Debate Contemporâneo 10% do PIB para a educação pública já: por um fórum de mobilização permanente Barricadas Abrem Caminhos núcleo Porto Alegre No último período, o mundo viveu processos de revolução socialista. Entretanto, mesmo com algumas ascenso questionando o sistema em que vivemos, conquistas, não havia questões subjetivas para a com levantes desde Itália, Espanha, Egito e Líbia até organização do proletariado revolucionário, e assim, o coração do capitalismo no mundo, Wall Street. a pequena burguesia ocupou este vácuo e “dirigiu” os As medidas de austeridade na Europa levaram processos, dando como eixo um caráter democrático, trabalhadores, na Grécia, por exemplo, às ruas contra ou seja, reforma do capitalismo. o pagamento da dívida externa do país e a política No Brasil, houve diversas manifestações dos de austeridade. Na América Latina, estudantes trabalhadores e estudantes em 2011. No entanto, as e trabalhadores protagonizaram a luta contra a pautas levantadas pelos movimentos eram de caráter mercantilização do ensino e o endividamento dos somente economicista, reafirmando assim como a trabalhadores nos créditos educativos do país, esquerda revolucionária nacional e internacional tem questionando as heranças do governo de Pinochet, se mostrado frágil teórico organizativamente, não o qual se tornou o laboratório do neoliberalismo na conseguindo organizar a classe trabalhadora para América Latina. além de tais pautas corporativistas, bem como, no A superação econômica desse novo ciclo de crise 168 caso do Brasil, sequer questionando o atual sistema. do capitalismo mundial se deu através da intervenção Desde a entrada do governo petista no poder, estatal e uma articulação internacional entre os em que vivenciamos o sucesso da implementação governos dos países, como salvaguarda da burguesia do Projeto Democrático Popular (PDP) – mesmo e os colapsos desta. Os levantes que tiveram nível que se apresente com um verniz neoliberal – que internacional colocaram a necessidade de uma obtém em seu programa a conciliação de classes para UNIVERSIDADE E SOCIEDADE sustentação de seu regime no poder burguês. Isso resultando em endividamentos dos trabalhadores, potencializou a fragmentação da esquerda no Brasil, uma verdadeira bolha; por outro, continua-se em que acentuou o cenário de refluxo que a esquerda entrincheirado nos cortes de orçamento em direitos vive desde os anos 1990, com poucas expressões de básicos sociais, conquistados historicamente pelos resistência aos ataques desde então. trabalhadores, péssimas condições de trabalho, Se o PDP por um lado possibilitou à classe trabalhadora, o proletariado, adquirir mercadorias aumento das jornadas trabalhistas, arrochos salariais e avanço das parcerias público privadas. colocadas enquanto suma importância para a Devido a todas estas contradições, vivenciamos em reprodução social da vida através do incentivo ao 2011 processos de greves e lutas estudantis de norte a sul crédito, baixos IPIs etc.; por outro privatizou setores do país. Apesar das movimentações dos trabalhadores básicos da vida e condições humanas como educação, contra os ataques sofridos à classe, Dilma lidera as saúde, previdência – além de retirada dos direitos pesquisas com índices de aprovação mais altos do que trabalhistas. Embora estes trabalhadores tenham o governo Lula. Tais índices são reflexos no sucesso conseguido “consumir” mais do que nos últimos da implementação do PDP. Apesar desta política de tempos, devemos lembrar que esta política de conciliação de classes, houve processos de resistência consumo foi agitada aparentemente como “ascensão aos ataques aos trabalhadores, todos impulsionados de classe”: por um lado, consome-se quinquilharias, por uma vanguarda da esquerda, não chegando a tornando-se burguesa) patamares de movimentos de massas, tampouco tendo mudando de “classe”, através do incentivo ao crédito e êxito na unidade dos trabalhadores – limitando-se ao às políticas assistencialistas de transferência de renda, corporativismo em suas bandeiras de luta. “cidadão” (perspectiva ANDES-SN Q junho de 2012 169 Debate Contemporâneo A última experiência com êxito na unidade o sujeito aprofunda-se em determinada área, sem da esquerda que tivemos em torno das pautas relação com a totalidade da sociedade, saindo educacionais no ensino superior se deu em 2007, assim “apto” ao mercado de trabalho. Essa aptidão com mobilizações expressivas nesse sentido contra tem em sua essência o conhecimento focado nas a ofensiva do governo Lula, no aprofundamento particularidades, a fim de que o sujeito não enxergue da lógica da mercantilização da educação do o processo do mundo do trabalho em sua essência ensino com a Frente de Lutas Contra a Reforma e a lógica pela qual a sociedade funciona, que é a Universitária (FLCRU). Tal frente, que aglutinou exploração de sua própria força de trabalho para setores combativos encampados pelas executivas de garantia da riqueza social produzida por ele enquanto cursos e o próprio ANDES Sindicato Nacional, bem trabalhador. como da Oposição de Esquerda da UNE (na época Para a burguesia, a educação cumpre com um FOE) e da CONLUTE (hoje Anel), em ocupações papel ideológico no que diz respeito a ser um de reitorias, em resposta aos ataques governistas instrumento para mantimento da alienação da classe na educação. Travar a luta, enquanto estudantes trabalhadora – para que os trabalhadores não se ao lado dos trabalhadores da educação, buscando enxerguem enquanto classe dominada no seio das trazer as demais categorias da classe trabalhadora, é relações sociais nos meios de produção. necessária mais do que nunca, assim como também A categoria dos professores neste cenário vive em vimos em outros países, a exemplo do Chile (2011) e uma grande contradição: ao mesmo tempo em que é Canadá (2012), que estudantes e trabalhadores foram explorada pela lógica do capital, sofrendo os ataques às ruas devido ao endividamento das famílias com a diretos do governo e da burguesia, ela é responsável educação, a qual é privatizada. Ou, então, a juventude por qualificar toda uma geração de trabalhadores que endividada e desempregada dos EUA, na ocupação gerem mais-valia, expropriada, então, pelo burguês em Wall Street (2011), ou a luta dos jovens espanhóis no mundo do trabalho. por emprego e moradia. Educação para quem? A educação não se coloca diferente do interesse de A campanha 10% do PIB para a Educação Pública classe da burguesia, no seu investimento, na geração Já! é uma bandeira histórica na educação brasileira, de “mão de obra” qualificada para expropriação que há mais de dez anos é tocada por setores da de mais-valia. O investimento na especialização esquerda ligados à educação como um projeto de das diferentes áreas na educação reflete o interesse investimento do Estado à realidade da educação do capital em que o trabalhador tenha o maior no país na universalização da mesma à sociedade. conhecimento em determinada área, o que resulta A campanha, em 2011, foi retomada com força em não enxergar a visão total do seu trabalho. Esta por sindicatos, entidades acadêmicas, estudantes análise baliza a nossa principal crítica à educação e movimentos sociais com fóruns amplos de burguesa, pois a mesma foi estruturada a partir dos discussões, bem como um plebiscito popular sobre interesses da burguesia. a urgência da aplicação de 10% do PIB na educação A educação acompanha reestruturação produtiva 170 10% do PIB para a Educação Pública Já! pública brasileira. no mundo do trabalho, a fim de manter a estrutura Tal pauta foi construída pelos setores da econômica vigente, mantendo o alto índice de esquerda de oposição ao governo após discussões produtividade e extraindo, assim, mais mais-valia. de análise profunda sobre a situação da educação A consequência disso é que temos uma educação pública brasileira que, hoje, embora seja um direito fragmentada do ensino fundamental ao superior. constitucional, mantém-se distante dos setores Sob o modelo de “especialização” do conhecimento, marginalizados da sociedade, bem como precarizada UNIVERSIDADE E SOCIEDADE de um debate sobre a concepção da educação que direito básico social. temos, e a educação que queremos – a qual dentro A bandeira dos 10% do PIB para a Educação do sistema capitalista não será possível. Embora a Pública Já! permitiu a esses setores que encampam mesma tenha como pilares tais discussões, é preciso a campanha visualizar dois movimentos no que diz que continuemos acumular profundamente sobre a respeito a atual conjuntura, para dentro e para fora: quem a educação serve hoje no país. Acreditamos que por um lado, no que diz respeito à educação e aos o primeiro passo já foi dado, com a materialização da cortes por parte do governo, devido ao descaso na campanha e o plebiscito popular decorrido dela. Neste educação, dialogando assim com o conjunto da sentido, apontamos para um fórum de mobilização sociedade; e por outro, uma bandeira unitária no que permanente, em que os estudantes e trabalhadores diz respeito à fragmentação da esquerda – não sendo da educação possam melhor se apropriar deste eixo. uma pauta que vá alterar na essência os problemas Um fórum como polo aglutinador de lutadores na sociais ou mesmo da própria educação, entendendo educação, que permita a discussão profunda das que este modelo educacional está contido na raiz do contradições na sociedade, se estendendo para sistema capitalista. fora da universidade, fortalecendo as lutas para Em 2011, entrou em vigor a votação da atualização Por um fórum de mobilização permanente no setor público, com vistas à privatização desse enfrentamentos à burguesia e ao governo. da Desvinculação da Receita da União (DRU), que A pauta possibilitou ampla intervenção no retira parte das arrecadações do PIB destinada às movimento estudantil, no diálogo com os estudantes, áreas sociais para investimentos, conforme “melhor e esticando para a sociedade com o plebiscito popular. avaliação” da União. Ou seja, onde melhor beneficiar No Rio Grande do Sul, por exemplo, possibilitou a burguesia. Acreditamos que a pauta dos 10% abrir diálogo em universidades como a PUCRS, em do PIB para a Educação Pública Já! poderia ter que esta discussão não existia anteriormente. aproveitado essa discussão e questionado a votação da mesma, pois a educação está contida nesta medida, e não descolada. Além disso, a incorporação desta reivindicação possibilitaria maior unidade entre os trabalhadores das áreas sociais e que, devido A conjuntura de fragmentação da esquerda de oposição ao governo atual tem feito com que muitas medidas tenham passado sem uma resistência que faça a ligação a que setor tal governo está atrelado. aos cortes no orçamento, são diretamente atingidos, não somente pela questão salarial, mas de estrutura A campanha foi importante para unir os e serviço à sociedade, tais como saúde, habitação, trabalhadores e estudantes que são oposição ao saneamento básico etc. governo petista. A conjuntura de fragmentação da A União Nacional dos Estudantes (UNE), que esquerda de oposição ao governo atual tem feito tem cumprido o papel de acalmar as lutas estudantis, com que muitas medidas tenham passado sem agitou a bandeira dos 10% do PIB para a Educação uma resistência que faça a ligação a que setor tal como forma de confundir os estudantes sobre o governo está atrelado. Neste sentido, é importante destino da verba ser para a educação pública e privada, a unidade de ação nas lutas, mas que as bandeiras como tem pautado a majoritária da entidade, e não levantadas não tenham fim em si próprias, para a educação pública imediatamente. A mesma visualizando uma articulação contundente entre compreende a bandeira como necessidade para estudantes e trabalhadores, no enfrentamento aos daqui a 20 anos, e sendo investida na área privada, ou ataques do capitalismo. A pauta dos 10% do PIB então na consolidação dos projetos governistas, que para a Educação Pública Já! deve ter como central visam dar cabo à mercantilização do ensino –, como a contínua articulação dos setores que construíram temos vivenciado a última Reforma Universitária o plebiscito, possibilitando a criação de um fórum implementada, que tem aguçado a precarização do permanente de lutas e debates sobre a educação e a ensino no país. sociedade capitalista, compreendendo seus limites e A campanha possibilitou visualizar a necessidade possibilidades de avanços. ANDES-SN Q junho de 2012 171