Noel Joaquim Faiad EEXPERTISE Gustavo Pimentel P odemos ter esperanças, acredita Gustavo Pimentel. Para o especialista, desde o fracasso de Copenhague, em 2009, muita coisa mudou. Pimentel acredita que a Conferência do Clima já vai contar com os resultados de um processo pelo qual os países vêm passando e que apresenta certo acúmulo. “Em 2009 vivíamos o momento mais crítico da última crise econômica mundial. Hoje, apesar de este problema não estar totalmente superado, pelo menos os bancos centrais dos países mais importantes não estão mais naquela situação”, avalia. Para o especialista, a COP 21 já conta com uma massa crítica no que tange a alguns acordos bilaterais, com atores muito importantes na negociação, como Estados Unidos e China. O economista também chama a atenção para o papel do Brasil nesta edição da Conferência, em que deverá ter um protagonismo maior. Isto porque o chamado Draft Zero (Rascunho Zero), guia para o documento final da Conferência, deve adotar como referência a proposta feita pelo Ministério do Meio Ambiente brasileiro para que a negociação possa acontecer com base em um novo modelo: o dos “círculos concêntricos”. RUMOS – 4 – Julho/Agosto 2015 A proposta divide os países em três grupos. No centro estão as 37 nações mais industrializadas. Estas, além de assumir metas para diminuir a emissão de gases de efeito estufa, deverão, também, contribuir com o Fundo Global do Clima. No círculo seguinte estão os países emergentes, que devem estabelecer metas de redução voluntárias e sujeitas a ajustes, no caso de mudanças significativas como aumento da população ou do PIB. No círculo mais amplo ficariam os países mais pobres, na maioria asiáticos e africanos, que seriam encorajados a adotar modos de produção sustentáveis a partir de estímulos tecnológicos e financeiros. A proposta visa estabelecer obrigações para todos os países, mas de forma diferenciada, e espera vencer a resistência de países emergentes como China e Índia, que têm contribuído nos últimos cinco anos para paralisar as negociações. “Ao contrário do Protocolo de Kyoto, que estabelecia um percentual em relação a 1990, o modelo dos círculos concêntricos espera que, com o tempo, todos os países acabem por convergir para o círculo central. É mais fácil de observar a evolução de cada país”, avalia o especialista. O diretor da Sitawi acredita que a proposta deve ser bem recebida, uma vez que atualmente já existem Clima de mudança Por Ana Redig A Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas será realizada entre 30 de novembro e 11 de dezembro deste ano em Paris e já tem presença confirmada de chefes de Estado das nações centrais, indicando que os temas ambientais passaram a ocupar um espaço realmente relevante na pauta mundial. No encontro, líderes globais devem assinar um novo compromisso para limitar o aumento da temperatura do planeta a 2ºC até 2100. É uma questão de sobrevivência, opina Gustavo Pimentel, economista e diretor da Sitawi – Finanças do Bem, consultoria que tem se dedicado a auxiliar as Instituições Financeiras de Desenvolvimento a elaborarem suas Políticas de Responsabilidade Socioambiental. Pimentel conversou com Rumos sobre o encontro mundial e sobre como as empresas brasileiras e o país vêm se posicionando em relação à agenda socioambiental. Ao contrário de momentos anteriores, a expectativa desta vez é positiva. players importantes um pouco mais dispostos a negociar e entendendo que os países em desenvolvimento não são todos iguais e, portanto, precisam ter responsabilidades diferenciadas. “Nos últimos seis anos o mundo evoluiu em várias frentes. Avançamos no que se refere a desenvolvimento tecnológico e várias energias renováveis se mostraram viáveis comercialmente, mesmo sem subsídios”, afirma Pimentel. Ele diz que hoje há investidores com mais experiência em disponibilizar infraestrutura para energia verde, entre outros problemas e atividades que tenham benefícios para as questões climáticas. O especialista está otimista para a reunião. “Definitivamente estamos em uma posição melhor para sair de Paris com um acordo minimamente vinculante”, aposta. Sua maior preocupação é com a meta de limitar o aumento da temperatura da Terra a 2ºC até 2100, indicada pela ciência. “Possivelmente sairá um acordo sucinto, insuficiente para manter o aquecimento global neste patamar. Isso significa que ele terá que ser aprimorado, aos poucos, com novos compromissos em novas rodadas de negociação”, pondera Gustavo. Paris seria, assim, um marco a partir do qual será preciso aprofundar os compromissos, especialmente nos próximos cinco anos, caso contrário essa meta não será atingida. “Vilões” na mira – Um dos maiores vilões das fontes de energia é o carvão, cujo principal produtor é a China. Além de con- tribuir com o aquecimento global com a produção de gases de efeito estufa, ele também causa uma poluição local muito superior a outras fontes. Com isso, os custos com saúde pública têm se tornado muito mais elevados, e isso tem sido percebido em outros países que também utilizam prioritariamente dessa fonte de energia. “Espera-se que esta questão de saúde obrigue a China a buscar soluções para este problema que é local, mas que vai acabar gerando consequências benéficas para o aquecimento global também”, aposta. Segundo o especialista, o Brasil caminha para uma geração mais limpa. Nossa principal fonte de energia elétrica – a água –, ainda que finita e de gestão muitas vezes delicada, não é poluidora. Além disso, alternativas como a geração de energia eólica já decolaram. Para ele, nossa próxima fronteira a ser ultrapassada é a energia solar. Neste momento, o principal vilão é a eficiência. “Precisamos acelerar o processo de formulação de uma política, que caminha de forma bastante lenta no Ministério de Minas e Energia e outros órgãos reguladores”, avisa o economista. Gustavo acredita que o Brasil está claramente fugindo de oferecer subsídios adotados em outros países, responsáveis por acelerar a implantação da energia solar. O país também não está dando a paridade de competitividade para a nova fonte, principalmente no que tange à importação de equipamentos e às impressionantes tarifas de importação, exigidas para quase tudo. RUMOS – 5 – Julho/Agosto 2015 EXPERTISE Gustavo Pimentel Para ele, a chamada política de substituição de importações, que começou na década de 1950 e que, de fato, ajudou a industrializar o país, hoje atrasa a adoção de algumas tecnologias mais avançadas nessas áreas, principalmente relacionadas à energia solar. Recentemente algumas medidas foram adotadas para fomentar este mercado no Brasil, principalmente através de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “No curto prazo, o banco aceita um índice menor de nacionalização dos equipamentos e estabelece que, no futuro, aumentaria esse índice de nacionalização. Neste meio-tempo, espera-se que uma cadeia de fornecedores, técnicos etc. possa se formar e estabelecer”, explica. geralmente acontece com a legislação é que ela é complexa e tem a sua fiscalização certamente errática. Como outras coisas no Brasil, até o passado é incerto”, brinca. O que ele quer dizer é que regras já pactuadas podem ser reinterpretadas pelos órgãos fiscalizadores. “Às vezes, encontra-se um nível de discricionariedade do fiscalizador que acaba por gerar uma insegurança jurídica nos agentes”, critica. A grande vantagem deste processo do Banco Central em trabalhar com as instituições financeiras é que elas vão desenvolver capacidades para entender essa complexidade da legislação socioambiental e essa ambiguidade da fiscalização. Desta forma, ficarão aptas a se protegerem melhor dos riscos e apoiar seus clientes para que eles também melhorem a implementação dessas práticas que, em muitos casos, trata-se apenas de cumprir a legislação. Políticas socioambientais – Não são apenas as empresas que emitem gases estufa que podem fazer a diferença nessa meta de redução do aquecimento global. No último dia 31 de julho chegou ao fim o prazo estabelecido pelo Banco Central para que todas as instituições financeiras brasileiras apresentassem uma política socioambiental com diretrizes até certo ponto operacionais. As instituições de maior porte já estavam em conformidade com a norma, mas ainda faltavam as pequenas e médias aderirem. “Acredito que todas enviaram seus planos, até porque a solicitação não exigiu a implementação de nenhuma ação. Neste momento, este documento vai apenas dar uma ideia ao Banco Central daquilo que as instituições gostariam de implementar. Agora vai começar a parte mais interessante, pois todos terão que desenvolver e apresentar um plano de ação das suas políticas, ferramentas e rotinas, e o BC vai precisar começar a fiscalização”, espera Gustavo Pimentel, que atuou como consultor junto à Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para apoiar as Instituições Financeiras de Desenvolvimento do país a construírem suas políticas. O especialista observa que a resistência inicial das empresas em relação a questões socioambientais já foi superada. Segundo o economista, as instituições financeiras, especialmente as de grande porte e as que já lidavam com recursos de instituições de desenvolvimento internacionais ou multilaterais, evoluíram muito nos últimos dez anos. Mas o sistema precisava avançar para englobar, também, as empresas de médio e pequeno porte, para as quais o tema ainda era novidade. “Encontramos uma ótima receptividade por parte das agências de fomento com as quais trabalhamos e tivemos algumas boas surpresas. Observamos que, em muitas delas, pelo fato de buscarem o desenvolvimento social e econômico, de alguma maneira já têm no seu DNA este interesse pelo tema. Então a grande novidade foi inserir de maneira formal a questão social e ambiental, pois o entendimento já estava internalizado”, avalia o consultor. Gustavo Pimentel acredita que a legislação básica no Brasil, tanto social como ambiental, já seja suficiente. “O que Cenário nacional – O diretor da Sitawi avisa que as empresas brasileiras estão expostas a uma legislação relativamente avançada do ponto de vista social e ambiental. Para o especialista, as empresas de grande e médio porte estão relativamente bem, se comparadas ao cenário internacional. “Temos poucas empresas que cometem as piores atrocidades se comparamos a outras do mesmo porte e do mesmo setor em outros países emergentes. No Brasil também temos um nível de transparência bastante razoável nas empresas de capital aberto”, afirma Gustavo Pimentel. Como consultor, o economista identifica um processo semelhante em companhias de todos os tipos e portes. Segundo ele, geralmente tudo começa com uma liderança. Um CEO ou acionistas que enxergam no tema socioambiental uma importância e um ativo. A partir disso, desenvolve-se um trabalho com institutos ou associações empresariais, que também têm interesse em impulsionar a agenda socioambiental. “Eventualmente os reguladores do mercado acabam absorvendo algumas dessas normas como autorregulamentação e passam a sugerir instrumentos e até mesmo demandar práticas mais específicas às empresas”, observa. Este é o caso do Relate ou Explique, iniciativa lançada em 2012 pela BM&F Bovespa, que passou a recomendar que as empresas listadas passassem a indicar em seu Formulário de Referência se publicam Relatórios de Sustentabilidade ou Integrado e onde está disponível. Em caso negativo, elas devem explicar por que não o fazem. “Somente esta recomendação, sem obrigatoriedade, já foi suficiente para crescer o número de empresas de capital aberto listadas em Bolsa que passam a reportar questões socioambientais”, observa Gustavo. O economista esclarece que este é um processo que se retroalimenta. Quanto mais CEOs e presidentes de conselho existem com esta visão, mais acionistas – sejam eles investidores, fundos de pensão ou grandes account managements – passam a enxergar melhor essas práticas, pois elas protegem o valor dos seus investimentos. Isso estimula que mais CEOs incluam essas práticas em suas estratégias, criando um círculo virtuoso. “Como a Sitawi acompanha muito de perto o movimento RUMOS – 6 – Julho/Agosto 2015 SXC A diminuição da emissão de gases do efeito estufa é considerado um dos objetivos centrais para a melhoria das condições de vida no planeta, especialmente nas grandes metrópoles dos financiadores e investidores, que é o nosso foco, podemos afirmar que os bancos têm tido um papel muito importante em relação aos financiamentos, sendo mais restritivos no que tange ao cumprimento de legislação das empresas e até demandando algumas boas práticas internacionais, dependendo do porte da empresa e do porte do projeto a ser financiado”, avalia Pimentel. Isso tem acontecido, segundo o especialista, porque os bancos passaram a entender que esta adequação é positiva, pois diminui o risco do crédito e também o risco de reputação. “Este movimento aconteceu internacionalmente e aqui no Brasil também. Agora a tendência é que ele se difunda mais com a resolução do Banco Central”, aposta. Pelo lado dos investidores, acontece um movimento semelhante. O especialista explica que existem dois perfis de investidor. Um tem uma abordagem de pré-investimento, ou seja, considera questões socioambientais antes de decidir se compra ações da empresa A ou B. O segundo perfil é do investidor que, uma vez compradas as ações, usa seu papel de acionista para implementar boas práticas naquela empresa. “Este é o que chamamos de investidor responsável. Ele utiliza a prática do engajamento para, como acionista, solicitar acesso aos gestores com o objetivo de levar uma agenda socioambiental para a empresa, entendendo que assim ela possa melhorar”, explica, alertando que em alguns casos, quando o diálogo não funciona, os investidores partem para o ativismo, utilizando o poder de acionista nas assembleias gerais e votando contra os executivos da empresa. Este movimento, mais comum nos Estados Unidos, tem acontecido especialmente em relação a empresas de combustíveis fósseis, vis-à-vis a questão do clima. Pimentel destaca que existe uma grande campanha de investidores responsáveis demandando que essas empresas apresentem planos ou modelos de negócio alternativos à exploração de combustíveis fós- seis, ou pelo menos mostrem que não vão se engajar com carvão ou outros tipos de combustíveis não convencionais, que seriam os primeiros a serem deixados de lado em um mundo que pretende realmente fechar um acordo sobre o clima. Atualmente a Sitawi e seus consultores estão envolvidos com a agenda dos greenbonds – títulos de dívidas verdes. Estes títulos podem ser debêntures, notas promissórias, cédulas de crédito bancário, cédulas imobiliárias, ou seja, podem ter qualquer roupagem de títulos de dívida existentes no Brasil, desde que seu emissor assuma um compromisso de que os recursos captados serão investidos em ativos verdes ou com benefícios claros para o clima. “A Sitawi está muito empenhada em fomentar esse instrumento no Brasil. Não é necessário nenhum incentivo regulatório, já que não estamos pedindo benefícios fiscais para os títulos. Não se trata disso, mas sim apenas de desenvolver certo ecossistema para que ele possa acontecer”, explica. Para tanto, existe todo um setor que precisa ser formado: os potenciais emissores, as empresas que tenham projetos e/ou ativos verdes precisam conhecer o instrumento, os investidores brasileiros precisam conhecer e sinalizar que estão interessados em comprar esses títulos de dívida, os bancos de investimento precisam conhecê-lo para fazer a estruturação e depois poder ajudar seus clientes a emitirem, as agências de rating também precisam entendê-los para que sejam considerados, entre outros. Em dezembro de 2014, a consultoria realizou o primeiro fórum de greenbonds no Brasil e em outubro devem realizar outro em São Paulo, especificamente focado em empresas que tenham este potencial. “Traremos parceiros ingleses da ONG The Climate Bonds Iniciative, principal ator global que monitora e divulga esse conceito mundialmente, para uma série de eventos. Estamos muito animados com o futuro desse instrumento no Brasil”, completa Gustavo Pimentel. RUMOS – 7 – Julho/Agosto 2015