Aos 100 anos da Conferência de Zimmerwald, que lições tirar?

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Aos 100 anos da Conferência
de Zimmerwald, que lições
tirar?
Alicia Sagra
Em setembro deste ano, quando se completam 100 anos da
Conferência de Zimmerwald, foi publicada uma grande quantidade
de artigos e ensaios referindo-se a este acontecimento. Como
não podia ser diferente, na maioria deles, explícita ou
implicitamente, toma-se a política de Lenin diante dessa
Conferência como um exemplo a ser seguido para responder à
situação atual.
Alertando que as analogias históricas devem ser muito
cuidadosas, já que é necessário contemplar os diferentes
contextos da luta de classes que estão sendo comparados, nós
estamos de acordo em que a política leninista diante de
Zimmerwald e do centrismo é um guia fundamental para responder
à situação atual: Syriza, governo de Cristina Kirchner, de
Dilma etc.
O problema que vemos, pelos diferentes trabalhos publicados,
é que existe uma grande confusão sobre o que foi Zimmerwald e
sobre qual foi a política dos bolcheviques naquele período.
O que foi a Conferência de Zimmerwald?
Não foi uma frente única operária, nem um bloco permanente
entre revolucionários e centristas, e muito menos uma frente
única revolucionária. Foi um encontro dos pouquíssimos
dirigentes da Segunda Internacional que estavam contra a
guerra imperialista.
Trotsky, que cumpriu um papel fundamental na Conferência,
descreve-a da seguinte maneira:
Em janeiro de 1915, apresentou-se em Paris o deputado
italiano Morgari, secretário da fração socialista do
Parlamento e eclético simplista, com a intenção de convocar
os socialistas franceses e ingleses para uma conferência
internacional (…) A organização da conferência ficou a cargo
de Grimm, dirigente socialista de Berna, que naquele momento
se esforçava o quanto podia para superar o nível de limitação
de seu partido, e o seu próprio. Tinha escolhido para a
reunião um lugar situado a dez quilômetros de Berna, uma
aldeiazinha chamada Zimmerwald, no alto das montanhas. Nos
acomodamos como pudemos em quatro carros e tomamos o caminho
da serra. As pessoas ficavam olhando, com expressões de
curiosidade, para esta estranha caravana. Para nós também era
engraçado que, cinquenta anos depois da fundação da Primeira
Internacional, todos os internacionalistas do mundo pudessem
caber em quatro carros. Mas naquela piada não havia o menor
ceticismo. O fio da história se rompe com muita frequência.
Quando isso ocorre, não há o que fazer senão amarrá-lo
novamente. Isso era precisamente o que íamos fazer em
Zimmerwald. Os quatro dias de duração da conferência – de 5 a
8 de setembro – foram dias agitadíssimos. Deu muito trabalho
fazer com que a ala revolucionária representada por Lenin e a
ala pacifista à qual pertenciam a maioria dos delegados
chegassem a um manifesto coletivo, esboçado por mim.
O manifesto não dizia tudo o que tinha que dizer. Muito pelo
contrário. Mas era, apesar de tudo, um grande passo em
frente. Lenin mantinha-se na extrema esquerda. Diante de uma
série de pontos, estava sozinho. Eu não me contava
formalmente entre a esquerda, ainda que estivesse
identificado com ela no fundamental.
Lenin temperou em Zimmerwald o aço para os empreendimentos
internacionais que haveria de pôr em marcha e pode-se dizer
que naquela aldeiazinha da montanha suíça foi onde se colocou
a primeira pedra para a internacional revolucionária (…)
Liebknecht não compareceu à Zimmerwald. Já era prisioneiro no
exército dos Hohenzollers, antes de ir ao presídio. Mas
enviou uma carta, na qual passava bruscamente da frente
pacifista para a frente revolucionária. Seu nome foi citado
muitas vezes na conferência. Aquele nome já era uma consigna
na luta que estava rompendo o socialismo mundial (…) A
conferência de Zimmerwald deu um grande impulso ao movimento
contra a guerra nos diversos países. Na Alemanha, contribuiu
para intensificar a ação dos espartaquistas (…) As diferenças
de opinião, puramente acidentais, que me haviam separado de
Lenin em Zimmerwald se apagaram no transcurso dos meses
seguintes (…).” (Paris e Zimmerwald, Minha Vida, Leon
Trotsky. Grifos nossos.)
A reunião, o Manifesto que foi acordado depois de “muito
trabalho”, assim como a conexão internacional que foi mantida,
foram considerados por Lenin como “um passo adiante em direção
à luta autêntica contra o oportunismo, à ruptura e à separação
dele“, que além do mais ia contra a proposta de Kautsky (a
principal figura do centrismo), que defendia que somente com o
fim da guerra seria possível reestabelecer as relações
internacionais.
Essa “internacional zimmerwaldiana”, como foi denominada por
Lenin, teve uma vida muito curta. Mas nunca foi um bloco dos
revolucionários com os centristas. Pelo contrário, durante a
Conferência, Lenin desenvolveu um violento combate contra os
centristas, apesar de estar em uma evidente minoria (8 de 38
delegados). Ele sabia que a sua proposta não podia ganhar a
Conferência, mas queria ganhar para ela os melhores quadros da
Segunda Internacional. É por isso que Trotsky afirma que
“Lenin temperou em Zimmerwald o aço para os empreendimentos
internacionais que haveria de pôr em marcha”. E, segundo sua
própria afirmação, ele mesmo foi ganho, nos meses seguintes,
para a maior parte das propostas leninistas.
Coerente com essa política, Lenin exigiu que, junto com o
Manifesto comum, também fosse publicada a resolução
apresentada por Radek em nome da “esquerda zimmerwaldiana”,
que propunha:
Rejeição aos créditos de guerra, saída dos ministros
socialistas dos governos burgueses, necessidade de
desmascarar o caráter imperialista da guerra na tribuna do
parlamento, nas colunas de imprensa legal e, se for
necessário, ilegal, organização de manifestações contra os
governos, propaganda nas trincheiras em favor da
solidariedade internacional, proteção das greves econômicas
tratando de transformá-las em greves políticas, em guerra
civil, e não em paz social.
Não há possibilidade de ganhar a classe operária com posições
centristas
Essa era a posição de Lenin e assim a apresenta em seu texto O
socialismo e a guerra, de agosto de 1915, cuja versão em
alemão foi distribuída na Conferência de Zimmerwald. Nesse
texto, ele faz uma análise crítica das reuniões internacionais
que precederam Zimmerwald:
No curso de um ano de guerra presenciamos várias tentativas
de reestabelecimento das relações internacionais (…)
Referimo-nos às conferências de Lugano e de Copenhague, à
Conferência Internacional de Mulheres e à Conferência
Internacional da Juventude. Essas reuniões foram movidas
pelos melhores desejos, mas não viram em absoluto o perigo
assinalado. Não traçaram a linha de combate dos
internacionalistas. Não mostraram ao proletariado o perigo ao
qual era exposto pelo método social-chauvinista de
‘reconstrução’ da Internacional. No melhor dos casos,
limitaram-se a repetir as velhas resoluções, sem indicar aos
operários que, se não lutam contra os social-chauvinistas, a
causa do socialismo é uma causa desesperada. No melhor dos
casos, não fizeram mais que marcar passo sem sair do lugar.
No mesmo texto, Lenin explica por que os centristas são mais
nefastos que os social-patriotas:
Estamos convencidos de que o autor do artigo editorial da
revista Die Internationale tinha toda a razão ao afirmar que
o ‘centro’ kautskista causa mais dano ao marxismo que o
social-chauvinismo descarado. Aqueles que encobrem agora as
divergências e pregam aos operários, sob uma aparência de
marxismo, o mesmo que prega o kautskismo, adormecem os
operários e são mais nocivos que os Sudekum e os Heine, que
apresentam o problema da frente e obrigam os operários a
analisá-lo.
E finaliza, no momento em que os revolucionários viviam uma
situação de profundo isolamento do movimento de massas, com
uma definição taxativa sobre qual é a única forma de ganhar a
simpatia da classe operária:
As conferências em torno dos denominados programas de ‘ação’
se limitavam até agora a proclamar mais ou menos
integralmente um programa de pacifismo somente. O marxismo
não é pacifismo. É indispensável lutar pelo fim mais rápido
da guerra. Mas a reivindicação da ‘paz’ somente adquire um
sentido proletário quando se faz o chamado à luta
revolucionária. Sem uma série de revoluções, a pretendida paz
democrática não é mais que uma utopia pequeno-burguesa. O
único programa verdadeiro de ação seria um programa marxista
que dê às massas uma resposta completa e clara sobre o que
passou, que explique o que é o imperialismo e como se deve
lutar contra ele, que declare abertamente que o oportunismo
levou a Segunda Internacional à bancarrota e que chame
abertamente a fundação de uma Internacional marxista sem os
oportunistas e contra eles. Somente um programa assim, que
demonstre que temos fé em nós mesmos e no marxismo, e que
declaramos uma guerra de vida ou morte ao oportunismo, poderá
nos assegurar, cedo ou tarde, a simpatia das massas
proletárias de verdade.
Sua posição inflexível contra o centrismo kautskista faz ele
ser muito duro com aqueles que considera que capitulam a este.
É o caso de Martov, Rakovsky e também de Trotsky, que Lenin
questiona não só por não haver rompido totalmente com suas
expectativas conciliadoras e
não assumir o “derrotismo
revolucionário”, mas, além disso, por levantar a proposta de
“Estados Unidos Republicanos da Europa“. Lenin considera que
esta proposta, além de ser reacionária por propor a unidade de
países imperialistas, é uma capitulação a Kautsky.
Desde o primeiro momento: delimitação categórica com os
centristas, nenhum bloco com eles
Em janeiro de 1917, Lenin escreve Zimmerwald na encruzilhada,
em que diz:
Desmascarar tudo o que é acessório, absurdo, hipócrita no
pacifismo burguês, ou ‘parafrasear’ o seu pacifismo
‘socialista’? Lutar contra os Jouhaux e os Renaudel, contra
os Legien e os David como ‘mercenários’ dos governos, ou
unir-se a eles sobre a base de declamações pacifistas e
vazias de molde francês ou alemão?
Esta é a linha divisória segundo a qual se produz a separação
entre a direita de Zimmerwald, que se rebelou sempre e com
todas as suas forças contra uma cisão com os socialchauvinistas, e a sua esquerda, que já em Zimmerwald teve,
não em vão, a preocupação de marcar abertamente um limite com
a direita, de intervir, na conferência e depois dela, na
imprensa, com uma plataforma distinta.
Esta delimitação categórica com os centristas, desde o
primeiro momento, é reafirmada no projeto de plataforma do
partido proletário, escrito por Lenin em 10 de abril de 1917
(As tarefas dos proletários em nossa revolução). No ponto 17,
com o subtítulo Bancarrota da Internacional Zimmerwaldiana.
Necessidade de criar a Terceira Internacional, afirma-se:
A Internacional Zimmerwaldiana adotou desde o primeiro
momento uma atitude vacilante, ‘kautskiana’, ‘centrista’, o
que obrigou a Esquerda de Zimmerwald a se separar
imediatamente dela, a tornar-se independente e lançar um
manifesto próprio (manifesto publicado na Suíça em russo,
alemão e francês).
Trotsky confirma e reivindica a atitude de Lenin diante do
centrismo
Em 1929, respondendo a um crítica de ser muito duro com o
centrismo e muito suave com a direita, Trotsky diz:
Mas os centristas, assim como a direita, estão à nossa
direita. Ao combater o centrismo, empreendemos um duplo
combate contra a direita, porque o centrismo não é senão uma
forma modificada, disfarçada, mas enganadora do oportunismo“.
(Diplomacia ou política revolucionária?, Carta a um camarada
tchecoslovaco, 1 de julho de 1929)
De forma autocrítica, acrescenta no mesmo texto:
O próprio Lenin foi acusado de se esquecer da direita e de
ajudá-la ao combater os centristas de esquerda. Eu mesmo fiz
isso mais de uma vez. Este, e não a revolução permanente, foi
o erro fundamental do ‘trotskismo histórico’. Para chegar de
verdade ao bolchevismo, não com um passaporte stalinista, é
necessário compreender plenamente o significado e a atitude
intransigente de Lenin em relação ao centrismo; sem isso não
é possível chegar à revolução proletária (…) Cresceremos
rápida ou lentamente? Não sei. Não depende unicamente de nós.
Mas cresceremos inexoravelmente… com uma política correta
(…).
Esta reafirmação autocrítica que Trotsky faz da política
leninista corrobora o que manifestamos no início deste artigo:
política leninista em relação à Zimmerwald e ao centrismo são
um guia para responder aos
Trotsky, podemos crescer mais
poderemos chegar à revolução
atitude intransigente de Lenin
desafios atuais. Como disse
rápido ou mais devagar, mas não
proletária se não assumirmos a
em relação ao centrismo.
100 anos de Zimmerwald e a
luta pela reconstrução do
Marxismo Revolucionário
André Freire
Há exatos cem anos, em setembro de 1915, acontecia um
importante encontro internacional, que acabou se transformando
em um primeiro passo fundamental para a reconstrução do
Marxismo Revolucionário. Totalmente abalados e divididos, os
marxistas se encontravam em uma encruzilhada, diante traição
da Internacional Socialista (II Internacional) e a maioria das
direções de seus partidos, especialmente o SPD Alemão, o mais
importante e com mais tradição deles, que acabaram apoiando as
burguesias de seus respectivos países na I Guerra Mundial.
Inclusive, seus deputados nacionais votando a favor, nos
parlamentos, da ampliação dos Orçamentos de Guerra (os
chamados “créditos de guerra”).
Para se contrapor a política de captulação da maioria da
direção internacional, se realizou, entre os dias 5 e 8 de
setembro de 1915, a chamada “Conferência Socialista
Internacional”, na cidade de Zimmerwald, na Suíça. As
discussões na “Conferência de Zimmerwald”, como ficou
historicamente conhecida, foram importantes para a afirmação
de que as idéias marxistas revolucionárias não tinham morrido,
junto com a enorme traição ao proletariado representado pela
política da II Internacional na I Guerra Mundial.
Sem dúvida, essa reconstrução de uma internacional
revolucionária era uma tarefa de grande magnitude, mas que
ficou nas mãos de poucas organizações, agrupamentos e
dirigentes marxistas, que naquele momento representavam um
setor extremamente minoritário no interior da “poderosa”
Internacional Socialista. É impossível, porém, entender à
fundo os fatos mais importantes da luta de classes que se
seguiram a realização da “Conferência de Zimmerwald” e o papel
de enorme relevância que seus participantes jogaram neles,
especialmente no desfecho da I Guerra, na Revolução de Outubro
de 1917 na Rússia, na derrota da Revolução Alemã na passagem
da primeira para a segunda década do século XX e na construção
da III Internacional
“Comintern”).
(a
Internacional
Comunista
–
Daqui há dois anos vamos comemorar o primeiro centenário da
Revolução Bolchevique de outubro de 1917. É justo incorporar
nessa comemoração histórica, o relevante papel que o Partido
Bolchevique jogou – quando ainda era uma organização
minoritária (embora, já muito importante) no interior da
própria Rússia – na luta contra a traição da social-democracia
e nos passos decisivos dentro do movimento dos
“Zimmerwaldianos” para a construção da III Internacional, uma
superação da já falida II Internacional, desde o ponto de
vista da luta revolucionária.
Organizando o encontro
O Partido Socialista Italiano, depois de ter expulsado um ano
antes o próprio Mussolini do partido, optou pela neutralidade
na guerra, e junto com os socialistas suíços, foram os
principais organizadores da “Conferência de Zimmerwald“.
Os dados não são totalmente precisos, mas nela compareceram
algo entre 36 e 42 delegados(*1), representando partidos e/ou
grupos minoritários no interior dos partidos, de pelos menos
19 países, entre os principais estavam: Itália, Suíça,
Alemanha, França, Holanda, Suécia, Romênia, Bulgária, Polônia
e Noruega; da Rússia, compareceram três organizações – os
Bolcheviques, os Mencheviques e a ala esquerda dos
Socialistas-Revolucionários; e os representantes ingleses, do
Partido Trabalhista Independente e do Partido Socialista
Britânico, não puderem sair do seu país. O Grupo Espartaquista
alemão, onde militavam Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht,
não esteve presente.
Ao final dos trabalhos, foi aprovado um Manifesto, elaborado
por Leon Trotsky, que condenava a política da II Internacional
na I Guerra Mundial, apesar de importantes polêmicas sobre seu
conteúdo. Foi constituído também uma Comissão Socialista
Internacional (ISK), que representou, na prática, um novo
agrupamento internacional. Ou, nas palavras de Lênin “… um
novo Birô Socialista Internacional, contra a vontade do velho
Birô e sobre a base de um manifesto que condena abertamente a
sua tática”.
A ISK representou um passo no sentido da reorganização, à
escala internacional, das forças que reivindicavam o marxismo
e se opunham a traição a II Internacional. Embora não tenha
adotado a estratégia de ruptura com a Internacional
Socialista, além da aprovação do seu Manifesto, deu passos
também organizativos, como publicações de declarações,
boletins e circulares, que informavam ao movimento operário e
aos militantes das organizações que nela participavam sobre
suas reuniões e iniciativas.
Polêmicas principais
Embora houve um ponto em comum entre seus participantes – a
condenação da política da maioria da direção da II
Internacional na Guerra – a Conferência de Zimmerwald foi
marcada por fortes polêmicas desde o seu início.
Se estabeleceu, nos principais debates, dois agrupamentos. Um
majoritário, com posições mais moderadas em relação ao
programa a ser adotado pela Conferência; e uma ala esquerda,
que expressava de forma mais contundente as posições do
marxismo revolucionário. À frente da chamada “esquerda de
Zimmerwald” se encontra o Partido Bolchevique russo.
A principal polêmica acabou se concentrando na definição do
Manifesto Final da Conferência. Uma proposta majoritária
unificou os setores mais moderados e centristas, e contou com
19 votos, contra a proposta apresentada pelos Bolcheviques e
alguns aliados internacionais (os Internacionalistas), que
contou com 12 votos.
Após
intensas
discussões,
o
Manifesto
Final
acabou
incorporando algumas idéias defendidas pelos Bolcheviques, em
especial, sobre a definição do caráter imperialista da I
Guerra Mundial e a condenação veemente da política “socialchauvinista” (nacionalista) da direção da II Internacional na
Guerra.
Porém, mesmo levando em consideração os avanços no conteúdo do
Manifesto Final, ainda se mantiveram polêmicas importantes.
Entre elas, a negativa da maioria em incorporar no manifesto
uma condenação política dos setores pacifistas e centristas
que vacilavam a romper por completo com a política majoritária
na II Internacional. E, principalmente, a hesitação absoluta
da maioria dos presentes em apontar a necessidade urgente de
romper com a Internacional social-democrata, dando os
primeiros passos para a construção da III Internacional.
Política, que era, já naquela altura, a principal preocupação
estratégica dos Bolcheviques.
Os Bolcheviques fizeram um balanço positivo da sua atuação na
Conferência de Zimmerwald, apesar dos limites programáticos
apontados no seu manifesto. Para Lênin, o manifesto significou
“um primeiro passo” importante na luta contra o socialchauvinismo da II Internacional e de afirmação de uma
alternativa, que se concretizou na montagem
prática aparecia com uma alternativa diante da
o projeto revolucionário da direção do antigo
(direção da II Internacional). Em relação
atuação dos Bolcheviques em Zimmerwald, Lênin
da ISK, que na
bancarrota para
Birô Socialista
ao balanço da
afirmava:
Devia nosso Comitê Central ter assinado um manifesto que
possui inconseqüências e timidez? Cremos que sim. Do nosso
desacordo – do desacordo não só do Comitê Central, senão de
toda a ala esquerda, internacional, marxista-revolucionária
da Conferência – falamos francamente tanto na resolução
especial, como no projeto especial de manifesto e na
declaração especial com motivo de votação em prol de um
manifesto de negociação. Não ocultamos nada de nossa opinião,
palavras de ordens e táticas. Na Conferência distribuímos a
edição alemã do folheto <O Socialismo e a guerra>. Temos
divulgado, divulgamos e divulgaremos nossas opiniões não
menos do que se divulgará o Manifesto. É um fato que este
Manifesto dá um passo adiante até a luta autêntica contra o
oportunismo, até o rompimento com ele e a separação dele.
Seria sectarismo negar-se a dar esse passo adiante junto com
a minoria dos alemães, franceses, suecos, noruegueses e
suíços quando conservamos a plena liberdade e a plena
possibilidade de criticar a inconseqüência e conseguir mais.
Seria uma má tática militar negar-se a marchar junto com um
crescente movimento internacional de protesto contra o
social-chauvinismo pelo fato de que este movimento seja
lento. De que dê unicamente um passo adiante … Em Setembro de
1915 nos unimos estreitamente no grupo da esquerda
internacional, expomos nossa tática, conseguimos que toda uma
série de idéias fundamentais nossas fossem reconhecidas em um
manifesto comum, participamos da formação da ISK (Comissão
Socialista Internacional), quer dizer, de fato, na
organização de um novo Birô Socialista Internacional, contra
a vontade do velho Birô e sobre a base de um manifesto que
condena abertamente a sua tática”. (LÊNIN, 1985 [27], pp
39-45).
Lênin valorizou especialmente o fato de os Bolcheviques não
esconderem as suas importantes diferenças com o conteúdo do
manifesto de Zimmerwald para se manter participando dos seus
fóruns. Ao contrário, eles fizeram as polêmicas durante a
Conferência, conseguiram incorporar várias de suas teses no
próprio manifesto comum e fizeram ainda uma declaração pública
, ao final, deixando explícito o que para eles eram os limites
daquele documento. Agora, como afirmou Lênin, seria um erro
sectário romper precipitadamente com Zimmerwald, pois a
participação dos Bolcheviques nessa Conferência significou um
passo adiante para a reconstrução o marxismo revolucionário ao
nível internacional.
A divulgação do manifesto comum não significou que as
polêmicas tenham se encerrado, ao contrário, na verdade, elas
se aprofundaram no interior do grupo Zimmerwaldiano e no
interior de seus fóruns, principalmente na ISK.
As polêmicas cresceram no final do ano de 1915 e no começo do
ano de 1916. As divergências eram consequência do
prolongamento da Guerra e da política traidora da II
Internacional, que deixava mais evidente os limites
programáticos do primeiro manifesto e, especialmente sobre a
necessidade de uma ruptura contundente com os setores socialchauvinistas, e também com os pacifistas e centristas, rumo a
construção da III Internacional. A intensificação das
polêmicas precipitaram a convocação da II Conferência
Socialista Internacional, que acabou acontecendo entre os dias
24 e 30 de abril de 1916, na cidade suíça de Kiental.
Rumo à terceira
O Comitê Central dos Bolcheviques escreveram uma proposta
prévia para a Conferência de Kiental, criticando duramente a
postura vacilante da maioria do grupo Zimmerwaldiano e
reafirmando a necessidade da ruptura completa, política e
organizativa, com a II Internacional. Inclusive, a proposta
dos Bolcheviques apontava que essa ruptura já estava se dando
naturalmente e na prática em vários partidos nacionais.
Portanto, era necessário passar imediatamente ao trabalho
prático de construção da III Internacional, como afirmava o
documento Bolchevique:
Na realidade, a ruptura existe já em todo o mundo; se
cristalizou duas políticas da classe operária a respeito da
guerra, absolutamente irreconciliáveis. Não devemos fechar os
olhos diante deste fato; isso só levaria confusão as massas
operárias, obscurecer sua consciência, dificultaria a luta
revolucionária de massas com a qual todos os de Zimmerwald
simpatizam oficialmente … Os social-chauvinistas e
Kautskistas de todos os países são os que se dedicam a
reconstruir o fracassado Birô Socialista Internacional. A
tarefa dos socialistas é explicar as massas a inevitabilidade
de uma ruptura com quem aplica a política da burguesia sob a
bandeira do socialismo. (LÊNIN, 1916).
Apesar do recrudescimento da I Guerra Mundial e do papel cada
vez mais nefasto da política social-chauvinista da direção da
social-democracia, mais uma vez a maioria do grupo
Zimmerwaldiano hesita, e não adota as propostas dos
Bolcheviques. Principalmente, se nega a apontar a necessidade
de uma III Internacional.
Os Bolcheviques fazem um duro balanço da postura vacilante da
maioria da segunda Conferência, mas optam por continuar
atuando no seu interior, para batalhar pela construção de uma
nova organização internacional revolucionária, diante do
fracasso evidente da II Internacional.
No entanto, a manutenção dos Bolcheviques na ISK, na prática,
foi acompanhada de uma intensificação da luta política,
teórica e programática contra a maioria do grupo de
Zimmerwald. Afinal, embora o Manifesto de Kiental condenasse
mais uma vez a política da II Internacional na Guerra, a
maioria de seus grupos e dirigentes já tinham consolidado uma
postura pacifista e já ensaiavam os primeiros movimentos que
buscariam no futuro uma recomposição política com a velha
direção da II Internacional. Neste momento, a conclusão dos
Bolcheviques era a seguinte:
Estamos profundamente convencidos de que agora se colocou em
evidência, e de forma definitiva, que a maioria de
Zimmerwald, ou a direita de Zimmerwald, deu uma virada
completa não até a luta contra o social-chauvinismo, senão
até a sua total subordinação a ele, até a fusão com ele,
sobre a base de uma plataforma de frases meramente
pacifistas. Consideramos, pois, que é nosso dever declarar
abertamente que, nestas circunstâncias, manter ilusões a
respeito da unidade de Zimmerwald e da luta zimmerwaldista
pela III Internacional causaria maior dano ao movimento
operário. Declaramos, não como ameaça nem como ultimato,
senão como notificação pública de nossa decisão, que, ao
menos que se modifique esta situação, nós não seguiremos
sendo membros do grupo zimmerwaldiano”. (LÊNIN, 1985 [30],
página 449).
O retrocesso político da maioria do grupo Zimmerwaldiano até
posições pacifistas fica mais explícito ainda nos acordos que
eles começaram a concretizar, em vários partidos nacionais,
com a velha direção social-democrata, isolando os agrupamentos
internacionalistas
Zimmerwald.
que
se
organizavam
na
esquerda
de
A intensificação da polarização dos debates no interior do
grupo Zimmerwaldiano se combina com a reabertura do processo
revolucionário na Rússia. Em fevereiro de 1917, uma revolução
derruba finalmente o Czar russo, os Soviets voltam a se
organizar e instala-se um governo provisório, de maioria
Liberal (Kadetes) mas já com o apoio – e posterior presença no
seu interior – de elementos Mencheviques e SocialistasRevolucionários.
Os Bolcheviques concluem que é necessário aproveitar,
inclusive, a abertura política na Rússia, com a queda do
Czarismo, para trabalhar abertamente pela construção da III
Internacional, rompendo definitivamente com a direita e o
centro de Zimmerwald, permanecendo na ISK somente por algum
tempo, para deixar nítida suas posições. Afirmavam:
Não podemos tolerar por mais tempo a charca zimmerwaldiana.
Não podemos permitir por culpa dos Kautskyanos de Zimmerwald
sigamos aliados a medidas com a Internacional chauvinista dos
Plekanov e dos Scheidemann. Temos que romper imediatamente
com essa Internacional, continuando em Zimmerwald somente com
fins de informação … Não esperar, senão proceder
imediatamente a fundação da III Internacional: tal é a missão
de nosso partido”. (LÊNIN, 1985 [31], pp 178-190).
Ainda foi realizada uma terceira Conferência Socialista
Internacional, em setembro de 1917, em Estocolmo (Suécia), mas
já sem o apoio e a presença do partido Bolchevique. Este foi o
último encontro internacional convocado em nome do Grupo
Zimmerwaldiano.
As tarefas práticas do processo revolucionário russo e os
debates com aliados internacionais que resistiam ainda em
concordar explicitamente com a fundação da III Internacional,
em especial com os Espartaquistas alemães (grupo político de
Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht), acabaram por postergar
ainda por dois anos a sua criação oficial. O extraordinário
impulso da conquista do poder pelos Bolcheviques na Revolução
de Outubro de 1917 na Rússia, primeiro Estado Operário da
História, permitiram uma situação favorável para a construção
de uma nova internacional revolucionária. A III Internacional
é fundada então em março de 1919.
O impacto da Revolução Russa no movimento operário
internacional e o ascenso revolucionário que sacudiu parte
importante da Europa no final da I Guerra Mundial abriram as
condições para que a III Internacional se transformasse, em
curto espaço de tempo, em um verdadeiro partido mundial da
Revolução, com fortes partidos nacionais, que conquistaram
grande influência política e número de militantes nos
principais países europeus.
Para isso, em primeiro lugar, a inflexibilidade programática e
de princípio pela construção de uma verdadeira Internacional
Revolucionária, aliada a flexibilidade tática de saber lutar
por esta proposta implacavelmente no interior do grupo
Zimmerwaldiano e da ISK, foi um importante processo de acúmulo
de forças, pelos Bolcheviques e os Internacionalistas, para a
construção da III Internacional.
A força política e programática e a dimensão que a “Comitern”
adquiriu já no início da década de 20 do século passado não
podem ser compreendidas sem um rigoroso estudo da
irreconciliável luta política e teórica que os Bolcheviques
fizeram no interior da social-democracia e do grupo de
Zimmerwald, quando ainda eram uma organização minoritária no
interior do marxismo, pela ruptura e superação da II
Internacional, frente a sua traição na I Guerra Mundial, e a
urgente construção da III Internacional.
Essa é a importância de recordarmos e comemorarmos o
centenário da Conferência de Zimmerwald, pois, nos dias de
hoje, a defesa do marxismo revolucionário também nos exige a
mesma firmeza ideológica e de princípios, aliada a
flexibilidade nas táticas políticas, que os Bolcheviques
tiveram diante da enorme traição da social-democracia na I
Guerra Mundial e nos passos que foram necessários adotar para
lutar, em melhores condições, para a construção da III
Internacional.
Nota:
(*1) – TAU GOLIN, no seu texto “Introdução aos anais do
partido mundial da revolução”,
fala em 42 delegados; já
PIERRE BROUÉ, no seu livro “História da Internacional
Comunista”, fala em 36 delegados, vindos de 19 países
diferentes;
Bibliografia:
BROUÉ, Pierre, “História da
Sundermann, São Paulo, 2007.
Internacional
Comunista“,
GOLLIN, Tau, “Introdução aos anais do Partido Mundial da
Revolução, publicado em “III Internacional Comunista“, Brasil
Debates, São Paulo, 1988.
LÊNIN, Vladimir, “O Primeiro Passo”, Editora Progresso, Tomo
27, Obras Completas, Moscou, 1985.
LÊNIN, Vladimir, “Proposta do Comitê Central do POSDR a
Segunda Conferência Socialista”, Boletim número 3 da Comissão
Socialista Internacional, 29 de fevereiro de 1916.
LÊNIN, Vladimir, “O Primeiro Passo”, Editora Progresso, Tomo
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LÊNIN, Vladimir, “Rascunho do projeto de teses para uma
mensagem a Comissão Socialista Internacional e a todos os
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Completas, Moscou, 1985.
LÊNIN, Vladimir, “As tarefas do proletariado em nossa
revolução”, Editora Progresso, Tomo 31, Obras Completas,
Moscou, 1985.
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