UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MARIA REGINA ZANELLA BIONDO A ALIMENTAÇÃO COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL Três Passos (RS) 2015 MARIA REGINA ZANELA BIONDO A ALIMENTAÇÃO COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Orientadora: MSc. Anna Paula B. Zeifert Três Passos (RS) 2015 Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada. AGRADECIMENTOS A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem. À minha família, que sempre esteve presente e me incentivou com apoio e confiança nas batalhas da vida e com quem aprendi que os desafios são as molas propulsoras para a evolução e o desenvolvimento. À minha orientadora Anna Paula Zeifert, pela sua dedicação e disponibilidade. Às minhas amigas, que com grande carinho me ajudaram a passar por tudo, sem perder a alegria. A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, meu muito obrigado! Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para dignidade humana e a pessoa não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças. ” (Ingo Sarlet – Juiz e Jurista brasileiro) 5 RESUMO O direito a alimentação, como apresentado na atualidade, codificado nos documentos internacionais, não nasceu de forma imediata, foram fruto da construção histórica dos direitos fundamentais e apareceram de forma significativa com o fim da 2º Guerra Mundial e a criação da ONU que, buscando garantir a paz mundial, o progresso social, a manutenção da justiça e a defesa dos direitos humanos, possibilitou um olhar mais atento às questões relativas à humanidade e o seu direito a uma alimentação adequada. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, considerada por muitos a “Constituição Cidadã”, elenca diversos direitos sociais em seu Artigo 6º, que foi ganhando reforço a partir da Emenda Constitucional 064/2010, que incluiu o direito a alimentação no rol dos direitos fundamentais sociais e, desde então, inúmeras são as politicas públicas que visam efetivar tal direito no Estado brasileiro. Palavras-Chave: Direitos fundamentais. Dignidade humana. Direito à alimentação. Politicas públicas. ABSTRACT The right food, like presented in present time, encoded the international documents, not born immediately, were outgrowth of historical builing of fundamental dibs and have appeared significantly with the end of Second World War and the creation of ONU that, seeking to make sure the world peace, the social progress, the support of justice and humanity and your straight to one convenient food. In Brazil, the Federal Constituition of 1988, regarded for many the “Citizen Constituition” increases several social rigths in your Article 6º, that was getting remediation from of Constituitional Amendment 064/2010, that included the right nutrition in the list of fundamental and social rights and, since then, many are public policy that aim to carry out such right in the Brazilian stade. Keywords: Fundamental rights. Human dignity. Right food. Public policy. LISTA DE ABREVIATURAS CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. LOSAN – Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. ONU – Organização das Nações Unidas. PAA – Programa de Aquisição de Alimentos. PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador. PIDCP – Pacto dos Direitos Civis e Políticos. PIDESC – Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. PLANSAN – Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar. PRONAF – Programa Nacional de Agricultura Familiar. SAN – Segurança Alimentar e Nutricional. SISAN – Sistema Nacional de Segurança Alimentar. SUS – Sistema Único de Saúde. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................9 1 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...........................................................11 1.1 Aspectos históricos de reconhecimento dos direitos fundamentais.............................11 1.2 A relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais.................................16 1.3 O principio fundamental da dignidade como alicerce para o direito social a alimentação.............................................................................................................................18 2 O RECONHECIMENTO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO COMO UM DIREITO FUNDAMANTAL................................................................................................22 2.1 A legislação internacional e o direito a alimentação.....................................................22 2.2 A inclusão na Constituição Brasileira após a EC 064/2010.........................................28 2.3 Politicas públicas desenvolvidas pelo Estado brasileiro para a efetivação do direito fundamental social à alimentação.........................................................................................31 CONCLUSÃO.........................................................................................................................37 REFERÊNCIAS......................................................................................................................39 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho se propõe a um estudo acerca do direito a alimentação como um direito humano fundamental, na medida em que a alimentação adequada é essencial a sobrevivência de todo ser humano e, conforme prevê a própria Constituição brasileira de 1988, todos devem ter acesso a esse direito. O Brasil, como signatário de diversos tratados internacionais, não possuía em sua legislação, o direito a alimentação com um direito a todos. Mas a partir da promulgação da Constituição de 1988, sentiu-se a necessidade de que este direito fosse incluído entre os direitos sociais, constantes no Artigo 6º da Constituição. Os objetivos visados através deste trabalho são a verificação dos aspectos históricos do reconhecimento dos direitos fundamentais, a relação existente entre direitos humanos e direitos fundamentais e o principio fundamental da dignidade da pessoa humana como alicerce para o direito social a alimentação. Analisaremos também a legislação internacional e o direito a alimentação, e a sua inclusão, como direito fundamental na Constituição de 1988. E por fim, descreveremos algumas politicas publicas implementadas pelo Estado brasileiro para a efetivação do direito a alimentação. Inicialmente, no primeiro capitulo, trataremos da teoria dos direitos fundamentais, os aspectos históricos do reconhecimento e como eles foram evoluindo e sendo efetivados ao longo da historia da humanidade, até a sua positivação nos documentos internacionais. No segundo capitulo estudaremos a legislação internacional e o direito a alimentação, com a criação da ONU e seus diversos organismos, a legislação brasileira, que com a Emenda Constitucional 064/2010, incluiu o direito a alimentação como um direito fundamental e com 10 isso implementando diversas politicas publicas visando o acesso a todos, a um mínimo de dignidade de vida. Para a realização deste trabalho serão efetuadas pesquisas bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Para tanto foi efetuada a seleção bibliográfica e documentos afins a temática, em meios físicos e na internet, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um estudo mais acurado do direito a alimentação, como direito social e fundamental. 11 1 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Todos deveriam nascer livres, com seus direitos respeitados, mas desde os primórdios da civilização a história do homem foi marcada por lutas, conflitos e questionamentos. E em razão destes questionamentos os direitos fundamentais foram sendo construídos. Os direitos fundamentais são uma construção histórica, pois dependendo da época e do lugar, a concepção do que são direitos fundamentais é variada. Na França pós Revolução Francesa, direitos fundamentais eram a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Na atualidade, o conceito de direitos fundamentais possui muitas e variadas questões, tais como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a igualdade entre os sexos, mas que, dependendo do lugar, não alcança a mesma efetividade (CAVALCANTE FILHO, 2015). Pode-se afirmar que uma das maiores conquistas da humanidade nessa evolução histórica, foi a efetivação dos direitos fundamentais, que deram a sociedade e ao estado parâmetros de atuação e desenvolvimento. Feitas essas primeiras colocações, esclarece-se que o presente capítulo tem por objetivo analisar historicamente, a origem dos direitos fundamentais e sua relação com os direitos humanos, e o principio da dignidade da pessoa humana como alicerce para o direito social a alimentação. 1.1 Aspectos históricos de reconhecimento dos direitos fundamentais Na história da humanidade, os direitos humanos nem sempre foram respeitados. A civilização, desde os seus primórdios até a atualidade, passou por inúmeras fases, cada uma com seus pontos negativos e positivos, de modo que a evolução, em todas as áreas foi muito lenta e gradual, e dentro desta evolução incluem-se os direitos humanos, que não foram reconhecidos todos de uma vez, mas de forma gradativa, conforme a vida humana foi adquirindo experiência de vida em sociedade (SIQUEIRA, 2009). Na esteira da evolução dos direitos fundamentais, Norberto Bobbio (1992, p. 5), relata: 12 Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstancias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Os direitos fundamentais foram sendo moldados através da evolução das sociedades, não foram sempre como se apresentam na atualidade, são frutos de mobilizações sociais e das adaptações que a sociedade sofreu através dos tempos para se adaptar as suas necessidades. Para Paulo Gustavo Gonet Branco (2011, p. 153-154): A sedimentação dos direitos fundamentais como normas obrigatórias é resultado de maturação histórica, o que também permite compreender que os direitos fundamentais não sejam sempre os mesmos em todas as épocas, não correspondendo, além disso, invariavelmente, na sua formulação, a imperativos de coerência lógica. O Cristianismo marcou de forma relevante a ideia de uma dignidade única do homem, que deveria ter uma proteção especial, pois tendo sido criado a imagem e semelhança de Deus, lhe imprimem um alto valor intrínseco, e que, portanto deve nortear a elaboração do próprio direito positivo (BRANCO, 2011, p. 154). Segundo Jorge Miranda (apud SIQUEIRA, 2009) o Cristianismo também contribuiu com a evolução dos direitos fundamentais, É com o cristianismo que todos os seres humanos, só por o serem [...], são considerados pessoas dotadas de um eminente valor. Criados a imagem e semelhança de Deus, todos os homens e mulheres são chamados à salvação através de Jesus, que, por eles, verteu o Seu sangue. Criados a imagem e semelhança de Deus, todos tem uma liberdade irrenunciável que nenhuma sujeição politica ou social pode destruir. Na antiguidade clássica, segundo a concepção de Siqueira (2009), A sociedade deparou-se com a necessidade de proteção de alguns direitos inerentes ao ser humano, compreendendo que sem a proteção destes direitos, jamais haveria uma sociedade justa, que pudesse perdurar ao longo dos anos, logo, compreendeu-se acima de tudo que, dever-se-ia proteger um bem que deveria estar acima de todos os outros [...] denominado bem da vida, e vida com dignidade [...]. 13 No século X a.C, houve a primeira manifestação de limitação do poder politico, quando se institui o reino de Israel, tendo como Rei Davi, que como delegado de Deus era o responsável pela aplicação da lei divina, e não como os monarcas de sua época que se auto proclamavam deus ou legislador que poderia dizer o que é justo ou injusto [...] Comparato (apud SIQUEIRA, 2009). A Grécia também foi berço, através de Aristóteles, do surgimento da ideia de direito natural superior ao direito positivo e na distinção do justo e injusto pela própria natureza humana (SIQUEIRA, 2009). A descentralização politica, ou seja, vários centros de poder, com influencia do cristianismo e do feudalismo são características da Idade Media. Existiam três estamentos, onde o clero tinha a função de orar e pregar, os nobres vigiavam e protegiam e o povo que tinha a obrigação de trabalhar para o sustento de todos (SIQUEIRA, 2009). No ano de 1215, quando o Rei João Sem Terra, que não possuía quaisquer feudos, pois não era primogênito, e era necessário para se ter poder possuir terras, foi forçado pelos barrões feudais a assinar uma Carta de Direitos, que ficou conhecida como a Carta maior de liberdade, sendo reconhecida como a primeira declaração formal de direitos e que positivou vários aspectos daqueles que são hoje considerados direitos fundamentais (CAVALCANTE FILHO, 2015). Ferreira Filho (apud SIQUEIRA, 2009), diz o seguinte: A partir da segunda metade da Idade Media começa a se difundir documentos escritos reconhecendo direitos a determinados estamentos, a determinadas comunidades, nunca a todas as pessosas, principalmente através de forais ou cartas de franquia. São Tomás de Aquino, no final da Idade Média, começa a discutir diretamente a questão dos direitos humanos, sua fundamentação é teológica, o ser humano tem direitos naturais que fazem parte de sua natureza, pois foi Deus que lhe deu. Dallari (apud SIQUEIRA, 2009). 14 Para José Afonso da Silva, a efetivação dos direitos fundamentais na Idade Média (2012, p. 151, grifos do autor), Foi, no entanto, no bojo da Idade Média que surgiram os antecedentes mais diretos das declarações de direitos. Para tanto contribuiu a teoria do direito natural que condicionou o aparecimento do principio das leis fundamentais do Reino limitadoras do poder do monarca, assim como o conjunto de pricipios que se chamou humanismo. A idade moderna inaugurou uma nova ordem econômica no mundo, possuir terras já não era mais sinônimo de poder. Foi caracterizada pelo desenvolvimento do comércio, que criou a burguesia, a aparição do Estado Moderno e a centralização do poder politico. Na Era Moderna a Constituição passa a ser considerada como norma juridica suprema, principalmente a partir das revoluções ocorridas nos Estados Unidos, França e Inglaterra, que visavam a instaurar um Estado de Direito, em substituição ao Estado Absolutista de até então (CAVALCANTE FILHO). Martinez (apud SIQUEIRA, 2009) diz que: O direito passa a ser o mesmo para todos dentro do reino, sem as inumeras fontes de comando que caracterizou o medievo; uma mudança de mentalidade, os fenomenos passam a ser explicados cientificamente, através da razão e nãoapenas de uma visão religiosa... A partir de então, o homem passa a ter uma proteção especial. Branco (2011, p. 154) diz: Nos séculos XVII e XVIII, as teorias contratualistas vem enfatizar a submissão da autoridade politica à primazia que se atribui ao individuo sobre o estado. A defesa de que certo numero de direitos preexistem ao próprio Estado, por resultarem da natureza humana, desvenda característica crucial do Estado [...], o Estado serve os cidadãos, é instituição concatenada para lhes garantir os direitos básicos. Já Norberto Bobbio (1992, p. 4) ressalta que: A afirmação dos direitos do homen deriva de uma radical inversão de perspectiva, caracteristica da formação do Estado moderno, na representação da relação politica, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos do soberado em correspondecia com a visão individualista da sociedade [...] no inico da era moderna. 15 Siqueira (2009), ao se referir à efetivação dos direitos fundamentais na idade moderna, diz: O Estado Moderno nasce aliado à nova classe burguesa, que necessitava em sua origem de um poder absoluto, único, para poder desenvolver sua atividade com segurança, eliminando pouco a pouco a sociedade estamental, para uma nova sociedade onde o individuo começará a ter preferencia sobre o grupo. Destacam-se, para a efetivação dos direitos humanos fundamentais a Declaração de Direitos de Virginia, de 1776, a Declaração Francesa, de 1789 e o Bill of Rights de Virginia de 1689. (SIQUEIRA, 2009). Com relação às declarações de direitos que foram sendo implementadas destaca Silva (2012, p. 153-154): A Declaração de Virginia consubstanciava as bases dos direitos do homem, tais como: (1) todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes; (2) todo o poder está investido no povo e, portanto, dele deriva, e os magistrados são seus depositários e servos, e a todo tempo por ele responsáveis; (3) o governo é, ou deve ser, instituído para o comum beneficio, proteção e segurança do povo, nação ou comunidade; [...] (13) todos os homens tem igual direito ao livre exercício da religião com os ditames da consciência. [...] As Declarações de Direitos, iniciadas com a de Virginia, importavam em limitações do poder estatal como tal, inspiradas na crença da existência de direitos naturais imprescritíveis do homem”. A Declaração Francesa, de 1789, também chamada de Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, marcou pela universalidade dos direitos consagrados, e pela afirmação de que onde não seja assegurada a garantia dos direitos fundamentais e nem a separação dos poderes, não existe uma sociedade constituida. (SIQUEIRA, 2009). Cavalcante Filho (2015, grifo do autor), ao se referir a Revolução Francesa, diz que: A revolução Francesa (mesmo com todos os abusos que em nome dela foram depois perpetrados, na chamada época do Terror), representa a derrocada final do Absolutismo (em que o Rei tinha poder absoluto), justamente no país em que tal fenômeno foi mais presente. Embora, em termos cronológicos, essa tenha sido a última das três grandes revoluções liberais (foi precedida pela Revolução Gloriosa, na Inglaterra, e pela Independência Americana, de 1776), teve uma importância histórica muito grande, pois “popularizou” a defesa dos direitos dos cidadãos, como demonstra a Declaração de 1791 (Declaração de Direitos do homem e do Cidadão). Com relação à Declaração de 1789, Silva (2012, p. 159, grifo do autor) ressalta que: 16 O texto da Declaração de 1789 é de estilo lapidar, elegante, sintético, preciso e escorreito, que, em dezessete artigos, proclama os princípios da liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade e as garantias individuais liberais que ainda se encontram nas declarações contemporâneas, salvas as liberdades de reunião e de associação que ela desconhecera, firmado que estava numa rigorosa concepção individualista. O Bill of Rights, foi um documento que sacramentou a perda do poder absoluto do Rei, que passou a dividir a tarefa de governar com o parlamento. Na prática instalou-se a partir dai a supremacia do Parlamento (CAVALCANTE FILHO, 2015, grifo do autor). Alguns direitos foram reconhecidos, com o Bill of Rights, como o direito de liberdade, a segurança e a propriedade privada, que já eram consagrados em outros documentos, mas que o poder real constantemente violava, e que foram recordados na esperança de serem respeitados a partir de então. Aragão (apud SIQUEIRA, 2009). A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, Os direitos humanos, em seu sentido politico, encontram maior expressão na Declaração Universal dos Direitos Humanos [...] deve ser entendida como uma tomada de posição frente a certos abusos [...], os direitos humanos passam a ocupar um patamar superior como interesse da comunidade internacional, ou seja, como valores universais. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2013). Os direitos fundamentais, então, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, passaram a ser, se não totalmente, mas ao menos em parte, respeitados, pois criou-se através da ONU um organismo de fiscalização, que pretende evitar que certos abusos sejam cometidos. 1.2 A relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais Direitos humanos e direitos fundamentais não são sinônimos, mas se complementam, uma vez que alguns doutrinadores entendem direitos humanos como inerentes a própria qualidade da pessoa humana, que os seres humanos possuem pelo fato de serem da espécie humana. Já direitos fundamentais, são os direitos do homem juridicamente garantidos, e cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos. (SIQUEIRA, 2009). Segundo Jairo Gilberto Schafer (2001, p. 26 grifo do autor), uma definição para direitos humanos e direitos fundamentais pode ser assim sintetizada, 17 A expressão direitos fundamentais deve ser reservada para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional estatal, enquanto o termo direitos humanos guarda relação com os documentos de direito internacional, por se referir àquelas posições jurídicas que se reconhecem aos ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, aspirando, dessa forma à validade universal, para todos os povos e tempos, revelando um inquestionável caráter supranacional (internacional). Buscando-se uma definição/significado de direitos humanos, tem-se que são os direitos e liberdades básicas de todos os seres humanos, estando ligado com a ideia de liberdade de pensamento, de expressão e de igualdade perante a lei. Já para Silva (2012, p. 175-176 grifo do autor): A ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso. Aumenta a essa dificuldade a circunstancia de se empregarem varias expressões para designá-los: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades publicas e direitos fundamentais do homem. [...] Direitos humanos é expressão preferida nos documentos internacionais. Contra ela, assim, como contra a terminologia direitos do homem, objeta-se que não há direito que não seja humano ou do homem, afirmando-se que só o humano pode ser titular de direitos. Talvez já não mais assim, porque, aos poucos, se vai formando um direito especial de proteção dos animais . Para Carl Schmitt (apud SCHAFER, 2001) em sentido próprio os direitos fundamentais são aqueles do homem individualmente livre, que ele possui frente ao estado, decorrendo o caráter absoluto da pretensão, não dependente de previsão infraconstitucional, pois já estão cercados de diversas garantias com força constitucional, que por isso objetivam uma imutabilidade jurídica e politica. A doutrina costuma classificar os direitos fundamentais em gerações de direitos, conforme foram sendo “gerados’’. Conforme Schafer (2001, p. 32-33, grifo do autor) temos 4 gerações de direitos: a) Direitos fundamentais de primeira geração: são os direitos de liberdade e tem por titular o individuo e são oponíveis ao estado. Trata-se de uma relação de exclusão, em que o Estado não pode interferir na situação jurídica do individuo. São também denominados “direitos negativos”, justamente por priorizarem a omissão do Estado enquanto elemento caracterizador. Exemplos: direito a liberdade; direito a propriedade; b) Direitos fundamentais de segunda geração: são os direitos sociais, culturais e econômicos, em que o Estado assume uma indiscutível função promocional, não sendo mais suficiente sua abstenção relativamente ao individuo, caracterizando-se com o advento do Estado Contemporâneo, este entendido como a formação política surgida na segunda década do presente século: em 1917, com a Constituição 18 Mexicana, e, em 1919, com a Constituição de Weimar, cujo atributo principal é sua submissão à sociedade. São os direitos a igualdade (“direitos positivos”), situação na qual o Estado deve prestar serviços ao cidadão tendo por objetivo atingir a justiça social. Podem ser citados como exemplos desta dimensão dos direitos fundamentais: direito a saúde e direito a educação; c) Direitos fundamentais de terceira geração: são os direitos da solidariedade humana, pois não se destinam a pessoas determinadas ou a grupos de pessoas, mas tem por destinatário toda a coletividade, em sua acepção difusa, como o direto a paz, ao meio ambiente e ao patrimônio comum da humanidade; d) Direitos fundamentais de quarta geração: globalização politica na esfera da normatividade jurídica, correspondendo à derradeira fase de institucionalização do Estado social, direitos de cuja caracterização teórica ainda não se encontra adequadamente definida. E temos por fim, os direitos fundamentais de quinta geração, que segundo Pedro Lenza (2011, p. 863, grifo do autor): o direito à paz foi classificado por Karel Vasak como de 3º dimensão. Contudo, Bonavides entende que o direito a paz deva ser tratado em dimensão autônoma, chegando a afirmar que a paz é axioma da democracia participativa, ou, ainda, supremo direito da humanidade. No dizer do próprio Bonavides (2010, p. 591 grifo do autor): Direito a paz, sim. Mas paz em sua dimensão perpétua, à sombra do modelo de Kant. Paz em seu caráter universal, em sua feição agregativa de solidariedade, em seu plano harmonizador de todas as etnias, de todas as culturas, de todos os sistemas, de todas as crenças que a fé e a dignidade do homem propugnam, reivindicam, concretizam e legitimam. Quem conturbar essa paz, quem a violentar, quem a negar, cometerá a luz desse entendimento, crime contra a sociedade humana. Como visto neste tópico, independentemente de qual “geração de direitos” se fale, todos devem ser respeitados, pois são inerentes a pessoa humana e como tal devem ser efetivados. 1.3 O principio fundamental da dignidade como alicerce para o direito social a alimentação A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 1º consagra princípios que são à base do sistema jurídico brasileiro. E dentro dos princípios que norteiam a Constituição Federal, um dos que se destacam é o principio da dignidade da pessoa humana, que no dizer de doutrinadores é o que alicerça os direitos individuais e é considerado o fundamento de todo o sistema constitucional. Diz o Artigo 1º da Constituição Federal (grifo nosso): 19 Titulo I – Dos Direitos Fundamentais Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo politico; A dignidade da pessoa humana, não está expressa somente no Artigo 1º da constituição Federal, mas também em outros capítulos do texto constitucional, como no Art. 170, onde estabelece que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna; no Art. 226, § 6º, quando na esfera da ardem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável; e também no Art. 227, caput, onde assegura a criança e ao adolescente o direito a dignidade, e no Art. 230, onde diz que “ a família, a sociedade e o Estado tem o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito a vida (SARLET, 2011). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que o Brasil também assinou, reconhece a dignidade como inerente a todas as pessoas, e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, e que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2015). Na definição de Sarlet (2011, p. 73), dignidade da pessoa humana é: A qualidade intrínseca distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. Alexandre de Moraes (apud AWAD, 2006, p. 113) também conceitua dignidade da pessoa humana como: A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, 20 somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. Nas palavras de Angélica Ferreira Rosa (2014), no Brasil, ao longo de sua historia, principalmente nos 30 anos de ditadura militar, os direitos humanos sempre foram desrespeitados, com assassinatos, prisões ilegais, torturas, censuras de ideologia, entre tantos outros. Durante a 2º guerra Mundial, quando não havia acesso a moradia e principalmente alimentação, foi que aconteceu o marco mundial e decisivo para a tomada de posição para se evitar que acontecessem novamente as atrocidades cometidas. Não há como se falar em dignidade da pessoa humana sem considerar o direito social a alimentação, uma vez que a alimentação é de fundamental importância para a sobrevivência e é uma parcela mínima exigida. Na visão de Rosa (2015): O principio da dignidade humana está diretamente relacionado com o direito a alimentação no Brasil e no mundo, pois é um direito fundamental, ou seja, indispensável a todos os seres humanos. A dignidade da pessoa é a essência do ser humano, por isso, ela é o mínimo existencial que cada individuo deve ter para poder existir de maneira digna, cabe à família, a sociedade, a igreja as organizações nacionais, internacionais, públicas, privadas e ao Estado a garantia e proteção de cada individuo, para que essas pessoas tenham o mínimo necessário [...]. No Brasil, a partir da promulgação na Constituição de 1988, que trouxe de modo explicito o direito a alimentação calcada na dignidade da pessoa humana, foram criados vários mecanismos que visam assegurar a todas as pessoas o mínimo necessário a sua sobrevivência. Dentre estes mecanismos (que muitas vezes não funcionam como deveriam), podemos citar a Lei 11.346/2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que em seu Artigo 2º diz: Art. 2º - a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente a dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as politicas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população (BRASIL, 2006). Se no Brasil, somente com a Emenda Constitucional 64/2010 inseriu-se de modo explicito o direito a alimentação como um direito fundamental, a ONU, através da Comissão 21 de Direitos Humanos, introduziu, no ano de 1993, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, entre os direitos do cidadão, a alimentação. Diz o Artigo 25 da Declaração, 1- Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstancias independentes de sua vontade. 2- [...] (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2015) A ONU como organismo internacional que é, objetivando a união das nações e com o propósito de estabelecer relações amistosas entre os países, a defesa dos direitos fundamentais do ser humano, garantir a paz mundial, e buscando mecanismos que promovam o progresso social das nações, entende que não é possível atingir todos estes objetivos sem que sejam garantidas a todas as pessoas uma vida digna com alimentação adequada e em quantia suficiente para as suas necessidades. Destarte, conclui-se o presente capítulo, enfatizando-se a importância do acesso de todos os seres humanos ao direito a alimentação saudável, garantia essa que deveria ser observada em todos os documentos internacionais e, também, na própria Constituição do Brasil. Não bastando elencá-lo como um direito social, mas é necessário elevá-lo ao status de direito inerente à própria condição humana, como um direito ao mínimo existencial. 22 2 O RECONHECIMENTO DO DIREITO HUMANO A ALIMENTAÇÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL O direito a alimentação não se tornou direito de uma hora para outra, foi necessário um longo caminho histórico, onde a fome sempre foi um flagelo para uma parte considerável das populações. Desde muito tempo, desde que os direitos humanos foram sendo efetivados, com a criação da ONU, este direito passou a ser perseguido, visando o bem estar das populações que sofrem deste mal. No Brasil o direito a alimentação sempre esteve, mesmo que de forma esparsa contemplado nas Constituições, mas a partir da mobilização da sociedade civil, e também com a ratificação pelo Brasil das convenções e acordos internacionais, no ano de 2010 foi encaminhada a Emenda Constitucional 064/2010, que inclui do direito social a alimentação no artigo 6º da Constituição Federal. O Brasil possui diversas politicas públicas desenvolvidas para a efetivação do direito fundamental social à alimentação, como a criação da Politica Nacional de Alimentação Nutricional, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), a Lei 11.346/2006, a chamada Lei Orgânica da Segurança Alimentar, o Programa Bolsa Família, o Programa para Aquisição de Alimentos (PAA) e a Politica Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). 2.1 A legislação internacional e o direito a alimentação O direito humano a alimentação, assim como conhecemos na atualidade, é fruto da luta e da tomada de consciência, que foi deflagrada pós o termino da 2º Guerra Mundial. Mas primeiro foram necessários que se protegessem os direitos humanos, pois nas palavras de Leonardo Jun Ferreira Hidaka (2015), A Segunda Guerra Mundial fez mais vitimas, custou mais dinheiro, e provocou maiores mudanças no mundo do que qualquer outra guerra de que se tenha noticia. Desde o ataque a Polônia em 1939, até o fim da guerra, em Setembro de 1945, o mundo testemunhou o inicio da era atômica e a dizimação de um numero incontável de seres humanos, na sua maioria civis, estimado em mais de 55 milhões, o que significou a ruptura da ordem internacional com os direitos humanos, notadamente pela frustação do objetivo me manter a paz mundial e pelo tratamento cruel dispensado aos prisioneiros de guerra. Durante este período, a violação dos direitos humanos foi tamanha, que com o seu fim, as pessoas foram como que obrigadas a voltar a sua atenção para o tema. 23 Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as nações envolvidas no conflito estavam desgastadas e devastadas, com todas as atrocidades cometidas. Buscou-se então, a efetivação da proteção dos direitos humanos, visto que, conforme Hidaka (2015), O nazismo e a Era Hitler, com efeito, foram marcados pela absoluta desconsideração do ser humano. Os nazistas mataram cerca de 12 milhões de civis, inclusive quase todos os judeus que viviam na Alemanha. Estas atrocidades apresentavam uma peculiaridade: desta vez era o próprio Estado o grande violador de direitos humanos, que promovia uma politica de destruição de seres humanos, acobertado pela soberania nacional e pela jurisdição doméstica exclusiva. Como o próprio Estado, neste caso, era o responsável pelo sofrimento a que sua população estava sendo submetida, passou-se a perceber a proteção dos direitos humanos em uma escala mundial, e não mais somente dentro de cada Estado. Neste contexto se desenvolveu o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos, que visava com que os Estados protegessem suas populações, e se isso não acontecesse ele poderia ser responsabilizado. Uma das providências tomadas, para que se julgassem os responsáveis pelos atos cometidos durante a guerra foi a constituição e o funcionamento dos tribunais de Nuremberg e de Tóquio, entre 1945 e 1949, que foram instituídos para julgar os crimes de guerra, e foram um grande marco na universalização dos direitos humanos. (HIDAKA,2015) Com uma proteção maior aos direitos humanos, percebeu-se que a alimentação, direito humano de 2º dimensão, denominado direito social, deveria ter mais efetividade. Segundo Osvaldo F. Carvalho (apud LAFER, 1988): O direito fundamental a alimentação constitui um direito de segunda dimensão, denominado direito social. A nota distintiva deste direito é a dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do estado na esfera de liberdade individual, mas, sim de propiciar um direito de participar do bem estar social. O que caracteriza esse direito é a sua dimensão positiva, dado que objetiva não mais obstar as ingerências do Estado no âmbito das liberdades individuais, mas exigir do Estado a sua intervenção para atender as crescentes necessidades do individuo. São direitos de crédito porque, por meio deles, o ser humano, passa a ser credor das prestações sociais estatais. Com esta premissa, de proteção aos direitos humanos, que no âmbito internacional, o direito a alimentação está consagrado em diversos dispositivos, e foi com a criação da ONU 24 após a 2º Guerra Mundial, que este direito passou a ser pelo menos em parte respeitado. Segundo Sidney Guerra (2005, p. 350), Após a hecatombe da Segunda Guerra Mundial, durante o qual o mundo teve a oportunidade de assistir a uma série de barbaridades envolvendo milhares de pessoas, sentiu-se a necessidade de se criarem mecanismos que pudessem garantir proteção aos seres humanos. A partir dai floresce uma terminologia do Direito Internacional relacionando-o aos Direitos Humanos: o Direito Internacional dos Direitos Humanos. O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e a crença de que parte destas violações poderia ter sido prevenida se um efetivo sistema de proteção dos direitos humanos já existisse, o que motivou o surgimento da Organização das Nações Unidas [...] Com este espirito de proteção das muitas nações destruídas, com populações passando por diversas necessidades, principalmente a falta de alimentos e de perspectivas, foi criada, em 1945 a Organização das Nações Unidas, que tinha como principal objetivo criar uma união de nações, com o propósito de estabelecer relações amistosas entre os países. Em sua Carta das Nações Unidas, a ONU objetivava a defesa dos direitos fundamentais do ser humano, a garantia da paz mundial, a busca de mecanismos que promovessem o progresso social das nações e a criação de condições que mantivessem a justiça e o direito internacional. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2015). Segundo Fredys Orlando Sorto (2005, p. 156), Por vontade dos Estados, depois da Segunda Guerra Mundial, é criada, em 26 de Junho de 1945, a Organização das Nações Unidas. Trata-se de organização com personalidade jurídica internacional, alcance universal, vocação politica e tendo por objetivo capital a preservação da paz entre os Estados, fomentando a solução pacifica dos conflitos internacionais e consagrando o sistema de segurança coletiva. Um dos principais focos das Nações Unidas, desde a sua criação, foi o bem estar das populações, principalmente as menos favorecidas, que tem suas necessidades básicas desrespeitadas. Por este motivo a ONU possui diversos organismos, que foram criados por acordos intergovernamentais, e que visam à melhora das condições de vida de todos os Estados. Um destes organismos, criado para proteger as populações contra a fome é a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que nas palavras de Luiz Ivani de Amorim Araújo (2005, p. 375 grifo do autor) 25 [...] localizada em Roma, entrou em vigor em 16.10.1945 e objetiva aumentar o nível de alimentação e de vida da comunidade internacional, assegurar uma maior eficiência na produção e distribuição de todos os produtos agrícolas, assim como o melhoramento das condições de vida das populações rurais. No campo agrícola, a FAO envia esforços em prol do desenvolvimento dos recursos naturais da terra por meio da aplicação da moderna técnica de produção. Procurando exterminar as zoonoses e as pragas que assolam os vegetais, fomentando o crédito agrícola, fornecendo assistência técnica no campo agrícola a FAO vai tornar mais prospera a condição de vida dos que mourejam nas cidades e nos campos. Para alcançar esse desideratum a FAO atua no sentido de: a) facilitar o serviço de informações referentes à alimentação, agricultura, riquezas florestais, pesca, assim como previsões a respeito da produção, distribuição e consumo das indústrias correspondentes. b) promover uma ação nacional e internacional objetivando melhorar todos os aspectos da produção, distribuição de produtos agrícolas. c) facilitar a ajuda a todos os seus membros através do programa da Assistência Técnica das Nações unidas. Com o objetivo de uma maior efetivação, em 10 de dezembro de 1948 a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é um documento marco na história dos direitos humanos, e que foi elaborado por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, foi proclamada pela Assembleia como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Guerra (2005,p. 351) diz que: A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada “como ideal comum a ser alcançado por todos os povos e todas as nações a fim de que os indivíduos e órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espirito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação, tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre os dos territórios colocados sob sua jurisdição”. Entre os direitos fundamentais elencados na Declaração Universal, está presente o direito a alimentação, que é de fundamental importância, visto que a alimentação é condição mínima para a sobrevivência da espécie humana. O reconhecimento normativo internacional da existência de um direito humano a alimentação adequada está expresso na Art. 25 da Declaração, que diz: “Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e a sua família a saúde e o bem estar, principalmente quanto à alimentação...” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2015). 26 Na busca pela melhoria das condições de vida das populações, arrasadas depois da Segunda Guerra, a ONU elaborou em 1966, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC, que também reconheceu o direito fundamental de toda pessoa estar protegida contra a fome. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2015). O mundo estava passando por grandes mudanças no pós-guerra, capitalistas e socialistas dividiam o mundo em dois grandes blocos, cada um com suas necessidades, e neste contexto é que a ONU elaborou o PIDESC. Segundo Luíra Carvalho (2015), O referido Pacto advém da divisão do mundo daquela época - o assim chamado pósguerra – sendo que de um lado estavam os países capitalistas – América do Norte e a Europa Ocidental – e do outro lado os socialistas – URSS e leste europeu. Junto ao bloco socialista encontravam-se as Nações Africanas e Asiáticas, que estavam em processo de independência junto às metrópoles europeias. Neste contexto foram elaborados pela ONU, em 1966, os Pactos Internacionais sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP). O primeiro atendendo os anseios dos países do bloco socialista e o segundo Pacto para atender os anseios dos países que compunham bloco capitalista, objetivando serem normas jurídicas imperativas na ordem dos Estados. Ainda segundo Luira Carvalho (2015), Enquanto o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) estabelece direitos endereçados aos indivíduos, o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) estabelece deveres endereçados aos Estados. Os dispositivos do Pacto sobre os direitos civis e políticos são considerados auto-aplicáveis, enquanto no Pacto que trata dos direitos econômicos, sociais e culturais seus dispositivos possuem aplicação progressiva (art.2º, paragrafo 1º do Pacto). O PIDESC, segundo o Relatório da Sociedade Civil sobre o Cumprimento pelo Brasil do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (2015), foi adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966, juntamente com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, com o objetivo de conferir obrigatoriedade aos compromissos estabelecidos na Declaração Universal de Direitos Humanos. Desta forma, passou a haver responsabilidade internacional dos Estados signatários em caso de violação dos direitos consagrados pelo Pacto. A situação desses direitos deve ser acompanhada pelos Estados-partes, mediante elaboração de relatórios periódicos, avaliando o grau de sua implantação, e as dificuldades para fazê-lo, enquanto a supervisão do Pacto cabe ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. Organizações da sociedade civil podem oferecer ao Comitê seus próprios relatórios, chamados relatórios paralelos ou contra relatórios, que são acolhidos como subsidio . 27 O Artigo 11 do PIDESC elenca que, Paragrafo 1º Os Estados-partes no presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive a alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados-parte tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. Paragrafo 2º Os Estados-partes no presente pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessários para: 1 - Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento e reforma dos regimes agrários, de maneira que assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais. 2 - Assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios. (NAÇÕES UNIDAS, 2015). Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a ONU, no ano de 1999, através de seu Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais elaborou um documento, chamado Comentário Geral nº 12, que regulamenta o Art. 11 do PIDESC, e que tinha o objetivo de efetivar a implementação do direito a alimentação. Segundo Renata Cardoso Lisboa (2015): Em relação ao Comentário Geral nº 12 sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada foi elaborado em 1999 pela ONU, fazendo uma interpretação do artigo 11 do PIDESC. O Comentário define o Direito Humano à Alimentação Adequada que se realiza “[...] quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou os meios para sua obtenção”. Assim, os Estados tem o dever de programar ações necessárias para reduzir e suavizar os efeitos da fome e a sociedade deve exigir a possibilidade da existência prática desses direitos. O Comentário Geral nº 12, foi elaborado a partir da iniciativa dos Estados-membros, que durante a Cúpula Mundial de Alimentação, no ano de 1996, viram a necessidade de que fosse melhor definido o direito a alimentação, que estava previsto no Art. 11 do PIDESC. Outro pedido também foi que houvesse uma atenção especial quanto ao monitoramento do Plano de Ação da Cúpula Mundial de Alimentação. (CARVALHO, 2015). Segundo a Secretaria de Direitos Humanos (2015), o Comentário Geral nº 12, Concebe que o direito à alimentação adequada deve ser interpretado como um itinerário a ser realizado progressivamente, desde o patamar mínimo de calorias, 28 proteínas e outros nutrientes necessários, sendo que os Estados tem obrigação de tomar as medidas necessárias para mitigar e aliviar o sofrimento causado por este drama. O Comentário também procurou aprofundar o entendimento da extensão e do sentido do direito a alimentação, quando interpretou a sustentabilidade, a adequação, a disponibilidade e o acesso aos alimentos. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2015). O item 1 do Comentário, esclarece qual o papel que o Estado deve desempenhar, e quais as medidas devem ser tomadas para que o direito a alimentação seja realmente efetivado. Diz o assim o item 1: O direito humano a alimentação adequada é reconhecido em vários documentos da lei internacional. O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais trata este direito de maneira mais abrangente do que qualquer outro. Conforme o artigo 11.1 do Pacto, os estados-partes reconhecem o “direito de todos de usufruir de um padrão de vida adequado para si mesmo e sua família, incluindo moradia, vestuário e alimentação adequada, e a melhoria continua das condições de vida”. De acordo com o artigo 11.2, eles reconhecem que medidas mais urgentes e imediatas podem ser necessárias para assegurar “o direito fundamental a estar livre da fome e da desnutrição”. O direito humano a alimentação adequada é de importância crucial para a fruição de todos os direitos. Aplica-se a todos, desta forma, a referência no artigo 11.1 a “si mesmo e a sua família” não implica em qualquer limitação para a aplicação deste artigo a indivíduos ou famílias chefiadas por mulheres. (ONU, 2015). Como visto o direito à alimentação está reconhecido na legislação internacional, em diversos dispositivos, cabendo a cada Estado-parte tornar efetiva a sua implantação. 2.2 A inclusão na Constituição Brasileira após a EC 064/2010 O Brasil como signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, teve que implementar diversas normas e legislações para garantir o direito a alimentação. Com o processo de redemocratização do país, com a luta pela abertura politica e a concessão da anistia, entre os anos de 1970 e o inicio dos anos 1980, a sociedade civil tomou a frente nas demandas por participação e garantis de direitos. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2015). 29 Em 1992, por meio do Decreto nº 591, entrou em vigor no Brasil, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), adotado pela Assembleia Geral da UNU no ano de 1966. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2015). A partir de então, o Brasil passou a implementar politicas públicas, visando o enfrentamento da fome e da miséria, buscando a garantia de vida digna a seus cidadãos. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), foi criado em 1993, desativado em 1995 e recriado em 2003. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos (2015) o CONSEA É um instrumento de articulação entre o governo e a sociedade civil, na proposição de diretrizes para ações na área de alimentação e nutrição, dispondo de caráter consultivo e de assessoria. [...] deve orientar a Presidência da República quanto a proposição e a definição de politicas públicas voltadas para a garantia do direito humano a alimentação adequada. O CONSEA também possui outras atribuições, entre elas, acompanhar e monitorar os diversos programas, projetos e politicas da segurança alimentar e nutricional, estimular a sociedade a participar da formulação, e também da execução e do acompanhamento destas politicas. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2015). No ano de 2006, foi criada a Lei 11.346, chamada de Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional, e que traz em seu artigo 3º, a definição do direito a segurança alimentar e nutricional da população. Diz o artigo 3º da Lei 11.346/2006: Art. 3º - A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. (BRASIL, 2015). Com a promulgação da Constituição de 1988, a mais avançada em termos de promoção e proteção aos direitos humanos, o direito a alimentação que estava incluído de forma esparsa em diversos artigos, como nos artigos 7º, 208, 212 e 227, passou a partir da 30 promulgação da Emenda Constitucional nº 064 de Fevereiro de 2010, definitivamente a ser um direito social. Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes (2011, p. 681), A introdução no rol de direitos sociais foi feita pela Emenda Constitucional nº 64/2010, após forte campanha liderada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar. De acordo com este órgão, a inclusão explicita do direito a alimentação no campo dos direitos fundamentais fortalecerá o conjunto de politicas públicas de segurança alimentar em andamento, além de estar em consonância com vários tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. A fome, que é uma das maiores crises até hoje enfrentadas pela humanidade, motivou uma campanha nacional intitulada Alimentação: direitos de todos, que foi liderada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, com a participação de movimentos sociais, órgãos públicos e privados, organizações não governamentais, entidades civis e cidadãos de todo o país. (ALMEIDA, 2010). Os argumentos utilizados para a inclusão do direito a alimentação na Constituição são muitos e variados, mas um dos principais, é que o Brasil, é signatário de diversos Tratados Internacionais que dispõe sobre o direito fundamental ao acesso a alimentação adequada, e também, a reiteração dos argumentos jurídicos e políticos objetivando a implantação de politicas públicas, e a proibição do retrocesso das politicas públicas já implementadas. (MONTEIRO, 2011). Neste sentido a Secretaria de Direitos Humanos (2015), assim se posiciona, Quando passa a figurar ao lado de outros direitos como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância e a assistência aos desamparados, o direito humano a alimentação adequada rompe definitivamente o silencio premeditado que envolve a fome como tema proibido, ou, pelo menos, pouco aconselhável de ser abordado publicamente. Ao registrar o lugar deste direito entre os outros direitos sociais, consolida-se uma importante garantia, dada a força necessária para que a sociedade civil faça frente aqueles discursos que procuram colocar o problema da fome como uma questão meramente econômica ou que está diretamente relacionada à saúde publica. Quando o direito a alimentação, passa ao status constitucional, como um direito social, que deve ser reafirmado expressamente, mesmo que já constasse de forma esparsa em outros 31 dispositivos da Constituição, o Estado está reafirmando o compromisso de dar prioridade ao tema da fome. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2015). Como trataremos no tópico seguinte, não basta somente que a lei trate do tema, é necessário que se criem mecanismos que promovam o acesso aos alimentos a todos que dele tem necessidade. 2.3 Politicas públicas desenvolvidas pelo Estado brasileiro para a efetivação do direito fundamental social à alimentação Antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional 064/2010, o Brasil já possuía leis e normas que versavam sobre o direito a alimentação. Como visto anteriormente, a criação do CONSEA, e a promulgação da Lei 11.346/2006, já davam uma amostra de que o Brasil, como signatário de diversos tratados internacionais, tinha interesse em desenvolver politicas públicas para a efetivação do direito a alimentação. Segundo o CONSEA (2015), As politicas públicas constituem-se em mecanismos do Estado para garantir a realização dos direitos humanos. O mesmo detém o poder e a autoridade para alterar ou formulá-las em prol da população – ou seu segmento – que vive em determinado território. São os gestores públicos – servidores e dirigentes de órgãos públicos – os responsáveis pela tomada de decisão sobre as politicas públicas, as quais, por sua vez, atendem aos diversos interesses, necessidades e demandas da sociedade. Neste processo, a sociedade civil exerce papel fundamental. Muitas politicas públicas podem ter origem na sociedade, ou seja, podem nascer das demandas legitimas e de conquistas históricas da população. O Brasil está avançando em termos de politicas públicas voltadas para a erradicação da fome. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos (201), Nos últimos anos, são inegáveis os avanços na área social, especialmente no âmbito das politicas públicas voltadas as SAN. Por meio das politicas públicas de combate à fome e à pobreza, identifica-se o compromisso em reconhecer os grandes desafios que ainda devem ser enfrentados. Neste contexto, foram criados mecanismos de participação social e iniciativas como a promulgação da LOSAN, que criou o SISAN, e que com isso, permitiram estabelecer as bases para o PLANSAN. Esse Plano busca compor tal quadro em construção, que tem como objetivo contribuir para consolidar a superação da fome e da miséria no país. 32 O PLANSAN (Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), instituído pelo Decreto nº 7.272/2010, visa o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, entre outras atribuições, e busca manter a segurança Alimentar e Nutricional nos debates entre o governo e a sociedade civil e se baseia em sete dimensões conforme a sua área de atuação. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2015). Como dimensão 1 e 2, temos a produção e disponibilidade de alimentos e que tem no Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) um grande fornecedor de crédito para a agricultura familiar, agricultura essa que responde por boa parte da produção de alimentos do país. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (2015), O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O Programa possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais, além das menores taxas de inadimplência entre os sistemas de credito do País. O acesso ao Pronaf inicia-se na discussão da família sobre a necessidade do crédito, seja ele para o custeio da safra ou atividade agroindustrial, seja para o investimento em máquinas, equipamentos ou infraestrutura de produção e serviços agropecuários ou não agropecuários. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi instituído através da Lei 10.696/2003 para a aquisição de produtos diretamente da agricultura familiar, para a promoção da segurança alimentar das populações urbanas e rurais. (CONSEA, 2015). O Ministério do Desenvolvimento Agrário (2015) esclarece que Parte dos alimentos é adquirida pelo governo diretamente dos agricultores familiares, assentados da reforma agrária, comunidades indígenas e demais povos e comunidades tradicionais, para a formação de estoques estratégicos e distribuição à população em maior vulnerabilidade social. Os produtos destinados a doação são oferecidos para entidades da rede socioassistencial, nos restaurantes populares, bancos de alimentos e cozinhas comunitárias e ainda para cestas de alimentos distribuídas pelo Governo Federal. [...] A compra pode ser feita sem licitação. Cada agricultor pode acessar até um limite anual e os preços não devem ultrapassar o valor dos preços praticados mercados locais. A Secretaria de Direitos Humanos (2015), coloca como dimensão 3, a renda, acesso e gastos com alimentos, e que tem como politicas públicas implementadas pelo Estado, o fortalecimento do salário mínimo e o Programa Bolsa Família. 33 O salário mínimo foi instituído em 1940, apenas para os trabalhadores urbanos. Em 1988 a Constituição estendeu este direito também aos agricultores rurais, com a definição do seu valor em lei, e que fosse capaz de atender as necessidades vitais dos trabalhadores e de suas famílias. O Programa Bolsa Família, criado no ano de 2004 através da Lei 10.836/2004, unificou todos os programas de transferência de renda anteriores a ele. O Programa Bolsa Família, ampliou o público atendido e o valor médio do beneficio, visando garantir uma renda mínima para as famílias extremamente pobres. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (2015), esclarece que o Programa Bolsa Família, contribui para o combate a pobreza e a desigualdade social, e possui três eixos principais que são: o complemento da renda, onde o governo federal repassa diretamente para as famílias atendidas um beneficio em dinheiro; acesso a direitos, onde algumas condicionalidades devem ser cumpridas para que o acesso a educação, à saúde e a assistência social possam favorecer a quebra do ciclo da pobreza; e a articulação com outras ações, pois o Programa Bolsa Família se integra e articula com várias politicas sociais, e é descentralizado, uma vez que tanto a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem atribuições para a sua execução. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (2015), no mês de Setembro de 2015, 13,9 milhões de famílias foram atendidas pelo Bolsa Família, e o valor transferido foi de R$ 2,3 bilhões, com um valor médio de R$ 164,86 por família. O Programa de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), são politicas públicas da dimensão 4, que trata do acesso a alimentação adequada. O PNAE teve seu inicio no ano de 1955, como “Campanha Nacional de Alimentação Escolar”. Tem como objetivo o crescimento e o desenvolvimento da aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos, com a oferta de refeições durante o período letivo. (CONSEA, 2015). 34 O PNAE, segundo dados do FNDE (2014), atendeu a 42 milhões de alunos da educação básica e jovens e adultos, com um orçamento de 3,6 bilhões de reais. O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), criado em 1976, tem como público alvo a população adulta trabalhadora, visando melhores condições nutricionais, com a melhoria da qualidade de vida, redução de acidentes de trabalho, e que se caracteriza por ser uma parceria entre governo, empresa e trabalhadores, onde a empresa, sobre as despesas com a alimentação dos trabalhadores, tem um desconto de até 4% no Imposto de Renda. (CONSEA, 2015). O Relatório do Dieese (2013) divulgou dados até o ano de 2012, sendo que neste ano o programa atingiu a marca de 16.124.761 trabalhadores, e deste numero 82,5% tem rendimento inferior a 5 salários mínimos. A dimensão 5, que trata da saúde e do acesso a serviços de saúde, tem o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Programa de Suplementação de vitamina A e de ferro, como politicas públicas mais importantes. O Sistema Único de Saúde (SUS), foi criado a partir da promulgação da Constituição de 1988, quando determinou que é dever do Estado garantir saúde para toda a população, e em 1990 foi aprovado pelo Congresso Nacional a Lei Orgânica da Saúde, que detalhou o seu funcionamento. (PORTAL DA SAÚDE, 2015). As suplementações de vitamina A e de ferro foram instituídas por meio das Portarias 729/2005 e 730/2005, respectivamente, e visam a suplementação de vitamina A em crianças de 6 meses a 5 anos, e a suplementação de ferro em crianças menores, de 6 a 24 meses e nas gestantes. (CONSEA, 2015). O Informe Alimentação e Nutrição (2015), explicita que A ampliação da cobertura do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A e do Programa Nacional de Suplementação de Ferro faz parte das metas da Ação Brasil Carinhoso (lançado em 2012), que compõe o Plano Brasil sem Miséria e tem como objetivo o combate à miséria na primeira infância (crianças de 0 a 6 anos) . 35 A dimensão 6, que trata sobre a educação, e tem como politicas públicas a Politica de Educação Básica, o Combate ao Analfabetismo e o Bolsa Família condicionado a frequência escolar. A Politica de Educação Básica, foi efetivada a partir da Constituição de 1988, quando esta determinou que a educação é um direito social, todos devem ter acesso a esse direito. A educação deve ser compreendida como uma base para que seja concretizado o direito a alimentação adequada, uma vez que a melhoria na escolaridade das mães, acarreta no declínio da desnutrição nas crianças com 5 anos ou menos. (CONSEA, 2015). O combate ao analfabetismo, foi implementado em 1977, com o lançamento do Programa Alfabetização Solidária, visando reduzir os índices de analfabetismo entre jovens de 12 a 18 anos. Em 2001, a Lei 10.172/2001, estabeleceu o Plano Nacional de Educação, visando à erradicação do analfabetismo. (CONSEA, 2015). O Programa Bolsa Família condicionado a frequência escolar, condiciona para a permanência da família no programa, a matrícula das crianças e adolescentes de 6 a 15 anos na escola, frequência escolar mínima de 85%, e a informação da transferência da criança de uma escola para outra. (CONSEA, 2015). E por fim temos a dimensão 7, que trata dos programas e ações relacionados a segurança alimentar e nutricional, e engloba todas as políticas públicas já implementadas pelos Estados, e que visam o respeito, a proteção e a promoção dos direitos humanos. Como visto neste tópico, o Brasil por ser signatário de diversos tratados internacionais de direitos humanos, possui muitas politicas públicas para a efetivação do direito a alimentação. E a inserção deste direito, no Art. 6º da Constituição, reafirma que o Brasil tem interesse de cumprir o que foi assumido nos tratados. Mas apesar de todo o exposto acima, é importante destacar que existem sim muitos problemas ainda a serem resolvidos, muitas famílias ainda vivendo abaixo da linha de pobreza1 e que não são atingidas pelas políticas públicas acima elencadas. 1 Linha de pobreza é utilizada para descrever o nível de renda anual, com o qual a pessoa ou a família tenha que obter os recursos necessários para viver, não se limitando somente a insuficiência de renda. O Banco Mundial 36 adota o valor de US$ 1,25 por dia por pessoa como valor de referência para linha de pobreza, e o Brasil adota o parâmetro de R$ 77,00 por pessoa da família que é o valor definido pelas Nações Unidas. (BRASIL, 2015) 37 CONCLUSÃO A alimentação é essencial para a sobrevivência da espécie humana, sendo dever do Estado garantir a todos o acesso a esse direito humano fundamental em quantidade e qualidade que supra as necessidades básicas. Como direito social e fundamental, o direito a alimentação, para ser concretizado, deve estar incluído no ordenamento jurídico, mais especificamente na Constituição Federal, o que só aconteceu no ano de 2010, com a inclusão, no Artigo 6º, da Emenda Constitucional 064/2010, que passou a garantir a todos o direito a alimentação, entre outros direitos já existentes, e o que ensejou a implementação de diversas politicas públicas com vistas a garantir este direito. Após o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo sentiu a necessidade que se criassem organismos de defesa dos direitos humanos, uma vez que os horrores da guerra não deveriam ser repetidos. Com este intuito, em 1945, a ONU foi criada com a missão de promover a paz entre as nações e efetivar a proteção dos direitos humanos, tão desrespeitados durante a guerra. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada no ano de 1948, foi o marco que ampliou e generalizou a promoção e a defesa dos direitos humanos, sendo que a partir de então criaram-se organismos internacionais, assinaram-se pactos e acordos entre as nações, visando que os direitos humanos fossem respeitados. 38 Para que isso se concretizasse, foram necessárias lutas, avanços e retrocessos, para que gradativamente a humanidade adquirisse experiência de vida em sociedade e o respeito aos direitos humanos fosse positivados nos documentos internacionais. A legislação internacional, quanto ao direito a alimentação, é muito vasta, com diversos pactos, tratados e acordos firmados entre as diversas organizações internacionais, principalmente através da ONU. O Brasil, como signatário de diversos destes pactos e tratados, teve que se adequar, inserindo em sua legislação dispositivos que garantissem que o direito a alimentação fosse concretizado e efetivado. Por todo o exposto no presente trabalho, podemos concluir que o direito a alimentação está expresso em diversos documentos internacionais, existem diversas organizações internacionais empenhadas em garantir a todos o acesso aos alimentos que necessitam, e o Brasil possui inúmeras politicas publicas com o fim especifico de erradicar a fome e a miséria, mas, se muito já foi feito, se houve avanços, é inegável também que muito ainda necessita ser feito, pois uma grande parcela da população ainda padece pela falta de alimentos suficientes. 39 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Luiz Ivani de Amorim. Os organismos especializados da ONU. In: MERCADANTE, Araminta de Azevedo; MAGALHÃES, José Carlos de (Orgs). Reflexões sobre os 60 anos da ONU. Ijuí: Unijui, 2005. P. 368-384. AWAD, Fahd. 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