A proposta ora apresentada toma por base minha tese de doutorado em antropologia intitulada Entre ruas, becos e esquinas: por uma antropologia dos processos de construção da ordem na Lapa carioca12 onde pretendi trazer como questão central os processos de construção das noções de ordem e desordem, forjadas a partir das interações entre os policiais militares e os mais diversos atores sociais que circulam pelas ruas da Lapa, região considerada o “centro histórico e cultural” da cidade do Rio de Janeiro. O estudo fundamentou-se em trabalho etnográfico, realizado entre os anos de 2007 e 2008, e propôs compreender como o princípio constitucional da “preservação da ordem pública” é constituído e negociado na prática entre policiais, moradores e frequentadores que conformam o campo do controle e regulação social no contexto investigado. Importava, assim, compreender a noção de conflito e seu suposto contraponto que, se constituía a partir da dimensão de uma ordem a ser imposta a um contexto urbano em franca transformação. Nesta investigação, optei por analisar a política de policiamento denominada “Operação Lapa Limpa” - anunciada por seus idealizadores como um “choque de ordem” – onde foi possível explicitar as visões de mundo dos agentes policiais sobre suas práticas e as representações em torno de sua ação, de modo a contribuir para o debate acerca das lógicas que norteiam a definição e aplicação do policiamento público em contextos urbanos, marcados por disputas políticas e simbólicas que ora reiteram princípios igualitários, ora hierárquicos e produtores de desigualdades entre os indivíduos. Como proposta metodológica, pretendi experimentar a cidade sob outro ângulo de observação. Neste caso, focalizando um dos personagens mais conhecidos da cena urbana: os policiais militares. Para tanto, tomo como premissa para este estudo a possibilidade concreta do encontro entre policiais e cidadãos no espaço das ruas da Lapa. Considerando, que o encontro pode ser entendido como o momento de contato do povo com o Estado que pode, justamente, ocorrer através da polícia, instituição de controle social, tomada aqui como principal ponto de ligação entre estes dois elementos3. Deste modo, os policiais 1 Tese em Antropologia defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense em abril de 2009. 2 Ao longo do trabalho opto por usar a expressão “Lapa carioca” com o intuito de demarcar a região que compõe parte do bairro do Centro, no Rio de Janeiro. É importante ressalvar que a Lapa não se configura formalmente como bairro, apesar da maior parte da população, a própria imprensa e alguns estudiosos, assim a defini-la; tal expressão também visa associar a Lapa à ideia de pertencimento simbólico à cidade do Rio de Janeiro e, por conseguinte àqueles nela nascidos ou auto-intitulados cariocas. 3 Beneficio-me da reflexão proposta por Bretas (1997) ao estudar a polícia na cidade do Rio de Janeiro na virada do século XIX. Seu interesse estava em compreender os dilemas fundamentais da democracia no contexto de uma cidade em franca transformação e que se pretendia modernizar. Para tanto, busca analisar, através dos registros históricos, os diversos momentos de interação entre a polícia e o povo, levando em conta, assim, elementos importantes sobre as condições em que se dava o trabalho policial, como eram construídas suas atitudes e visões de mundo. Cabe salientar, ainda, que a polícia não é a única instituição a promover a aproximação do Estado com a população; porém, para os propostos aqui almejados, ela aparece como figura fundamental. (BRETAS, Marcos. A Guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997) militares, responsáveis pelo policiamento ostensivo da região investigada, surgiram como um fio condutor capaz de me levar ao universo empírico da construção das regras - sejam elas formais ou informais - sua aplicação, negociação e possível rompimento. Passados 03 anos de realização do campo, novos elementos para análise surgiram quando as administrações estadual e municipal resolvem estabelecer, no âmbito de suas gestões, instâncias decisórias e executoras de políticas definidas como de “controle urbano” estendendo a lógica doravante observada na Lapa para outras regiões da cidade. A partir de tais elementos empíricos proponho pensar as noções de controle social, circularidade, transitividade, ordem, desordem e conflito relacionados a estas novas configurações urbanas da cidade do Rio.