UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – ITAJAÍ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA - NPJ NEUTRALIDADE E NEUTRALIZAÇÃO DO ESTADO (ASPECTOS FILOSÓFICOS E JURÍDICOS) FILIPE ROSA CHAGAS FRANCISCO DECLARAÇÃO DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PÚBLICA EXAMINADORA ITAJAÍ, ____ DE ____________ DE 2015. Itajaí (SC), maio de 2015 ________________________________ Professor Msc. Natan Bem-Hur Braga UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – ITAJAÍ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA - NPJ NEUTRALIDADE E NEUTRALIZAÇÃO DO ESTADO (ASPECTOS FILOSÓFICOS E JURÍDICOS) FILIPE ROSA CHAGAS FRANCISCO Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Msc. Natan Ben-Hur Braga Itajaí (SC), maio de 2015 AGRADECIMENTO Agradeço a meus familiares que sempre me incitaram a dedicar-me aos estudos, principalmente aos meus pais pelos conselhos e a minha irmã Francislaine pelo tempo dispendido me auxiliando, encorajando e muitas vezes exortando, principalmente no que diz respeito a essa pesquisa científica. Agradeço ao Professor orientador pela sua excelência na correção desta pesquisa e por seu notável conhecimento nas áreas que ela envolve. Agradeço ao Msc. Reverendo João Artur dos Santos, pelos sábios conselhos e longas conversas das quais retirei muitas ideias para a presente pesquisa. Agradeço a Mayara Demarco que contribuiu para o aperfeiçoamento desta pesquisa, por meio de suas observações, auxílios, ideias e incentivos. Agradeço ao Igor Sabino e a Isabeli Mariano pelas traduções de alguns textos que eles realizaram e pela amizade e disponibilidade em sempre me ajudar. Agradeço também aos meus irmãos na fé, da 1ª Igreja Presbiteriana de Itajaí pela comunhão, pelo incentivo e pelo cuidado que essa comunidade tão amada tem comigo. DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho a Deus, único Deus verdadeiro. Senhor meu e Deus meu, imutável em seus planos e propósitos. Aquele que me deu a vida e a sustenta a cada dia. Agradeço pelo seu terno amor, por sua soberana eleição que tem me preservado diariamente nesse mundo pós-moderno. Agradeço pela comunhão e relação íntima que nutre minhas afeições e me preenche verdadeiramente. Tudo é para Ele, tudo diz respeito a Ele e sem Ele nada teria motivo para existir. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí (SC), maio de 2015 Filipe Rosa Chagas Francisco Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente Monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Filipe Rosa Chagas Francisco, sob o título Neutralidade e Neutralização do Estado (Aspectos Filosóficos e Jurídicos), foi submetida em 16/06/2015 à Banca Examinadora composta pelos seguintes professores: Natan Bem-Hur Braga, Orientador e Presidente da Banca Examinadora, Alexandre dos Santos Priess, Avaliador, sendo a referida Monografia aprovada. Itajaí, junho de 2015 Professor Msc. Natan Bem-Hur Braga Orientador e Presidente da Banca Examinadora Prof. MSc. José Artur Martins Coordenação da Monografia ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais. Calvinismo “[...] doutrina que crê que Deus é o Senhor da vida e Soberano do universo, cuja vontade é a chave da história”.1 “[...] sistema lógico de divindade, com uma ordem eclesiástica democrática própria, impelida por um sentido rigorosamente moral, e entusiasmado tanto pela reforma moral como pela reforma religiosa da humanidade”2. Pois, o Calvinismo, “[...] tem uma teoria de ontologia, de ética, de felicidade social e de liberdade humana, derivada totalmente de Deus”3, afinal, na visão calvinista, “[...] ‘não existe nenhuma área de todo domínio da existência humana sobre a qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não diga: Isso é meu’”4. Assim, o Calvinismo é um sistema não apenas teológico, mas uma doutrina que busca ressaltar a visão Cristã/reformada em todas as esferas da vida e da sociedade. Deus a) “[...] Disse Deus a Moisés: EU SOU o que SOU”5, b) “[...] antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá”. c) “[...] Deus é o único Senhor”, d) “[...]o único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível”, e) [...] “o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último, o princípio e o fim”. f) “[...] Deus é espírito”, g) “[...] grande Deus e grande rei”, h) “[...] magnificente: sobrevestido de glória e majestade”. Shadrach M. Lockridge definiu o Deus judaico-cristão, nos seguintes termos: “O meu rei é um rei soberano. Medida alguma pode definir seu amor ilimitado, nem o mais poderoso telescópio construído pelo homem pode se tornar visível as fronteiras 1 BEEKE, Joel. Vivendo para a Glória de Deus. São Paulo: Fiel, 2012. p.56. 2 KUYPER, Abraham. Calvinismo. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p.13. 3 KUYPER, Abraham. Calvinismo. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p.13 4 SPROUL, R.C. A free and lasting legacy. Tabletalk, 26, n.10. Out. 2002, p.6. 5 BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo de Genebra. 2.ed. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. Edição Revista e Atualizada. a) Êxodo 3:14; b) Isaías 43:10c; c) Deuteronômio 6:4b; d) 1ª Timóteo 6:16a; e) Apocalipse 22:13; f) João 4:24; g) Salmos 95:3; h) Salmos 104:1a; i) vii infinitas de seu poder. (....) É a ideia mais elevada na literatura, a maior personalidade na filosofia, o problema supremo na alta-crıt́ica. Ele é doutrina fundamental da verdadeira teologia, o milagre das eras. Ele é o superlativo de tudo que é bom que você̂ escolha chamá-lo e o único qualificado para ser nossa suficiência. (...) Ele é a chave do conhecimento. A fonte da sabedoria. A porta do livramento, o caminho da paz, a estrada da justiça, a vereda da santidade, a porta da glória. Seu cargo é multiforme, sua promessa é certa, sua vinda é incomparável, sua bondade ilimitada, sua misericórdia eterna, seu amor nunca muda, sua palavra é suficiente, sua graça basta. Seu reino é de justiça. "Seu jugo é suave e seu fardo é leve" (Mateus 11.30). Ele é indescritível e incompreensível, invencível e irresistível. Você̂ não consegue tiraŕ-ló da mente, não pode tira-lo da mão, não pode sobreviver a Ele e não pode viver sem Ele. Os fariseus não o suportavam, mas descobriram que não podiam detê-lo. Pilatos não conseguiu encontrar qualquer falta nele, Herodes não pode matá-lo. A morte não o deteve e o sepulcro não conseguiu segurá-lo, esse é meu Rei”6. Epistemologia “[...] epistemologia, ou teoria do conhecimento, é conduzida por duas questões principais: “O que é conhecimento?” e “O que podemos conhecer?” Se pensamos que podemos conhecer algo, como quase todo mundo, então surge uma terceira questão essencial: “Como conhecemos o que conhecemos?”. A maioria do que já foi escrito na epistemologia através dos tempos aborda ao menos uma dessas três questões”7. Estado "[…] organização político jurídica de uma sociedade para realizar o bem público, com governo próprio e território determinado.”8 Estado Laico “[...] O princípio segundo o qual “o Estado nada pode em matéria puramente espiritual, e a igreja nada pode em matéria temporal” é afirmado por Locke na Epístola de 6 LOCKRIDGE, Shadrach M, apud LAHAYE, Tim; JENKINS, Jerry B. O glorioso aparecimento: o fim das eras. São Paulo: Hagnos, 2004. p.24-25. 7 SOSA, Ernest; & GRECO, John. Compêndio de Epistemologia. São Paulo: Ed. Loyola, 2008, pg. 16). 8 AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 4 ed. ampl. e atual. São Paulo: Globo, 2008. p. 22. viii tolerantia (1689): o poder político não deve emitir juízos sobre religião, não tendo competência para fornecer definições em matéria de fé; do seu lado a Igreja deve manter a própria autoridade no campo espiritual que lhe é próprio”9. Existencialismo “[...] filosofia contemporânea segundo a qual, no homem, a existência que se identifica com sua liberdade, precede a essência: por isso, desde nosso nascimento somos lançados e abandonados no mundo, sem apoio e sem referência a valores; somos nós que devemos criar nossos valores através de nossa própria liberdade e sob nossa própria responsabilidade”10. “[...] O existencialismo, defende que o certo e o errado são relativos à perspectiva do indivíduo e que não existem valores morais ou espirituais absolutos. Seu princípio orientador é que o certo é ter uma experiência, é agir — o errado é vegetar, ficar inerte. O existencialismo é o sistema ético dominante em nossa sociedade moderna, que tende a validar eticamente atitudes tomadas com base na experiência individual”11. Homem Moderno Nesta pesquisa científica como um todo, será utilizado somente o conceito de homem moderno dado por Francis Schaffer. É importante ressaltar que Schaeffer não faz distinção de homem moderno para pós moderno, assim quando cita um ou outro ele os chama de homem moderno. Segundo ele o homem moderno é aquele: “[...] capaz de erigir uma espécie de construção, com uma estrutura limitada qualquer, em que possa viver, fechando-se de tal forma que não tenha mais nenhuma possibilidade de enxergar além dos seus muros”12. 9 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Unb e Imprensa Oficial de São Paulo, 2004. p.671. 10 JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p.70. 11 LOPES, Augustus Nicodemus. A ética nossa de cada dia. Cuiabá/MT. Monergismo. 2011. Disponível em: < http://www.monergismo.com/textos/etica_crista/etica_cadadia.htm/>. Acesso em: 02 de março de 2015). 12 SCHAEFFER, Francis August. Como viveremos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p.127. ix Laicidade “[...] existem concepções estritas e até intolerantes, que geram acusações de anticlericalismo. O conceito também é entendido, por vezes, de forma tão aberta e permissiva que perde sua função. A laicidade não deve ser uma coisa nem outra. Estado laico, é em essência, um instrumento jurídico-político para a gestão das liberdades e direitos do conjunto de cidadãos”13, sendo assim: Na conceituação de Laicidade, “[...] está inserida a noção de liberdade religiosa – do reconhecimento e aceitação de diferentes confissões religiosas e da fundação estritamente política do Estado contra a monarquia e a ‘vontade divina’”14. Por outro lado, “[...] a laicidade não significa a adoção pelo Estado de uma perspectiva ateísta ou refratária à religiosidade (...) Pelo contrário, a laicidade impõe que o Estado se mantenha neutro em relação às diferentes concepções religiosas presentes na sociedade”15. Liberdade Religiosa “[...] consiste na livre escolha pelo indivíduo da sua religião. No entanto, ela não se esgota nessa fé ou crença. Demanda uma prática religiosa ou culto como um dos seus elementos fundamentais, do que resulta também inclusa, na liberdade religiosa, a possibilidade de organização desses mesmos cultos, o que dá lugar às igrejas. Esse último elemento é muito importante, visto que da necessidade de assegurar a livre organização dos cultos surge o inevitável problema da relação destes com o Estado.16” Neutralidade do Estado “[...] pretende impedir a instrumentalização do poder político pelos poderes religiosos, e vice versa, ao mesmo tempo que promove a autonomia das confissões religiosas e liberta o erário público de quaisquer encargos com a promoção da religião. Do mesmo 13 ZYLBERSZTAJN, Joana. Laicidade: abordagem histórica e conceitos. In:______. O princípio da laicidade na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Biblioteca Digital USP, 2012. Laicidade. p.33. 14 ORO, Ari Pedro. A laicidade na América Latina: uma apreciação antropológica. In: LOREA, Roberto Arruda (Org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.81. 15 SARMENTO, Daniel. O crucifixo nos Tribunais e a laicidade do Estado. In: LOREA, Roberto Arruda (Org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.191. 16 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 2 vol. 3ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p.52. x modo salvaguarda a igual dignidade e liberdade de todos os indivíduos, crentes e não crentes, colocando a escolha individual em matéria de visões de mundo, religiosas ou não, fora do alcance dos poderes coercivos do Estado”17. Neutralização do Estado “A neutralização estatal significa radical indiferença por toda a valoração religiosa do fato religioso (o Estado não valora ou desvalora, em atitude confessional, a consciência de certa religião relativamente a uma outra), mas não já enquanto fato constitutivo de uma certa procura social. (...) Desconfiança ou repúdio da religião como expressão comunitária”18. Particulares “1. Em um sentimento genérico, diz-se do que pertence a alguns indivíduos de uma espécie, ou até mesmo a um só indivíduo. Privado, pessoal. Ex.: assunto particular. 2. Na lógica tradicional, designa as proposições nas quais o predicado é afirmado ou negado de apenas uma parte indeterminada da extensão do sujeito. Podem ser particulares afirmativas: "algum A é B" ("alguns cavalos são brancos"), e particulares negativas: "algum A não é B" ("alguns cavalos não são brancos"). Oposto a universal”19. Poder do Estado “[...] o poder do Estado acaba sendo visto, em última análise, como um poder juridicamente qualificado, podendo-se concluir com segurança que o chamado poder do Estado não é senão o direito do Estado. Isto porque na afirmação de que, no início, uma vontade diretora da comunidade, com o caráter puramente fático, era o poder do Estado, está encoberto o pressuposto de uma ordem jurídica, a qual determina que certos homens devem mandar e outros obedecer, aplicando-se a estes últimos, em caso de desobediência, a consequência coativa. Por que motivo, encontrando-se na base de toda a vida social uma ordem jurídica, o verdadeiro sentido de poder ou 17 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.24. 18 MIRANDA, Jorge. Estado, liberdade religiosa e laicidade. A porta, Lisboa: Gaudim Sciendi n.4, 2013, 20-43. 19 JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p.148. xi dominação estatal não é o de que uns homens estão submetidos a outros, mas sim o de que todos os homens estão submetidos às normas”20. Racionalismo “[...] é o sistema pelo qual homens e mulheres, partindo absolutamente de si mesmos, procuram racionalmente, construir a partir de si mesmos, tendo exclusivamente o homem como ponto de integração, para encontrar todo o conhecimento, significado e valor.”21. Síntese Forma de pensar que opõe-se à corrente clássica de pensamento causa e efeito, que leva a conclusão: “[...] que todas as posições possíveis são relativizadas, e levam ao conceito de que a verdade deve ser buscada não em termos de causa e efeito” 22. Soberania “[...] um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceites e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos”23. Sociedade “[...]"Estrutura formada pelos grupos principais, ligados entre si, considerados como uma unidade e participando todos de uma cultura comum”24. Universais “[...] aquilo que se aplica à totalidade, que é válido em qualquer tempo ou lugar. *Essência, qualidade essencial existente em todos os indivíduos de uma mesma espécie e definindo-os como tais. Para Platão, universal é a *forma ou ideia. Segundo 20 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.92. 21 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que se intervém. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p.27. 22 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que se intervém. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p.34. 23 CAETANO, Marcelo. Direito constitucional. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p.159. 24LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. 6.ed. São Paulo: Atlas,1990. p.321 xii Aristóteles, "uma vez que há coisas universais e coisas singulares (chamo universal aquilo cuja natureza é afirmada de diversos sujeitos e singular aquilo que não o pode ser: por exemplo, homem é um termo universal, Cálias, um termo individual)"25. 25 JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p.191. xiii SUMÁRIO RESUMO........................................................................................... 16 ABSTRACT....................................................................................... 17 INTRODUÇÃO .................................................................................. 18 ......................................................................................... 21 CONSTITUCIONALISMO, ESTADO E RELIGIÃO ........................... 21 1.1 A RELIGIÃO NAS CONSTITUIÇÕES: UM BREVE RELATO HISTÓRICO, A FORMAÇÃO DO ESTADO E A PLURALIDADE RELIGIOSA ............................ 21 1.1.1 A RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO LUSO BRASILEIRA DE1822 ................................ 22 1.1.2 A RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1824 ......... 24 1.1.3 A RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1891 ..................................................................................................................... 26 1.1.4 A RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1934 ..................................................................................................................... 28 1.1.5 A RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1937 ..................................................................................................................... 29 1.1.6 A RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1946 ....... 31 1.1.7 A RELIGIÃO NA A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967/69 ............................................................................................................................. 31 1.2 A FORMAÇÃO DO ESTADO E O ASPECTO RELIGIOSO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 ....................................... 33 1.2.1 A FORMAÇÃO DO ESTADO .............................................................................. 33 1.2.1.1 Poder Soberano .................................................................................................34 1.2.1.2 Povo ....................................................................................................................36 1.2.1.3 Território .............................................................................................................37 xiv 1.2.1.4 Finalidade do Estado .........................................................................................37 1.2.2 LAICIDADE E DIREITO DE RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ........................ 39 1.2.3 LIBERDADE RELIGIOSA (CRENÇA, CULTO E ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA) ............... 41 1.2.3.1 Liberdade de crença ..........................................................................................42 1.2.3.2 Liberdade de culto .............................................................................................43 1.2.3.3 Liberdade de organização religiosa .................................................................44 1.3 AS PRINCIPAIS RELIGIÕES DA ATUALIDADE .......................................... 45 1.3.1 XINTOÍSMO .................................................................................................... 45 1.3.2 BUDISMO....................................................................................................... 47 1.3.3 HINDUÍSMO .................................................................................................... 48 1.3.4 ISLAMISMO .................................................................................................... 50 1.3.5 JUDAÍSMO ..................................................................................................... 51 1.3.6 CRISTIANISMO ............................................................................................... 53 ......................................................................................... 57 FUNDAMENTAÇÃO JUDAICO-CRISTÃ DO ESTADO CONSTITUCIONAL E A FORMAÇÃO DO HOMEM MODERNO NA VISÃO DE FRANCIS SCHAEFFER .................................................. 57 2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E VALORES JUDAICO-CRISTÃOS ...... 57 2.1.1 DA RACIONALIDADE, MORALIDADE E IMORALIDADE DO HOMEM .......................... 62 2.1.2 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................ 71 2.1.3 JUSTIÇA E VERDADE ....................................................................................... 75 2.2 A FORMAÇÃO DO HOMEM MODERNO NA VISÃO DE FRANCIS SCHAEFFER ....................................................................................................... 77 2.2.1 NATUREZA E GRAÇA....................................................................................... 78 2.2.2 TOMÁS DE AQUINO E A AUTONOMIA ................................................................. 79 xv 2.2.3 O PRESSÁGIO DE LEONARDO DA VINCI812.2.4 DE ROUSSEAU A KIERKEGAARD: DA MECANIZAÇÃO AO “SALTO DE FÉ” ............................................................................ 82 ......................................................................................... 92 NEUTRALIZAÇÃO E NEUTRALIDADE DO ESTADO CONSTITUCIONAL .......................................................................... 92 3.1 NEUTRALIZAÇÃO DO ESTADO CONSTITUCIONAL ................................. 93 3.1.1 EXISTENCIALISMO: PRIMEIRO FUNDAMENTO DA NEUTRALIZAÇÃO DO ESTADO - A MORTE DE DEUS. .................................................................................................... 94 3.1.2 ATEÍSMO E (NEO) ATEÍSMO ............................................................................. 97 3.1.3 A NEUTRALIZAÇÃO APLICADA EM DIVERSOS CONTEXTOS ................................ 101 3.2 DA NEUTRALIDADE DO ESTADO CONSTITUCIONAL ............................ 109 3.2.1 NEUTRALIDADE E LIBERDADE RELIGIOSA NA VISÃO JUDAICO-CRISTÃ ................ 111 3.2.2 DIGNIDADE E IGUALDADE HUMANA NA NEUTRALIDADE DO ESTADO CONFORME A VISÃO JUDAICO-CRISTÃ ......................................................................................... 117 3.2.3 CONCLUSÃO DA NEUTRALIDADE DO ESTADO NA VISÃO JUDAICO-CRISTÃ ......... 121 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 124 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ......................................... 128 RESUMO Estado Laico é diferente de Estado Neutro e Estado Neutro, por sua vez, não implica em Estado Neutralizado. É muito comum na atualidade, as pessoas ressaltarem que o Estado é Laico, quando querem referir-se a total separação da Igreja e do Estado, quando querem dizer que as instituições religiosas não podem se envolver na esfera pública. Ocorre porém um equívoco em conceitos e uma perseguição pela Neutralidade do Estado que acaba muitas vezes por resvalar em uma Neutralização da religião. Entretanto, a separação do Estado e da Igreja não se reveste de uma completa cisão de ambas as esferas e muito menos de uma ausência de mutualidade entre estas. O próprio princípio da Laicidade do Estado encontra-se fundamento na raiz judaico-cristã, quando Jesus declarou: “Dai, pois, a César, o que é de César e a Deus o que é de Deus”, mas isso não pode revestir-se de uma negação da fé e de uma ausência de valores por parte do Estado. O Estado Constitucional não pode assumir uma Neutralidade moral, pois ele se fundamenta em princípios e valores que de modo algum são neutros. Sendo assim, assumir sua identidade moral, implica em assumir que não é totalmente Neutro. E não sendo completamente Neutro, imperioso se faz ressaltar que seus princípios e valores estão em completa consonância com a matriz judaico-cristã. Destarte a Neutralidade do Estado não implica de forma alguma em retirar qualquer senso de religião da esfera pública, muito menos declarar que o Estado é moralmente vazio, antes, implica em outorgar ao Estado que este seja imparcial e trate todos de modo igual independente da religião ou ausência dela e de propagar a liberdade religiosa, que é a maior de todas as liberdades. Diante disso, a presente pesquisa tem como objetivo o estudo e análise da Neutralidade e Neutralização do Estado e suas implicações filosóficas e jurídicas. 17 ABSTRACT Secular State is different from Neutral State and Neutral State, in your turn, doesn't imply in a Neutralized State. It's very common today, people emphasize that the State is laic, when they want to refer of the total separation of Church and State, when they mean that religious institutions can not involve in the public sphere. But there is a mistake in concepts and a persecution for Neutrality of the State that often ends by slipping in a Neutralization of religion. However, the separation of state and church does not coat a complete split of both spheres, and much less the fault of mutuality between them. The very principle of State's Secularism is the basis of Judeo-Christian root, when Jesus said: "Render therefore unto Caesar the things which are Caesar's; and unto God the things that are God's", but this can't be a denial from faith or lack of values by the State. The Constitutional State can't assume a moral Neutrality because it has its basis on principles and values that are by no means neutral. So, assume its moral identity implies in also assume that is not totally neutral. And not being completely neutral, it's necessary to highlight that its own principles and values are in complete agreement with Judeo-Christian matrix. Thus the Neutrality of State doesn't imply on no way to remove any sense of religion from public sphere, much less to declare that the State is morally empty, rather, it implies to grant to the State to be impartial and treat everyone equally, regardless of religion or lack of it and to propagate religious freedom, which is the greatest of all freedoms. Therefore, this research aims to the study and analysis of Neutrality and Neutralization of the State and its philosophical and legal implications. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto a análise da Neutralidade e Neutralização do Estado Constitucional, através da formação do homem moderno e dos pressupostos judaico-cristãos. O meu objetivo é contribuir com o ordenamento jurídico, com os operadores do direito, com a esfera pública, com as instituições religiosas e com a sociedade em geral, trazendo à baila um debate que é tão atual, mas ainda carente de expansão na nação brasileira. Eu escolhi tal tema em virtude dos debates atuais em relação a fé, principalmente no que se refere a abordagem destes debates na esfera pública. Trata-se, em verdade, de tema polêmico, diante da existência de controvérsias sobre a aplicação do conceito de Estado Laico. Contudo, é um tema relevante, visto que uma verdadeira Neutralidade do Estado só é reconhecida quando entendermos que nós, enquanto indivíduos, não somos neutros. Para tanto, comecei o Capítulo 1, tratando do histórico constitucional religioso, traçando aspectos das constituições brasileiras até a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967/69. Em ato contínuo, verifiquei a formação do Estado e o aspecto religioso da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Por fim terminei com um comparativo das maiores religiões da atualidade, com uma ênfase especial nas religiões judaica e cristã, pois serão o fundamento para os próximos capítulos. No Capítulo 2, abordei os pressupostos judaico-cristãos no Estado Constitucional, como fonte primária dos direitos fundamentais, da moralidade, da verdade e da própria legislação. Após isso, apresentei a formação do homem pósmoderno na visão do filósofo Francis Schaeffer, demonstrado como os pressupostos judaico-cristãos foram relegados e a sociedade atual assumiu outras filosofias para a explicação de todas as suas esferas. No Capítulo 3, será explanei os conceitos de Neutralidade e Neutralização do Estado constitucional. Demonstrei as consequências do homem pósmoderno em relação a Neutralização do Estado, bem como a influência que sofre pelo 19 existencialismo, pelo ateísmo e por uma ciência mecanicista. Ato contínuo mostrei, em alguns contextos no Brasil, como a Neutralização é visível. Após isso abordei o tema da Neutralidade do Estado e o perigo de entende-la de forma errônea, resvalando em uma neutralização da religião. Também ressaltei como a visão judaicocristã corrobora para uma Neutralidade Estatal sadia e como a Neutralidade não pressupõe absoluta cisão entre as esferas do Estado e da Igreja, pois ambas devem existir lado a lado, limitando-se mutuamente. Foi ainda estudado os temas de liberdade religiosa, dignidade e igualdade humanas na visão judaico-cristã do Estado Neutro. Por fim, apresentaremos uma conclusão do Estado Neutro na visão-judaicocristã e o quanto ele é digno de respaldo, pois contribui para uma sociedade, livre, digna e aberta para todas as religiões. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a Neutralidade e Neutralização do Estado. Para impulsionar a pesquisa formulei o seguinte problema: O Estado enquanto Neutro, implica em não reconhecer pressupostos universais e transcendentes, fundamentados na matriz judaico-cristã? ou em posicionar-se de uma maneira indiferente e passiva ante a qualquer senso de religião? Como hipótese inicial parti da ideia que a Neutralidade do Estado diz respeito ao completo abandono da fé ou do senso de religião na esfera pública. Que os fundamentos do Estado constitucional são regidos por uma razão pública, motivo pelo qual não há espaços para religião na coletividade. Que o Estado e a Igreja são esferas completamente distintas, não devendo haver qualquer cooperação de poder entre elas. Hipótese que não se confirmou como veremos no decorrer desta pesquisa. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação26 foi utilizado o Método Indutivo27, na Fase de Tratamento de Dados o 26 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83. 27 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 20 Método Cartesiano28, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente29, da Categoria30, do Conceito Operacional31 e da Pesquisa Bibliográfica32 Todas as fontes citadas no Relatório de Pesquisa serão arroladas ao final do trabalho, obedecendo à forma metodológica. . p. 86. 28 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26. 29 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54. 30 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25. 31 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37. 32 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209. 21 CONSTITUCIONALISMO, ESTADO E RELIGIÃO O Objeto de estudo deste capítulo será a abordagem do histórico constitucional no que tange a liberdade religiosa, bem como sua evolução no decorrer das constituições promulgadas. Trataremos de um aspecto puramente Constitucional que é Organização do Estado e sua composição, pois fundamental entende-la para servir como base ao segundo e terceiro capítulo. Por fim exploraremos um pouco das maiores religiões da atualidade, a título comparativo, destacando um pouco as religiões judaica e cristã visto que o objetivo principal desta pesquisa é analisar os fundamentos do Estado à luz dos pressupostos judaico-cristãos e a influência destes na Neutralização do Estado Constitucional. 1.1 A RELIGIÃO NAS CONSTITUIÇÕES: UM BREVE RELATO HISTÓRICO, A FORMAÇÃO DO ESTADO E A PLURALIDADE RELIGIOSA Impossível falar do conceito de laicidade e neutralidade do Estado, sem trazer à baila um breve histórico da religião nas constituições brasileiras. Todas as constituições brasileiras foram criadas e vieram à luz em momentos específicos da história de nossa nação. Em consonância com esse pensamento, Rodrigo César Rebello Pinho33, assim preconiza: Sempre que ocorreu uma alteração fundamental na estrutura do poder político na história brasileira uma Constituição, uma nova lei básica de organização e delimitação dos poderes do Estado, foi editada para dar a formulação jurídica em conformidade com a ordem surgida. Não há como dissociar o acompanhamento da 33 PINHO, Rodrigo César Rebello. Sinopses jurídicas – Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.190-191. 22 evolução do direito constitucional do estudo da dimensão política e histórica existente no momento de cada alteração. Destarte, é importante observar o que cada Constituição Nacional dizia a respeito da religião no Estado, uma vez que em que alguns momentos, tais normativas assumiram como religião oficial a religião Católica Apostólica Romana e em outros manteve o Estado neutro, como o é na Constituição da República Federativa do Brasil de 198834. É extremamente salutar essa abordagem religiosa nas constituições brasileiras para avançarmos no desenvolvimento do presente trabalho, pois será, de certo modo, o fundamento que nos levará a repensar acerca de alguns conceitos atuais em nosso Estado. 1.1.1 A religião na Constituição Luso brasileira de1822 A Constituição Luso Brasileira era uma exata extensão da lei Portuguesa aplicada ao Estado Brasileiro, razão pela qual muitos não a consideram como a primeira Constituição brasileira. Entretanto, faz-se questão de ressaltá-la por sua relevância histórica ofertada a presente pesquisa. Cabe salientar que tal constituição foi efêmera, porém, compreender sua base histórica é salutar afim que se possa entender o desenrolar cronológico religioso nas constituições posteriores. Jorge Miranda diz que a Constituição Luso Brasileira: ““Foi uma continuação da Constituição Portuguesa de 1822 e resultado das Cortes Extraordinárias Constituintes eleitas em Portugal, no Brasil e na África, por pressão da Revolução liberal do Porto. Participaram dela 2 delegados brasileiros”35. 34 Constituição da República Federativa promulgada em 05 de Outubro de 1988, doravante será chamada de Constituição Federal nesta pesquisa. 35 MIRANDA, Jorge. O Constitucionalismo liberal luso-brasileiro. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p.13/21. 23 A Constituição Luso Brasileira36, era explícita ao afirmar a Religião Católica Apostólica Romana como religião oficial: Art. 25: A Religião da Nação Portuguesa é a Católica Apostólica Romana. Permite-se contudo aos estrangeiros o exercício particular dos seus respectivos cultos. Também é válido salientar o Art. 7837 da mesma Constituição, que trouxe a formação das cortes e os devidos atos praticados por seus membros, eis: Art. 78: No dia vinte de Novembro a mesma Junta elegerá de entre os Deputados por escrutínio secreto à pluralidade absoluta de votos, para servirem no primeiro mês, um Presidente e um Vice-presidente, e à pluralidade relativa quatro Secretários. Imediatamente irão todos à igreja catedral assistir a uma Missa solene do Espírito Santo; e no fim dela o celebrante deferirá o juramento seguinte ao Presidente, que pondo a mão direita no livro dos santos Evangelhos dirá: Juro manter a Religião Católica Apostólica Romana; guardar e fazer guardar a Constituição política da Monarquia Portuguesa, que decretaram as Cortes extraordinárias e constituintes do ano de 1821; e cumprir bem e fielmente as obrigações de Deputado em Cortes, na conformidade da mesma Constituição. O mesmo juramento prestará o Vice-presidente e Deputados, pondo a mão no livro dos Evangelhos e dizendo somente: Assim o juro. A mesma Constituição, informa: “Art. 12638- “O Rei, antes de ser Aclamado deveria, entre outros juramentos, dizer que jurava manter a Religião Católica Apostólica Romana”. Este mesmo fundamento histórico-religioso foi transmitido para a Constituição de 1824, por isso tão necessária é citar a Luso Brasileira. Em consonância com tal entendimento, o professor membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas, Ricardo Fiuza39, informa: 36 PORTUGAL. Constituição Portuguesa de 1822. Portal da História: O liberalismo em Portugal. 2000-2010. Disponível em: < http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/c1822t2.html/>. Acesso em 20 maio de 2015. 37 PORTUGAL. Constituição Portuguesa de 1822. Portal da História: O liberalismo em Portugal. 2000-2010. Disponível em: < http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/c1822t2.html/>. Acesso em 20 maio de 2015. 38 39 PORTUGAL. Constituição Portuguesa de 1822. Portal da História: O liberalismo em Portugal. 2000-2010. Disponível em: <http://www.arqnet.pt/portal/portugal/liberalismo/c1822t2.html/>. Acesso em 20 maio de 2015. FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. A comunidade luso-brasileira do Direito Constitucional. Migalhas. 17 de abril de 2014. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI199333,21048A+comunidade+lusobrasileira+do+Dir eito+Constitucional>. Acesso em: 01 out. 2014. 24 Na verdade, a nossa comum História Constitucional começa com a Constituição Portuguesa de 1822, obra das Cortes Constitucionais eleitas em Portugal e no Brasil, antes da nossa independência. Marcello Caetano, o notável catedrático de Lisboa, criticou o trabalho desses constituintes (portugueses e brasileiros), classificando o texto como politicamente desastroso para com o Brasil. O que contribuiu certamente para a proclamação da independência brasileira no próprio ano de 1822. Ao verificar que as demais constituições tiveram origem na Constituição de 1822 e até mesmo constatar que a Luso Brasileira foi, de certo modo, a primeira constituição Brasileira, passa-se a analisar a constituição de 1824. 1.1.2 A religião na Constituição Política do Império do Brasil de 1824 A Constituição Imperial manteve a primazia da religião Católica Apostólica Romana, seguindo assim a tradição da Constituição Luso Brasileira, esta declarava abertamente que a religião oficial do Estado era a religião católica: A Constituição Imperial de 1824, de caráter confessional, estabelecia em seu artigo 5º a religião Católica Apostólica Romana como religião oficial do Império, e as demais religiões apenas o direito de culto doméstico, ou particular em locais com esta destinação, que não poderiam ter aparência exterior de templo40. Assim, denota-se que a liberdade religiosa não era plena contudo, foi permitido o culto de outras religiões nos lares daqueles que às confessavam. Consoante a explanação supramencionada, Celso Ribeiro Bastos41, ressalta que no Brasil Império era tangível a liberdade de crença (Conforme art. 5º da Constituição de 1824), entretanto não havia liberdade de culto, desse modo a liberdade religiosa não era plena. Ele ainda continua seu raciocínio, ressaltando que a constituição Imperial apenas reconhecia como livre 40 FERREIRA, Francilu São Leão Azevedo. A liberdade religiosa nas constituições brasileiras e o desenvolvimento da Igreja Protestante. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13496&revista_ca derno=27>. Acesso em: 01 out. 2014. 41 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.191. 25 o culto católico, outras religiões poderiam jubilar-se em celebrar um culto doméstico desde que vedada qualquer forma exterior de templo. Deste modo, José Afonso da Silva42, contribui: Realmente, a Constituição Política do Império estabelecia que a Religião Católica Apostólica Romana era a Religião do Império (art. 5°), com todas as consequências derivantes dessa qualidade de Estado confessional, tais como a de que as demais religiões seriam simplesmente toleradas, a de que o Imperador, antes de ser aclamado, teria que jurar manter a religião (art. 3°), a de que competia ao poder executivo nomear os bispos e prover os benefícios eclesiásticos (art. 102, II), bem como conceder ou negar o beneplácito a atos da Santa Sé (art. 102, XIV). O Estado Brasileiro, país colonizado pelos portugueses, que eram e ainda são de arraigada cultura católica, expressou na Constituição de 1824 a sua total devoção católica, a ponto de oficializá-la novamente em sua lei seguindo a tradição da constituição anterior e levando a mesma a um nível de tolerância, com as demais religiões. Entretanto essa tolerância era de natureza duvidosa, conforme Maíra de Lima Mandeli43: Dessa maneira, na época Colonial no Brasil, os portugueses não permitiam que se professasse, de forma ampla, outra religião senão a Católica. Nesse sentido, iniciou o preconceito e certa hostilidade em relação às demais religiões, em especial aos cultos afros. Nesse período existia mesmo uma política oficial de racismo, pois os negros eram considerados mercadorias. A tolerância racial predominava e os benefícios que a Coroa portuguesa consentia, só os católicos poderiam se beneficiar. O Estado, ou seja, a Coroa Portuguesa e a Igreja eram parceiros e todos aqueles que não eram católicos eram considerados como adversários políticos. Essa união foi mantida por muito tempo com a justificativa de se defenderem dos calvinistas franceses, os protestantes ingleses e reformadores holandeses. Ressaltam-se as invasões francesas e holandesas ao território. Pelo controle Católico/Papal que era exercido na Constituição Imperial os protestantes se viram forçados à exercerem uma resposta ao Estado, lutando pelos seus direitos Religiosos, como ocorreu na Reforma Protestante. Assim passa-se a abordar a Constituição de 1891. 42 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 27.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.243. 43 MANDELI, Maíra de. Constituição Federal de 1824. In: ______. Liberdade religiosa. Presidente Prudente/SP: Intertemas, 2008. p.56. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/688/706/>. Acesso em: 27. out. 2014. 26 1.1.3 A religião na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 é um marco para a história constitucional brasileira no que se refere a liberdade estatal e religiosa. Referida constituição é responsável por desassociar ambas esferas, daí o nome de Estado Laico. Essa constituição foi um marco porque seus efeitos não perduraram apenas na sua vigência mas, como expõe Fábio Dantas de Oliveira44, “todas as constituições que lhe sucederam mantiveram a neutralidade inerente a um Estado Laico, ainda que teoricamente”. Ressalta-se que na Constituição de 1891 o princípio da Laicidade só tornou-se possível, em razão dos protestantes que na época ganharam tamanha força no país a ponto de resistirem à tirania do Estado Confessional. No século XIX os protestantes com afinco debateram o tema da plena liberdade religiosa no país. Assim em 1860 a estrutura da laicidade do Estado encontrava-se completamente formada e a discussão da necessidade de desvinculação de ambas as esferas já era a medida mais viável que podia-se notar. Entretanto, apenas em 1890 que foi culminado no Decreto 119-A de 7 de janeiro do respectivo ano. Destarte a Constituição Republicana de 1891 consagrou a Laicidade Estatal na nação brasileira. Assim, como reflexo da liberdade religiosa expressa na constituição de 1891, a liberdade de culto tornouse plena para todas as religiões, o casamento civil foi estabelecido como obrigatório e as demais religiões foram estabelecidas em igualdade com a religião católica45. 44 OLIVEIRA, Fábio Dantas de. Aspectos da liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro. Teresina: Jus Navigandi. Ano 16, n. 2966, 15 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19770>. Acesso em: 27 out. 2014 45 FERREIRA, Francilu São Leão Azevedo. A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras e o Desenvolvimento da Igreja Protestante. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13496&revista_ca derno=27>. Acesso em: 22 out. 2014. 27 Grande parte da luta dos reformados, ou protestantes, se deu sob influência da filosofia Calvinista46; filosofia esta que, no ano de 1559 através da última revisão da Instituição da Religião Cristã, Jean Calvin inovou o pensamento de Genebra e de toda Europa, com suas propostas teológicas, políticas e sociais. Sobre a Liberdade Religiosa, Jean Calvin47 enfatiza a desvinculação da tirania papal, do Governo Civil, tornando ambos independentes: O poder espiritual do qual o papa se vangloria com todo os seus adeptos é ímpia contradição da Palavra de Deus e injusta tirania contra seu povo. E de fato, na expressão poder espiritual compreendo, ou a ousadia em se fabricarem novas doutrinas, com as quais desviaram o mísero povo da cristalina pureza da Palavra de Deus, ou as iníquas tradições com que a enredaram, a jurisdição pseudoeclesiástica que exercem através dos sufragâneos e oficiais. Porque, se permitirmos o reinado de Cristo entre nós, outra coisa não pode acontecer senão que todo este gênero de dominação se ponha abaixo imediatamente e se reduza à ruínas. O direito da espada, porém, que também atribuem a si, visto que não se exerce sobre as consciências, sua presente discussão não é relevante. Contudo, neste aspecto, convém também observar que são sempre semelhantes a si próprios, isto é, que nada são menos do que pastores da Igreja. Tampouco estou atacando as faltas particulares de homens, mas o crime comum de toda a ordem; e muito mais ainda, a própria peste da ordem, quando se crê que ela está mutilada, a menos que se faça vistosa pela opulência e pelos títulos soberbos. Se em relação a esta matéria, buscarmos a autoridade de Cristo, não há dúvida de que ele quis manter os ministros de sua Palavra distantes do governo civil e do poder terreno, quando dizia: “Os reis dos povos dominam sobre eles; mas vós não sereis assim” [Mt 20.25; Mc 10.42-43; Lc 22.25-26]. Ora, ele quis dizer não apenas que o ofício do pastor é distinto do ofício do príncipe, mas também que são coisas separadas demais para que possam coexistir em um só homem. Com efeito, que Moisés exerceu ambos esses ofícios ao mesmo tempo, primeiramente isso se deu por raro milagre; em segundo lugar, foi temporário, até que a situação melhorasse. No entanto, quando o Senhor prescreveu uma forma definitiva, o governo civil lhe é deixado; e lhe é ordenado que resignasse o sacerdócio ao irmão. E com razão, pois está acima da própria natureza que um homem exerça ambos os ofícios, e em todos os séculos isso foi diligentemente observado na Igreja. Jamais qualquer bispo, 46 Conforme exposto no Rol de Categorias, a cosmovisão Calvinista busca o Senhorio de Cristo em todas as esferas da sociedade. 47 CALVIN, Jean. Instituição da religião cristã. Tomo II, cap. XX. São Paulo: Unesp. 2008. p. 885. 28 sempre que permaneceu alguma aparência de igreja, pensou em usurpar o direito da espada; de modo que, no tempo de Ambrósio, prevaleceu este provérbio vulgar, que os imperadores aspiravam mais o sacerdócio do que os sacerdotes o império; pois se gravara na mente de todos o que mais tarde diz: “Ao imperador pertencem os palácios; ao sacerdote, as igrejas. A reforma protestante teve objetivos específicos, dentre eles, a exaltação da Soberania de Deus em que alicerça a doutrina da eleição divina e a forma de governo representativo na qual os membros podem escolher seus líderes, inclusive podendo substituir os mesmos, por decisão de um conselho superior de líderes. Esse modelo é utilizado pelos presbiterianos, igreja de origem reformada, que na época da constituição de 1891 exerceu papel fundamental na luta pela liberdade religiosa. Os presbiterianos têm uma doutrina teológica e estrutura organizacional que se adequa em muitos sentidos a Genebra e João Calvino. Calvino aplicou sua ideia em relação ao Governo Civil, servindo inclusive de inspiração para o Sistema Diretorial Suíço, um governo de assembleia que permanece nos dias atuais48. Sendo assim, a influência Calvinista foi um dos principais motivadores para que ocorresse a luta pela Liberdade Religiosa aplicada e assumida pelo Estado e por conseguinte a promulgação da constituição de 1891. 1.1.4 A religião na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 A constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 voltou a reconhecer o valor da religião na esfera pública, manteve o princípio da laicidade do Estado, e estabeleceu mútua cooperação entre ambas as esferas, deste modo Joana Zylbersztajn49 destaca: A constituição federal de 1934 já trouxe diversas alterações nas disposições relacionadas à questão religiosa, voltando a reconhecer a sua presença na esfera pública – a iniciar com a invocação de deus no preâmbulo. De todo modo, a previsão de 48 MANDELI, Maíra de. Constituição Federal de 1824. In: ______. Liberdade religiosa. Presidente Prudente/SP: Intertemas, 2008. p.56. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/688/706/>. Acesso em: 27. out. 2014. 49 ZYLBERSZTAJN, Joana. Laicidade: abordagem histórica e conceitos. In:______. O princípio da laicidade na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Biblioteca Digital USP, 2012. Laicidade. p.21/195. 29 separação entre Estado e Igreja foi mantida, mas passou a prever a possibilidade de cooperação: Art. 17. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo. (...) A constituição de 1934 amenizou o distanciamento estrito entre Estado e religião ao permitir a relação “em prol do interesse coletivo” (estabelecendo o modelo de separação com possibilidade de cooperação, como há hoje). Nesta perspectiva, voltou a reconhecer a extensão de efeitos civis ao casamento religioso, admitiu o ensino religioso e previu a possibilidade de assistência religiosa em locais de internação civis e militares. Como reflexo da liberdade que foi conquistada pelos debates que culminou no decreto 119-A de 1890, a Constituição de 1934 trouxe para ao Estado o valor do sentido religioso e levou para a realidade religiosa a cooperação Estatal. Mário Martins dos Santos50entende que a constituição de 1934, manteve a tradição da constituição de 1891 no que diz respeito a liberdade religiosa, porém que essa continuava filtrada à “ordem pública, aos bons costumes”, a uma “razão pública”. Para ele, o direito de liberdade religiosa passava a pertencer ao direito comum. É perfeitamente inteligível, ante o exposto, que a Constituição de 1934, preconizou institutos importantes ao direito de liberdade religiosa, bem como aproximou um pouco mais, ambas as esferas. 1.1.5 A religião na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937 A Constituição de 1937 teve um diferencial no que diz respeito a todas as outras Constituições brasileiras: Foi promulgada no âmbito do golpe que implementou o regime do Estado Novo de Getúlio Vargas. Considerando o contexto, o preâmbulo constitucional – assim como todo o texto – assumiu 50 SANTOS, Mário Martins dos. Conclusão. In: ______. Liberdade religiosa no Brasil e sua fundamentação constitucional. Presidente Prudente. 2006. p.9. Presidente Prudente/SP, v.2, n.2, 2006. Disponível em: <http://intertemas.toledoprudente.edu.br/revista/index.php/ETIC/issue/view/32>/. Acesso em: 22 de maio de 2015. 30 diferentes contornos, e não fez a invocação a Deus. Diversas disposições referentes aos assuntos religiosos foram excluídas do texto51. Em razão do golpe de Estado efetivado por Getúlio Vargas, a plena concepção de liberdade religiosa foi comprometida, há de ressaltar que houve um retrocesso no que se refere ao princípio da Laicidade do Estado. O art. 122, 4º da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 193752 estabelece: Art. 122, 4º: Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes. Entretanto, é importante observar que as “exigências da ordem pública e dos bons costumes” foram levadas em alto rigor, estabelecendose mais como uma negativa da liberdade religiosa do que um zelo pela guarda constitucional. Na perspectiva de Francilu São Leão Azevedo Ferreira53 houve na Constituição de 1937 um abandono ao avanço que a Constituição de 1934 tinha oportunizado, em relação a colaboração recíproca entre o Estado e as entidades religiosas. Destarte cabe ressaltar, que ao enfrentar a ditadura, ainda que expresso na Constituição o princípio da liberdade religiosa, este era totalmente limitado. 51 ZYLBERSZTAJN, Joana. Laicidade: abordagem histórica e conceitos. In:______. O princípio da laicidade na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Biblioteca Digital USP, 2012. Laicidade. p.23. 52 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro. 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm/>. Acesso em 22 maio. 2015. 53 FERREIRA, Francilu São Leão Azevedo. A liberdade religiosa nas constituições brasileiras e o desenvolvimento da igreja protestante. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13496&revista_ca derno=27>. Acesso em: 22 out. 2014. 31 1.1.6 A religião na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 Após Getúlio Vargas e seu governo vir a sucumbir, o país começou a vivenciar alaridos de uma nova democracia, neste interim, com uma reforma nos três poderes Estatais, nasceu a nova Constituição de 1946. A Constituição de 1946 trouxe algumas particularidades, as quais Andrea Russar Rachel54, destaca: A Constituição de 1946 inova ao estabelecer a previsão da imunidade tributária, com relação aos impostos, para os “templos de qualquer culto”, “desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins”. A Constituição de 1946 inovou, ainda, ao prever pioneiramente a “escusa de consciência”. A lei poderia estabelecer obrigações alternativas àqueles que se recusassem a cumprir obrigações impostas por lei a todos os brasileiros. Há, também, previsão de assistência religiosa aos militares e aos internados em habitação coletiva. A assistência religiosa somente pode ser prestada por brasileiro. Com a promulgação da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, foi retomado vários institutos da normatização religiosa. O princípio da liberdade religiosa foi uma garantia protegida. A Constituição de 1946, que corroboravam com a nova democracia, vivenciada na época55. 1.1.7 A religião na A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967/69 Nas Constituição de 1967 e 1969 (pois a segunda é praticamente uma reedição da de 1967), o preâmbulo faz menção ao nome de Deus. Estas mantêm a imunidade tributária das Igrejas e a liberdade de culto, é ressaltada. Em meados de 1964, a nação brasileira sofreu outro golpe militar, fazendo com que o país retrocedesse novamente. Entretanto, logo em 54 RACHEL, Andrea Russar. Brasil: a laicidade e a liberdade religiosa desde a Constituição da República Federativa de 1988. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22219/brasil-alaicidade-e-a-liberdade-religiosa-desde-a-constituicao-da-republica-federativa-de-1988/1>. Acesso em 27 out. 2014. 55 ZYLBERSZTAJN, Joana. Laicidade: abordagem histórica e conceitos. In:______. O princípio da laicidade na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Biblioteca Digital USP, 2012. Laicidade. p.23. 32 seguida, surgiu a redemocratização. Uma dessas expressões é o artigo 5° da Constituição de 1967: “É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes”56. No art. 150 § 5º da Constituição de 1969, diz: Art. 150 § 5º: “É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes”. Sobre esse dispositivo, José Scampini57, comentou outrora: É garantida liberdade de consciência. Variam os adjetivos que são empregados nas Constituições brasileiras quando elas se referem à liberdade de consciência. Esses adjetivos emprestam uma conotação muito importante: revelam o espírito que anima e que dá vida ao dispositivo legal. As Constituições de 34 e de 46 estabelecem que a liberdade de consciência é inviolável; a de 37, como a de 91, não faz referência à liberdade de consciência; as de 67 e de 69 afirmam que a liberdade de consciência é plena. Sem dúvida preferimos o adjetivo inviolável, porque se trata de um direito que escapa ao poder do Estado. De forma indubitável, como supramencionado, a inviolabilidade de consciência com fundamento de expressão religiosa, está em um patamar superior. Ocorre, entretanto, que entre o Estado Teocrático58 representado pela constituição de 1822, até chegar ao ápice da ditadura Estatal de 1937, o meio de equilíbrio, e principal divisor entre Estado e Igreja, encontrado na Constituição de 1967/69, foi a “liberdade de consciência.” Desta forma, pode-se notar que foi mantida a liberdade religiosa na Constituição de 1967/69, bem como a liberdade Estatal, separando ambos os governos e definindo de maneira clara suas funções. 56 MANDELI, Maíra de. Constituição Federal de 1824. In: ______. Liberdade religiosa. Presidente Prudente/SP: Intertemas, 2008. p.60. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/688/706/>. Acesso em: 27. out. 2014. 57 SCAMPINI, José. A liberdade religiosa nas constituições brasileiras – Estudo filosófico – jurídico. Brasília: Revista de Informação Legislativa, 1975. p.96. 58 Estado Teocrático, nos dizeres de Jorge Miranda, é um: “Estado confessional, com domínio do poder religioso sobre o poder político”. (MIRANDA, Jorge. Estado, liberdade religiosa e laicidade. A porta, Lisboa: Gaudim Sciendi n.4, 2013, 20-43). 33 1.2 A FORMAÇÃO DO ESTADO59 E O ASPECTO RELIGIOSO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 A Constituição da República Federativa de 1988 é o resultado final de quase 100 anos de trabalho, debates, discussões, oposição e ditadura Estatal e/ou Religiosa. Ela é a expressão de vários direitos e garantias fundamentais. Elogiada por sua grande abrangência e preocupação em recepcionar matérias tão importantes, como a dos direitos humanos, a Constituição Federal é uma carta de ordenamentos e entendimentos jurídicos, filosóficos e sociais totalmente atuais (mesmo sendo escrita em 1988), razão pela qual é importante analisa-la em relação ao tema estudado. Entretanto, antes de analisar os aspectos religiosos da Constituição vigente, é necessário trazer à tona breves considerações acerca dos componentes da formação do Estado, o que levarão o leitor a uma melhor compreensão e fundamento do Estado Constitucional de Direito. 1.2.1 A formação do Estado A formação do Estado está intrinsecamente ligada a quatro elementos básicos: poder soberano, povo, território e finalidades. José Afonso da Silva60, diz que esses elementos principais de formação do Estado e a estrutura dos mesmos, são encontrados nos três primeiros artigos da Constituição Federal. Esses quatro elementos, derivam de um meio de vida comum chamada sociedade, (societas) termo em latim que deu origem à palavra sociedade, que significa associação amistosa com outros, representando um grupo ou mais de pessoas que compartilham objetivos, desejos, cuidados, cultura e interagem entre si, constituindo uma comunidade. 59 Formação do Estado conforme José Afonso da Silva. 60 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 36.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.100. 34 É inerente à sociedade, portanto, a existência de conflito de interesses, tornando-se necessária a constituição de um poder soberano para organizá-la e equilibrá-la, buscando a solução dos respectivos conflitos. Assim, nasce o Estado. Friederich Engels61conceitua o Estado da seguinte maneira: O Estado não é, portanto, de modo algum, um poder que é imposto de fora à sociedade e tão pouco é "a realidade da ideia ética", nem "a imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando essa chega a um determinado grau de desenvolvimento. É o reconhecimento de que essa sociedade está enredada numa irremediável contradição com ela própria, que está dividida em oposições inconciliáveis de que ela não é capaz de se livrar. Mas para que essas oposições, classes com interesses econômicos em conflito não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, tornou-se necessário um poder situado aparentemente acima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantêlo dentro dos limites da "ordem". Esse poder, surgido da sociedade, mas que se coloca acima dela e que se aliena cada vez mais dela, é o Estado. Assim, o Estado é aquele que nasce da própria Sociedade, e vem a ser o equilíbrio das suas relações. Porém, mesmo nascendo da sociedade, o Estado se põe numa situação superior a esta para mantê-la organizada e assim servi-la. Destarte, sob esta análise, cabe ressaltar que há um poder soberano concedido ao Estado, que governa um determinado povo em um determinado território e estes têm uma determinada finalidade. 1.2.1.1 Poder Soberano A medida que nasce o Estado, intrinsecamente a este, nasce a Soberania, outorgada pela própria sociedade ao Estado. Assim, ensina Dalmo de Abreu Dallari62: 61 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. 2.ed. São Paulo: Escala, 2005. p.184. 62 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.63-64. 35 O conceito de soberania, claramente afirmado e teoricamente definido desde o século XVI, é um dos que mais têm atraído a atenção dos teóricos do Estado, filósofos do direito, cientistas políticos, internacionalistas, historiadores das doutrinas políticas, e de todos quantos se dedicam ao estudo das teorias e dos fenômenos jurídicos e políticos. Por isso mesmo, deu margem ao aparecimento de uma tão farta bibliografia e à formulação de uma tal multiplicidade de teorias que acabou sendo prejudicado, tornando-se cada vez menos preciso e dando margem a todas as distorções ditadas pela conveniência. (...) O que se verifica, apesar disso tudo, é que o conceito de soberania é uma das bases da ideia de Estado Moderno, tendo sido de excepcional importância para que este se definisse, exercendo grande influência prática nos últimos séculos, sendo ainda uma característica fundamental do Estado. (...) O conceito de soberania tem um fundamento histórico de importância, a saber, faltava ao mundo antigo o único dado capaz de trazer à consciência o conceito de soberania: a oposição entre o poder do Estado e outros poderes. O Poder do Estado é superior a todo e quaisquer poderes, essa qualidade nomeia-se, Poder Soberano. Soberania é igual poder político, supremo e autônomo, independente de quaisquer poderes. Sua supremacia é caracterizada por que não precisa se submeter na jurisdição interna a qualquer poder, por outra lado sua autonomia é caracterizada por que na jurisdição externa não é obrigado a obedecer as regras a ele estabelecida63. Inexiste assim, Estado sem Soberania. Esta é um poder e uma atribuição especifica do Estado que lhe dá toda independência, capacidade de auto gestão, regulamentação e organização. Miguel Reale64, define o conceito de Soberania da seguinte forma: “Soberania é o poder do Estado de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”. Sendo assim, nota-se que o Poder Soberano está acima de todos os poderes, e é o regulamentador de todos os outros elementos que compõem o Estado. 63 CAETANO, Marcello, apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 36.ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p.106. 64 REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. São Paulo: Saraiva, 2002. p.127. 36 1.2.1.2 Povo Ao falar sobre Povo, Dalmo de Abreu Dallari65comenta que é quase impossível definir Povo, pois há uma grande carga emocional que carrega essa expressão ao longo dos anos. Informa ainda que é importante observar que “Povo” não é sinônimo de população, e que essa é mera expressão numérica. Por fim, informa que Povo também não é sinônimo de nação, que essa indica uma comunidade, não sendo capaz de definir juridicamente Povo. Desta forma, como define-se juridicamente Povo? Nos dizeres de Darcy Azambuja66, Povo conceituado juridicamente, é definido como: A população do Estado, considerada sob o aspecto puramente jurídico, é o grupo humano encarado na sua integração numa ordem estatal determinada, é o conjunto de indivíduos sujeitos às mesmas leis, são os súditos, os cidadãos de um mesmo Estado. Em consonância com Darcy Azambuja, Dalmo de Abreu Dallari67, define Povo da seguinte forma: Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano. Essa participação e este exercício podem ser subordinados, por motivos de ordem prática, ao atendimento de certas condições objetivas, que assegurem a plena aptidão do indivíduo. Logo, subtende-se Povo, não apenas como um ajuntamento, grupo de pessoas, ou uma comunidade, mas como a reunião de pessoas um determinado momento jurídico com um determinado fim, o de submeter-se ao Estado. 65 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2006. p.80. 66 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 36.ed. São Paulo: Globo, 1997. p.19. 67 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2006. p.80. 37 1.2.1.3 Território De forma objetiva, território é o espaço que limita a soberania do Estado, ou seja, até onde o poder absoluto do mesmo pode alcançar. Território é o limite onde o Estado pode atuar de maneira soberana, exclusiva, exercendo poder efetivo e exclusivo 68. Nesta égide, Hans Kelsen69 contribui de forma significativa, ao conceituar Território: A unidade do território de Estado e, portanto, a unidade territorial do Estado, é uma unidade jurídica, não geográfica ou natural. Porque o território do Estado, na verdade, nada mais é que a esfera territorial de validade da ordem jurídica chamada Estado. Anteriormente, ao definir Soberania, informou-se que esta é independente, por não se submeter ao poder Internacional, mas há de salientar que esta tem seu próprio poder delimitado na sua esfera de alcance espacial que chama-se Estado. Território, assim, é o âmbito de validez do ordenamento jurídico. 1.2.1.4 Finalidade do Estado O Povo que se reúne, sob um ordenamento jurídico e que se submete a este, tem objetivos definidos e claros, esses objetivos é a expressão máxima da representação do Povo e da democracia. Sobre esses objetivos, Dalmo de Abreu Dallari70expõe: O Estado é sempre uma unidade de fim, ou seja, é uma unidade conseguida pelo desejo de realização de inúmeros fins particulares, sendo importante localizar os fins que conduzem à unificação. De fato, sendo a vida do Estado uma série ininterrupta de ações humanas, e sendo estas, por sua vez, sempre determinadas por um fim, é lógico que os fins do Estado deverão ser a síntese dos fins individuais. 68 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.100. 69 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.301. 70 DALLARI, p.86. Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2006. 38 É tangível que o objetivo do Estado está intrinsicamente ligado ao objetivo individual, entretanto qual é esse objetivo? Há uma divisão entre fins objetivos e subjetivos do Estado, todavia, este trabalho não irá se ater em explicar tópico a tópico, abordaremos contudo a definição final da finalidade do Estado, definição essa que se entende ser a junção de ambos os fins. Eis: O fim do Estado é o bem comum, ou seja, o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana. Mas se essa mesma finalidade foi atribuída à sociedade humana no seu todo, não há diferença entre ela e o Estado? Na verdade, existe uma diferença fundamental, que qualifica a finalidade do Estado: este busca o bem comum de um certo povo, situado em determinado território. Assim, pois, o desenvolvimento integral da personalidade dos integrantes desse povo é que deve ser o seu objetivo, o que determina uma concepção particular de bem comum para cada Estado, em função das peculiaridades de cada povo71. Desta forma, o Estado apesar de ser Soberano sobre o povo, este em última análise, existe para servi-lo e o faz para atingir a sua finalidade, que é alcançar o bem desse Povo. Essa finalidade é expressa de maneira pontual nos três primeiros artigos da Constituição Federal. Não há melhor definição para as finalidades do Estado, do que a supramencionada. O Estado apesar de ser Soberano sobre o povo, este em última análise existe para servir o povo, e presta bem este serviço através de sua finalidade, que é alcançar o bem final do povo. Tais finalidades são expressas de maneira pontual nos três primeiros artigos da Constituição. Visando, assim, o bem comum do povo, que o poder Soberano, através do poder constituinte, por meio do Estado, promulgou a Constituição Federal e nesta nova Constituição o princípio da Laicidade é real mas deve ser debatido sob pena de em nome da Laicidade o Estado não se tornar absolutamente Neutralizado. 71 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 89. 39 1.2.2 Laicidade e direito de religião na Constituição Federal O art. 19, I da Constituição Federal72 estabelece o princípio da Laicidade do Estado: Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. O indivíduo pode escolher a religião que deseja seguir sem qualquer intervenção do Estado, inclusive o ateísmo, visto que este se enquadra no direito de religião, mesmo parecendo um paradoxo. O art. 5º da Constituição Federal73 em seus incisos VI ao VIII, da CRFB/88 preconiza: art. 5º VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; A relevância desses preceitos, quanto às Liberdades Espirituais, direito a assistência religiosa e Laicidade do Estado é tão visível, que prova disto foi ter se tornado cláusula pétrea. Corroborando com esse entendimento, Fábio Dantas de Oliveira74, argumenta: 72 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm/>. Acesso em 23 de maio de 2015. 73 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm/>. Acesso em 19 de maio de 2015. 74 OLIVEIRA, Fábio Dantas de. Aspectos da liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi. Teresina, ano 16, n. 2966, 15 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19770>. Acesso em: 19 set. 2014. 40 Diante da importância das liberdades de crença e de culto para a sociedade como um todo, o Brasil as qualificou como cláusulas pétreas, ou seja, tornaram-se dispositivos imutáveis, onde somente o advento de uma nova Constituição poderá modificar tal condição. Desta maneira, percebe-se a importância dada pelo texto constitucional brasileiro à liberdade religiosa e à própria laicidade estatal. A Liberdade Religiosa na Constituição Federal é uma conquista plena, uma reflexo da conquista da Constituição de 1891, quando o Estado Confessional foi abolido e houve a confirmação da separação dos governos (Igreja e Estado), de acordo com o ideal de Jean Calvin, apresentado em suas Institutas. Ideal este, que os protestantes usaram como base para lutar pelos direitos às liberdades espirituais, por volta do fim do século XIX, no Estado Brasileiro. Conforme Iso Chaitz Scherkerkewitz75, Ramón Soriano ensina: A liberdade religiosa é o princípio jurídico fundamental que regula as relações entre o Estado e a Igreja em consonância com o direito fundamental dos indivíduos e dos grupos a sustentar, defender e propagar suas crenças religiosas, sendo o restante dos princípios, direitos e liberdades, em matéria religiosa, apenas coadjuvantes e solidários do princípio básico da liberdade religiosa. Eis que o desenvolvimento Constitucional no que diz respeito às liberdades religiosas e a laicidade do Estado ao longo de anos foi metaforicamente como um rascunho a fim de apresentar uma construção sólida de direitos e deveres religiosos. Thiago Massao Cortizo Teraoka76 diz: A liberdade religiosa, como direito fundamental garantido pela Constituição, acaba por influenciar todos os ramos do Direito, indicando caminhos a serem adotados pelo legislador e pelo intérprete. Em geral, não exclui a obediência ao legislador, porém impõe que toda legislação seja interpretada de modo a permitir a liberdade mais ampla possível. Considerando o princípio da neutralidade estatal, em termos constitucionais, a 75 SORIANO, Ramón apud SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. O Direito de religião no Brasil. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm>. Acesso em 29 Out. 2014. 76 TERAOKA, Thiago Massao Cortizo. A Liberdade religiosa no direito constitucional brasileiro. 2010. 282 (fls.) Tese em Direito para obtenção do grau de Doutor em Ciências Jurídicas. – Doutorando, Universidade de São Paulo (USP). São Paulo. 41 religião deve ser entendida em termos amplíssimos. Toda crença, culto e atividade ligada ao sobrenatural deve estar compreendida no âmbito de proteção da liberdade religiosa. Assim, são exemplos de religião: judaísmo, cristianismo, islamismo, Seicho-no-ie, budismo, crenças ligadas à reencarnação e à comunicação com os mortos, paganismo, cientologia, etc. Pode se notar que a laicidade do Estado é princípio que rege a liberdade religiosa, e que dá vida às diferenças religiosas presentes na cultura brasileira. Visto que a laicidade do Estado presente na Constituição Federal é o que dá força as liberdades espirituais dedicaremos o próximo tópico a analisar as liberdades religiosas. 1.2.3 Liberdade religiosa (crença, culto e organização religiosa) A liberdade religiosa é um dos princípios constitucionais mais consagrados pois representa a absoluta neutralidade do Estado e leva junto de si, as outras liberdades subsidiárias. Existem alguns doutrinadores e juristas que consideram o direito à liberdade religiosa, como o fundamento de todos os outros direitos de liberdade. Assim comenta Canotilho77, citando o pensamento do jurista alemão Georg Jellinek: A quebra de unidade religiosa da cristandade deu origem à aparição de minorias religiosas que defendiam o direito de cada um à verdadeira fé. Esta defesa da liberdade religiosa postulava, pelo menos, a ideia de tolerância religiosa e a proibição do Estado em impor ao foro íntimo do crente uma religião oficial. Por este facto, alguns autores, como G. JELLINEK vão mesmo ao ponto de ver na luta pela liberdade de religião a verdadeira origem dos direitos fundamentais. Parece, porém, que se tratava mais da ideia de tolerância religiosa para credos diferentes do que propriamente da concepção da liberdade de religião e crença, como direito inalienável do homem, tal como veio a ser proclamado nos modernos documentos constitucionais. O Estado, além de assegurar o direito à liberdade religiosa, provê os meios eficazes para cada cidadão usufruir deste bem tutelado, pois, a Liberdade religiosa não se compõe apenas em o Estado abster-se de não 77 JELLINEK, Georg apud CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6.ed. Coimbra: Livraria Almeida, 1993. p.503. 42 perseguir religiões ou não obrigar ninguém a assumir uma determina religião, mas liberdade religiosa implica também em o Estado propiciar meios para o cumprimento dos deveres religiosos em matéria de culto, adoração e ensino de cada religião, nos termos daquilo que é moralmente correto78. O direito de religião, preconizado pela Constituição Federal, subdivide-se em três linhas de raciocínio, as quais José Afonso da Silva79 comenta: A liberdade religiosa se inclui entre as liberdades espirituais. Sua exteriorização é forma de manifestação do pensamento. Mas, sem dúvida, é de conteúdo mais complexo pelas implicações que suscita. Ela compreende três formas de expressão (três liberdades): (a) a liberdade de crença; (b) a liberdade de culto; (c) e a liberdade de organização religiosa. Todas estão garantidas na Constituição. Estas três linhas de raciocínio formam o direito à liberdade religiosa. Desta forma, é importante discorrer sobre as mesmas. 1.2.3.1 Liberdade de crença A liberdade de crença é a liberdade que o indivíduo tem em optar pela escolha e prática de uma religião ou de nenhuma, como o caso de ateus e agnósticos. Pontes de Miranda80 sobre a liberdade constitucional de crença, comenta: “A liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter crença”. Como o Estado é Laico e tutela a liberdade individual, os direitos religiosos devem estar em consonância total com os demais direitos constitucionais, dentre eles a igualdade. Logo, aquele que deseja não crer e 78 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV, direitos fundamentais. 3.ed. Coimbra: Coimbra. 2000. p.409. 79 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.248. 80 MIRANDA, Pontes de. Comentários a Constituição de 1967 com emenda n 1 de 1969. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p.119. 43 seguir uma religião é amparado constitucionalmente da mesma forma daquele que opta por uma delas. Porém há uma ressalva comentada por José Afonso da Silva81: A liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença, pois aqui também a liberdade de alguém vai até onde não prejudique a liberdade dos outros. Sendo assim, a liberdade de crença vem reafirmar a laicidade do Estado e fixar o primeiro fundamento do tripé da liberdade religiosa. 1.2.3.2 Liberdade de culto Enquanto a liberdade de crença diz-se de algo subjetivo do indivíduo, a liberdade de culto diz-se de algo objetivo, exterior ao próprio indivíduo, por mais que esteja em conexão direta com sua subjetividade. Aquele que crê, tem a liberdade de se reunir com outros crentes, para então praticarem os atos propícios a seus próprios cultos e rituais. A Constituição Federal é tão ampla que, além de oportunizar ao indivíduo a liberdade de crença, oferece algo que anteriormente lhe era impossibilitado (pelo menos da forma preconizada pela Constituição Federal), a liberdade de culto. José Afonso da Silva82 de maneira muito clara e inconfundível, destaca: A religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática de ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida. 81 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.250. 82 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.250. 44 As práticas exteriores são componentes fundamentais da fé, afinal, uma religião não subsiste de um indivíduo para si mesmo, nem aquelas que preconizam a busca interior como base filosófica para encontrar o seu próprio eu divino, permanece no campo apenas subjetivo, pois estas exteriorizam o auto controle do homem, a obediência à vida regrada e o apartar do meio social, como no caso dos monges. 1.2.3.3 Liberdade de organização religiosa Finalmente, o terceiro componente da Liberdade Religiosa, é a liberdade de organização religiosa, aquela inerente aos templos, igrejas e suas relações com o Estado. “Essa liberdade diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas relações com o Estado”83. Na égide da liberdade de organização religiosa, a Constituição Federal prevê que fossem organizadas igrejas, como pessoas jurídicas, dando vida a estas com a finalidade de responderem totalmente pelo ajuntamento dos fiéis e pelas práticas realizadas por eles. Tal liberdade não se limita a apenas oportunizar a formação de igrejas com personalidade própria, mas também oportuniza as relações entre a Igreja e o Estado, pois, por mais que ambos foram separados e que ambos sejam cabalmente distintos, não são independentes um do outro, pelo contrário, devem ser harmônicos entre si, em serviço e auxílio mútuo. Destarte, evidencia-se o princípio da Liberdade Religiosa aplicado ao Estado, por meio do que até então foi mencionado. Cabe portanto nessa terceira e última parte deste primeiro capítulo ressaltarmos as maiores religiões da atualidade, para construirmos uma base de estudo no que se refere os fundamentos religiosos do Estado Constitucional. 83 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.252. 45 1.3 AS PRINCIPAIS RELIGIÕES DA ATUALIDADE É impossível falar de Neutralização e Neutralidade do Estado, sem citar as religiões presentes na atualidade. Cabe, porém, informar que o autor deste trabalho, de forma alguma é neutro e não busca a neutralidade em seu trabalho. Assim sendo, até mesmo o Estado que tem como princípio intrínseco a Neutralidade, é absolutamente impossível que esta neutralidade se concretize em todas as facetas de alcance Estatal. A realidade é que ninguém é absolutamente neutro, visto que somos formados de características peculiares e personalidades distintas. A construção filosófica, social e ética do indivíduo faz dele alguém que jamais será neutro, temos nossas estruturas de pensamentos, assim como cada autor e escritor tem a sua, impossibilitando, assim, uma completa neutralidade. Nesta égide, o auto desta pesquisa científica, crê, veementemente que há uma única verdade, uma verdade absoluta e firme, mesmo nessa era de relativismo. Verdade essa que é princípio regulador de todas as relações sociais, a verdade da fé Cristã, a verdade Bíblica. Objeta-se como veremos nos próximos dois capítulos, que a Neutralidade não é absoluta e que a neutralização tem tomado o meio social em grande escala, razão pela qual se faz necessário tal estudo. Pretende-se fazer uma abordagem específica para situar o leitor deste trabalho quanto às maiores religiões da atualidade, mesmo que brevemente. 1.3.1 Xintoísmo O Xintoísmo é uma religião de predominância da cultura japonesa84, seu nome é compreendido por duas palavras shin e tao que significa caminho dos deuses. Acreditam os xintoístas que antes, de existirem todas as coisas, o mundo era uma massa sem forma e confusa chamada de caos 84 Isso afirma GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry, em O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.82-83 46 primitivo; desse caos, surgiu, num determinado momento, cinco divindades que se propagaram por sete gerações, gerando um casal de deuses criadores de tudo que existe, Izanagi e Izanami. Jostein Gaarder85 e outros, sobre a religião xintoísta, comentam: O xintoísmo não tem um fundador, é tipicamente uma religião nacional, que ao longo dos séculos, adotou tradições de várias outras religiosidades. (...) Costuma-se dizer que o xintoísmo possui diversos milhões de deuses, ou kamis, que se manifestam sob a forma de árvores, montanhas, rios, animais e seres humanos. Só que a palavra japonesa “kami”, também pode ser traduzida como “espírito”. O culto aos espíritos naturais e ancestrais sempre foi fundamental para o xintoísmo. A religião xintoísta, por essência, é uma religião politeísta, que preza principalmente por culto a antepassados, seu ritual é tão importante no meio cultural, que até o imperador que é considerado também um kami, ou seja um deus, deve venerar os kamis passados. É importante trazer à tona a contribuição da obra de direção de Jean Delumeau86: Ao contrário das religiões que dão grande importância aos atos e palavras dos seus fundadores, o xintoísmo não assenta em texto canônicos, as escrituras sagradas, chamadas de (shinten) são textos clássicos centrados nas crenças acerca dos kami. Não apresentam conteúdo propriamente doutrinal, apenas revelam os fundamentos das crenças. Jostein Gaarder87e outros comentam que o templo não é um lugar para pregação, e sim o lugar de morada dos kamis, por isso o templo é tão respeitado e considerado altamente sagrado. O que conecta o homem com o divino são seus rituais oferecidos, aos kamis. Há uma separação entre os kamis e os homens, sendo estes, em última análise, inatingíveis pelos mortais, apenas venerados. 85 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.82-83. 86 DELUMEAU, Jean. As grandes religiões do mundo. Queluz de Baixo, Lisboa: Presença, 2000. p.592. 87 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.84. 47 1.3.2 Budismo Apesar de tanta ramificação na religião Budista e de, na atualidade, ser quase impossível traçar definitivamente o budismo com todas suas práticas e ritos, a maior parte dos estudiosos concordam que o seu fundador foi um indiano chamado Shiddarta Guatama. Murilo Cisalpino, sobre a vida de Shiddarta88, comenta: Não se tem certeza sobre a data específica do nascimento de Shiddarta, porém sua morte é apontada em duas datas 386 e 383 a.C. Seguiu o caminho tradicional do hinduísmo, estudando com os mestres, jejuando e praticando sacrifícios e castigos corporais. [...] Essa práticas enfraqueceram seu corpo e eu espírito e não responderam a suas dúvidas e interrogações. Despois de abandoná-las, sentou-se sob uma figueira sagrada e, após longas meditações, atingiu a iluminação, a descoberta da verdade. O budismo tem um código de ética e conduta que deve ser seguido, esse código apresenta os ensinamentos de Buda, e ele é o próprio modelo de perfeição, aquele que segue seu modelo, pode chegar um dia a ser iluminado. A iluminação no budismo é aquilo que chama-se de nirvana. Nirvana é aquilo que está fora do sofrimento, é aquilo que está fora do ciclo da vida, ciclo ininterrupto e eterno (quadridimensionalmente). Jostein Gaarder89 e outros, explicam: Com base em suas próprias experiências, Buda acreditava que o homem deve evitar os extremos da vida. Não se deve viver nem no prazer extravagante, nem na autonegação exagerada. Ambos extremos acorrentam o homem ao mundo e à “roda da vida”. O caminho para dar fim ao sofrimento é o caminho do “meio” e Buda descreveu em oito partes: 1) perfeita compreensão; 2) perfeita aspiração; 3) perfeita fala; 4) perfeita conduta; 5) perfeito meio de subsistência; 6) perfeito esforço; 7) perfeita atenção; e 8) perfeita contemplação. (...) O homem deve vencer o desejo que é a raiz do sofrimento, deve acreditar que ele não tem alma e deve olhar para Buda como um ideal. 88 CISALPINO, Murilo. Religiões. São Paulo: Scipione, 1994. p.30. 89 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.58. 48 Na religião Budista, a vida do homem é um ciclo interminável, até que este alcance o nirvana; porém, como visto para alcançar o nirvana, é necessário uma conduta perfeita. Enquanto o homem não alcança essa conduta, ele morre e renasce até alcançar a compreensão verdadeira do mundo, ser iluminado e então chegar ao nirvana. Os budistas creem que Buda renasceu 547 vezes até chegar em seu estado de perfeição. O nirvana então é o alcance final, o cessar do renascimento, aquilo que é chamado de quinta dimensão, aquilo que não é. Assim definem os budistas. Na religião Budista, deuses não tem qualquer papel de redenção ou mudança no ciclo humano. Jostein Gaarder90 e outros comentam que Buda não era ateu, mas acreditava que os deuses eram insignificantes, visto que passavam pelo mesmo processo de renascimento, até atingirem o nirvana, então não eram modelos a serem seguidos e nem venerados. O que conecta o homem com o divino é sua reta perfeição, seu procedimento correto por suas próprias forças, seguindo o modelo de Buda e renascendo quantas vezes forem necessárias. 1.3.3 Hinduísmo A Religião hindu não é apenas a religião hindu, mas a cultura hindu. A sociedade (principalmente a indiana) da onde nasceu a religião, é gerida pelo hinduísmo. O hinduísmo também não tem um fundador, é conhecido como a religião eterna, aquela que não tem uma origem exata e conhecida, Jostein Gaarder91 e outros, comentam: “A palavra hinduísta quer dizer indiano, e talvez a melhor maneira de definir o hinduísmo seja dizer que é o nome de várias formas de religião que desenvolveram na índia”. 90 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.66. 91 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.40. 49 A religião hindu tem milhões de deuses, fazendo-se assim uma religião politeísta. Entretanto, há os deuses principais, como Indra, senhor dos deuses representado por um touro, Aurora, mãe de todas as criaturas representada por uma vaca, dentre outros. Há a casta de deuses de maior relevância. Eses são três, a trindade hindu, que são os deuses Vishnu, Shiva e Brahma. O deus Brahma é chamado de absoluto e ele é o que todos hindus buscam, através do nirvana. De modo semelhante ao budismo, o hindu acredita no ciclo de existência, até que o homem seja purificado, ocorre, porém, que no hinduísmo, o homem tem alma, e essa assa pelo processo de purificação, alojando-se sempre em um corpo reencarnado. Como expõe, Murilo Cisalpino92: A transmigração da alma, também chamada reencarnação, está ligada a ideia do karma, base da religião hindu. O Karma é o conjunto de atitudes negativas que cada pessoa toma durante a vida. Esse negativismo marca toda a existência do indivíduo, criando um “peso” para sua alma. Apenas pelas sucessivas reencarnações é que a alma vai se purificando e atingindo estágios mais elevados. A salvação vem então pode meio da libertação do ciclo de reencarnação, quando o hindu se encontra com o absoluto. Outra importância é ressaltar o sistema de castas submerso na cultura hindu. Os indivíduos que eram agrupados em quatro classes fundamentais: 1) sacerdotes (brâmanes); 2) guerreiros; 3) agricultores, comerciantes e artesãos, e 4) servos93. Essa divisão de castas era lei. Houve porém um desenvolvimento na legislação indiana aboliu o sistema de castas do texto normativo, mas como inserção cultural, ainda é existente. Essas classes, com exceção da classe de servos, existem hodiernamente. Os brâmanes são responsáveis pela veda (saber), que são os textos religiosos principais do seu povo. 92 CISALPINO, Murilo. Religiões. São Paulo: Scipione, 1994. p.28. 93 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.43 50 1.3.4 Islamismo “O islamismo surgiu no século 6 na Arábia, região do Oriente Médio que era habitada na época por cerca de 5 milhões de pessoas”94. O islamismo, religião fundada pelo profeta Mohammad ou Maomé, é uma das religiões em ascensão na atualidade, seu nome está ligado à raíz árabe que significa submissão. É uma religião, em tese, monoteísta e que tem um código de conduta e ética, chamado alcorão, seu livro sagrado. Maomé foi casado uma única vez com uma mulher 15 anos mais velha que ele, Khadidja, sua ex-chefe e primeira seguidora. É importante salientar que esta veio a falecer sem dar-lhe filhos. Jostein Gaarder95 e outros, sobre a vida do profeta Maomé comentam: Ao completar quarenta anos, Maomé teve uma revelação na caverna. O anjo Gabriel, de repente, lhe apareceu com um pergaminho e ordenou a ele que lesse. Maomé respondeu que não sabia ler, e o anjo lhe disse: “Recita em nome do teu senhor, que criou, criou o homem a partir de coágulos de sengue. Recita! Teu senhor é o mais generoso, que pela pena ensinou ao homem o que ele não sabia. Em árabe, a palavra recitar tem a mesma raiz de Curan, que significa “ler”, ou “ler alto”. O Corão é o livro sagrado dos mulçumanos e reúne as revelações de Maomé. Após tal revelação, Maomé saiu a pregar em sua cidade Meca (que era um importante centro comercial e religioso na época) e arredores, proclamando-se profeta e anunciando que era o enviado de Deus. Entretanto, foi veementemente perseguido e tentaram até matá-lo. Sendo assim, por já ter um número expressivo de seguidores, Maomé, decidiu fugir para outra capital árabe, a cidade de Medina. Jostein Gaarder96 e outros comentam que em Medina, Maomé virou rapidamente líder político e religioso, e assim fortificou um grande 94 ESTRANHO, Mundo. Como o islamismo surgiu?. São Paulo: Abril. Disponível em: < http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-o-islamismo-surgiu/>. Acesso em: 22 de maio de 2015. 95 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.120. 96 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.122. 51 grupo de seguidores e um exército que por meio do Jihad (guerra santa), obedecendo a voz de Alá, invadiu Meca e subjugou a terra a seu domínio, unificando assim o país todo, antes de falecer. Após o profeta falecer, por não ter deixado descendente, houve uma grande discussão em relação a quem assumiria seu cargo. De Meca e Medina partiam a principal discussão e após diversos debates e eleições de homens, não chegaram a um acordo, dividindo os mulçumanos em sunitas, kharejitas e xiitas. Cada um destes grupos estabeleceu seu próprio profeta, para seguir a religião mulçumana. Azzedine Guellouz97ressalta: “Atesto que não há outro deus senão Deus e atesto que Muhammad é enviado de Deus. A adesão do islão reduz-se a esta profissão de fé”. Maomé, reconhecia Jesus Cristo como um profeta, não como o filho encarnado de Deus, não como o próprio Deus. Afirmava que Cristo falhou ao trazer a mensagem de Deus ao seu povo, por isso Alá o instituiu profeta, Maomé também negava a trindade. O que traz salvação ao homem e conecta ele com a eternidade, é obedecer rigorosamente o alcorão e reconhecer Maomé como profeta supremo de Alá. 1.3.5 Judaísmo Judaísmo é a religião da história do povo de Deus, aquela contada na Bíblia Sagrada98. Após os acontecimentos da Criação, relatados em Gênesis 1 a 3 e o dilúvio relatado em Gênesis 6. O povo de Deus, passou a viver na Palestina, no Vale de Ur. Então Deus ordenou a Abraão em Gênesis 12, que ele saísse de Harã e fosse a terra que o Senhor lhe mostraria. Ali, Deus fez uma aliança com seu servo Abraão, prometeu que sua descendência seria grande, e de fato, Abraão é conhecido como o 97 GUELLOUZ, Azzedine. As grandes religiões do mundo. Lisboa: Presença, 2002. p.256. 98Todas as referências e textos Bíblicos deste trabalho de pesquisa científica, será fundamentado na respectiva versão da Bíblia: Bíblia de Estudo de Genebra. 2.ed. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. Edição Revista e Atualizada. 52 primeiro patriarca, todos seus sucessores estavam sob a aliança que Deus fizera. O último patriarca, José, foi levado por Deus ao Egito, onde se tornou governador daquela nação. Todo o povo de Israel vivia no Egito quando José morreu, oportunidade em que o novo Faraó decidiu escraviza-los. Isto porém, fazia parte de um plano eterno de Deus para demonstrar uma Grandeza, Poder e Glória e, libertando seu povo, ali, suscitou um líder, chamado Moisés. Moisés, ao ser usado por Deus como libertador do povo de Israel do Egito, fez uma grande peregrinação com eles por 40 anos. Murilo Cisalpino99 ressalta que essa peregrinação: “É o episódio do Êxodo, durante o qual surge o que viria a ser a base do judaísmo, os 10 mandamentos”. Mais tarde, Moisés escreveu aquilo que os Judeus denominam de Torah ou Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia, seu código de conduta e norma. Jostein Gaarder100 e outros, sobre a religião judaica, de maneira pontual comentam: Uma das Características do Judaísmo é ser uma religião intimamente ligada à história. As narrativas da Bíblia se baseiam numa crença bem definida de que Deus fez uma aliança especial, um pacto com seu povo escolhido, o povo hebreu. A narrativas Bíblica começam com Adão e Eva e uma série de relatos que ilustram as consequências da inclinação pecaminosa do ser humano e de seu desejo de se rebelar contra Deus. Adão e Eva são expulsos do paraíso. Mais tarde, o mundo inteiro é destruído por um grande diluvio, do qual se salvam apenas Noé e sua família, juntamente com todos os animai da Terra. Sodomo e Gomorra, cidades sem Deus, são aniquiladas, e a torre de Babel é derrubada, pois representam a tentativa humana de chegar até o céu. Cada evento histórico é visto pelos autores da Bíblia como uma expressão da vontade de Deus. Através de sua soberania, amor e justiça, Deus, como um Pai, corrigiu ao seu povo, o povo judeu foi exilado, escravizado, pois 99 CISALPINO, Murilo. Religiões. São Paulo: Scipione, 1994. p.51. 100 GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Schwarcz Ltda, 2000. p.98-99. 53 desobedeceram aos mandamentos divinos, entretanto, nenhuma das correções de Deus foi para destruição do seu povo, mas para purificação dele e para leválos a entender as promessas futuras que culminavam em Cristo. Em todas as partes da Bíblia Sagrada101, no velho testamento em que Deus anunciava que seu povo deveria arrepender-se do seu pecado, Ele informava que iria corrigi-los, mas, também, informava que os traria de volta para perto de si e que cuidaria deles, demonstrando sua Graça e que nenhum dos seus se perderia. Desta maneira, Deus, rico em misericórdia, amor, benevolência, poupou seu povo, como um Pai de amor, corrigiu-os quando necessário, mas nunca apartou do seu povo e nunca deixou de cuidar dele. A conexão do povo com Deus acontecia por meio da observância da Lei. Havia uma série de rituais que o povo deveria observar. A Bíblia, a própria Palavra de Deus, no velho testamento, através dos profetas e sacerdotes e de toda ordem normativa dos cultos e sacrifícios de animais puros, apontava a Cristo, como o filho de Deus, o cordeiro que foi imolado, como o próprio Deus em forma de homem. Todavia, o povo não o recebe, como anunciado nas próprias Escrituras. 1.3.6 Cristianismo É impossível separar o Judaísmo do Cristianismo, pois a lei que Deus deu a seu povo apontava a todo momento a Cristo. O povo rejeitou a Cristo para que se cumprisse a vontade soberana de Deus, e o Evangelho fosse expandido a todas as nações. Cristo não foi apenas um profeta, como muitas religiões informam. Ele é o próprio Deus que se fez carne e habitou no meio de nós para que, por meio de seu sacrifício, desse vida eterna e redenção a todo aquele que nele crê. Essa é a perspectiva Bíblica da pessoa de Cristo. 101 Exemplos são vistos em toda narrativa, exemplos de redenção, amor e Graça. Recomendase: Jeremias 32:38-44; Ezequiel 36; Oséias 14; Salmos 32; Salmos 40; Josué 1, entre outros. 54 Em gênesis 3, é pronunciado aquilo que teologicamente denomina-se Proto-Evangelho, ali, o próprio Deus, anuncia a vinda de Cristo e os judeus sabiam disso! Porém, esperavam um líder político, que os livrasse do império de Roma. Ocorre que Cristo, em sua primeira vinda, não veio estabelecer o seu governo terreno, mas, no tempo oportuno, trouxe reconciliação entre Deus e os homens. Na narrativa Cristã, o pecado, que é a inconformidade com a lei de Deus, afastava-o dos homens, pois Ele é santo e justo. A lei de Deus ordenava que os homens deviam segui-la de maneira perfeita, porém, com o pecado isso era impossível. No contexto judaico, uma vez por ano, um sacerdote fazia sacrifício de animais diante de Deus, como expiação pelo pecado do povo. Esse animal (cordeiro), era uma demonstração do sacrifício perfeito que Deus daria para expiar o pecado do seu povo, o sacrifício de Cristo. No velho testamento, no livro do profeta Isaías102, há a menção mais clara e objetiva desse sacrifício, que seria o próprio Cristo, Deus encarnado, eis: Certamente Ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos. Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado mudo ao matadouro; e como muda perante seus tosquiadores. Para o Cristianismo esse é um dos trechos mais importantes na narrativa Bíblica, pois demonstra o meio pelo qual Deus traria salvação ao povo que estava em pecado, seria por meio do sacrifício de Cristo e isso é o que chama-se de Evangelho. 102 BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo de Genebra. 2.ed. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. Edição Revista e Atualizada. Isaías 53:4-7. 55 Donald A. Carson103, conceitua o evangelho na visão Cristã: É o que Deus ordenou por meio de seu Filho, o leão-cordeiro: pagar o preço do pecado, tomar os efeitos da maldição, libertar seu povo, reunir e transformar homens e mulheres de toda tribo, povo, língua e nação. Isso é boas novas. A religião Cristã, a única religião que o herói morre pelos vilãos! A única religião que o ofendido recebe a punição pela própria ofensa e justifica o seu povo, por isso que este autor não é neutro, pelo contrário ama tal religião, por causa da pessoa de Cristo. Importante narrar por fim, outro fato histórico, um judeu chamado Paulo, após negar a Cristo e perseguir os cristãos, teve um encontro pessoal com Jesus e então, converteu-se. Esse judeu, que era da tribo de Benjamin, hebreu dos hebreus, fariseu e zeloso em seguir a lei, após se converter a Cristo, disse: Mas agora sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] o que creem; por que não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs no seu sangue, como propiciação mediante a fé para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impune os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. Onde pois a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? Das obras? Não; pelo contrário pela lei da fé. Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independente das obras da lei. (...) Anulamos a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei104. Essa citação feita por Paulo na Bíblia Sagrada, é uma das maiores expressões do Evangelho de Cristo e de toda a narrativa bíblica, que demonstrava que tudo revelava a Cristo e a redenção dos seus eleitos. Paul David Washer105 sobre esse trecho bíblico, comenta: 103 104 CARSON, Donald A. O Deus presente. São Paulo: Fiel, 2012. p.290. BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo de Genebra. 2.ed. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. Edição Revista e Atualizada. Romanos 3:21-28/31. 105 WASHER, Paul David. As maiores palavras das Escrituras. Pará: Estandarte de Cristo, 2015. p.3. 56 Nós temos diante de nós, o que muitos eruditos e pregadores, ao longo do tempo da igreja, disseram ser a “Acrópole da Fé Cristã”, “a cidade Fortificada do Cristianismo”, “a Grande Estrela Brilhante das Escrituras”. Eu já ouvi muitos homens piedosos dizerem que se eles perdessem a Bíblia inteira e pudessem pegar somente uma passagem, essa seria a passagem que eles pegariam, porque nessa passagem se encontra verdadeira salvação dos homens. Há palavras aqui que, possivelmente, são as palavras mais importantes em toda a Escritura e nós não podemos entender o Evangelho de Jesus Cristo, se não entendermos algumas destas palavras, algumas coisas que são ditas, nesse pequeno texto. O Cristianismo não é apenas mais uma religião, mas por seu alto conteúdo teológico, por sua base profundamente histórica, por sua vertente altamente filosófica, por seu fundamento indubitavelmente jurídico, por suas influências matemáticas, científicas, artísticas entre outras e por ser a única religião que traz um conceito de salvação totalmente distinto de qualquer religião, ele é uma religião singular. Diante disso e dos estudos das principais religiões, crê-se que a Constituição da República é gerida por princípios judaico-Cristãos, razão pela qual merece ser analisada na sua óptica. Entretanto, esses fundamentos judaico-cristãos no Estado Constitucional não interfere na neutralidade do Estado, pelo contrário leva-o a uma boa Neutralidade, impedindo a Neutralização do mesmo, como veremos nos próximos capítulos. 57 FUNDAMENTAÇÃO JUDAICO-CRISTÃ DO ESTADO CONSTITUCIONAL E A FORMAÇÃO DO HOMEM MODERNO NA VISÃO DE FRANCIS SCHAEFFER Os valores e princípios constitucionais derivam e são regulados em perfeita harmonia com os valores e princípios judaico-cristãos. Os princípios judaico-cristãos, que se encontram na Bíblia, são a fonte primária reguladora de todas as relações existentes. Relações entre homem e Estado, homens e seus semelhantes e homens e criação106. Os princípios judaico-cristãos foram influentes em todos os grandes debates e conquistas do passado, encabeçados por influentes políticos/filósofos, como Thomas Jefferson, Martin Luther King, John Locke, Leibniz entre outros. Ocorre que, ao que parece, a esfera pública não se ocupa destes princípios judaico-cristãos, em razão da neutralização do Estado. Houve um câmbio nos valores normativos que regem a sociedade e o Estado, e isso é apresentado como consequência do pensamento racionalista e do homem moderno, que será abordado na segunda parte deste capítulo. 2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E VALORES JUDAICO-CRISTÃOS Conforme dito alhures, o Estado foi constituído em resposta àquele grupo de indivíduos desejosos de formá-lo e submeterem-se as normas do mesmo. Nesta concepção, o Estado nasce do Povo e mesmo que os indivíduos tenha o dever de submeterem-se ao Estado, a existência do mesmo é para servir ao próprio Povo. Tal perspectiva não é diferente dos 106 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 27. 58 ensinamentos, judaico-cristãos, conforme inscrito na Bíblia Sagrada, no livro de Romanos107: “(...) a autoridade é ministro de Deus para teu bem”. John Calvin, denomina o Estado como “ministro de Deus para Justiça”108. Sendo o Estado ministro da justiça e servo do Povo, como poderá desempenhar, de forma excelente, a função altamente honrosa que lhe foi concedida? Inexiste melhor ou maior padrão para nortear o Estado que os próprios princípios Constitucionais. Ora, se o Constitucionalismo é a expressão máxima do Poder Soberano do Estado, é incongruente afirmar que este não observa tal Constitucionalismo. Jónatas Eduardo Mendes de Machado109 comenta: O Estado Constitucional baseia-se na convicção da realidade de um conjunto de valores objetivos-fundamentais, pré-políticos e pré-jurídicos, acima de todas as formas de poder, suscetíveis de serem reconhecidas como tais por todos os seres humanos. Quais valores são esses capazes de reger os Princípios Constitucionais? E não apenas isso, capazes de trazer vida aos princípios? Sendo, assim, a própria fonte normativa destes? O Constitucionalismo preserva e supervaloriza os princípios, porque estes representam de forma singular os máximos direitos e garantias da pessoa humana. Diante disso, os valores que norteiam o Estado Constitucional, devem ser absolutos, justos e tão ausentes de erro e má-fé que se exige a própria perfeição. Tal condição está em perfeita sintonia com a pessoa e caráter do Deus da fé judaico-cristã. A Bíblia é a expressão da pessoa, caráter, 107 BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo de Genebra. 2.ed. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. Edição Revista e Atualizada. Romanos 13:4b. 108 CALVIN, Jean. Instituição da religião cristã. Tomo II, cap. XX. São Paulo: Unesp. 2008. p. 885. 109 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.29. 59 atributos e ações de Deus, tal como o Constitucionalismo é a expressão do Poder Soberano. Deste modo ressalta-se que o próprio Constitucionalismo é imbuído de valores racionais e lógicos transcendentes a qualquer organização e poder e que inexoravelmente reputa-se ao princípios judaico-cristãos. Assim coaduna Jónatas Machado110: O Estado Constitucional baseia-se na convicção da realidade de um conjunto de valores objetivos fundamentais, pré-políticos e pré-jurídicos, acima de todas as formas de poder susceptíveis [sic.] de serem reconhecidos como tais por todos os seres humanos. A mesma adequa-se perfeitamente à pressuposição de que um Criador racional, verdadeiro, bom, justo e onipresente está na origem desses valores, bem como da respectiva validade universal, e de que eles promovem uma coexistência pacífica, harmoniosa e humanamente produtiva entre todos os indivíduos. Parece um tanto inadequado trazer esta afirmação em nosso momento atual, em que Deus, em muitos contextos, foi extirpado da esfera pública. E nos contextos que permaneceu algum sentido de fé, este se tornou tão secularizado que não se sabe em quem ou no que se tem fé. Na verdade a fé se tornou um subproduto do “homem pós-moderno”, denominada fé na própria fé. O padrão absoluto de moral, justiça e ética, que se enquadram perfeitamente aos valores judaico-cristãos, não apenas norteiam o Constitucionalismo interno de cada Estado, mas é o que influenciou e ainda influencia as próprias leis e tratados exteriores. Nos dizeres de Celso Lafer111, “o ensinamento cristão é um dos elementos formadores da mentalidade que tornou possível o tema dos direitos humanos”. E ainda, Jónatas Machado112 comenta: 110 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.29-30. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.119. 111 112 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.31. 60 A Carta das Nações Unidas, de 1945, o Tribunal de Nuremberg, de 1946, a DUDH, de 1948, e a Constituição de Bona, de 1949, assentam na afirmação da existência de valores humanos universais, à luz dos quais algumas condutas são objetivamente erradas e intoleráveis, independente do que sobre elas disponham os tratados internacionais, as constituições ou leis nacionais. O direito internacional dos direitos humanos fundamentais remete, ainda que implicitamente, para um padrão de moralidade absoluto, imaterial, atemporal e universal, válido em todos dos tempos e em todos os lugares. Deste modo, violar um padrão moral absoluto é inconstitucional, ainda que a Constituição do Estado violador declare, expressamente, permitir tal conduta. Sobre o tema, comenta Francisco António de M.L. Ferreira de Almeida113: “Os crimes de agressão, de guerra, contra humanidade, ou o genocídio são considerados males em si mesmos, violadores de princípios de justiça universal”. Destarte, como já outrora salientado, há determinados valores que conduzem todas as relações sociais existentes, através da jurisdição interna e externa. Sobre o assunto, comenta Jónatas Machado114: A jurisdição constitucional e internacional, com especial relevo no tocante aos direitos humanos e aos crimes internacionais, assenta no reconhecimento da objetividade e primazia normativa de determinados valores. A sua violação não pode ser justificada pelas circunstâncias políticas, religiosas, econômicas, sociais e culturais, ou mesmo, em casos extremos, pela ausência de previsão legal da sanção para a sua violação. [...] O Estado Constitucional não é axiologicamente neutro ou indiferente. Ele se assenta no pressuposto de que alguns bens têm valor e outros não, algumas coisas são boas e outras más e algumas condutas são certas e outras erradas. Os mesmos valores judaico-cristãos presentes na jurisdição interna, encontra-se também na jurisdição externa. Um exemplo, foi no tribunal de Nuremberg (1945), citado por Richard Overy115, com a afirmação do jurista Robert H. Jackson, que fez uma completa alusão ao livro de Gênesis, 113 ALMEIDA, Francisco António de M.L. Ferreira de. Os crimes contra a humanidade no actual direito internacional. Coimbra: Coimbra, 2009. p.25. 114 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.32-33. 115 OVERY, Richard. The Nuremberg trials: International law in the making, from Nuremberg to the Hague, the future of international criminal justice. Cambridge: Philip Sands, 2003. p.1. 61 mostrando em um de seus discursos que demonstrava não apoiar as atitudes dos Nazistas: “Tais atos (homicidas), são considerados crimes desde o tempo de Caim”. É importante ressaltar que esses fundamentos judaicocristãos se desdobram nos princípios constitucionais como será visto adiante, porém, Jónatas Machado116, ressalta: Ao longo da história, e mesmo no presente, muitos povos, Estados, organizações internacionais, tribunais nacionais, tribunais internacionais e até as diferentes confissões religiosas estão longe de estar de acordo quando se trata da dignidade, da liberdade, da igualdade, da justiça e da solidariedade e das suas implicações éticas e jurídicas. Quando se examinam essas divergências mais de perto verifica-se que as mesmas têm mais a ver com o conteúdo, a ponderação e a aplicação concreta dos diferentes valores e princípios, do que com o não reconhecimento da sua existência e normatividade. Sendo assim, é inquestionável a existência principiológica Constitucional submetidas a valores absolutos que as regulam, por mais que a aplicação desses valores em vários contextos sofra divergências, sua existência é irrefutável, pois, conforme salienta Jónatas Machado117: “Se não existisse uma ordem de valores objetiva, não estaríamos aí sequer diante de discordâncias valorativas, mas apenas na presença de preferências subjetivas diferentes e incomensuráveis entre si”. Paulo Caproni também comenta: Os valores básicos defendidos pela Constituição Federal de 1988 tratam tanto da identidade humana quanto da forma como o Estado deve se relacionar com o cidadão e vice-versa. Esses valores englobam (resumidamente): a existência de uma igualdade que resulta em direitos fundamentais e deveres sociais; a dignidade da pessoa humana; a racionalidade humana, sua consciência moral e sua falibilidade; a consequente necessidade de limitação e controle do poder e a existência e eficiência da justiça. Segundo a análise de obras de importantes políticos e acadêmicos das áreas do direito, filosofia, história e sociologia, a associação desses valores a uma filosofia judaico-cristã do direito é inescapável, tanto histórica quanto epistemologicamente. As bases dessa 116 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 33 117 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 34 62 afirmação podem ser evidenciadas com um estudo cuidadoso de cada um desses valores constitucionais fundamentais.118 Logo, a existência desses valores morais e absolutos que transcendem a própria moral individual, são o fundamento para os princípios constitucionais. Ou o leitor crê nisto, ou se encontrará em total caos social. 2.1.1 Da racionalidade, moralidade e imoralidade do homem O homem é um ser racional. Essa afirmação é inquestionável, caso contrário nada seria verdadeiro, nem mesmo a vida e as relações do homem, pois se não sou um ser racional como poderia acreditar que aquilo que eu mesmo digo, acredito e vivo é algo verdadeiro? Essa capacidade racional do homem na perspectiva judaico-cristã é um dos principais aspectos que o difere das demais criações divinas e que o aproxima do próprio Deus, por isso afirma-se que o homem tem a “imago dei”119. Vicente Cheung, nesse diapasão comenta: Que Deus fez o homem em sua própria imagem significa que o homem é uma mente racional. Muitos animais correm mais rápido do que o homem, muitos são mais fortes, e alguns podem até voar, mas nenhum pode entender os silogismos dedutivos ou resolver equações algébricas. Os animais algumas vezes parecem realizar tarefas que requerem pensamento ou designe racional, tal como construir ninhos elaborados. Mas após uma observação adicional, descobrimos que a criatividade e capacidades deles de adaptar são limitadas, e que eles são capazes de realizar essas tarefas somente por instinto, e não através de pensamento deliberado e racional. Mais importante, nenhum animal pode realizar reflexões teológicas. A mente racional do homem é a semelhança de Deus e seu ponto de contato com ele120. 118 CAPRONI, Paulo. O Estado laico brasileiro e suas contradições. Cuiabá. Monergismo. 08 de abril de 2015. Disponível em: <http://www.monergismo.com/paulo-caproni/o-estado-laicobrasileiro-e-suas-contradicoes/>. Acesso em: 10 abril. 2015. 119 Termo teológico aplicado somente ao homem, que significa que este tem a imagem de Deus. O termo é extraído do primeiro livro do Pentateuco, que é a lei de Deus dada aos homens. Em Gênesis 1:27 diz: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. 120 CHEUNG, Vicente. O homem. Monergismo. Cuiabá/MT. 26 de setembro de 2005. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/antropologia_biblica/homem_ts_cheung.pdf/>. Acesso em: 27 de abril de 2015. 63 Da mesma forma, se o homem é um ser racional com capacidade de escolhas e discernimento entre o certo e o errado, deve-se ressaltar que ele é um ser moral. Se a racionalidade faz o homem entender o seu exterior, a moralidade o leva ao comportamento, às ações. Um exemplo, seria quando duas pessoas começam a discutir e a brigar. A maneira como se comportam e o que dizem revelam muitas coisas: "Você gostaria que os outros agissem assim com você?"; "Desculpe esse lugar é meu, cheguei antes”; “Quero um pedaço dessa torta, pois eu lhe dei um pedaço da minha"; e "Poxa, você prometeu!". O interessante nestes comentários é que falamos com o outro esperando uma reação natural que ele deveria conhecer. Uma espécie de padrão ou conduta. E geralmente tentam nos convencer de que a atitude que tiveram não quebrou nenhum padrão, ou se quebrou é por que tiveram um bom motivo. O mais importante nessas discussões, é que as alegações dos indivíduos demonstram cabalmente que detêm um conhecimento nato de uma lei ou regra de conduta leal, de comportamento digno ou moral, com a qual efetivamente concordam, pois se não acreditassem, jamais poderiam alegar que um ou outro está agindo de forma equivocada121. Os indivíduos nos exemplos supramencionados, racionalmente discutiram por ocasiões que julgaram ser necessárias, pois imbuídos de uma moral absoluta, sabiam que o comportamento correto era “y” e não “x”, e não é diferente daquilo que ocorre conosco; há uma moral incutida na mente de cada um de nós que nos conduz a buscar um padrão absoluto. David Robertson122 em resposta ao livro de Richard Dawkins123 ressalta: Sua moralidade secular não é, como o senhor admite, absoluta: ‘felizmente, no entanto, a moral não tem que ser absoluta’. Como relembra, ela é mutável segundo os caprichos da sociedade. De 121 LEWIS, Clive Staples. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.10 122 ROBERTSON, David. As cartas para Dawkins. Guará/DF: Monergismo. 2009, p.65. 123 Richard Dawkins é um biólogo evolucionista e etólogo, foi professor na universidade de Oxford até 2008, é um neo-ateu militante e escritor de vários livros, o principal: “Deus um delírio”. Excelentes professores também de Oxford como John Lennox ou Alister Mcgrath, debateram com Dawkins e lhe deram várias respostas. No capítulo três ressaltaremos algumas delas, por ora, ficaremos com as questões levantadas por David Robertson. 64 fato, se somos, como o seu filósofo favorito Bertrand Russell a coloca, ‘pequeninos agregados de carbono impuro e água engatinhando por poucos anos, até serem dissolvidos de novo nos elementos dos quais são compostos’, parece não haver fundamento algum para a moralidade absoluta. O senhor reconhece isso: ‘É bastante difícil defender a moralidade absoluta em fundamentos outros que não os religiosos. Por que isso é importante? Porque, se não há absolutos, então não há nenhum padrão definitivo para por ele julgar. E, se não há padrão definitivo, então somos deixados ao vale tudo, ao poder do mais forte ou às fantasias de uma sociedade mutável e confusa. Reitera-se que, se não existe um padrão de moral absoluto ou verdade absoluta, como podemos definir uma forma de comportamento como boa ou má? Se a verdade é uma construção social como supõe vários ateístas e filósofos racionalistas, estaríamos em um buraco negro sem perspectiva ou esperança. Matar alguém é moralmente reprovável hoje, mas amanhã acaso seria aceito? Cabe frisar que, a moral absoluta não é algo que toma do homem sua liberdade, pelo contrário, protege-o, para que tenha ações boas e justas. É assim que os fundamentos judaico-cristãos se posicionam sobre o tema. Clive Staples Lewis124, comenta: Conta-se a história de um garoto a quem perguntaram como achava que Deus era. O garoto respondeu que, pelo que era capaz de compreender, Deus era "o tipo de pessoa que está sempre xeretando a vida dos outros para ver se alguém está se divertindo e tentai' acabar com isso". Infelizmente, parece-me que é essa a idéia que um número considerável de pessoas faz da palavra "Moral": algo que se intromete em nossa vida e nos impede de ter momentos agradáveis. Na realidade, as regras morais são como que instruções de uso da máquina chamada Homem. Toda regra moral existe para prevenir o colapso, a sobrecarga ou uma falha de funcionamento da máquina. E por isso que essas regras, no começo, parecem estar em constante conflito com nossas inclinações naturais. Quando estamos aprendendo a usar qualquer mecanismo, o instrutor vive dizendo "Não, não faça isso", porque existem diversas coisas que, embora pareçam muito naturais e até acertadas na forma de lidar com a máquina, na verdade não funcionam. É verdade que a moral contrapõe nossa tendência que é maldosa, por isso nos sentimos tão desconfortáveis diante dela, porém, seus 124 LEWIS, Clive Staples. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.29. 65 frutos no homem são valiosos. A concepção judaico-cristão vê Deus como um doador e não tomador. Nesta égide, John Locke125 ressalta: A liberdade de um homem e sua faculdade de agir segundo sua própria vontade estão fundamentadas no fato dele possuir uma razão, capaz de instruí-lo naquela lei pela qual ele vai ser regido, e fazer com que saiba a que distância ele está da liberdade de sua própria vontade. Deixá-lo entregue a uma liberdade desenfreada antes que tenha a razão para guiá-lo não é conceder-lhe o privilégio de ter sua natureza livre, mas lançá-lo no meio de selvagens e abandoná-lo em um estado miserável e inferior ao dos homens, como sendo o seu. O que seria capaz de limitar a liberdade da própria vontade desenfreada do homem senão um valor transcendente a ele? Esse valor é a moral na óptica cristã. Sobre ela, Voddie Baucham Jr, pontua: O teísmo cristão considera a ética – a questão do certo e errado moral – como absoluta, uma vez que a moralidade está enraizada no caráter eterno e imutável de Deus. O humanismo secular e o seu aliado, o pós-modernismo, por outro lado, consideram a ética como completamente cultural e negociável. Eles afirmam que o que é eticamente correto, em uma cultura não é necessariamente permitido em outra cultura, e, portanto, cada cultura negocia as suas próprias normas éticas.126 Se a moralidade representasse apenas "aquilo que cada povo aprova ou desaprova", não haveria qualquer razão para fundamentar a ideia de que uma nação está mais correta do que a outra, nem que o mundo se torna moralmente melhor ou pior127. O homem racionaliza valores absolutos. Como uma esponja que absorve algum tipo de líquido e se incha de tal forma que, quando espremida, devolve o mesmo líquido. Igualmente, o homem absorve a moral absoluta de um padrão transcendente e a expressa nos seus relacionamentos, através de seu comportamento. Sendo assim, o homem é responsável pelos seus atos, pois racionalmente age de maneira moral ou imoral. O próprio Estado 125 LOCKE, John. Segundo tratado do governo civil. 1.ed. São Paulo: Martin p.63. Claret, 2002. 126 BAUCHAM JR, Voddie. A supremacia de Cristo em um mundo pós-moderno. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. p.57. 127 LEWIS, Clive Staples. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.13. 66 Constitucional parte do princípio de que o homem como indivíduo singular, é dotado de uma competência racional que o distingue de qualquer outro ser ou objeto, sejam animais ou máquinas128. Essa moralidade e racionalidade do homem, estão em profunda sintonia com os fundamentos judaico-cristãos, visto que os valores bíblicos são expressados de maneira inteligível ao homem, pois a própria narrativa bíblica afirma que o homem é a imagem e semelhança de Deus, logo que esse é um ser moral e racional, pois Deus o é. Sobre essa relação do homem racional e moral com o ser de Deus, Jónatas Machado129 contribui: Essas premissas morais e racionais do Estado e do Direito correspondem inteiramente aos axiomas que encontramos nos textos sagrados judaico-cristãos. Para estes, o ser humano tem valor intrínseco e é dotado de razão (pensamento abstrato, raciocínio e lógico) e de capacidade de escolha moral (capacidade para amar, odiar, fazer o bem e fazer o mal), por que criado a imagem e semelhança de um Deus racional e moral. (...) A razão humana é o reflexo da natureza racional de Deus, sendo por isso dotada da capacidade moral cognitiva de participar na lei eterna de Deus, de compreender racionalmente o mundo e de organizar racionalmente a vida. Na doutrina judaico-cristã, existe uma certeza de que o homem tem capacidade de aprender, ensinar e desenvolver-se através de verdades, e que essas verdades são absolutas e não frutos do acaso130. Sobre isso, Paulo Caproni ressalta: A certeza em verdades absolutas permite aos cidadãos julgarem suas próprias ações como “certas” ou “erradas”, como “boas” ou “más”, sem que esse julgamento fique sujeito a diferentes interpretações culturais ou à subjetividade de um dado indivíduo. A tradição judaico-cristã leva em conta que pessoas são capazes de planejar seus atos e de refletir sobre eles, e são, por isso, responsabilizadas por suas atitudes. Não houvesse o pressuposto de que o ser humano é racional e moralmente consciente, seria impossível e desnecessário apurar votos, fazer 128 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.39. 129 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.39. 130 CAPRONI, Paulo. O Estado laico brasileiro e suas contradições. Cuiabá: Monergismo. 08 de abril de 2015. Disponível em: <http://www.monergismo.com/paulo-caproni/o-estado-laicobrasileiro-e-suas-contradicoes/>. Acesso em: 15 abril. 2015 67 leis, estabelecer sentenças ou discutir temas como a maioridade penal e a incapacidade mental em julgamentos.131 Se a verdade é relativa e se o raciocínio é um produto do acaso, não poderíamos então usá-los para fazer tal afirmativa. A própria racionalidade e verdade para o homem, implica na racionalidade e verdade de um ser transcendente, o Ser de Deus, assim a moralidade de Deus é o que deveria regular a moralidade do homem. Sobre esse tema Ravi Zacharias132 expõe: Por que é necessário um legislador moral para se reconhecerem o bem e o mal? Pela simples razão de que uma afirmação moral não pode ser abstração. O indivíduo que moraliza pressupõe valor intrínseco em si e transfere valor intrínseco para a vida de outro e assim ele considera a vida digna de proteção como nos exemplos de estupro, tortura, homicídio e catástrofes naturais. Um valor transcendente deve provir de uma pessoa de valor transcendente. No entanto num, mundo em que existe somente matéria não pode haver nenhum valor intrínseco. Em termos filosóficos, pode-se dizer assim: Os valores morais objetivos só existem se Deus existir. Os valores morais objetivos de fato existem. Logo, Deus existe. Mas, por qual motivo é necessário que o homem siga um padrão moral? Por que existe um controle Estatal firmado em concepções morais para restringir e proteger o homem? A resposta disto está em consonância com a questão da moralidade e imoralidade do próprio homem. Nos dizeres de Thomas Hobbes, citado por Dalmo de Abreu Dallari133: “Os homens, no estado de natureza, são egoístas, luxuriosos, inclinados a agredir os outros e insaciáveis, condenando-se, por isso mesmo, a uma vida solitária, pobre, repulsiva, animalesca e breve”. 131 CAPRONI, Paulo. O Estado laico brasileiro e suas contradições. Cuiabá: Monergismo. 08 de abril de 2015. Disponível em: <http://www.monergismo.com/paulo-caproni/o-estado-laicobrasileiro-e-suas-contradicoes/>. Acesso em: 15 abril. 2015 132 ZACHARIAS, Ravi. A morte da razão: uma resposta aos neo-ateus. 1. ed. São Paulo: Vida, 2011. p.47. 133 HOBBES, Thomas, apud DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.15. 68 Hobbes era um contratualista134, sendo assim, acreditava que a vida inicial do homem se dava em uma “condição de natureza” e dessa condição natural derivava o que há de pior em cada pessoa, por isso necessário o poder regulador do Estado. Apesar da maldade inerente da nossa humanidade, por existir a racionalidade do indivíduo e também por existir o Estado para limitá-lo esse indivíduo, descobre os princípios que deve seguir para superar a “condição de natureza” e viver a condição social, ou seja, a vida em sociedade, regulada pelo Estado135. Ainda sobre a imoralidade do homem, assuntos como os radicais islâmicos e seus atentados em nome da fé, os laboratórios de aborto, a crise econômica e a grande inadimplência das pessoas na atualidade, o contexto social em que a “palavra não tem valor”, em que não há mais honra e preservação do que foi tratado, os homicídios por motivos banais, a fome do próximo por causa do egocentrismo, os suicídios pela ausência de esperança e a dureza do coração do homem, são consequências de sua imoralidade e pecaminosidade136. Kris Lundgaard137 ressalta: Muitas pessoas vivem nas trevas e na ignorância a respeito do seu próprio coração. Elas mantêm um cuidadoso registro dos seus investimentos na bolsa de valores e fazem frequentes check-ups médicos; cuidam da sua alimentação e fazem ginástica na academia três a quatro vezes por semana para manter o corpo em perfeita ordem. Mas quantas pessoas refletem um pouco sobre a própria alma? Se é importante vigiar e cuidar do nosso corpo e dos nossos investimentos, que logo estarão mortos e apodrecerão, quanto mais importante é para nós guardarmos a nossa alma imortal? Conhecer o mal que habita em nós, por mais humilhante e desencorajador que possa ser, é nossa sabedoria. Dalmo de Abreu Dallari no livro “Elementos da teoria geral do estado”, afirma que os contratualistas acreditam que “a sociedade é tão só o produto de um acordo de vontades, ou seja, de um contrato hipotético celebrado entre os homens, razão pela qual esses autores são classificados como contratualistas” (pg.15). 134 135 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da teoria geral do estado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.15. 136 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.16-18/22. 137 LUNDGAARD, Kris. O mal que habita em mim. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p.22. 69 O homem, cheio de si mesmo, de arrogância e soberba, pensa que se conhece tão bem, mas é naturalmente inclinado a uma profunda dificuldade: reiteradas vezes, ele foge de se autoexaminar, pois a verdade é que, conhecer a si mesmo, é em último sentido, o conhecimento mais doloroso, todavia, primordial, que se pode ter138. O conhecimento da verdadeira natureza do homem na concepção judaico-cristã é encontrado em si, primeiro, por um senso natural da existência de um ser superior, transcendente e absolutamente moral, e em segundo, por análise do homem ao seu coração139 através dos valores morais absolutos expressos nos textos sagrados. Jean Calvin140 assim ressalta: Está fora de discussão que é inerente a mente humana, certamente por instinto natural, algum sentimento da divindade. A fim de que ninguém recorra ao pretexto da ignorância, Deus incutiu em todos uma certa compreensão de sua deidade, da qual, renovando com frequência a memória, instila de tempos em tempos novas gostas, para que, quando todos, sem exceção, entenderem que há um Deus e são sua obra, sejam condenados, por seu próprio testemunho. Na narrativa judaico-cristã, a imoralidade do homem começou ainda no jardim no Édem, quando Adão, representando toda humanidade, pecou, e por meio dele, todos os homens pecaram141. Nesse sentido, a corrupção humana é total, inclusive em tudo que diz respeito ao homem: seu intelecto, afeições, moralidade, ações, desejos e intenções. Conforme Jónatas Machado142 observa: 138 JONES, Martyn Lloyd. Estudos no sermão do monte. 1.ed. São Paulo: Fiel, 2014, p.301. 139 Todas as vezes que a Bíblia ressalta a palavra coração, ela está apontando para a totalidade do ser, a integralidade do homem. 140 CALVIN, Jean, A instituição da religião cristã. Tomo II, Cap. III. São Paulo: Unesp. 2008, p.43. 141 BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo de Genebra. 2.ed. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. Edição Revista e Atualizada. Romanos 5:12“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”. 142 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 41. 70 De acordo com a concepção judaico-cristã, a queda no pecado e a corrupção espiritual, física, intelectual e moral que se lhe seguiu explicam a incapacidade humana universal de satisfazer integralmente as exigências morais. A consciência individual, a despeito de sua relevância moral, desenvolve-se num contexto natural e social de corrupção física e moral generalizada. A humanidade no seu todo é vista como irremediavelmente contaminada pelo mal. Isso explica porque é que a consciência leva muitas vezes os indivíduos a julgamentos errados e contraditórios entre si. Destarte, ao frisar que a queda do homem no pecado foi em sua totalidade, isso é o que dá fundamento ao Estado Constitucional legislar sobre o indivíduo, limitando suas ações dentro de um padrão moral, padrão esse absoluto e transcendente ao próprio homem. Jónatas Machado143, continua: Esta noção está inteiramente incorporada no Estado Constitucional. Ele pressupõe a existência de uma padrão objetivo e universal de valores e princípios morais, anteriores e superiores. Às valorações e às condutas humanas. Ao mesmo tempo ele reconhece a propensão humana para a corrupção nos planos moral, político, jurídico, econômico, religioso, científico, etc. Por esse motivo, a confiança nas capacidades humanas deve coexistir sempre com uma medida razoável de desconfiança e precaução em todos os domínios da vida. A lei é fundamentada na existência do próprio desvio comportamental do homem. Sob este mesmo pensamento, o Presidente James Madison144 ressaltou que “se os homens fossem anjos, nem o governo, nem a separação de poderes, seriam necessários”145, ou seja, se os homens, de fato fossem bons, qual seria a razão de existir tantas leis que coíbem os maus comportamentos? Sendo assim, cabe destacar que o homem precisa de um padrão moral para o regular, mas um padrão que seja inteligível a ele e também moralmente capaz de o transcender. 143 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.41. 144 145 James Madison nascido em 1751, foi o 4º Presidente dos Estados Unidos da América. MADISON, James. The federalist nº 51. Independent journal. 06 de fevereiro de 1788. Disponível em: <http://www.constitution.org/fed/federa51.htm/>. Acesso em: 16 de abril de 2015. 71 2.1.2 Dos direitos fundamentais Existe uma íntima relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais. Direitos humanos são geralmente definidos como aqueles inerentes ao homem, atribuídos por sua simples existência146. Ana Carolina Lopes Olsen147, citando os pensamentos de Hannah Arendt, comenta: Segundo Hannah Arendt, os direitos humanos constituem uma categoria construída historicamente pelo homem, na medida em que se tornou necessário reconhecer uma especial dignidade a todos os homens independentemente de sua cidadania, ou seja, sua vinculação a um determinado Estado nacional. Já os direitos fundamentais, dizem respeito à aplicação interna daqueles direitos inalienáveis e próprio do homem. Nesse sentido, Jorge Miranda148, ressalta: Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas activas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material – donde, direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material. Sendo assim, o homem tem consciência de que o direito à liberdade de religião, por exemplo, é um direito e garantia universal, ou seja, é ressaltado pelos direitos humanos. Mas quando a Constituição Federal recepciona esse mesmo direito, ele é elevado em um status mais palpável, nítido e presente na jurisdição interna. Jónatas Machado149, ressalta: Das competências racionais, morais, emocionais e comunicativas dos seres humanos decorre a afirmação da 146 PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos. Estado y constitución. Madrid: Tecnos, 1999. p. 30. 147 OLSEN. Ana Carolina Lopes. A eficácia dos direitos fundamentais sociais frente à reserva do possível. Curitiba: UFPR, 2006. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/3084/Disserta%20%20o++Ana+Car olina+Lopes+Olsen.pdf;jsessionid=92D71FE9BCB804AAFF490CE69497ECC6?sequence=1/ >. Acesso em: 28 abril. 2015 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional – Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3.ed. Coimbra: Coimbra, 2000. p.78. 148 149 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 45. 72 existência de direitos inatos, inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis, como o direito à vida e a integralidade física, as liberdades de consciência, de pensamento, expressão, religião, culto, associação, etc. Fundamentado em ideais como os de Jónatas Machado, que o legislador, na Constituição Federal, trouxe à baila o seguinte texto expresso: art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.150 Em cada homem, em cada mulher, existe a presença de todas os direitos inerentes do ser humano, direitos fundamentais o qual a Constituição Federal enuncia e resguarda151. Essa correlação entre os fundamentos judaico-cristãos e os direitos fundamentais dos homens, que levou Thomas Jefferson152 a ressaltar na declaração de independência dos Estados Unidos (1776): Nós mantemos essas verdades como sendo auto evidentes, que todos os homens são criados iguais, que eles são dotados por seu Criador com direitos inalienáveis, entre os quais estão o direitos à Vida, Liberdade e a busca da Felicidade. E em outro momento, o mesmo salientou: “O Deus todo poderoso criou a mente livre e manifestou a sua suprema vontade de que ela permaneça livre, tornando-a completamente insuscetível de restrição153" Esse mesmo Deus que criou a mente dos homens livre, mostra o seu caráter, bom, justo e santo na lei judaico-cristã. Sobre isso, Jónatas Machado154, comenta: 150 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm/>. Acesso em 19 de maio de 2015. 151 MIRANDA, Jorge de. Manual de direito constitucional. 2.ed. Coimbra: Coimbra, 1993. p.169. 152 JEFFERSON, Thomas. Political writings. In: APLEBY, Joyce; BALL, Terence (Ed.). Inglaterra: Cambridge University Press, 1999. p. 102. Joyce 153 JEFFERSON, Thomas. The papers of Thomas Jefferson. In: Princeton: Princeton University Press, 1950. p. 545. 154 BOYD, Julian P (Ed.). MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 47-48. 73 A universalidade e primazia dos direitos humanos têm um fundamento racional no fato de refletirem a natureza moral e a omnipresença soberana de Deus [...] Só um fundamento transcendente dos direitos é que pode justificar a sua primazia sobre uma maioria política e todos os poderes estaduais e não estaduais. Ele prescreve que a não consagração de certos direitos fundamentais não seja uma simples opção dos povos e dos Estados, mas uma violação de imperativos morais e categóricos. É graças ao seu fundamento transcendente que os direitos são realmente fundamentais sem que o sejam apenas se e enquanto forem considerados como tais pelo legislador e pela comunidade internacional. Coadunando com essa perspectiva absoluta dos direitos inerentes ao homem, cabe destacar, por exemplo, que o direito à vida é um direito, não apenas de um ou outro indivíduo, mas de todos, não apenas de um povo, mas de todos, de tal modo que, se um Estado, através do poder soberano, queira tirar a vida de um inocente, certamente, outros Estados se oporão. Nessa égide, os próprios direitos fundamentais só possuem sentido, se lhes for reconhecido um fundamento absoluto e transcendente, nenhum pouco subjetivo e muito menos relativista155. Na concepção jurídica atual, os direitos fundamentais não são tratados como absolutos. Como ressalta Alexandre de Moraes156. Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas). Imperioso se faz declarar que mesmo os direitos fundamentais encontrando limites em outros direitos, esses limites são em face da não utilização desvairada dos direitos fundamentas para corroborar com atitudes ilícitas do homem, pois esse é imoral. O princípio da relatividade ressaltado anteriormente por Alexandre de Morares157, se dá justamente por entender a imoralidade do homem, veja: 155 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 48. 156 MORAES, Alexandre. Direito constitucional.13.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 61. 157 MORAES, Alexandre. Direito constitucional.13.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 61. 74 Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5° da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Nesse sentido, de fato, uma absolutização de direitos fundamentais seria vil e muito ofensiva ao homem e à própria Sociedade; entretanto, há de ressaltar que a coibição da aplicação absoluta de direitos fundamentais não é por que os direitos fundamentais em si são maus ou não absolutos, mas por que a maldade do homem pode os corromper. George Sarmento158, analisando esse tema, sobre a óptica de Pontes de Miranda, ressalta: Os direitos fundamentais absolutos são aqueles que se erguem sobre o Estado, cabendo a lei estabelecer os limites de sua incidência. O Estado atua como “definidor de exceções”. Para que não percam sua essência, o Estado só tem legitimidade para restringi-los dentro das fronteiras permitidas pelo direito internacional. Nesse grupo estão os direitos supraestatais, provenientes de ordem jurídica superior e preexistente ao direito interno. Na Constituição Federal, a presunção de inocência está expressa com a seguinte redação: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trata-se de direito fundamental supra-estatal previsto no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art. 8.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, entre outros tratados internacionais. Como seu fundamento de existência encontra-se em ordem jurídica anterior e superior à ordem estatal, a norma constitucional não o criou. Ou seja, apenas executou o compromisso de positivá-lo no ordenamento jurídico nacional. Mesmo que isso não acontecesse, a presunção de inocência continuaria a existir como direito fundamental, podendo ser aplicada pelos juízes brasileiros. Em síntese, os direitos fundamentais absolutos não são produto da norma constitucional. Sua origem transcende a ordem jurídica nacional e se impõe inexoravelmente a ela. A positivação nas Constituições constitui suporte fático nuclear da própria criação do Estado Democrático de Direito. São direitos que vinculam o poder constituinte a declará-los, executá-los e protegê-los na Lei 158 SARMENTO, George. Pontes de Miranda e a teoria dos direitos fundamentais. Recife. 2011. Disponível em: <http://www.georgesarmento.com.br/wpcontent/uploads/2011/02/Pontes-de-Miranda-e-a-teoria-dos-direitos-fundamentais2.pdf/>. Acesso em: 29 abril. 2015 75 Fundamental. Entretanto o Estado pode impor limitações legais ao seu exercício desde que não afete o seu conteúdo essencial. E ainda, Norberto Bobbio159, pontua: O que caracteriza os chamados direitos fundamentais, entre os quais está certamente o direito à vida, é o fato de serem universais, ou seja, de valerem para todo homem, independentemente da raça, da nacionalidade, etc., mas não necessariamente de valerem sem exceções.' Com isso, não queremos afirmar que não existam direitos absolutos (penso que, na consciência contemporânea, esse é o caso, por exemplo, do direito de não ser torturado ou de não ser escravizado), mas simplesmente que o caráter absoluto do direito à vida não é habitualmente usado (e, de resto, seria difícil fazê-lo) como argumento em favor da abolição da pena de morte. Destarte, a ação Estatal sobre os direitos fundamentais para os limitar reveste-se mais de caráter de prevenção que de negativa de reconhecer que são axiomas. Assim, como a teoria quantitativa da moeda, chamada de padrão ouro, elaborada por David Hume, foi aplicada em um momento da história em que obrigava os bancos a converter as notas em ouro (ou seja uma indexação da moeda ao padrão ouro), que serviu de importante mecanismo na luta contra a inflação monetária, a indexação dos direitos universais do homem serve para restringir sua desvalorização e total relativização. E a única forma e de compreendê-los de maneira não relativizada é encontrar seu fundamento absoluto e transcendente, que inescapavelmente nos faz considerar a visão de mundo judaico-cristã160. 2.1.3 Justiça e verdade A construção jurídica/social exige que as relações dos indivíduos entre si, entre eles e o Estado e entre eles e natureza sejam relações justas e pautadas na verdade. 159 160 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p.128. MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. P48. 76 Observei a existência de dois opostos: a imoralidade do homem e os direitos universais. Analisando isso, reconhece-se que o Estado tem uma função singular. Ora, se cabe ao Estado limitar os atos soberbos e cheios de maldade do homem por meio da lei e ainda proteger a universalidade dos direitos do homem, é dever do Estado agir também de maneira justa e verdadeira. Sendo antagônicas ao conceito atual de justiça e verdade, as concepções judaico-cristãs define que ambas são absolutas, ambas são transcendentes e ambas têm sua origem no Ser de Deus. Jónatas Machado161 assevera: A primazia da justiça, da verdade e da racionalidade é geralmente pressuposta pela teoria política e pela doutrina jurídica. Os mesmos são elementos fundamentais de qualquer teoria da justiça. Contudo, os fundamentos ou causas materiais dessa primazia raramente são investigados. Poucas vezes se pergunta por que é que a política e o direito se devem conformar de acordo com esses valores. Em nosso entender, a afirmação dessa primazia, cuja garantia institucional compete ao Estado, só tem sentido se assentar no pressuposto que esses valores não são criados pelos Estado e nem podem ser destruídos por eles, incorrendo estes em pesados custos na tentativa de fazer. Também este postulado se adequa inteiramente à visão do mundo segundo a qual existe um Deus justo, bom, verdadeiro e racional, criador de todas as coisas, cuja natureza e omnipresença serve de fundamento à primazia universal daqueles valores e à sua realização na história humana. De fato, enquanto homens, temos uma forma de conduta que, mesmo imoral, revela que temos um senso de justiça interior, como ressaltou Clive Staples Lewis162. Se não acreditássemos na boa conduta, por que a ânsia de encontrar justificativas para qualquer deslize? A verdade é que acreditamos a tal ponto na decência e na dignidade, e sentimos com tanta força a pressão da Soberania da Lei, que não temos coragem de encarar o fato de que a transgredimos. 161 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.52. 162 LEWIS, Clive Staples. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2005, pg. 11 77 Reconhecemos a verdade pela nossa forma de agir, quando expostos a ela. Se uma coisa é verdadeira, ela é verdadeira em todos os lugares, povos e eras e o oposto disso é falso. Porém, o racionalismo tenta inverter essa premissa, opondo-se a ela163. No que se refere-se ao Estado e a justiça: O Estado Constitucional é um Estado de justiça, assente na distinção essencial entre o direito e a força ou interesses particulares. No Estado de direito, a justiça comutativa, retributiva e distributiva estrutura o debate em torno de todos ramos do direito. [...] A justiça é a essência do Estado de direito em sentido material. No pensamento judaico-cristão, da existência de um Deus justo que criou o ser humano à Sua imagem, decorre o dever de promover a justiça e de julgar justamente164. Nesse sentido, verifica-se uma íntima relação de um fundamento do Estado Constitucional com os valores judaico-cristãos, muito embora o ordenamento jurídico hodierno tenha apartado Deus da esfera pública. Constata-se todavia, que a noção do Ser de Deus e de sua lei, em todas as esferas da sociedade e, especificamente, na jurídica, foi o que construiu os fundamentos dos quais hoje edificamos nossas estruturas. 2.2 A FORMAÇÃO DO HOMEM MODERNO NA VISÃO DE FRANCIS SCHAEFFER Como ressaltado anteriormente, na concepção atual, não há verdade absoluta. A verdade é uma construção, seja econômica, filosófica, política, social, entre outras. Além do mais, pode ser algo para um indivíduo, para sua cultura e para seu tempo, totalmente diferente daquilo que é para outro indivíduo, cultura e tempo. Sendo assim, conceitos de moral e verdade podem ser substituídos de acordo com cultura e conforme as prioridades do homem 163 BAUCHAM JR, Voddie. A supremacia de Cristo em um mundo pós-moderno. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. p.55. 164 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.52-53. 78 moderno. Passa-se portanto a analisar a formação do homem moderno na visão de Francis Schaeffer. 2.2.1 Natureza e graça Francis Schaeffer, para introduzir a sua linha de raciocínio, aborda os conceitos que ele denomina de natureza e graça165. Na época bizantina apenas a graça tinha tons vívidos no pensamento e vida do homem, enquanto que a natureza era totalmente desprovida de significado. Após isso, houve uma valorização da natureza e tentativa de unificar a natureza com a graça partindo da própria natureza, porém a primeira se tornou autônoma e veio absorver completamente a graça166. A natureza é o “andar inferior; a criação; a terra e as coisas terrenas; o visível e o que fazem a natureza e o homem na terra; o corpo humano; a diversidade167”. A graça por sua vez é o “nível superior; Deus, o criador; o céu e as coisas celestes; o invisível e sua influência na terra; a alma humana; a unidade168.” Francis Schaeffer, remonta um antigo debate da filosofia tratado por Platão e por Aristóteles, para dentro da esfera do pensamento que levou a construção do homem pós-moderno, ao fazer um paralelo da ideia de natureza e graça, com a ideia de universais e particulares. Os universais é que o dá sentido ao que é particular. Explicação um tanto quanto simplista, porém, verdadeira. Universais são absolutos, são verdades intransponíveis, ou seja, algo que exaure em si mesmo. Todas as vezes que este trabalho citar as palavras “natureza e graça”, até o fim do capítulo 2, estará fazendo referência aos significados das notas 163 e 164. 165 166 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2.ed. Viçosa/MG: Ultimato, 2014 p.14-15. 167 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2.ed. Viçosa/MG: Ultimato, 2014 p.15. 168 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2.ed. Viçosa/MG: Ultimato, 2014 p.14-15. 79 Desta feita a verdade universal e absoluta não era um crença apenas daquele que confessava a fé em Deus ou em qualquer outra divindade. A ideia de verdade e absolutos permeava toda a Sociedade. 2.2.2 Tomás de Aquino e a autonomia No Tocante à autonomia da natureza, é importante ressaltar a proposta de Tomaz de Aquino, quando sugere unificar “fé e razão”, através da natureza, ou andar inferior. Para Tomás de Aquino, todo conhecimento adquirido pelo homem, partia naturalmente de Deus, entretanto, Tomás de Aquino também foi assíduo em fundamentar-se na racionalização e no intelecto do homem, inclusive como influência das próprias esferas espirituais169. Surge então, em Aquino, a valoração da “natureza”. Neste sentido, Francis Schaeffer: Até a época de Tomás de Aquino, as formas de pensamento tinham sido bizantinas. As realidades celestiais capitalizavam toda a importância e se revestiam de tal santidade que não eram retratadas de maneira realista. (...) Com o advento de Tomás de Aquino, temos o verdadeiro surto da Renascença humanista. A concepção tomista de natureza e de graça não envolvia completa descontinuidade dos dois princípios, pois sustentava um conceito de unidade que as correlacionava. Desde os tempos de Aquino, e por muitos anos a seguir, houve empenho constante de se estabelecer uma unidade da graça e da natureza, bem como a esperança de que a racionalidade tinha de dizer algo a respeito de uma e de outra. Uma boa porção de coisas excelentes adveio do surto do pensamento renascentista. De modo particular, a natureza passou a usufruir de conceito mais apropriado. Do ponto de vista bíblico, a natureza é importante porque criada por Deus; por isso, não deve ser menosprezada170. Embora a natureza não deva ser desconsiderada, houve uma supervalorização do intelecto no que se refere ao estudo epistêmico da verdade. 169 AQUINO, Tomás, apud KLEINMAN, Paul. Tudo que você precisa saber sobre filosofia. 3.ed. São Paulo: Gente, 2014. p.48. 170 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2.ed. Viçosa/MG: Ultimato, 2014. p.15. 80 Neste mesmo diapasão, Davi Charles Gomes171 ressalta: Aquino não estava disposto a assumir de forma absoluta que fatos brutos tivessem em si mesmos a realidade final ou que a razão humana pudesse de forma autônoma exaurir o seu conhecimento. Como cristão, ele sabia que Deus tinha que ser figura predominante no esquema, e que a revelação tinha que ser considerada como uma das fontes do conhecimento. Entretanto, também não estava disposto a abrir mão completamente da tentativa de atribuir independência aos fatos e à razão. Nessa tentativa de sintetizar o pensamento grego (Platão via Aristóteles) _ que ele considerava o ápice das conquistas intelectuais humanas e a teologia cristã, sugeriu uma nova dicotomia, constituída agora de dois andares conhecidos e considerados sob reflexão através de diferentes métodos: o andar de baixo da natureza(...) o andar de cima, da graça. Na concepção Tomista, a queda de Adão levou o homem à corrupção, mas seu intelecto não tinha sido afetado pelo pecado, ou seja, era autônomo: Era necessário que Deus transmitisse aos homens, pelo caminho da fé, uma certeza bem firme e uma verdade sem mescla, no que concerne às coisas de Deus. Ora, a misericórdia divina proveu a isso de maneira salutar, obrigando-nos a aceitar como objetos de fé aquelas mesmas coisas que, de per si, seriam acessíveis à razão. Dessa maneira, todos têm a possibilidade de participar do conhecimento de Deus, sem perigo de dúvida ou de erro172. Salienta-se, entretanto, que o homem está corrompido conforme a narrativa bíblica e essa corrupção se expressa em todas as partes deste homem, inclusive no seu intelecto173. O ressaltar da natureza, que era algo tão positivo, começou a se revestir de um viés negativo, pois a própria natureza passou a tragar a graça 171 GOMES, Davi Charles. Fides et Scientia: Indo além da discussão de "fatos". Fides Reformata. São Paulo. 1997. Disponível em: < http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_II__1997__2/fides_e t....pdf/>. Acesso em: 01 março 2015. AQUINO, Tomás. Súmula contra os gentios. São Paulo: Ed. Nova Cultural – Os pensadores, volume III, 1996, pg. 74. 172 É verdade que a mente humana compartilha os efeitos devastadores da queda. A “depravação total” do homem significa que cada parte da humanidade dele foi, de alguma forma, corrompida, incluindo a mente, que a Escritura descreve como “obscurecida”. De fato, quanto mais os homens ignoram a verdade Deus que eles conhecem, mais “fúteis” e até “insignificantes” eles se tornam no pensamento. Talvez se julguem sábios, mas são tolos. A mente deles é a “mente da carne”, a mentalidade de uma criatura caída, e ela é basicamente hostil a Deus e à sua lei. (STOTT, John. Crer é também pensar. 2.ed. São Paulo: ABU, 2012. p. 31). 173 81 e os universais começaram a ser trocados pelos particulares. Nascia o racionalismo, que influenciou e afetou todas as áreas da sociedade174. Como dito alhures, graça não refere-se apenas ao ser de Deus, aos universais, mas também à própria alma do homem e a unidade. Destarte, o homem na busca epistêmica da verdade e no desgastante esforço de tentar unir a natureza com a graça, tudo a partir de si mesmo e do seu intelecto autônomo, sem qualquer transcendência, afastou-se de uma unidade com ele mesmo, se auto fragmentou e o intelecto pairou no escuro e na frieza. 2.2.3 O presságio de Leonardo da Vinci Leonardo di Ser Piero da Vinci nasceu no vilarejo de Anchiano em Florença, Itália, na data de 15 de abril de 1452 e foi um dos principais nomes do Renascimento. Cientista, matemático, pintor, Da Vinci, foi um expoente em seus dias. Nos dias de Da Vinci com o racionalismo dominando todas as esferas da sociedade, o homem começou a se ver destituído de significado, afinal, esse não é feito apenas de matéria ou formação físico/químicas. O homem não é particular, reveste-se de universais. Suas emoções, afeições e esperanças dizem respeito a universais, e o racionalismo aplicado ao intelectual do homem para explicar a partir dele mesmo todas as coisas, não estava conseguindo dar respostas completas a este, no que tange a sua totalidade. Era necessário que algo que fosse colocado no andar superior, o Neoplatonismo foi elevado ao status de graça, com a ideia dos universais175. Recomenda-se a leitura das páginas 17 à 23 do livro “A morte da razão” de Francis Schaeffer, nessas páginas ele dá um exemplo de como o pensamento autônomo e o racionalismo começou a aparecer em todas as facetas da sociedade, então Schaeffer cita no campo da Arte, as pinturas de Cimabue (1240-1302), mestre de Giotto (1267-1337), Dante (1265-1321), Petrarca (1304-1374), Bocácio (1313-1375), Masaccio (1401-1428) até Miguel Ângelo (14751564). 174 175 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2.ed. Viçosa/MG: Ultimato, 2014. p. 15-6. 82 O neoplatonismo foi colocado no andar superior iniciando o desespero do homem racional, o enfoque neoplatônico era a alma do homem, era a tentativa de resgatá-lo da própria mecanização que ele se encontrava. Da Vinci sentiu o peso do homem-máquina, ele notou o lugar onde o homem racionalista chegaria com a passagem de todas estas centenas de anos entre ele e o homem moderno. Ele foi um verdadeiro gênio tinha uma compreensão à frente do seu tempo. Da Vinci, compreendeu que se você fundamenta sua vida apenas numa base racionalista, do homem partindo exclusivamente de si mesmo, sem nenhum conhecimento ou compromissos externos, ficará apenas com aquilo que é mecânico. Em outras palavras, ele estava tão à frente do seu tempo que compreendeu o fato de que tudo acabaria sendo reduzido a uma máquina e não haveria mais universais ou qualquer sentido. Os universais deixariam de existir e os particulares seriam pesados demais, Notando isso e querendo alcançar novamente os universais Da Vinci disse que nós deveríamos tentar pintá-los. Assim ele pintou, pintou e pintou, tentando retratar os universais176. Francis Schaeffer continua: “Leonardo procurou, então, pintar a alma. Não a alma cristã. A alma, para ele, era a universalidade, como, por exemplo, a alma do amor ou da árvore177”. Da Vinci foi o primeiro a sentir a necessidade do homem não se tornar uma máquina, não perder sua própria humanidade, mas infelizmente sua mensagem foi em vão. Ele mesmo não tinha a resposta para sua inquietação. 2.2.4 De Rousseau a Kierkegaard: Da mecanização ao salto de fé Como previsto por Da Vinci a máquina ou mecanização tentava tomar o seu espaço. O racionalismo extremo tentava reduzir o homem a simples máquina, sem coração, sentimentos ou significado. 176 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que se revela. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p.80. 177 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2.ed. Viçosa/MG: Ultimato, 2014. p.22. 83 A ciência racionalista começou a se tornar pesada demais, tão pesada que o homem não pode suportá-la e começou a sentir-se reduzido. Neste ínterim, surge Jean Jacques Rousseau. Rousseau lutou pela preservação da liberdade em extremo grau e rejeitou a civilização que a restringia pois a via como autônoma, tão autônoma que deveria substituir o andar superior dos universais. Desse modo: Com esse novo modo de pensar, deu-se a tentativa de se estabelecer a liberdade destrutiva, que iria invadir não apenas a moral, mas também a própria epistemologia. A essa altura a graça, que perfazia o nível superior, é totalmente removida e substituída pela liberdade. Não se tem, portanto, o sentido que é conferido aos particulares por meio dos universais, ou seja: como o homem terá o conhecimento de que realmente conhece, e como será possível a obtenção da certeza de que o homem sabe de fato?178 A liberdade defendida por Rousseau não se tratava apenas da liberdade em face de um sistema racionalista, mas tratava de defrontação da liberdade autônoma contra a natureza autônoma. Nesse aspecto, Francis Schaeffer ressalta: Que é liberdade autônoma? É a liberdade em que o indivíduo é o centro do universo. Liberdade Autônoma é a liberdade sem restrições. Portanto, logo que o homem começa a sentir o peso da máquina a oprimi-lo, Rousseau e os outros esconjuram e praguejam, por assim dizer, a ciência que lhes ameaça à liberdade humana. A liberdade que advogam é autônoma, e nada pode restringi-la. É liberdade sem limitações. É a liberdade que não mais se ajusta ao mundo racional. Apenas espera e tenta fazer, pela força de vontade com que o indivíduo seja livree tudo o que resta é expressão própria, expressão pessoal179. Pelo que, até aqui foi analisado, Rousseau tinha uma concepção um tanto quanto distorcida sobre liberdade, isso é expresso ao afirmar: “Livre-se dos controles, livre-se da polis, livre-se de Deus e dos deuses 178 ALBIEIRO, Vítor Augusto Andrade. Francis Schaeffer e o enfrentamento da crise de paradigmas: A relação entre natureza e liberdade. 2011. 160 (fls.). Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Religião. – Mestrando, Universidade Presbiteriana Mackenzie: Escola Superior de Teologia – EST. São Paulo. p.107. 179 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2ªed. Viçosa/MG: Ed. Ultimato. 2014, pg. 41. 84 e, então, você estará livre180”. “Rousseau não foi o único, mas foi um dos maiores expoentes do novo modo de pensar fundamentado na liberdade absoluta 181.” Se não há qualquer senso de moral absoluta, se inexiste qualquer senso de verdade absoluta, então o homem irá, certamente perder o sentido da vida. Não é difícil notar a confusão moral que derivou da filosofia de Rousseau, entretanto a confusão epistemológica foi muito pior. Se os universais foram destituídos, se não mais contempla-os em busca de respostas, como podemos conhecer a realidade, a partir daquilo que não é real? Chega-se então aqui ao cerne do problema do homem moderno182. A liberdade autônoma foi, então, a consequência do racionalismo autônomo. O homem ainda partia de si para tentar dar respostas a si, porém, estava cada vez mais longe desse ideal. Nesse momento surge Immanuel Kant, ainda como tentativa de dar uma resposta ao desespero do homem e unificar os andares. Kant183 faz uma nova proposta, a ideia do conhecimento dos objetos pela aparência e pela ausência de realidade, eis: De fato, quando consideramos os objetos dos sentidos – como é justo – simples fenômenos, então admitimos, ao mesmo tempo, que uma coisa em si lhe serve de fundamento, apesar de não a conhecermos como é constituída em si mesma, mas apenas seu fenômeno, isto é, a maneira como nossos sentidos são afetados por esse algo desconhecido. Porém, mal sabia Kant, que seria a última tentativa de unificar a fé com a razão. O que veio depois dele foi uma divisão cada vez mais 180 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que se revela. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p.82. 181 ALBIEIRO, Vítor Augusto Andrade. Francis Schaeffer e o enfrentamento da crise de paradigmas: A relação entre natureza e liberdade. 2011. 160 (fls.). Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Religião. – Mestrando, Universidade Presbiteriana Mackenzie: Escola Superior de Teologia – EST. São Paulo. p.107 182 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que se revela. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p.82. 183 KANT, Immanuel apud PERIN, Adriano. O problema da unidade da razão em Kant: Uma reconstrução sistemática a partir de três momentos do desenvolvimento do período crítico. São Paulo: EDIPUCRS, 2008. p.18-19. 85 espessa entre os andares de natureza e graça, como ressalta Davi Charles Gomes184: O projeto de Kant foi ousado: suas palavras do prefácio de sua Crítica da Razão Pura sugerem o quanto o seu projeto era audacioso: “Tenho mirado principalmente a plenitude; e aventuro-me a manter que não há um único problema metafísico que não tenha sido resolvido aqui…” (Immanuel Kant, The Critique of Pure Reason, tradução inglesa de Norman Kemp Smith (New York: Macmillan, 1964), prefácio, 10). Ele queria resgatar o conhecimento científico verdadeiro do ceticismo de Hume, ao mesmo tempo que desejava “limitar a ciência para dar espaço à fé. Seu método foi uma síntese de racionalismo e empiricismo, em que, de um lado, reafirmava a possibilidade de compreensão do âmbito dos fenômenos através da razão “pura,” enquanto, de outro lado, negava completamente a possibilidade de conhecer o âmbito dos númenos, ou conhecer o “Ding an sich” (“coisa em si”). Sua distinção entre o âmbito dos númenos e dos fenômenos, sua formulação de como o entendimento resultava da combinação de elementos a priori e a posteriori, foram conceitos revolucionários. Kant, influenciado pela liberdade autônoma, mas também influenciado pela natureza autônoma e querendo ainda unificar os universais e particulares, tentou dar uma resposta diferente daquela do racionalismo. Sua proposta dos númenos e fenômenos185 foi inovadora. De acordo com ela, só poderíamos conhecer o mundo que nos é apresentado através da mente, mas nunca alcançaríamos o mundo exterior como ele é de fato. Por assim dizer, o único conhecimento que temos, na linguagem Kantiana, é dos fenômenos, pois o dos númenos será sempre desconhecido186. Assim: O sistema de Kant rompeu-se de encontro ao rochedo da tentativa de descobrir a fórmula, qualquer fórmula, para estabelecer uma adequada relação entre o mundo fenomenal da natureza e o mundo numenal dos universais. A linha divisória 184GOMES, Davi Charles. Fides et Scientia: Indo além da discussão de "fatos". Fides Reformata. São Paulo. 1997. Disponível em: < http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_II__1997__2/fides_e t....pdf/>. Acesso em: 01 março 2015. 185Númenos: Esses, segundo Kant, são as coisas que existem independentemente da interpretação de nossa mente. Fenômenos: De acordo com Kant, são as realidades e as aparências interpretadas por nossa mente. (KLEINMAN, Paul. Tudo que você precisa saber sobre filosofia. 3.ed. São Paulo: Gente, 2014. p.68). 186KLEINMAN, 2014. p.68. Paul. Tudo que você precisa saber sobre filosofia. 3.ed. São Paulo: Gente, 86 entre os andares superior e inferior é agora muito mais espessa – e logo, bem logo, ficaria ainda mais espessa187. Apesar da tentativa de unificação entre os númenos e fonômenos, Kant chegou à conclusão de que, para razão, era impossível “exaurir a experiência” a ponto de chegar a um conhecimento completo de um objeto, e qualquer tentativa de obter unidade completa no âmbito dos fenômenos levaria a antinomias insolúveis188. Sobre a “solução” de Kant, Will Durant189, salienta: Kant “havia destruído o mundo ingênuo da ciência e o limitara, senão em grau, com certeza em alcance limitando-o também a um mundo confessadamente de mera superfície e aparência, além do qual ele só podia resultar em ridículas ‘antinomias’; com isso a ciência estava ‘salva’.” Da mesma forma, os objetos de fé e religião foram relegados ao âmbito do númenos, e “nunca poderiam ser provados pela razão; com isso a religião estava ‘salva’. Para Kant, os universais foram lançados na esfera dos númenos, ou seja, algo que jamais poderia ser acessado ou tocado e assim o andar da graça, foi finalmente e fatalmente extirpado. Beirando o homem pós-moderno, surge então, George Wilhelm Friedrich Hegel, o qual fez uma proposta que mudou para sempre o conceito de moralidade e verdade absolutas, o relativismo foi o que seu pensamento gerou. Paul Kleinman190 comenta: Em 1800, Hegel conheceu e se interessou muito pela filosofia de Immanuel Kant e decidiu que sua filosofia combinaria suas influências teológicas, o idealismo kantiano e o romantismo às questões políticas e sociais contemporâneas. Como Kant, Hegel era um idealista. Acreditava que a mente tinha acesso apenas àquilo que o mundo parecia ser e que nós nunca perceberíamos completamente o que o mundo é. Entretanto, Hegel divergia de 187SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2.ed. Viçosa/MG: Ultimato, 2014. p.40. 188 GOMES, Davi Charles. Fides et Scientia: Indo além da discussão de "fatos". Fides Reformata. São Paulo. 1997. Disponível em: < http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_II__1997__2/fides_e t....pdf/>. Acesso em: 01 março 2015. 189 DURANT, Will. A história da filosofia. São Paulo: Nova Cultural, Os Pensadores, 1996. p. 263. 190 KLEINMAN, Paul. Tudo que você precisa saber sobre filosofia. 3.ed. São Paulo: Gente, 2014. p.86-87. 87 Kant, quanto as ideias, para ele, as ideias eram sociais, ou seja, eram totalmente moldadas pelas ideias de outras pessoas. Essa consciência coletiva da sociedade, à qual Hegel se referia como “espírito”, é responsável pela formatação da consciência e das ideias de cada pessoa. Ainda diferentemente de Kant, Hegel acreditava que esse espírito está em constante evolução. Segundo ele, há uma ideia a respeito do mundo (muito parecida com uma tese), que, por contar uma falha inerente, dá oportunidade ao surgimento da antítese, Essa tese e a antítese, por fim, reconciliam-se com a criação da síntese e surge uma nova ideia composta dos elementos tanto da tese quanto da síntese. Hegel, ao ver que a antítese nunca foi tão familiar com o racionalismo, propôs uma mudança na metodologia, nessas alturas, todas as coisas são relativizadas. Ao invés de lidar com antíteses, o que sobra é síntese. Esse é o triângulo de Hegel, cada coisa é uma tese, mas, por sua vez, gera uma antítese e a resposta será sempre uma síntese. Tudo mudou na área da moral, das relações sociais e políticas, mas mudou a própria epistemologia191. Vivemos em uma era de relativismos, absolutos são afirmações estranhas a nossa sociedade e geração, e um dos responsáveis é a síntese. Sobre esse aspecto, Francis Schaeffer salienta: Hegel alterou todo o conceito de epistemologia. Antes dele, na epistemologia, o homem sempre pensou em termos de antítese: isto é, todos nós aprendemos que ‘A é A e que ‘A não é não-A’. Estes são os primeiros passos da lógica clássica. Em outras palavras, de acordo com a antítese, se algo é verdadeiro, então o seu oposto não é verdadeiro. Você pode estabelecer uma antítese. Esta é a metodologia de epistemologia clássica, do saber192. Destarte, com a abolição da antítese como o fundamento epistêmico, a síntese e, consequentemente, o relativismo, passaram a imperar o pensamento do homem. Não tardou para que a relação entre fé e racionalidade fosse afetada pelo relativismo. Nesse sentido, a principal consequência que o 191 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que se revela. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p.84. 192 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que se revela. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p.83-84. 88 relativismo provocou em relação a fé e razão, foi levar o homem a desprezar de vez a esperança de unificar o conhecimento entre ambas193. Então surge a dicotomia entre fé e razão do homem pósmoderno como consequência do pensamento de Søren Aabye Kierkegaard194. A filosofia de Kierkegaard geralmente é associada ao existencialismo, o qual é considerado o pai do existencialismo. Para Norman Geisler e Paul Feinberg195: “Há, na realidade, muitas metodologias existenciais, mas a maioria delas têm um denominador comum que é tipificado na metodologia do pai do existencialismo, Soren Kierkegaard (1813-1855)”. Coadunando com as mesmas ideias, Francis Schaeffer196 ensina que: “O mais importante sobre ele é que, ao apresentar o conceito de um salto de fé, ele se tornou de forma real o pai de todo pensamento existencial moderno, tanto no mundo secular, quanto no teológico”. Assim o existencialismo de Kierkegaard foi o responsável por introduzir o homem ao pós-modernismo e ao pensamento relativista. Desse entendimento, não destoa Norman Geisler197: Soren Kierkegaard, o pai do existencialismo, abriu a porta ao relativismo ao alegar que o dever mais alto do homem (perante Deus) às vezes transcende todos os limites éticos. Kierkegaard acreditava na lei moral que diz: "Não matarás." Mesmo assim, também sustentava que quando Deus mandou Abraão levar seu filho, Isaque, e sacrificá-lo na montanha, Abraão tinha de ir além do mandamento ético, a fim de obedecer o mandamento de Deus no sentido de sacrificar. Não há razão ou justificativa para semelhante ato, disse Kierkegaard. Devemos simplesmente cumprir este dever transcendente por "um salto de fé." Outros existencialistas desde Kierkegaard têm sido mais ousados, e 193 ALBIEIRO, Vítor Augusto Andrade. Francis Schaeffer e o enfrentamento da crise de paradigmas: A relação entre natureza e liberdade. 2011. 160 (fls.). Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Religião. – Mestrando, Universidade Presbiteriana Mackenzie: Escola Superior de Teologia – EST. São Paulo. p.109-110. 194 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2.ed. Viçosa/MG: Ultimato, 2014. p.22. 195 GEISLER, Norman. FEINBERG, Paul. Introdução à filosofia: uma perspectiva cristã. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1996. p.34. 196 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que intervém. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p.37. 197 GEISLER, Norman. FEINBERG, Paul. Introdução à filosofia: uma perspectiva cristã. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1996. p.301. 89 proclamaram que cada homem tem o direito de "fazer o que bem lhe parecer. O comentário de Kierkegaard198 sobre o sacrifício de Abraão, mostra o quanto ele acreditava que as coisas universais são inacessíveis e que apenas um “salto”, poderia fazer o homem se dar uma explicação, ou seja uma fé não racional, eis: É meu propósito extrair da sua história [de Abraão], sob forma de problemática, a dialética que comporta para ver que inaudito paradoxo é a fé, paradoxo capaz de fazer de um crime um ato santo e agradável a Deus, paradoxo que devolve a Abraão seu filho, paradoxo que não pode reduzir-se a nenhum raciocínio, porque a fé começa precisamente onde acaba a razão. Ocorre que: Com esse raciocínio relativo a Abraão, Kierkegaard, demonstra que não teve um cuidado diligente na leitura bíblica, pois antes mesmo que Abraão fosse provado por Deus à tomar as providências para o sacrifício de Isaque (o qual, obviamente, Deus não permitiu que fosse consumado), ele havia recebido muitas orientações e revelações proposicionais divinas. Abraão viu a Deus (teofania), Deus foi fiel com Abraão em tudo que lhe prometera, lhe abençoou e prosperou seus caminhos. Em resumo as palavras que Deus direcionou a Abraão naquele no contexto, estava em consonância com a forte razão de Abraão em saber que Deus não apenas existia, mas que também era totalmente confiável199. Um pouco mais da própria cisão (da natureza e graça) no pensamento de Kierkeegard é expresso pelos dizeres do próprio filósofo, sendo citado por W. Gary Crampton e Richard E. Bacon: A realidade não pode ser adquirida "pessoal e apaixonadamente". A verdade é subjetiva. Embora o homem nunca possa saber se há um deus que dá propósito e significado à vida, ele deve, todavia, dar um "salto de fé"200. Kierkegaard, por meio do existencialismo conclui que ninguém pode chegar a síntese pela razão201. Ao invés disso, tudo que é 198 KIERKEGAARD, Soren. Temor e tremor. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p.140. 199 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que intervém. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p.36. 200 CRAMPTON, W. Gary. BACON, Richard E. Em direção a uma cosmovisão cristã. Brasília: Monergismo, 2009. p.42. 201 SOREN, Kierkegaard apud SCHAEFFER, Francis August. O Deus que intervém. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p.36. 90 importante, alcançamos por uma espécie de salto de fé. Resultando dessa perspectiva, daquele tempo em diante, qualquer um que fosse firmado no racionalismo e sentisse necessidade de buscar coisas realmente importantes da vida humana (tais como seu propósito, sentido e validade do amor), deveria então destituir do seu pensamento racional aplicado sobre estas coisas, e partir disso iniciar um ato gigantesco e não racional de fé. A estrutura montada pelo racionalismo falhou em produzir uma resposta com base na razão e, portanto toda a esperança de um campo uniforme de conhecimento teve de ser abandonada202. Conforme apud Schaeffer, Kierkegaard203dá continuidade ao pensamento de Hegel sobre síntese, mas caminha em outra direção ao definir que a síntese não poderia nunca ser alcançada pela razão e sim por um “salto de fé”. É importante ressaltar que esse salto de fé, não é fé necessariamente em Deus, não o Deus das Escrituras, mas é mais uma espécie de misticismo, uma crença em algo no andar superior que é impossível de acessar por meio da razão, esse algo pode ser qualquer coisa, inclusive um sentimento ou desejo do homem. É assim que o homem pós-moderno vive, ele, por não crer em absolutos e por não querer se tornar uma máquina, se obriga a crer numa fé irracional, destituída de significado, ele possui fé na própria fé. Como expõe Francis Schaeffer: “O homem feito a imagem de Deus, não pode viver como se fosse um nada; daí, no seu desespero, ele coloca no andar superior todo tipo de coisa204”. Por fim é necessário trazer uma última observação de Schaeffer quanto ao existencialismo que derivou de Kierkegaard. Ele ressalta que após Kierkegaard, o existencialismo assumiu três formas: o frânces 202 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que intervém. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p.36-37. 203 SOREN, Kierkegaard apud SCHAEFFER, Francis August. O Deus que intervém. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p.36 e ss. 204 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2ªed. Viçosa/MG: Ed. Ultimato. 2014, pg. 59. 91 encabeçado por (Jean Paul Sartre e Camus), o suíço encabeçado por (Karl Jaspers) e o alemão encabeçado por (Heidegger)205. O andar superior para o existencialismo, geralmente irá se revestir de uma de uma destas três opções: Ou será motivado pela vontade para o indivíduo se auto afirmar, ou será movido por uma experiência incomunicável, um êxtase, ou por fim por um mal pressentimento. Analisando esse processo pode-se notar como nasce o homem pós-moderno, homem que beira ou ao racionalismo extremado abraçando uma completa mecanização de sua vida, ou ao Existencialismo, destituído de significados que não consegue suprir as necessidades mais profundas do cerne do homem. Das concepções analisadas neste capítulo, tanto os fundamentos judaico-cristãos, como as filosofias que construíram o homem pósmoderno é que vêm toda influência ao Constitucionalismo do Estado. Por isso o próximo capítulo tratará da Neutralidade e Neutralização do Estado e a aplicação destes conceitos no mesmo. 205 SCHAEFFER, Francis August. O Deus que se revela. 2ª ed. São Paulo: Ed. Cultura Cristã. 2008, pg.84. 92 NEUTRALIZAÇÃO E NEUTRALIDADE DO ESTADO CONSTITUCIONAL Acaso, Neutralidade do Estado implica em uma completa separação das esferas públicas e religiosas, a ponto de que qualquer interferência entre elas, seja algo passível de total reprovação? Um Estado para ser Neutro, tem que retirar os crucifixos das escolas e dos órgãos do poder público? Será quem em nome de um zelo pelo princípio da Laicidade Estatal, começamos a desfrutar de uma Neutralização do Estado? Uma perseguição à fé? Será que é possível um Estado ser Neutro e ao mesmo tempo não destituirse do senso de religião? Enquanto, em decisão recente, o Supremo Tribual Federal206 convidou várias entidades representantes para debater sobre o ensino o religioso nas escolas públicas sob argumento de doutrinação. A Suprema Corte dos Estados Unidos207, também em decisão recente, declarou que orar em público, inclusive em órgãos do poder público é algo Constitucional e inerente a liberdade religiosa. Jorge Miranda208compara: Mostra-se nítido o contraste entre a experiência dos Estados Unidos e de alguns outros países, onde o sentimento conjugado da liberdade e da fé religiosa molda a Constituição e toda a vida cívica, e a experiência de muitos países da Europa meridional e da América Latina, onde durante décadas se evidenciaram (e ainda se evidenciam, por vezes) ideias e projectos [sic] laicistas e reducionistas. Estas ideias – assim como as correlativas reacções [sic] clericalistas e de nacional-catolicismo – 206 Ministro divulga cronograma de audiência sobre ensino religioso nas escolas públicas. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=291803/>. Acesso em: 23 de maio de 2015. 207 Tribunal dos EUA declara: orar em público é um direito constitucional. Disponível em: <http://www.anajure.org.br/tribunal-dos-eua-declara-que-oracoes-publicas-e-um-direitoconstitucional/>. Acesso em 23 de maio de 2015. 208 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3.ed. Coimbra: Coimbra, 2000. p.407. 93 contribuíram largamente para os retardamentos e os sobressaltos na instauração e na consolidação de regimes político liberais, pluralistas e democráticos Deste modo objetiva-se ressaltar com esse capítulo que a Neutralidade do Estado é diferente da Neutralização do mesmo. E também que é possível um Estado ser Neutro mas garantir a liberdade religiosa e até fomentála. Que as esferas públicas e religiosas são distintas mas não absolutamente independentes. 3.1 NEUTRALIZAÇÃO DO ESTADO CONSTITUCIONAL Em um Estado que preconiza a liberdade religiosa, será mesmo que existe a Neutralização do mesmo? Afinal, o que é Neutralização do Estado? Joana Zylbersztajn209 ressalta que o termo Neutralização do Estado: Relaciona-se com a exclusão da religião da esfera pública de forma mais enfática e generalizada. Em contextos laicistas, a religião não pode ter qualquer penetração em ambientes estatais. Essa situação se aproxima do modelo adotado pela França. Neutralização significa uma falta de confiança com a expressão religiosa, uma negação de sua importância, uma valoração dos pensamentos positivistas, ou científicos, opondo-se ao senso de liberdade e respostas religiosas210. Seria loucura afirmar que a nação brasileira atualmente prova da amargura da Neutralização do Estado? O objetivo desse capítulo é tentar mostrar que não. Talvez em primeira análise não se encontre uma perseguição religiosa mas se olharmos novamente, veremos que ela existe e que tem se tornado cada vez maior. 209 ZYLBERSZTAJN, Joana. Laicidade: abordagem histórica e conceitos. In:______. O princípio da laicidade na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Biblioteca Digital USP, 2012. Laicidade. p.54. 210 MIRANDA, Jorge. Estado, liberdade religiosa e laicidade. A porta, Lisboa: Gaudim Sciendi n.4, 2013, 20-43. 94 Como Jonas Madureira211 ressalta: O problema é que não é só tirar a cruz das repartições públicas, o problema é tirar Jesus Cristo da própria igreja! É tirar a própria bíblia da própria igreja! É tirar das mãos daqueles que defendem princípios bíblicos, aquilo que fundamenta o seus princípios bíblicos. Seria, a própria escritura. Deste modo, o objetivo dessa parte da pesquisa científica é levar o leitor a entender as influências que levam a Neutralização do Estado e os diversos contextos em que são aplicadas, expurgando a fé, Deus e qualquer sentido religioso da esfera pública. 3.1.1 Existencialismo: Primeiro fundamento da Neutralização do Estado a morte de Deus. “Deus está morto”, pobre homem que ao “matar Deus”, esqueceu de notar que “matou todos os homens”. Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós assassinos entre os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará este sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmo nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve um ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então212. A morte de Deus para Friedrich Nietzsche pressupõe a morte de qualquer senso de religião e a migração à autonomia do homem. A morte de Deus demonstra a mudança de qualquer senso absoluto de moral e verdade. Mas como alguém que se denominava (ateu) pressupõe a morte de Deus? Se Deus não existe, como declarar que ele está morto? É evidente que Friedrich Nietzsche cria em Deus, mas o odiava, o que comumente tem-se chamado de: Neoateísmo. Entretanto, na sua célebre frase do filósofo: 211 MADUREIRA, Jonas. Política Segundo a Bíblia. São Paulo: Genebra. 17 de abril de 2015. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?t=153&v=hvbtTafUkH4/>. Acesso em: 23 de maio de 2015. 212 NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. 3. ed. Curitiba: Ed. Hemus, 2002. p.134. 95 “Deus está morto”, a sua real intenção era definir que o senso de justiça, moral e verdade absolutos, que vêm dos fundamentos judaico-cristãos, eram retrógrados e deveriam morrer, pois não mais se adequavam com o homem existencialista. Se Deus existe ou não ficaria a critério de cada intérprete, mas aceitar que esse Deus é pessoal e que intervém na vida do homem, dandolhe por amor um padrão de moral e verdade absolutos, parece inconcebível. Francis Schaeffer213 comentando sobre o posicionamento de Friedrich Nietzsche, declarou: Em 1880, Nietzsche foi o primeiro a afirmar, de forma moderna, que Deus está morto, e ele entendia bem onde as pessoas acabam quando dizem isso. Se Deus está morto, então, tudo aquilo a que Deus fornece resposta e sentido está morto. E isso é verdade, não importa se é o homem secular ou o teólogo de hoje que está dizendo “Deus está morto” ou se ele está simplesmente reagindo contra aqueles teólogos que dizem que Deus está morto; o fato é que ele continua utilizando uma metodologia existencial. Ele mesmo estará relegado a todo o conteúdo sobre a morte de Deus e todas as garantias de que Deus está morto enquanto ser pessoal. A ideia da morte de Deus remete que o Ser de Deus morreu na consciência do homem. Sua lei inteligível era “retrógrada” e os significados de absoluto e supremo eram estranhos aos ouvidos deste homem, daí este “assassinou” a Deus, que até então era quem sustentava o sistema tradicional de valores. Com a “morte de Deus”, alguém precisava ocupar o seu lugar, assim quem passou a ocupar esse lugar foi o próprio homem214, ainda que agora desprovido de sentido da vida e aberto ao total vazio. Ainda como Gene Edward215 observa: Segundo o existencialismo, não há sentido nem finalidade inerente na vida. A ordem automática cega da natureza e as conclusões lógicas do racionalismo podem até mostrar ordem, mas são desumanas. No que diz respeito ao ser humano, as repetições estúpidas das leis naturais não têm sentido. A esfera objetiva é absurda, vazia de qualquer significação humana. Sentido não é coisa que se descubra no mundo objetivo; ao 213 SCHAEFFER, Francis. Como viveremos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p.126. 214 TILLICH, Paul. Perspectiva da teologia protestantes nos séculos XIX e XX. 2 ed. São Paulo: Aste. 1999. p.209. 215 VEITH, Gene Edward Jr. Tempos pós-modernos. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. p.31. 96 contrário, sentido é um fenômeno puramente humano. Embora não haja um sentido pré-fabricado na vida, os indivíduos podem criá-los para si. Pelas suas próprias livres escolhas e atos deliberados, as pessoas podem criar sua própria ordem, um sentido para sua vida, que elas e somente elas determinam. Esse sentido, entretanto, não tem validade para mais ninguém. Ninguém pode providenciar um sentido para outra pessoa. Cada um deve determinar seu próprio significado, que deve permanecer particular, pessoal e desligado de qualquer sorte de verdade objetiva. Esse vazio dado pelo existencialismo é visto nos dizeres de Friedrich Nietzsche216, quando ressalta: Onde foram feitas maiores tolices, no mundo, do que entre os compassivos? E o que produziu mais sofrimento no mundo do que as tolices dos compassivos? Ai de todos os que amam e que não atingiram uma altura acima de sua compaixão! Assim me falou certa vez o Demônio: “Também Deus tem seu inferno: é seu amor aos homens”. E recentemente o ouvi dizer isto: “Deus está morto; morreu de sua compaixão pelos homens”. Desse modo, estais prevenidos contra a compaixão: dali ainda virá uma pesada nuvem para os homens! Em verdade, eu conheço bem os sinais do tempo! Ravi Zacharias217, nesse raciocínio, cita: Num mundo assim [sem Deus] ... vagueamos por um nada infinito, sem nada acima nem abaixo. É preciso acender lanternas de manhã e inventar jogos que assumam o lugar da cerimônia religiosa... uma loucura universal eclodiria quando descobríssemos a verdade de que a humanidade conseguiu matar Deus. Friedrich Nietzsche não representou apenas a si próprio ou a uma nova filosofia, foi a maior expressão do homem pós-moderno. Representou o existencialismo que “matou” Deus, ou simplesmente negou sua existência permeada pela sociedade atual. Sua filosofia influencia, de maneira veemente, todas as facetas da sociedade, até chegar ao Estado. 216 NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra- um livro para todos e para ninguém. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 83-84 217 ZACHARIIAS, Ravi apud NIETZSCHE, Friedrich. A morte da razão. 1.ed. São Paulo: Vida, 2011. p.22. 97 3.1.2 Ateísmo e (neo) ateísmo Muitos têm a ciência como resposta final para todos os problemas do homem, ela é para estes, a solução de todos os seus questionamentos. A ciência é o único sistema capaz de nos trazer segurança sobre a compreensão do mundo, da vida e do universo. Ela é ilimitada! Talvez nós os cientistas não sabemos todas as coisas agora, mas certamente saberemos no futuro. Essa é a visão encontrada na concepção neo-ateísta/ científica e que pode ser constatada na obra, de Dawkins Deus um delírio218. Nessa mesma perspectiva da prerrogativa final e única da ciência, Karl Pearson219 expõe: O objetivo da ciência é claro – nada além da interpretação completa do universo... A ciência faz muito mais que pedir para ser deixada com a posse imperturbada do que o teólogo e o metafísico se agradam em chamar de o “campo legítimo” dela. Ela alega que todo âmbito de fenômeno, tanto mental quanto físico – o universo inteiro – é seu campo. Afirma que o método científico é a única porta de entrada para toda a região do conhecimento. Embora o homem não seja apenas um aglomerado de compostos químicos, como afirma Bertrand Russel220, mas um ser absolutamente complexo, dotado de emoções, afeições e de um intelecto diferente de tudo aquilo que se pode encontrar, isso não é observado com totalidade pela ciência. Peter Medawar221 expõe: A existência, de fato, de limites para a ciência parece muito provável em razão de haver perguntas que ela não pode responder, e que nenhum avanço concebível dela a autorizaria a responder. [...] Tenho em mente questões do tipo: Como tudo começou? MCGRATH, Alister; MCGRATH, Joanna. O delírio de Dawkins – uma resposta ao fundamentalismo ateísta de Dawkins. 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2007. p.31 218 219 PEARSON, Karl. The grammar of science. New York: Cosimo, 2007. p.14/24 220 ROBERTSON, David. As cartas para Dawkins. Guará/DF: Monergismo. 2009, p.65. 221 MEDAWAR, Peter. The limits of science. Inglaterra: Oxford University Press, 1998. p.66 98 Para que estamos aqui? Qual o sentido da vida? Pressupor que a ciência, a partir das suas próprias conclusões pode dar todas as respostas que o homem necessita é um tanto quanto surreal, pois ela deriva da própria pesquisa humana. “Consciente ou inconscientemente, os cientistas sempre interpretam os dados observados e as experiências realizadas de acordo com determinadas pressuposições e visões do mundo”222. A visão ateísta do mundo é uma dessas pressuposições. Ela ressalta que todas as coisas não foram criadas e não são mantidas por um ser supremo ou por uma divindade. Mas isso, em última análise, destitui o homem de significado e de sentido, como no existencialismo. Observemos um exemplo de alguém influenciado por essa visão, os dizeres de Voltaire223: Sou uma parte insignificante do grande todo. É verdade; mas todos os animais condenados a viver, todas as criaturas sensíveis, nascidas sob a mesma lei, sofrem como eu e como eu também vêm a morrer. (...) Silêncio! O livro do destino está fechado para nós. O homem não sabe de onde vem nem para onde vai. Átomos atormentados num leito de lama, devorados pela morte, um escárnio do destino. É nítida a falta de significado e sentido para a vida, a razão da existência humana não passam de mera composição físico/química que termina, quando voltamos ao pó. Richard Dawkins224, vai adiante e declara: Num universo de elétrons e genes egoístas, de forças físicas cegas e de replicação genética, algumas pessoas vão se machucar, outras pessoas vão ter sorte, e você não vai encontrar nenhuma rima nem razão para isso, nem qualquer tipo de justiça. O universo que observamos tem precisamente as propriedades que são de se esperar que ele tenha, dando-se a premissa de que não existe nenhum desígnio, nenhum 222 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.108. 223 VOLTAIRE. A treatise on toleration and other essays. New York: Prometheus, 1994. p.1/7; DAWKINS, Richard. God’s utility function. nº 273. New York: Scientific American, 1995. p. 85. 224 99 propósito, nenhum mal, nenhum bem, nada além de impiedosa indiferença. Cabe destacar que a ideia de impossibilidade de conciliação entre fé e ciência, para alguns cientistas, é uma posição considerada antiquada. O homem não é uma mera máquina, é antes imbuído de valores que o transcendem. Fritjof Capra225, em “The turning Point” – “O ponto de mutação” (São Paulo, Cultrix, 2006), faz um paralelo: Muitos físicos, criados, como eu, numa tradição que associa ao misticismo as coisas vagas, misteriosas e altamente não científicas, ficaram chocados ao ver suas ideias comparadas às dos místicos. Essa atitude, felizmente, está mudando. Como o pensamento oriental começou a interessar a um número significativo de pessoas, e como a meditação deixou de ser vista como ridícula ou suspeita, o misticismo está sendo encarado seriamente, mesmo no seio da comunidade científica. Um número crescente de cientistas está consciente de que o pensamento místico fornece um coerente e importante background filosófico para as teorias da ciência contemporânea, uma concepção do mundo em que as descobertas científicas de homens e mulheres podem estar em perfeita harmonia com seus desígnios espirituais e crenças religiosas. Nesse sentido, Max Bennet e Peter Hacker, ressaltam: Negar que existam substancias mentais ou espirituais não implica que as únicas coisas que existam sejam objetos materiais e coisas materiais. Porque é evidente que os sistemas jurídicos e legais, os números e teoremas, os jogos e as brincadeiras, não são objetos nem coisas materiais. (...) É irracional pressupor que as únicas formas de compreensão são científicas, e que são as únicas formas respeitáveis de explicação dos fenómenos empíricos e teóricos. (...) Só o dogmatismo nos pode levar a supor que não há compreensão dos fenômenos estéticos – compreender trabalhos de literatura, música, pintura, escultura e arquitetura – ou que essa compreensão imita a compreensão que os cientistas esperam realizar dos fenômenos físicos ou químicos. E todos nós devemos alguma coisa à compreensão da natureza que é apresentada nas palavras de pessoas tão comuns como Tolstoi e Dostoievski226. Constata-se aqui a desconstrução da falácia da impossibilidade em unir fé e ciência, pois o homem não é uma máquina que não 225 226 CAPRA, Fritjof. O Ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2006. p.73. BENNET, R. Max; HACKER, Peter M.S. Fundamentos filosóficos da neurociência. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. p.390/405. 100 se envolve com o andar superior, antes é um ser dotado de raciocínio lógico, dotado de emoções, afeições, moral transcendente, fé e conhecimento nato de uma divindade, incutida na sua mente e na de seus companheiros de humanidade. De forma antagônica aos que acreditam na unificação entre fé e ciência e, também em oposição àqueles que apenas negam a existência de Deus, tem-se aqueles cientistas adeptos do proselitismo (neo)ateísta227. Deles derivam essas ideias de total oposição entre fé e ciência que muitos aderem. Estes, não simplesmente propagam o ateísmo, bem como odeiam a Deus, ou qualquer senso de religião. Neste sentido, Richard Dawkins228, em “Deus um delírio”, ressalta: “Se este livro funcionar de modo como pretendo, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem”. E continua: “DEUS É UM DELÍRIO: um ‘delinquente psicótico’ inventado por pessoas loucas, iludidas. (...) Fé é um ‘processo impensante’. É um mal exatamente porque não exige justificação e não tolera nenhuma argumentação229. Essa posição um quanto extremista e surreal da fé Cristã, levou Terry Eagleton230, ao comentar sobre o livro de Dawkins: Imagine alguém discorrendo sobre biologia tendo como único conhecimento do assunto o Book of British Birds [Compêndio sobre os pássaros britânicos], e você terá uma tosca ideia de como alguém se sente ao ler Richard Dawkins sobre teologia. Declarar que Deus é louco, que Ele não existe, ou que se Ele existir é um ser completamente mal e desprovido de compaixão, são 227 Neo-ateísmo é a visão moderna que não se contenta mais em apenas negar a Deus ou qualquer senso de divindade, mas atacarem Deus e qualquer senso de divindade. 228 DAWKINS, Richard. Deus um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.23. 229 DAWKINS, Richard. Deus um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.64/394. 230 LUNGING, Flailing. A review of Richard Dawkins- the God delusion. Mispunching: London Review of Books, n.20. 19 de outubro de 2008. p.11. 101 afirmações muito sérias, que implicam em debates e discussões filosóficas/teológicas profundas. De fato, existem cristãos que são incapacitados para defender a fé e de seus debates surgem afirmações descabidas, assim como existem cientistas que fazem afirmações um tanto quanto comprometedoras. Sobre isso, Alister e Joanna Mcgratch, expõem: “Admito que haja extremistas e lunáticos em todo movimento, participei de muitos debates públicos sobre se a ciência refutou a existência de Deus, e neles aprendi a reconhecer que há pessoas esquisitas”231. Assim como o pensamento de Richard Dawkins, há pessoas que repudiam a fé Cristã e que não suportam nenhuma argumentação e debate justo, mostrando-se intolerantes, a fim de retirar qualquer senso de fé do Estado em nome da neutralização, o que, na realidade, mostra-se como forma de perseguição a Cristo e os próprios Cristãos. 3.1.3 A Neutralização aplicada em diversos contextos Deus é extirpado de toda esfera pública dia após dia. Quer seja o próprio ser Eterno e imutável d’Ele, quer seja sua Lei, ou ainda a liberdade dos filhos de Deus em expressar sua devoção à Santa Presença d’Ele e de obedecer aos seus mandamentos. Em um país em que a maioria da população confessa a fé em Cristo, assim como no Brasil, ainda é possível constatar reflexos de perseguição, não se revela mediante a violência sangrenta, como no oriente médio, mas revestida de burocracia e formalismos que visam impedir o pleno exercício da atividade cristã, nos mais diversos ramos da sociedade232. MCGRATH, Alister. MCGRATH, Joanna. O delírio de Dawkins – uma resposta ao fundamentalismo ateísta de Dawkins. 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2007. p. 31. 231 232 VENTURA, Augusto César Rocha. Manifestações do Estado Brasileiro e o degredo dos indesejados. Nuances de como se dá a perseguição oficial à prática Cristã no Brasil. In: SANTANA, Uziel; MORENO, Jonas; TAMBELINI, Roberto (Org.). O Direito de liberdade religiosa no Brasil e no mundo. Campina Grande: Anajure, 2015. p.171 102 A neutralização está presente em nossa sociedade, ela implica em ódio a tudo que diz respeito à esfera Cristã e se esconde atrás do nome da “Laicidade do Estado”. Nesse aspecto, Jónatas Machado233 ressalta que: “A predominância de um discurso público secularizado acaba por pressionar e coagir as pessoas com crenças religiosas no sentido da conformidade e do abandono das suas crenças”. A posição hodierna sobre a religião é de que esta não deve interferir ou deixar-se ser interferida pela sociedade. Inexiste uma troca ou correlação. Fé é para os templos, como economia, política e ciências é para a sociedade! Francis Schaeffer234 sobre isso, expõe: Nas nossas formas modernas de educação especializada existe uma forte tendência a perder o todo nas partes, e neste sentido podemos dizer que nossa geração produz poucas pessoas realmente educadas. Educação verdadeira significa pensamento pela associação de várias disciplinas, e não apenas ser altamente qualificado em determinado campo, como um técnico deve ser. Inexiste uma neutralidade absoluta do indivíduo. Todos, sem exceção, agem dentro de uma visão de mundo e de uma construção filosófica e tentar separar o homem mostra-se inviável. Gregory Clark e Fábio Nascimento235, ao discorrerem sobre o assunto, observam: A discriminação e a intolerância religiosa estão constantemente presentes na vida dos trabalhadores brasileiros, pelos mesmos motivos apontados pela pesquisa realizada com os trabalhadores americanos. Os dias de guarda religiosa, muitas vezes, não são respeitados, e as religiões minoritárias são perseguidas ou discriminadas. Mesmo religiões majoritárias, como os católicos e os evangélicos, vêm sofrendo com o crescimento do pensamento na sociedade de que as religiões 233 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.24. 234 235 SCHAEFFER, Francis. O Deus que intervém. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p.30. CLARK, Gregory. NASCIMENTO, Fábio. Liberdade religiosa e crescimento econômico global. In: SANTANA, Uziel; MORENO, Jonas; TAMBELINI, Roberto (Org.). O Direito de liberdade religiosa no Brasil e no mundo. Campina Grande: Anajure, 2015. p.183. 103 não podem expor suas ideias ou defender seus valores em praça pública. Destarte, o espaço público da fé, se torna cada vez mais restrito. Esquecemos porém, que é impossível separar o homem de suas mais profundas liberdades e autonomias. Jeronymo Pedro Villas Boas236, ao analisar essa neutralização do Estado, cita um exemplo: Em 2012, foi determinada pelo Conselho da Magistratura do Tribunal do Rio Grande do Sul a retirada dos crucifixos e dos demais símbolos religiosos dos espaços públicos dos prédios da Justiça gaúcha. A providência atendeu ao pedido da liga brasileira de lésbicas. Outro caso de perseguição religiosa, é a oposição aos missionários em tribos indígenas237, em que muitos são acusados sem fundamento. Sobre isso, Augusto Ventura comenta: Talvez poucas pessoas saibam que instituições cristãs, no século passado e presente, são as que mais têm servido ao Poder Público, seja no levantamento de dados relevantes para fins de políticas públicas aos indígenas. Isso porque – e também aqui muitos são desinformados – são pessoas altamente capacitadas, seja na formação linguística, antropológica, sociológica, pedagoga ou da saúde. (...) Mais especificamente, missionários foram, literalmente, expulsos de entre os índios Zo’é, por difusão propositada e calculada de informações inverídicas graves. (...) Para que se perceba bem a diferença de tratamento, veja recente matéria do programa Caldeirão do Huck, em que o apresentador Luciano Huck recebeu autorização para ir e permanecer na tribo dos Zo’é por alguns dias na companhia do ex jogador de futebol Ronaldo, conhecido como ‘fenômeno’. Além de conhecer o estilo de vida daqueles indígenas, seu habitat, e claro, conseguir muitos pontos de audiência, o programa tinha um propósito, apresentar uma bola de futebol aos Zo’é (interessante que os índios Zo’é ao serem apresentados à bola rechaçaram aquela experiência, flechandoa aos montes). Cabe indagar: será que missionários são pessoas tão diferentes, negativamente falando, comparadas a um importante apresentador televisivo o a um famoso jogador, que não podem ser autorizados a estar com esses indígenas? Será que o que eles têm a oferecer (amor, solidariedade, fé) é pior ou inferior a uma bola de futebol? Será que o preparo que 236 BOAS, Jeronymo Pedro Villas. A magistratura e a liberdade religiosa pós constituição de 1988. In: SANTANA, Uziel; MORENO, Jonas; TAMBELINI, Roberto (Org.). O Direito de liberdade religiosa no Brasil e no mundo. Campina Grande: Anajure, 2015. p.130. 237Notícias como essas podem ser encontradas em sites. Disponível em: <http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/347/estamos-sofrendo-perseguicao-religiosa/>. Acesso em: 29 de junho de 2015. 104 eles tem (na área de linguística, antropologia, sociologia, saúde, pedagogia, ...), é pior que a formação jornalística ou futebolística? E aqui, nenhuma crítica a eles238. A própria fundação Nacional do Índio (FUNAI) através da recente Instrução normativa nº 2, de 27 de março de 2015, publicada em Diário Oficial da União em 30 de março de 2015239, modificou o processo de licenciamento ambiental em terras indígenas. Além de apresentar a instrução normativa, a fundação publicou também no diário, “normas de conduta em Terras Indígenas”, o qual expõe: Postura: recomenda-se aos não índios evitar o uso de roupas, objetos ou mídias (filmes, músicas, jogos de celular entre outros) de conotação pornográfica, racista ou religiosa. Também deve ser evitado o uso de sungas, biquínis, ou outras peças íntimas nas aldeias, ainda que para tomar banho nos rios. É proibido assediar sexualmente os indígenas ou aceitar qualquer tipo de assédio, mesmo que tenha o consentimento. E ainda: Proselitismo religioso: é terminantemente proibido o exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas, como hinos e cantos religiosos, rezas coletivas, tradução da bíblia, cantos e preces, bem como o uso de roupas com imagens ou expressões religiosas. A respectiva instrução coloca, portanto, no mesmo patamar, “pornografia, racismo e religião”. Cumpre registrar, ainda, que em nome dessa neutralidade, a verdade, é que intencionam expurgar a fé Cristã da esfera pública, como se observa no que ocorreu no mês de Março deste ano (2015). No dia 09 o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) cinco ações diretas de inconstitucionalidade (ADI). Quatro delas (ADIs 5248, 5255, 5256 e 5258) questionavam as leis dos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Amazonas que preveem a 238 VENTURA, Augusto César Rocha. Manifestações do Estado Brasileiro e o degredo dos indesejados. Nuances de como se dá a perseguição oficial à prática Cristã no Brasil. In: SANTANA, Uziel; MORENO, Jonas; TAMBELINI, Roberto (Org.). O Direito de liberdade religiosa no Brasil e no mundo. Campina Grande: Anajure, 2015. p.172-174. 239 BRASIL. Instrução normativa n.2, de 27 de março de 2015. Diário Oficial da União. Brasília, n.60, p.96-98. 30 de março de 2015. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/88896066/dou-secao-1-30-03-2015-pg-96/pdfView/>. Acesso em 23 de maio de 2015. 105 inclusão obrigatória no acervo das bibliotecas e escolas públicas de exemplares da Bíblia Sagrada. Na última, Ação Direta de Inconstitucionalidade 5257, o Procurador propôs contra lei do Estado de Rondônia que oficializa a publicação da Bíblia como base de fonte doutrinária de princípios. Expõe o argumento do Procurador em uma das ADIs: Não obstante sejam importantes as medidas direcionadas a assegurar aos cidadãos, e a suas respectivas comunidades, igrejas e grupos, o exercício dos direitos à liberdade de expressão, de consciência e de crença, a norma, em seu art. 1º e com a expressão “com pleno reconhecimento do Estado de Rondônia” constante do art. 2º, incorreu em violação ao princípio constitucional da laicidade estatal, explicitado no art. 19, I, da CF/1988. Isso porque o Estado de Rondônia não se restringiu a reconhecer o exercício de direitos fundamentais a cidadãos religiosos, chegando ao ponto de oficializar naquele ente da Federação livro religioso adotado por crenças específicas, especialmente as de origem cristã, em contrariedade ao seu dever de não adotar, não se identificar, não tornar oficial nem promover visões de mundo de ordem religiosa, moral, ética ou filosófica.240. Expõe as redações da lei estadual 1.864 de 6 de fevereiro de 2008 que foram objetos da ADI, eis: Art. 1º. Fica a Bíblia Sagrada considerada em suas diversas traduções para a línguas portuguesa, oficializada no Estado de Rondônia como livro-base de fonte doutrinária para fundamentar princípios, usos e costumes de Comunidades, Igrejas e Grupos. Art. 2º. As Comunidades, Igrejas, Grupos e demais segmentos sociais legalmente reconhecidos pela Legislação Brasileira, poderão utilizar a Bíblia como base de suas decisões e atividades afins (sociais, morais e espirituais), com pleno reconhecimento no Estado de Rondônia, aplicadas aos seus membros e a quem requerer usar os seus serviços ou vincularse de alguma forma às referidas Instituições241. Embora pareça que a respectiva ADI procurava fundamentar o princípio da Laicidade para não privilegiar uma religião específica, 240 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5257. Relator: Min. Dias Toffoli. Brasília, 09 de março de 2015. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=7982068&tipo=TP&descricao=ADI% 2F5257>. Acesso em 13 maio. 2015 241 BRASIL. Lei Estadual n. 1.864, Rondônia, de 6 de fevereiro de 2008. Disponível em: < http://cotel.casacivil.ro.gov.br/COTEL/Livros/Files/L1864.pdf>. Acesso em 13 de maio. 2015 106 na realidade, constata-se uma oposição à fé Cristã. É importante destacar três observações. A primeira, é que a redação da lei impugnada traz a bíblia “como livro-base de fonte doutrinária para fundamentar princípios, usos e costumes de Comunidades, Igrejas e Grupos”, ou seja, estabelecida aos grupos que certamente já a recebiam como fonte primária. A segunda observação que se faz necessária é que a aplicação da Laicidade dada pelo Procurador é um tanto quanto distinta do que realmente se quis alcançar. O Estado não deve se envolver nas questões religiosas no sentido de não proclamá-las, interferir nas mesmas ou confessálas como religiões oficiais, mas um dos Direitos de Liberdade de Religião é justamente o Estado dar respaldo para essas liberdades religiosas. Nos ensinamentos de Jorge Miranda: A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinada crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (tanto em matéria de culto, de família ou de ensino)242. A terceira observação é, na verdade, uma indagação: Por que é tão importante para o Procurador ter proposto tal ADI? Ele é responsável pela mantença da justiça, pois é um dos legitimados a ofertar o controle de constitucionalidade, mas, será, realmente, que estamos ante uma inconstitucionalidade ou estamos, de fato, diante de alguém que não é neutro e que está aplicando sua visão de mundo e de fé na sua argumentação jurídica? Prova disso é a uma das fundamentações do Procurador, eis: Como apontam adequadamente o filósofo norte-americano John Rawls e o constitucionalista brasileiro Marcelo Neves, o princípio da laicidade vem a ser a autonomia, a independência e a nãoidentificação estatal perante quaisquer visões de mundo, inclusive não-religiosas e de ordem moral ou filosófica243. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional – Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 2000. p. 409. 242 243 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5257. Relator: Min. Dias Toffoli. Brasília, 09 de março de 2015. Disponível em: < 107 Constata-se que a Neutralidade do Estado é para alguns fundamentada na visão teórica de John Rawls. O filósofo é conhecido pela defesa do liberalismo-político e a aplicação do mesmo na sua teoria da justiça, como o próprio John Rawls244, salienta: O problema do liberalismo político consiste em saber como é possível existir, ao longo do tempo, uma sociedade estável e justa de cidadãos livres e iguais, profundamente divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais razoáveis. Trata-se de um problema de justiça política, não de um problema sobre o bem supremo E continua: As desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de modo a serem ao mesmo tempo (a) para o maior benefício esperado dos menos favorecidos e (b) vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades245. Assim, a teoria da justiça246 é traçada como a base e ponto de equilíbrio para a solução dos diversos conflitos do homem moderno, uma espécie de filtro para todas as outras teorias, uma “razão pública”. Porém, a respectiva teoria torna inviável qualquer correlação entre o Estado e a Igreja. Qualquer apoio direto ou indireto no meio da comunidade política é visto como mal, daí uma opção de distanciamento. Deste modo, a presença de crucifixos nas escolas públicas, à luz dessa teoria, é vista como afronta a laicidade estatal247. http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=7982068&tipo=TP&descricao=ADI% 2F5257>. Acesso em 13 maio. 2015 244 RAWLS, John. O liberalismo político. 2.ed. São Paulo: Ática, 2000. p.33. 245 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.88. “Uma Teoria da Justiça, foca a necessidade e a premência de uma Justiça realmente justa, filosoficamente coadunada e alinhada com a voz dos mais fracos, ou melhor, dos menos favorecidos, muitas vezes esquecidos quiçá pelo texto frio das leis que objetivamente desconsiderem as minorias. Rawls, mostra-se convicto de que a sua teoria pode, por meio da justiça, tornar uma sociedade justa e igualitária”. (RABELO, JR. Luis Augusto. A Justiça como equidade em John Rawls. Âmbito Jurídico. Disponível em: < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10755>. Acesso em: 26 maio. 2015. 246 247 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.128. 108 Jónatas Machado sobre a teoria de Rawls, comenta: Os defensores desta concepção deduzem da neutralidade religiosa e mudividencial do Estado uma estrita obrigação de não interferência na vida interna das confissões religiosas a par de uma proibição de discriminação entre confissões religiosas, nos limites do liberalismo político. Para sustentar e garantir essa proibição, defendem a edificação de uma razão pública alicerçada em princípios liberais secularizados e racionalizados de justificação pública e atuação dos poderes político, legislativo, administrativo e judicial do Estado. (...) O liberalismo político e a neutralidade estadual que dele deriva encaram a religião como vestígio de um tempo passado caracterizado pelo dogmatismo irracional, em fase de superação através da racionalização da política e do direito248. Valmir Nascimento Milomem Santos, sobre o liberalismo político de Rawls, afirma: O liberalismo constrói privilégios epistêmicos a favor das visões secularizadas do mundo, expulsando os valores e argumentos religiosos do espaço público e do processo democrático de formação da opinião pública e da vontade política, principalmente por que os valores defendidos pela religião são facilmente identificáveis pela sua expressão doutrinal, ritual, institucional, ao contrário de outras visões de mundo249. Considerar a religião como irracional e não ceder espaço para ela na esfera pública é uma das ações empregadas pela teoria de Rawls. Entretanto, “O Cristianismo vê a razão e a lógica como ferramentas fundamentais para a descoberta da verdade religiosa250”. Importante ressaltar que todo indivíduo é formado por uma estrutura de pensamento, deste modo “é válido registrar que as pessoas, religiosas ou não, agem impulsionadas por algum tipo de pressuposto ideológico ou ético251”. 248 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.127. 249 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes, apud SANTOS, Valmir Nascimento Milomem. A influência da religião evangélica no processo eleitoral brasileiro. In: SANTANA, Uziel; MORENO, Jonas; TAMBELINI, Roberto (Org.). O Direito de liberdade religiosa no Brasil e no mundo. Campina Grande: Anajure, 2015. p..97. 250 251 STARK, Rodney. A vitória da razão. Lisboa: Tribuna da História, 2007. p.42. SANTOS, Valmir Nascimento Milomem. Abuso do poder religioso: A influência da religião evangélica no processo eleitoral brasileiro. In: SANTANA, Uziel; MORENO, Jonas; TAMBELINI, Roberto (Org.). O Direito de liberdade religiosa no Brasil e no mundo. Campina Grande: Anajure, 2015. p.97. 109 Olavo de Carvalho252 traz um exemplo de estrutura de pensamentos e como elas influenciam o indivíduo: A partir dos anos 1980, a elite esquerdista tomou posse da educação pública, aí introduzindo o sistema de alfabetização “socioconstrutivista”, concebido por pedagogos esquerdistas como Emilia Ferrero, Lev Vigotsky e Paulo Freire para implantar na mente infantil as estruturas cognitivas aptas a preparas o desenvolvimento mais ou menos espontâneo de uma cosmovisão socialista, praticamente sem necessidade de “doutrinação” explícita. Hanna Arendt253 vai adiante de Olavo e expõe: Se as religiões seculares são possíveis, no sentido de que o comunismo é 'uma religião sem Deus', então não vivemos mais meramente em um mundo secular, que baniu a religião de seus assuntos públicos, mas sim em um mundo que chegou mesmo a eliminar Deus da religião. A teoria de Rawls se auto afirma em uma neutralidade movida pela razão pública, em que os resultados seriam sempre, a seu ver, legítimos e, ainda que não fossem considerados corretos do ponto de vista moral, assuntos como aborto, eutanásia e casamento ficaria à disponibilidade da maioria democrática. Entretanto, tal teoria ignora que muitas das questões que o direito e a política enfrentam são questão essencialmente morais, que requerem um debate em torno das diversas visões do mundo e a separação desse processo político e desse debate moral é impossível 254. 3.2 DA NEUTRALIDADE DO ESTADO CONSTITUCIONAL Os fundamentos judaico-cristãos não se opõem à Neutralidade do Estado, desde que se dê o entendimento correto do que isso representa, pois o termo neutro “oferece dificuldades se o associarmos à falta ou à ausência total de valores éticos por parte do Estado laico, ou a uma posição 252 CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. 13.ed. Rio de Janeiro: Record, 2014. p.363. Citação do livro de Hannah Arendt: “A dignidade da Política”, feita por Jonas Madureira em Palestra denominada: “Política Segundo a Bíblia”. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?t=153&v=hvbtTafUkH4/>. Acesso em: 18 de maio de 2015. 253 254 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.127,129-130. 110 de indiferença e passividade frente ao fenômeno religioso individual ou coletivo”255. O conceito de Estado Neutro e Estado Laico comumente se confundem, até porque ambos são profundamente interligados, porém, fazse um esforço mesmo que sucinto para diferenciá-los. Por Estado Laico entende-se aquele Estado que não impõe normas de caráter religioso ou orienta sua atuação por doutrinas confessionais. Em contrapartida, esse Estado assume como fundamental responsabilidade garantir a todos sem distinção, liberdade religiosa independente de qual seja sua confissão, sendo assim um protetor contra possíveis discriminações decorrentes da fé. Desse modo, infere-se que a laicidade torna um Estado imparcial em relação à religião, garantindo a liberdade religiosa256. Já a Neutralidade vai um pouco adiante da laicidade Estatal e prefigura-se no campo da aplicação moral e ética do Estado frente às diversas religiões. Em relação a isso, Micheline Milot257 expõe: A neutralidade é um componente essencial da laicidade, pois representa o indicador maior da separação que pode existir entre a laicidade formal e sua aplicação concreta. A neutralidade supõe que o Estado não favoreça ou desfavoreça nenhuma religião ou convicção moral. Mas a essa exigência restritiva é preciso acrescentar uma exigência positiva: o Estado não pode se contentar em afirmar a importância dos direitos e liberdades religiosas sem cuidar para que as condições institucionais garantam aos cidadãos a possibilidade de vivê-las no dia a dia. Um Estado Neutro é aquele que não assume uma identidade ou preferência religiosa, mas não se escusa de elevar em amplo e máximo grau as liberdades religiosas, adentrando na esfera moral e ética. 255 HUACO, Marco. A laicidade como princípio constitucional do Estado de Direito. In: LOREA, Roberto Arruda (Org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.45. 256 ZYLBERSZTAJN, Joana. Laicidade: abordagem histórica e conceitos. In:______. O princípio da laicidade na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Biblioteca Digital USP, 2012. Laicidade. p.44. 257 MILOT, Micheline. A garantia das liberdades laicas na Suprema Corte do Canadá. In: LOREA, Roberto Arruda (Org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.130. 111 Daí, a razão pela qual a Neutralização do Estado quer retirar toda e qualquer opinião e influência religiosa da esfera pública, pois assim evita debates que são altamente necessários, como debates em questões de bioética, por exemplo. Como visto anteriormente, o Estado Constitucional se fundamenta em pressupostos e valores fundamentais, deste modo, Jónatas Machado258 ao falar de Neutralidade do Estado, afirma que “o fato de o Estado constitucional assentar em determinados valores fundamentais, impossibilita que se possa falar de uma verdadeira neutralidade ética”. Ou seja, no campo da Neutralidade Estatal, é impossível sugerir que há uma completa descontinuidade ou distanciamento dos fundamentos morais religiosos dos fundamentos morais do Estado. Pelo contrário, os fundamentos judaico-cristãos contribuíram de maneira incisiva para o nascimento da Neutralidade Estatal, de tal modo que faz necessário destacar as implicações desta neutralidade, bem como os fundamentos religiosos que daí deriva, ainda que de maneira não exaustiva. 3.2.1 Neutralidade e liberdade religiosa na visão judaico-cristã A fé Cristã entende que as funções distintas entre Estado e Igreja é fundamental para o bom funcionamento de ambas as esferas, porém não seria mentiroso dizer que a neutralidade do Estado tem raiz na matriz judaico-cristã. Conforme inscrito na bíblia sagrada, no livro de Mateus, Jesus declarou: “Dai, pois, a César, o que é de César e a Deus o que é de Deus259”, e quando assim o fez, demonstrou a sua compreensão sobre a autoridade civil e o dever dos Cristãos de submeterem-se às autoridades, desde que estas não usem do poder para leva-los à prática de atitudes imorais. 258 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.124. 259 BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo de Genebra. 2.ed. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. Edição Revista e Atualizada. Mateus 22:21b. 112 Quando fala-se em Neutralidade ou Laicidade do Estado, comumente reputa-se à Revolução Francesa, com seu lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. Entretanto, como ressalta Paulo Caproni: O Dr. Michel Villey, professor de direito da Universidade de Paris, afirma em seu livro “A Formação do Pensamento Jurídico Moderno” que desde o período final do Império Romano, só entre autores religiosos é que há pensamento vivo sobre os princípios do direito. Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, escolásticos franciscanos, teólogos espanhóis da reforma católica e reformadores protestantes são alguns exemplos desses autores. Para Villey, foram somente os filósofos franceses do século XVIII que começam a fugir à regra. Assim, a filosofia do direito nos teólogos do cristianismo corresponde praticamente a toda a história da filosofia do direito da Europa até o século XVIII, incluindo os ideais de confiança na razão humana e da laicidade do direito moderno260. Ou seja, o direito como filosofia para Michel Villey é fundamentado totalmente em ideais judaico-cristãos. Nesse sentido, expõe: Até agora, no leque das doutrinas da filosofia do direito, ainda não encontrei nenhuma que mereça realmente esse título [a redescoberta da doutrina do direito natural], ou seja, que tenha se constituído sobre a experiência jurídica e responda às necessidades do direito, a não ser a de Aristóteles e a de são Tomás (das quais, de resto, se alimentaram uma imponente linhagem de autores e de incontáveis jurisconsultos261. Ideia essa também observada por Carl Schmitt, que Jónatas Machado262 ressalta: “Carl Schimitt chamava atenção para o fato de que a teoria política e o direito constitucional contemporâneos se alimentam da secularização de conceitos teológicos sedimentados ao longo dos séculos”. Por outro lado, no que diz respeito à Revolução Francesa, esta foi um movimento que buscava consolidar uma nova religião, uma religião 260 CAPRONI, Paulo. O Estado laico Brasileiro e suas contradições. Cuiabá. Monergismo. 08 de abril de 2015. Disponível em: <http://www.monergismo.com/paulo-caproni/o-estado-laicobrasileiro-e-suas-contradicoes/>. Acesso em: 16 maio. 2015 261 VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 426. 262 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.28. 113 partindo de pressupostos racionalista, a religião da razão, excluindo assim de sua esfera toda e qualquer forma de crença ou culto à fé cristã263. Entretanto, mesmo que o ideal Francês de laicidade caracteriza-se mais com uma exclusão total da fé na esfera pública, imperioso se faz destacar que “Ironicamente, era sobre os pilares judaico-cristãos de liberdade, igualdade e fraternidade que os revolucionários franceses bradavam seus discursos antirreligiosos, perpetuando a visão iluminista de que se pode afirmar valores universais independentemente de uma autoridade divina”264. Na época da revolução francesa, como dito alhures, o homem ainda não tinha se tornado completamente secularizado, ou seja, havia uma vasta inferência no raciocínio filosófico/científico, partindo de premissas teológicas, ainda que já distorcidas. Portanto, os próprios ideias de revolução, ainda que para extirpar a fé do espaço público, fundamentava-se em ideais Cristãos. Werner Coelho265, demonstra a visão antagônica ao ideal Francês de laicidade: Na outra margem do Atlântico, a intuição dos constitucionalistas americanos assegurou ao seu povo a liberdade de culto, e consagrou separação do Estado e da igreja, já preconizada como princípio social desde quando Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. O princípio da laicidade do Estado sob óptica NorteAmericana é totalmente diferente da aplicação de laicidade Francesa. Enquanto a França fundamenta-se numa laicidade sob premissa filosófica racionalista, a concepção Norte-Americana, baseia-se na premissa do Estado laico à luz de fundamentos judaico-cristãos. E nesse ponto que é importante citar a Reforma Protestante, que teve grande influência na colonização e independência EstadoUnidense. 263 COELHO, Werner Nabiça. A imunidade dos templos- breves considerações. Revista Tributária e de finanças públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais n.48 – Ano 11, jan/fev 2003. 264 CAPRONI, Paulo. O Estado laico Brasileiro e suas contradições. Cuiabá. Monergismo. 08 de abril de 2015. Disponível em: <http://www.monergismo.com/paulo-caproni/o-estado-laicobrasileiro-e-suas-contradicoes/>. Acesso em: 16 maio. 2015 265 COELHO, Werner Nabiça. A imunidade dos templos-breves considerações. Revista Tributária e de finanças públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais n.48 – Ano 11, jan/fev 2003. 114 Em meados das reviravoltas políticas/sociais da Reforma, os Ingleses chamados de Pais Peregrinos266 vieram para a América do Norte e, obviamente, disseminaram a cultura cristã reformada na mesma. Sobre o assunto, Joel R. Beeke267 observa que “O calvinismo cruzou o Atlântico e chegou às colônias britânicas na América do Norte, onde os puritanos da Nova Inglaterra tomaram a iniciativa de expor a teologia reformada e fundar instituições eclesiásticas, educacionais e políticas”. A Reforma Protestante foi responsável por uma mudança radical em todas as esferas sociais. O conteúdo teológico-reformado ganhou grande força com João Calvino e espalhou-se por vários países da Europa por intermédio de missionários, entretanto, havia uma diferença, entre Lutero e Calvino, enquanto os Luteranos fundaram uma Igreja que levava o nome do Reformador, os Calvinistas não fizeram isso. A aversão a nomear a Igreja com nome de homem deu origem ao fato que, embora na França os Protestantes fossem chamados de “Huguenotes”, na Holanda de “Mendigos” (Beggars), na GrãBretanha de “Puritanos” e de “Presbiterianos”, e na América do Norte de “Pais Peregrinos”, todos estes são produtos da Reforma que, em seu continente ou no nosso, sustentaram um tipo especial reformado, eram de origem calvinista268. Não é objetivo desse trabalho aprofundar nas definições do sistemas teológico calvinista, mas é importante ressaltar algumas peculiaridades do mesmo e da sua visão teológica. Francis Schaeffer269, sobre a visão reformada/calvinista expõe: A Reforma teve resultados tremendos, tanto nas pessoas como indivíduos, que se tornavam cristãos genuínos, quanto na cultura em geral. O que a Reforma nos diz, então, é que Deus falou nas Escrituras tanto sobre o “andar de cima” como sobre o “andar de baixo”. Falou em verdadeira revelação as respeito da 266 Abraham Kuyper em seu livro Calvinismo, define os Pais Peregrinos: Refugiados puritanos da Holanda e Inglaterra, que colonizaram a América do Norte. (KUYPER, Abraham. Calvinismo. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p.14). BEEKE, R. Joel. Vivendo para a Glória de Deus – uma introdução a fé reformada. São Paulo: Fiel, 2010. p.29. 267 268 KUYPER, Abraham. Calvinismo. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p.14. 269 SCHAEFFER, Francis August. A morte da razão. 2.ed. Viçosa/MG: Ultimato. 2014, pg. 29 115 própria natureza – o cosmos e o homem. Portanto, os reformadores tinham uma real unidade de conhecimento. Eles não tinham o problema renascentista de graça e natureza! Uma das principais influências calvinistas é que a cosmovisão cristã permeia todas as esferas da sociedade, sendo assim fé não é apenas algo dos templos, fé em Cristo também diz respeito às artes, cultura, ciências, filosofias e assim por diante. Destarte, a influência Calvinista adentrou no campo político e recuperou ideais vindos dos pais da Igreja, como Agostinho, Tertuliano ou Tomás de Aquino. E aqui se encontra o ideal do princípio da Laicidade do Estado que os países norte americanos se fundamentam. Abraham Kuyper270, sobre a laicidade Estatal na visão judaico-cristã expõe: E que, portanto, nem o Cesaropapado do Czar da Rússia; nem a sujeição do Estado à Igreja, ensinada por Roma; nem a “Cuius regio eius religio” dos juristas luteranos; nem o irreligioso ponto de vista neutro da Revolução Francesa; mas somente este sistema de uma Igreja livre num Estado livre pode ser honrado de um ponto de vista calvinista. A visão judaico-cristã vê o princípio da Laicidade Estatal como um dos princípios fundamentais de uma sociedade livre e justa. E influenciada por essa visão, a Laicidade Estatal reveste-se de forte incentivo à liberdade religiosa. Sob o fundamento da liberdade religiosa, que os constitucionalistas Norte-Americanos, firmaram a constituição e a nação EstadoUnidense. John Locke, escreveu tratados políticos quase que um século antes da independência dos Estados Unidos e foi uma das mentes brilhantes que influenciou a declaração de independência Estado-Unidense. Em muitas partes do seu tratado ele fundamenta-se em conceitos Cristãos sobre o Governo Civil e Religioso, Locke faz menções diretas da bíblica para formular seu pensamento. 270 KUYPER, Abraham. Calvinismo. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p.87-88. 116 Fábio Konder Comparato271 sobre um dos tratados de Locke, comenta: Não é difícil entender, após a leitura deste notável panfleto político, por que os revolucionários americanos, um século após sua divulgação na Inglaterra, entenderam que a liberdade de religião é fonte de todas as liberdades individuais, ou por que a Primeira Emenda à Constituição americana é considerada, ainda hoje, a pedra angular de todo ordenamento jurídico dos Estados Unidos. É evidente que a influência religiosa para o Constitucionalismo Norte-Americano era tão importante, um exemplo foi que essa concepção levou James Madison272 a declarar: É dever de todo homem render ao Criador tal homenagem, a qual acredita ser a única aceitável a ele. Esse dever é precedente, tanto na questão de tempo como a nível de obrigação, às reivindicações da sociedade social. Antes que qualquer homem seja considerado como um membro da sociedade civil, ele tem que ser considerado como um sujeito do Governador do Universo. E ainda, a Declaração de Independência dos Estados Unidos expõe: Consideramos de per si evidentes as verdades seguintes: todos os homens são criaturas iguais, são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis e, entre estes, acham-se a vida, a liberdade e a ânsia de felicidade; os governos são estabelecidos entre os homens para assegurar estes direitos e os seus justos poderes derivam do consentimento dos governados; quando a forma de governo se torna ofensiva destes fins é direito do povo alterá-la, ou aboli-la e instituir novo governo. Uma sociedade só expressa sua liberdade máxima e verdadeira se baseia essa liberdade firmemente no indivíduo religioso. O Estado não se fundamenta em nenhum credo religioso, mas é seu dever acolher, proteger e fomentar a religião em geral. Um grande exemplo é os Estados Unidos que é um Estado laico, não assume uma religião, entretanto, ao mesmo tempo, COMPARATO, Fábio Konder. Ética – direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p.126. 271 272 HUTCHINSON, William T. (Ed.). The papers of James Madisonl. Chicago: University of Chicago Press, 1962, 8:292. 117 é um Estado que se prefigura em uma comunidade religiosa no que concerne à crença geral e entende a necessidade de uma sociedade religiosa273. A Liberdade religiosa, flui do próprio ideal Cristão, foi ela que aviventou as principais mudanças e rompimentos históricos, das grandes opressões civis e religiosas. Abraham Kuyper274 coaduna com essa ideia: Assim, o Calvinismo foi obrigado a encontrar sua expressão na interpretação democrática da vida; a proclamar a liberdade das nações; e a não descansar até que, tanto política como socialmente, cada homem, simplesmente porque é homem, seja reconhecido, respeitado e tratado como uma criatura criada à semelhança de Deus A liberdade religiosa estava presente na Reforma Protestante, na declaração de independência dos Estados Unidos e como salientado anteriormente na história constitucional brasileira, através do Decreto 119-A de 7 de Janeiro de 1890. Assim, “A Liberdade religiosa é um direito fundamental, uma liberdade pública ou, se preferir, uma prerrogativa individual, em face do poder estatal”275. 3.2.2 Dignidade e igualdade humana na Neutralidade do Estado conforme a visão judaico-cristã A liberdade religiosa e a Laicidade Estatal se fundamentam no ideário judaico-cristão da dignidade humana que leva o homem a compreender que é sua obrigação tratar seus semelhantes da forma como o próprio homem gostaria de ser tratado. Não é por acaso que a Bíblia276, ressalta: A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional – Tomo III – Estrutura Constitucional do Estado. 6.ed. Coimbra: Coimbra, 2010, p.146. 273 274 KUYPER, Abraham. Calvinismo. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p.25. 275 SORIANO, Aldir Guedes apud GALDINO, Elza. Estado sem Deus: a obrigação da laicidade na Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.14. 276 BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo de Genebra. 2.ed. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. Edição Revista e Atualizada. Romanos 13:8-9. 118 cumprido a lei. Pois isto: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e, se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Na visão Bíblica o homem é resultado do amor e da imago Dei, sendo assim de valor incalculável, mas não exclusivo no que concerne a esse valor, pois todos os homens são literalmente parentes entre si, unidos por laços espirituais e biológicos. Disso decorre que os indivíduos devem buscar comunhão com seus colegas de humanidade277. Daí surge a ideia de Dignidade Humana, pois, conforme ressalta Jorge Miranda278: Em primeiro lugar, a dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstracto. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege. Em todo o homem e em toda a mulher estão presentes todas as faculdades da humanidade. Sendo assim, ao olharmos um indivíduo devemos olhá-lo com seu valor primário a essência do seu ser, aquilo que lhe dá significado e razão de existência, como Celso Lafer279 preconiza: O valor da pessoa humana enquanto “valor-fonte” da ordem de vida em sociedade encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem. É por essa razão que examino as origens estóicas e cristãs desse valor e seu desdobramento político-jurídico na Idade Moderna. Destarte, a dignidade humana, protegida pelos sistemas jurídico e político deve também ser entendida teologicamente, ocasionando suas influências nos diversos ramos que se desdobrar partindo da premissa que é uma expressão divina que age antes de qualquer mérito humano280. 277 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.36 278 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. 2.ed. Coimbra: Coimbra 1993. p.169. 279 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia. das Letras, 1988. p.111. 280 BIELEFELDT, Heiner. Filosofia dos direitos humanos: fundamentos de um ethos de liberdade universal. São Leopoldo: Unisinos, 2000. Pg. 119 E nesse contexto de dignidade humana que nasce a necessidade de uma adequada perspectiva e aplicação da igualdade. Pois, “nós não nascemos iguais, tornamo-nos iguais, como membros de um grupo por força de nossa decisão de nos garantirmos direitos reciprocamente”281. Na perspectiva judaico-cristã, pelos efeitos do pecado de Adão e a sucessão pecaminosa em toda humanidade, a desigualdade impera em cada faceta social, por isso necessário um meio de equilíbrio para trazer igualdade e dignidade a todos os homens. Coadunando com essa ideia, Kathlen Luana de Oliveira ressalta: As pessoas estão inseridas em uma comunidade humana na qual a mera existência não é garantia de igualdade. Critérios geográfico-políticos, critérios biológicos de gênero e de etnia, critérios financeiros foram e têm sido determinantes para reconhecer quem pode ou não ser titular de direitos282. Por exemplo, o crime de escravidão não tem sua origem quando um povo guerreava e conquistava outro (mesmo que isso naturalmente já fosse muito), porém nasce quando a escravidão estabelece-se como uma instituição na qual alguns homens nasciam ‘livres’ e outros escravos, foi nesse momento que o homem privou seus semelhantes da liberdade283. Ou seja, a desigualdade é natural ao homem quer seja por questões biológicas, físicas, emocionais ou econômicas, daí a necessidade da lei estabelecer um equilíbrio justo entre tais desigualdades, esse equilíbrio que encontra-se na lei é fundamentado na matriz judaico-cristã. 281 ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: Anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo. 7. reimpr. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 335. 282 OLIVEIRA, Kathlen Luana de. Perspectivas de uma política da convivência em Hannah Arendt: Os direitos humanos como possibilidade de intersecção político-teológica problematizados pelo pensamento de Hannah Arendt: Não nascemos iguais; tornamo-nos iguais. 2009. 160 (fls.). Dissertação Para obtenção do grau de Mestre em Teologia. – Mestranda, EST, São Leopoldo, 2009. 283 ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: Anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo. 7. reimpr. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p.330-1. 120 É importante ressaltar sobre igualdade, nos dizeres de Damaris Moura284: Assegurá-la, não significa atribuir a todos igual tratamento, não significa nivelamento, uma vez que o mais adequado tratamento que deverá ser dado ao princípio da igualdade, é exatamente tratar desigualmente os desiguais, aliás, não é outro o conceito de justiça de Aristóteles, que afirma ser a pior forma de desigualdade a tentativa de tornar iguais coisas que são desiguais. Assim, pessoas desiguais sob quaisquer dimensões da vida, merecem tratamento diferenciado como única e conhecida saída de assegurar a isonomia festejada na Constituição Federal. Sendo assim tratar desigualmente os desiguais é a maneira mais lídima de garantir a igualdade e preservar a dignidade humana, por exemplo os mais fortes sempre terão responsabilidade sobre os mais fracos. Esses fundamentos são encontrados na matriz judaico Cristã, e dela que derivam, Jónatas Machado285 pontua: Na generalidade das constituições ocidentais está implícita uma responsabilidade social que responde à velha pergunta: “Sou eu o guardador do meu irmão”? com que Caim respondeu a Deus quando perguntado pelo seu irmão Abel que acabara de assassinar (Gênesis 4:9). Implícita essa pergunta de Caim está a sugestão de que o ser humano não tem para com seu semelhante qualquer dever de cuidado. Diante dela, a resposta silenciosa de Deus a Caim é de uma profunda censura moral, deixando subtendida a existência de uma íntima relação entre o Criador, o ser humano e toda a natureza criada. Ela subtende já a existência de um dever de cuidado para com o próximo. Ela deixa que Caim fique para sempre com o estigma de ter feito uma das perguntas mais miseráveis e desumanas da história. As questões de moralidade e dever social, dignidade e igualdade humana são tratadas já no início da Bíblia. O dever com o próximo é um dos principais mandamentos impressos na lei judaico-cristã. Dentro da visão judaico-cristã de Estado Neutro, a dignidade e igualdade humana derivam de um profundo senso de valor do homem, criado a imagem de Deus que é dotado de direitos inalienáveis como o de liberdade religiosa e que tem deveres pontuais como de tratar os seus 284 MOURA, Damaris. Dia de guarda religiosa e a prestação alternativa: Direito Fundamental. In: SANTANA, Uziel; MORENO, Jonas; TAMBELINI, Roberto (Orgs.). O Direito de liberdade religiosa no Brasil e no mundo. Campina Grande: Anajure, 2015. p.188-9. 285 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.50. 121 semelhantes como verdadeiros companheiros de humanidade fazendo ou deixando de fazer a eles, o que não seria moralmente correto que fizessem a si, e ainda submeterem-se ao Estado e a lei jurídica que tenta estabelecer uma norma de conduta moralmente correta. 3.2.3 Conclusão da Neutralidade do Estado na visão judaico-cristã Em que pese haver muito que trabalhar em diversos conceitos e assuntos que foram abordados nesse trabalho e consciente que não é o objetivo de trazer um estudo pleno sobre todos estes conceitos, cabe trazer em questão final a conclusão do Estado Neutro na visão judaico-cristã. Para a perspectiva judaico-cristã, se fundamentarmos a Neutralidade do Estado naquele entendimento francês estaremos fadados ao fracasso, mesmo fracasso que o homem máquina provou. Pois a Neutralidade na óptica francesa que infelizmente o Estado Brasileiro as vezes resvala, é aquela Neutralidade que deseja: Exterminar a religião, fazer desaparecer da vida social e erradicá-la das consciências individuais. (...)Esta laicidade de combate substitui a religião divina por uma religião secular, com os seus grupos de pensamento e seus rituais. Certas crenças são enaltecidas: a razão, o progresso, o bem da humanidade, a livre discussão.286 Esse tipo de Neutralidade não é bom por que leva o indivíduo a se tornar algo mecânico, desprovido de qualquer senso de algo transcendente a si. A razão pública de Rawls é o limite do homem e este se torna desprovido de respostas fundamentais para sua existência, além do que esse tipo de Neutralidade destrói a liberdade religiosa que é uma das principais liberdades existentes. Se o homem é um mero produto do acaso, desprovido de uma dignidade intrínseca dada por seu Criador, se o próprio Deus não existe e é extirpado da esfera pública, se suas leis são retrógradas, então as 286 BRÉCHON, Pierre apud RANQUETAT JR, Cesar A. Laicidade, laicismo e secularização: definindo e esclarecendo conceitos. Tempo da Ciência, Toledo, v.15, n.30, 2008, p.59-72. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/tempodaciencia/article/view/1982/1566> Acesso em 18 maio de 2015. 122 consequências últimas, é que a moralidade, a razão, a verdade e a justiça serão relativas e levarão à total falta de existência do homem. Clive Staples Lewis287 ressalta: Supondo que não haja uma inteligência criadora por trás do universo, então, ninguém planejou o meu cérebro para o propósito de pensar. O que acontece é apenas que, quando os átomos dentro do meu crânio, por razões, físicas ou químicas, se arranjam de certa maneira, isso me dá, como um resultado, a sensação que eu chamo de pensamento. Mas, se é realmente assim, como posso confiar que meu próprio pensamento é verdadeiro? É como virar uma jarra de leite e esperar que a forma como o leite se espalha lhe apresente um mapa de Londres. Mas se não posso confiar em meu próprio pensamento, certamente não posso acreditar nos argumentos que levam ao ateísmo; por isso não tenho nenhuma razão para ser um ateu ou qualquer coisa semelhante. Se eu não creio em Deus, não posso crer no pensamento. Portanto, não posso usar o pensamento para não crer em Deus. Mas essa ideia desprovida de significado e de Deus, não é a visão judaico-cristã da vida e do ser humano. Enquanto os pressupostos Neutralizados do Estado constitucional levam o homem a reconhecer-se como uma explosão cósmica sem valor transcendente, Samuel Luiz, ressalta: A fé evangélica caminha livre para uma nova visão de mundo onde enxerga o humano na sua integralidade e na sua interrelação com o ambiente, com o biológico, o psicológico e com as diversas maneiras com as quais os indivíduos se relacionam socialmente. Na hermenêutica cristã, a cosmovisão contribui para reafirmar os valores expressos nos Evangelhos; reafirmação que se apresenta em ações diretas de transformação social288. Essa é, a cosmovisão Bíblica, que procura unificar todos os campos de conhecimento existentes, pois entende tudo a partir de uma única premissa: Deus é Senhor de tudo. E que não vê o homem em partes, mas antes, procura observá-lo na sua integralidade, pois assim que ele é verdadeiramente estruturado. Na visão bíblia esse homem integral não é Neutro, antes formado de uma estrutura de pensamentos, que o leva a ações. E também, o 287 LEWIS, Clive Staples. The Case for Christianity. Oxford. Ed. B&H Publishing Group, 1999, pg. 50. 288 LUZ, Samuel. Liberdade religiosa como fato social no século XXI. In: SANTANA, Uziel; MORENO, Jonas; TAMBELINI, Roberto (Org.). O Direito de liberdade religiosa no Brasil e no mundo. Campina Grande: Anajure, 2015. p.202. 123 próprio Estado não é absolutamente Neutro, não no sentido de uma aplicação ética/moral, ele se fundamenta em princípios e valores teístas. Como ressalta Jónatas Machado289 O fato de o Estado constitucional assentar em determinados valores fundamentais impossibilita que se possa falar de uma verdadeira neutralidade ética. (...)A afirmação do princípio da neutralidade do Estado apoia-se, em última análise, em postulados teístas e valores positivos (supra positivos), estando por isso longe de ser ética e religiosamente neutra. (...)O Estado Constitucional não pode ser absolutamente neutro, do ponto de vista ético e religioso, já que isso seria expressão de um constitucionalismo contraditório por que conduziria à negação dos seus próprios valores. De acordo com esse entendimento, o Estado Constitucional não pode pretender ser eticamente neutro, na medida em que os valores da dignidade, igualdade, liberdade, responsabilidade, democracia, separação de poderes, verdade, racionalidade, justiça, e solidariedade são valores positivos, no sentido de que supõem uma tomada de posição moral e ética. Desta forma a Neutralidade do Estado na visão judaicocristã é uma Neutralidade que forma alguma exclui Deus da esfera pública, é uma neutralidade que consegue separar o Estado da Igreja em que diz respeito a funções e governos, mas que preserva ambas as instituições por entender que derivam do amor e da justiça Divina, nessa visão: “A existência de Deus é uma possibilidade plenamente integrada na razão pública de um Estado cujos valores se deduzem de premissas teístas”290, de tal forma que o seu ideal é representado pelo seguinte lema: “A Soberania do Estado e a soberania da Igreja existem lado a lado, e limitam-se mutuamente uma a outra291. 289 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.124,130,137. 290 MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p.141. 291 KUYPER, Abraham. Calvinismo. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p.87-8. 124 CONSIDERAÇÕES FINAIS Destarte, ao aprofundarmos no tema proposto, não errado salientar, que se constitui em um verdadeiro absurdo afirmar a Neutralização do Estado, não é o mesmo que a Neutralidade do Estado. A Neutralidade do Estado de forma alguma implica em um Estado que se reveste de ideais racionalistas, ateus ou existencialistas. Neutralidade do Estado é sinônimo de um Estado que não assume uma religião oficial, mas que proporciona para os fiéis todos os meios necessários para que possam usufruir da religião. É um Estado que entende o valor da liberdade religiosa e o seu dever de fomentá-la, pois é uma das principais liberdades inerentes ao indivíduo e ainda que entende que tem Poder e Governo autônomos do Poder e Governo da Igreja, mas que não legisla contra aquilo que fere a própria liberdade religiosa que outorgou à Igreja. O objetivo desse trabalho foi mostrar a importância do princípio da Neutralidade Religiosa do Estado em oposição a Neutralização do mesmo. Como visto, vivemos em uma era em que a Epistemologia foi radicalmente mudada pelo homem pós-moderno, não há mais senso de absoluto ou verdade e as visões Existencialista e Hegeliana (da síntese) imperam na Sociedade atual. Tudo hoje é relativo, mas nem sempre foi assim, a lógica clássica da verdade (que é adotada pela visão judaico-cristã) já teve seu espaço na esfera Social. Ocorre que, com a mudança radical epistemológica, foi fundamental resgatarmos às origens da fé e os seus fundamentos que conduziam o homem, o Estado e a Sociedade. Deste modo, que no primeiro capítulo foi iniciado o trabalho com um histórico constitucional da liberdade religiosa no Brasil. Pôde-se notar, que um Estado que assume oficialmente uma religião, suprime a liberdade religiosa daqueles que não são adeptos aquela certa fé. Por outro lado, foi visto que um Estado que apregoa a ditadura e quer retirar a liberdade de consciência é danoso também. Assim, aquele Estado que assume um ideário de Laicidade é o ideal para a convivência em Sociedade. 125 Também foi visto que a formação do Estado, implica que este não é um mero produto mecânico, antes, tem leis, estruturas, finalidades e se preocupa com o povo a quem protege. Finalmente, fizemos um comparativo das maiores religiões da atualidade para demonstrar que as religiões judaica e cristã, têm raciocínio lógico, fundamento sólido, uma raiz histórica muito bem definida e objetivos cruciais, que apontam inclusive para a formação do Estado e do vida em sociedade. No capítulo segundo, continuamos a premissa das religiões judaica e cristã como fundamentos para o Estado Constitucional. Foi discorrido sobre os fundamentos do Estado e a sua matriz judaico-cristã. A lógica retirada da primeira parte do segundo capítulo é que o Estado se fundamenta em leis, diretrizes e moral que são transcendentes a ele e aos demais homens e que são universais, atemporais e bem definidas, o que condizem com todas as raízes das leis judaico-cristãs. Foi estabelecido também, que o próprio reconhecimento de verdade, moralidade, racionalidade entre outros, do Estado, implicam em reconhecer a fé judaico-cristã, pois, é fonte primária para a legislação Estatal. Para isso foi demonstrado a título de exemplos, a declaração do 4º presidente dos Estados Unidos, que fundamentava a lei na fé Cristã, ou do 3º presidente, que fundamentou a 1ª emenda à Constituição dos Estados Unidos, a mais importante emenda sobre direitos e garantias, toda na ideal cristão de liberdade, amor e racionalidade. Foi ainda ressaltado, a observação de Michel Villey, que o ideal da influência Cristã no Estado Constitucional, inclusive para apregoar a Laicidade Estatal, sempre foi presente em todas as eras e em todas as sociedades que o cristianismo é adotado como fé. Entretanto, que algo mudou drasticamente na concepção do homem pós-moderno. Nesse ponto, abordamos o pensamento do filósofo Francis Schaeffer que fala da formação do homem pósmoderno (que ele chama de moderno), a luz de uma análise filosófica começando com o pensamento Tomista e terminando lamentavelmente em Kierkegaard e o existencialismo. No terceiro e último capítulo, o homem pós-moderno estava formado e sua aceitação de filosofias que são destituídas de significado 126 ou que precisam dar um salto de fé, ou seja, que tem fé na própria fé, se desvinculando de tudo aquilo que é racional, era notória. Assim, abordamos um pouco mais do existencialismo, mas agora de modo aplicado no pensamento da Sociedade atual, bem como analisamos o ateísmo, a mecanização do homem e o ideal científico que crê ter todas as respostas. Construímos a partir disso, a estrutura da Neutralização do Estado Constitucional. Nela, abordamos diversos contextos em que Deus foi extirpado da esfera pública, abordamos que a Neutralização se reveste de um repúdio a fé, mas que muitas vezes no Brasil, não se expressa em atos como aqueles de perseguição do oriente médio, antes em uma perseguição calada, calma, quase que na surdina da noite. Neste ponto para concluir a primeira parte do terceiro capítulo, adentramos na teoria da justiça de John Rawls, teoria que se reveste de um ideal revolucionário, inovador e que em primeira análise parece que objetiva auxiliar os mais fracos. Ocorre que o erro se encontra justamente na razão pública servindo como um filtro para todos os pensamentos. Assim, foi visto que se o pensamento de uma minoria, for defendido pela razão pública, a maioria seria obrigada a aceita-lo. Ademais, na razão pública de Rawls, não há espaço para fé ou religião, eis que são coisas retrógradas, que atrasam o homem e destituem o Estado de sua real importância e significados. Rawls esqueceu, entretanto, que a liberdade religiosa e os conceitos de moral, verdade, racionalidade entre outros, que são defendidos pela religião é o que constituem base fundamental da moralidade do Estado. Por fim, na última parte do terceiro capítulo, coadunando com a negativa da teoria de Rawls, foi demonstrado que o Estado Constitucional, só é verdadeiramente Neutro, se aplica a liberdade religiosa na seu âmbito de atuação. Liberdade esta que vêm de pressupostos judaico-cristãos. Também foi demonstrado que a liberdade religiosa apregoa uma esfera de igualdade e dignidade humana. Igualdade e Dignidade essas, que estão em total consonância também com a matriz judaico-cristã. 127 Deste modo, partimos para o argumento que a Neutralidade do Estado não significa que o mesmo é destituído de significado, razão ou moral e que não há espaço para fé na esfera pública. Afinal, a esfera pública e a própria Neutralidade do Estado, implicam que o Estado assuma que não é moralmente Neutro, mas antes que se fundamenta em valores absolutos e transcendentes, que estão em total consonância com aqueles da matriz judaico-cristã. Pois como vimos, os fundamentos existencialistas e mecanicistas não são capazes de resolver o problema da imoralidade do homem, só os valores transcendentes do Estado que são. Sendo assim, a hipótese não se confirmou, visto que Neutralidade do Estado não implica em uma completa cisão do Estado e da Igreja, antes no reconhecimento que são esferas autônomas mas que ambas devem se tratar com respeito e mutualidade. O Estado precisa da religião na esfera pública para poder debater e discutir temas que vão adiante da “razão pública”, como aborto, bioética, casamento homoafetivo, entre outros. E também, para se assentar em valores morais, precisa estar em união com seus fundamentos, a saber a matriz judaico-cristã. A Igreja por sua vez precisa do Estado para fomentar a religião e outorgar plena liberdade a mesma, pois apenas por meio da plena liberdade religiosa, fundamentada na matriz judaico-cristã, que o Estado podese dizer verdadeiramente Neutro. Sendo assim, a hipótese não obteve êxito. 128 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ALBIEIRO, Vítor Augusto Andrade. Francis Schaeffer e o enfrentamento da crise de paradigmas: A relação entre natureza e liberdade. 2011. 160 (fls.). Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Religião. – Mestrando, Universidade Presbiteriana Mackenzie: Escola Superior de Teologia – EST. São Paulo. ALMEIDA, Francisco António de M.L. Ferreira de. 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