A saída para o problema da água

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22/03/2016 ­ 05:00
A saída para o problema da água
Por Nicola Calicchio e Marcus Frank
Um bilhão e trezentos milhões de pessoas. Esse é o aumento esperado na população mundial nas próximas duas
décadas, o que elevará ainda mais a competição por um dos recursos mais importantes para a humanidade, a
água. Mantido o padrão atual de consumo, a demanda global por água será 40% maior que a oferta em apenas
vinte anos. Ainda há tempo para corrigir o curso desse rio e grande parte da solução está em usar melhor a água
que temos.
Crises hídricas não são um problema restrito ao Brasil, mas algo global, afetando cada vez mais países, em todos
os continentes. Na Índia, a expectativa é de déficit hídrico de 50% em 2030, alimentado pela combinação de baixa
produtividade na agricultura e infraestrutura hídrica obsoleta. O problema é semelhante na Austrália, embora as
causas sejam distintas. Lá o problema é de geografia: a agricultura e a população urbana do país estão
concentradas em áreas onde os recursos hídricos são mais escassos.
O ritmo das melhorias de gestão da água e de crescimento da oferta não é suficiente para solucionar o problema.
Mantidos os padrões históricos, em 2030 o déficit entre oferta e demanda será de 25%.
Períodos secos podem se tornar a regra, não a exceção, por conta do desmatamento acelerado da
Amazônia
A situação no Brasil é particularmente complexa. Os próprios atributos do país jogam contra. O Brasil realmente
é rico em água, especialmente na Amazônia, onde está a maior bacia hidrográfica do mundo. A água amazônica,
porém, não está disponível em termos práticos: não é economicamente viável ou ambientalmente sustentável
bombeá­la por milhares de quilômetros para abastecer as regiões mais povoadas. A localização e a preocupação
com a preservação dessa reserva a tornam inutilizável.
Resta abastecer cidades com fontes próximas, que rapidamente caminham para atingir seu limite de oferta. No
Sudeste, a recente crise hídrica levou a uma disputa entre São Paulo e Rio de Janeiro pela água do rio Paraíba do
Sul, numa espécie de prelúdio de conflitos que podem se tornar cada vez mais comuns.
A forte seca de 2013 e 2014 mostrou que fatores externos têm um peso significativo sobre o equilíbrio entre oferta e
demanda e representam risco praticamente impossível de ser previsto. Mais que isso, regimes secos como esses
podem se tornar a regra, não a exceção, por conta do desmatamento acelerado da Amazônia.
Em praticamente todo o planeta, a faixa entre as latitudes 15° e 25° Sul compreende áreas desérticas ou secas.
Uma das poucas exceções é o Brasil. No país, essa faixa coincide com boa parte do Sudeste, onde há mais chuvas
graças à umidade da Amazônia que, sem conseguir atravessar os Andes, se condensa e leva ao maior volume de
precipitação. Com o desmatamento, a evaporação diminui e o mesmo acontece com as chuvas.
A seca dos últimos anos, independentemente da causa, deixou claro que os esforços de prevenção não foram
suficientes, e as reservas chegaram a níveis alarmantes, exigindo medidas radicais, de urgência, sem
planejamento e com impactos negativos para a população. Em parte, a complacência com a prevenção vem da
ilusão de abundância de água no país. Essa ilusão também explica o nível relativamente baixo de importância que
se dá ao combate ao desperdício. Hoje, 37% da água tratada para consumo no Brasil é perdida durante a
distribuição, antes mesmo de chegar às torneiras da população.
São Paulo pagou alto preço pelas perdas na distribuição de água. Do 1,27 trilhão de litros da capacidade total do
Sistema Cantareira, incluindo o volume morto, 420 bilhões de litros se perdem antes de chegar ao consumidor ­
montante comparável à capacidade total do Sistema Alto Tietê, de 573,8 bilhões de litros de água.
A existência de dificuldades hídricas em países com diferentes realidades sociais e econômicas evidencia a
enormidade dos desafios para resolver a questão da água. Mais importante, deixa claro que não há apenas um
caminho.
A escolha da solução ideal para cada país e região está intimamente
ligada às suas particularidades. Aumentar a produtividade e reduzir
o desperdício são, ainda assim, as soluções mais baratas e eficientes
na maioria dos casos. A diminuição de vazamentos e maior
reciclagem são melhores alternativas que dessalinização da água do
mar ou transferências do recurso por longas distâncias. O debate
público no mundo, entretanto, se concentra mais em como aumentar
a oferta do que em como melhorar a gestão do que já está disponível.
Para o Sudeste brasileiro, melhorias de eficiência no uso da água custariam metade do que precisaria ser gasto em
iniciativas exclusivamente voltadas para o aumento do fornecimento. A crise hídrica forçou o Estado de São Paulo
a melhorar a gestão do recurso, pois se viu sem fontes adicionais para elevar a oferta.
Ainda que seja necessário considerar as características locais específicas é possível aprender com exemplos do
exterior. Israel, país desértico com apenas uma fonte de água, por necessidade se tornou líder mundial em termos
de reciclagem. Hoje, 75% da água é reutilizada no país.
Mesmo países em desenvolvimento têm a ensinar. A capital da Namíbia, Windhoek, fica em região desértica e
com fontes limitadas de água. Iniciativas para melhorar o controle de vazamentos na rede de tubulações e o
monitoramento mais detalhado do sistema ajudaram a reduzir significativamente o desperdício. A cidade perde
apenas 10% de sua água na distribuição, o melhor índice do sul da África e comparável às melhores marcas
mundiais.
A escassez de água é uma ameaça iminente que, se ignorada, afetará o bem­estar de toda a humanidade. A gestão
inteligente e eficiente da água deve ser uma prioridade global.
Conflitos armados como os travados pelo controle de fontes de petróleo podem, no futuro, se repetir pelo controle
da água, caso o problema não seja equacionado. O desafio é complexo, mas não insolúvel. Planejamento,
conhecimento prévio das dificuldades e análise criteriosa para decidir pelas medidas mais indicadas são o
caminho para garantir água nas torneiras de todos.
Nicola Calicchio é diretor­presidente da McKinsey América Latina.
Marcus Frank é consultor sênior da McKinsey em São Paulo.
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