros, sendo de alguma mane ira controll;vel. Ja as taquicardias do sistema bipolar, quando instaladas, nao permitem nenhuma profilaxia. 53 GAUCH, p, R. A. -Injbj~oes por miopotenciais esqueleticos: Alnda hoje e problema? Rev. Bras. Marcapasso eA"itmia, 5(3): 52-54, 1992. Chegamos a passar alguns anos sem ler realmenle uma op~ao eficienle. Os dois sislemas tinham problemas e durante algum lempo reslavam algumas Ah€!m destas soluc;oes, restavam ainda a uso do leleanodo ou a bipolariza~ao dos marcapassos unipolares, ambas cria~6es do Dr. Decio Kormann. solut;6es: 1) se a decisao fosse para 0 implante de marcapasso bipolar, procurava-se posicionar 0 cabo- Esles problemas lodos foram resolvidos pelos eletrodo de forma a nao oferecer contalo lisicc enlre fabricantes de marcapassos com a desenvolvimento o catodo e 0 musculo cardfaco, tentanto assim eli- minar a possibilidade de engalilhar a taquicardia. Como a sistema cabo-eletrodo-corac;ao nao e estatico , a resultado conseguido na sala cirurgica era, por vezes, falso, pois nao espelhava a sistema frente a dinamica poslural e de movimenlos desenvolvidos pelo pacienle; 2) se a o~ao era para 0 implanle de sislema unipolar, procurava-se obter, durante a cirurgia, ex- celenle resposla endocavitaria dos complexos QRS para programar-se a sensibilidade dos marcapassos multiprogramaveis a valores em lorna de 4 a 5 milivolts, de modo a -tentar fugi'- dos miopotenciais esqueh€!ticos e continuar funcionante a sistema de demanda para as ritmos pr6prios, alem de orientar a paciente para MO executar esforc;os fisicos. Esta opc;ao falhava quando 0 pacienle apresenlava ou desenvolvia pos- teriormente, extrassistoles de baixa amplitude de sinal. Neste caso nao tinha soluC;ao, paiS para sentir a arritmia, aumentava-se a sensibilidade do sistema e voltava ao problema original. A pro posta de utilizar marcapassos no modo de geradores capazes de eSlimular de forma unipolar e senlir de forma bipolar. Solu~o simples na leo ria e na pratica. Com a estimulac;ao unipolar isolamos a possibilidade de taquicardias por reentrada e, com a sensibilidade bipolar, a sistema fica imune as interfer€mcias musculares externas ao corat;ao. A evoluc;ao simultanea de novos cabos-eletrodos, com areas em proporc;oes pr6prias para estimulat;ao e sensibilidade, 1acilitaram a utilizac;ao destes novas sistemas. Ainda hoje a grande maio ria dos marcapassos disponfveis no mercado nao possuem este sistema, restringindo-se a alguns modelos, a sua pratica. Continua, portanto, sendo urn problema atual, apesar de ja exislir a solu~ao . Nao e assim que a classe medica deseja. Islo deve-se, provavelmenle, ao fate de que pouccs fabricantes devem ler a patente exclusiva desta soluc;ao e inviabiliza as concorrentes de usa-Ia. Acreditamos que a curto prazo, a bom sensa dos 1abricantes nos leve a ter este sistema como um modo de 1uncionamento, possivel de ser programado em qualquer marcapasso produzido. Este feito ira deflagrado beneficiou poucos pacientes. Primeiro porque propiciar uma melhor qualidade de vida ao pacienle, nilo eram todos as geradores disponiveis no mercado liberando-o para executar tarefas comuns no dia a dia. desenvolvendo maior confianc;a no sistema im- que possufam esle modo de programa~ao 0 que eliminava esta opc;ao na grande maio ria dos casos, principalmenle nos pacienles ja portadores da prolese. Outro fato que, esle modo de funcionamento do e as marcapasso, frente interferencias extra-cardlacas, e nestas inclui-se as potenciais musculares, invariavel- plantado. Ai enliio poderemos dizer que, realmenle, toda esta problernatica estara resolvida e que a inlera~ao medico-industria conseguiu solucionar urn problema, oferecendo, a todos os pacientes, urn tratamente e1icaz e isento de complicaf1oes. Neste dia, e somente menle, geramfrequ,,"cias de eslimula~ao inadequada. nesle dia, poderemos dizer que sobrou Prevenia, com certeza, as assistolias provocadas por zado sabre 0 assunto mas, esta hist6ria pertence ao 0 aprendi- rna interpreta~ao do sinal recebido, mas gerava, passado e deve ser sempre lembrada como exemple frequentemente, taquicardias, pelo mesma motivo. de evolut;ao no tratamento medico das arritmias. 54