Estilhaço acalorado no atrito Alskander "O espaço-tempo age sobre a matéria e indica como esta deve se deslocar. Reciprocamente, a matéria age sobre o espaço-tempo e indica como este deve se curvar." (Misner, Thorne e Wheeler / Einstein) Morte vive "Na aritmética chama-se número de ouro a um número que é incomensurável e cujo valor numérico pode ser determinado. Trata-se de um número imaginário. 'A marca do número de ouro é de ser o incomensurável mais distante do um, por um lado e, por outro, o que mais se aproxima (aproxima-se infinitamente) do um' (Saporiti)." - Dinara Machado. Imagine um ponto. À medida que penso este ponto, o real-ponto (aquele instante em que o ponto é ponto sem que o seu campo magnético e o meu ainda se encontrem) afasta-se - ainda mais; contudo, inexoravelmente à espreita do instante em que aproximar-se-á além do rastro que fisga o pensar daquele habitando-lhe o giro magnético que teu calor pesa, e vice-versa - mas sempre um 'rastro', e não por outro motivo "(...)O real nos doerá para sempre." (Orides Fontela). Paradoxalmente não há como chegar ao realponto [penso este ponto como ‘real’ ao levar em consideração que há um instante em que existe-se sem que haja embrenhamento com outros pontos - idéia absolutamente incoerente (ou quase. Já que posso acreditar no tudo estendido pelo vazio; 'tudo' este que é à imagem e semelhança de seu oposto, o 'vazio'. O vazio, numa certa falta de instante, desejou ser tudo, mas para não arriscar sua Onipresença, ousou-se imaginar uma experiência onde estendeu-se o oposto de si, o tudo, dentro de si. Assoprando-se em big bangs o complexificar-se de si em si;) quando constatamos estarmos estendidos em uma teia cósmica onde tudo intercomunica-se] sem que seja pelo como-penso-esteponto. Imagine dois pontos, vc e eu, um defronte ao outro. Quando olho-te não há outro modo de vê-lo, a princípio, que não seja como eu o filtro, e vice-versa. Vc é uma tela em branco onde projeto imagens contaminadas das partes minhas do ponto-eu com o pontovc. À medida que me aproximo para tocá-lo, eis que a imagem que projeto vai-se modificando, acrescendo-se à imagem que a nossa intersecção produz; e se a conexão manter-se, possivelmente a imagem de vc tenderá a aproximar-se do ser-se deste realponto(-seu[-eu]) antes que eu o começasse a pensar - ainda que sempre um quase, posto que estar no real-ponto em sua mais originalidade vital é como quase morrer o comopenso-este-ponto, o aniquilamento do calor de face individual. Este aproximar-se distanciando-se remete-me ao princípio da incerteza constatado com mais veemência na realidade quântica, quando não se faz possível precisar a posição e a velocidade de uma partícula, simultaneamente. Faz-se possível um ou outro, sendo que quanto mais precisa-se a velocidade, mais frenética se torna a posição, ou vice-versa. Essa incerteza insuperável, onde ausência e presença seduzem-se ininterruptas, a meu ver, é o utensílio da mecânica do Vivo proporcionando complexificação à vida. Posto que assegura o infinito, a produção do incansável calor que fisga vivacidade cultivando-se inquietação que perfura círculo em espiral ( arrisca-se não por birra, mero pq seus pontos vão sendo tocados e sugados a funduras que os configura em presas precipitando-se inevitavelmente a resvalos que anuncia escoamentos). Acredito na permanência inevitável de dois mundos, o interno e o externo, e que a precipitação de ambos, um emtorno/em-direção ao outro é o impulso que edifica um outro mundo entre eles (e daí sucessivamente procriando mundos), sendo esta intersecção o elo que pulsa-lhes em espiral à probabilidade que os acresce e os reflete. Iscam-se a uma repetição que os renova. Esta intersecção como que destitui a interface entre o externo e o interno – cada um deles entrelaça-se, entremeiam-se uns pelos outros ao desatarem as linhas divisórias. As três individualidades internutrem-se - criam outras. Outras. Imagine dois pontos paralelos (a', a") e um terceiro ponto entre eles que se faz à medida que o ponto da extremidade a' liga-se à extremidade a", tal e qual uma pulsação cardíaca visualizada naqueles aparelhos - em uma espécie de ziguezague onde esquadrinha-se a terceira linha imaginária ancorando equilíbrio aos dois pólos, na medida em que prosseguem-se estilhaçadamente adiante dentro de um túnel. Tal e qual um nódulo que contamina um campo magnético em torno de si (O Sol faísca curvas pelo tecido cósmico e assim empena um campo que arrasta tudo que esteja em seu alcance, tal e qual a Lua está pelo encalço do abraço da Terra). Agora imagine se pudéssemos olhar esta representação da pulsação cardíaca, progressivamente, de lado. Então veríamos que quando a linha do ponto a' dirige-se ao ponto a", eis que esta linha curva-se, e que no retorno ela faz outra curva, encontrando o mesmo a' em um instante outro; e assim sucessivamente. A visão que temos é uma contínua espiral (não tão linear quanto espera-se). Então se olharmos esta representação de frente, na progressão do movimento proposto, veremos um círculo (igualmente não-linear), que por sua vez (ao estarmos de posse do conhecimento de que este em verdade pulsa-se espiral) toma então a dimensão de um buraco, uma manchaburaco - da fundura que o desejo é prescrito. Conforme fundura, quanto mais próximos da velocidade da luz, como disse Einstein, mais e mais espaço-tempo foge. Uma espécie de ininterrupta distração atenciosa – é por demais monstruoso olhar a morte olhos nos olhos; paradoxalmente é exatamente este olhar que instiga reação de defesa contra a aniquilação da vida. Pode ser que isto explique o frenesi não somente no mundo quântico mas igualmente em nosso, já que olho-no-olho como que define posição e velocidade de ambos objetos que se olham, que se incitam antes instante olho-no-olho. É mais simples do que se possa querer - ilumina-se uma partícula e os fótons colídem com esta partícula, movendo-a de lugar. O calor causa frenesi onde não necessita-se dele. Não há como desviar-se do fato de que tudo (tudo) está sendo olhado, cutucado, assoprado, aquecido - ainda que de/a infinitas distâncias. Mesmo uma estrela já morta pode ainda tocar-me com seu brilho, conforme a lonjura entre ela e eu. É a memória atravessando o espaço que, na ruptura, provocou-a. Afixa-se pergunta estimulando reposta, resvalo que o questionado ainda não sabe tolerar - e daí o frenesi chamando probabilidade palpável. Existirmos exatamente pq há persistência retiniana acreditando que sejamos possíveis de veracidade - "Massa precipita pelo caminho de menor resistência" (Einstein). O mundo quântico diz que quando olhamos... é uma partícula, quando não olhamos... é uma onda – só permanecemos existindo porque pensamos em nós mesmos por intermédio de outros. Por isto reagimos instintivamente contra o estarsó, sem possibilidade de comunicação (e fez-se arte, onde a obra artística necessita do outro - é o artista compartilhando-se), já que isto seria o gradual anonimato da vida como a conhecemos - e como (ainda) não a conhecemos. Ao mesmo passo que o estarse-consigo (estar-só) faz-se tão inevitável como essencial a esta rejeição ao anonimato da vida. E por outro lado é melhor que a morte seja vista sem que a olhemos diretamente; só para que não sejam enlaçados eternamente pela fascinação de admirarem-se – estacando-se em uma angustia de vida [o que em verdade é (pode ser) pura especulação, já que cedo ou tarde, de algum modo, o nó destrava-se]. Bem, eu tenho o clic fotográfico que desata-me desta deliciosa asfixia quase-eterna. Em mim este clic fissura o círculo e o permite escoar-se em espiral – além; ao próximo clic. Tal e qual o espaço entre o dedo de Deus e o dedo do homem no afresco de Michelangelo, pensamento e liberdade são quase como sinônimos. Infinitamente em torno do quase. "Massa empena tempo-espaço; tempo-espaço empenado diz à massa qual caminho percorrer." (Einstein). A rejeição ao aniquilamento da vida busca nos recriar mais resistentes para que possamos nos estender vivos pelo ambiente em que a morte vive. Essa é a lógica A angustia rompe quando a correnteza coletiva contamina, por demais, o nosso instinto migratório. Só quando passamos a acreditar na pele que esse instinto um dia, com a migração, tornará palpável, é que então o incômodo revela-se em utilidade individual. E coletiva. Na África há um rio repleto de crocodilos por onde uma imensidão abundante de búfalos atravessa, apesar de estarem cientes do inevitável perigo. O instinto migratório supera constantemente qualquer espécie de racionalidade. Para certos alguns, conforme a profundidade de suas fendas, o que indica o caminho é a pavimentação que eles próprios quase (quase) não sabem que são capazes de tecer. A angustia persistente é o termômetro para a imortalidade desafiando-se esconder. Já que ela própria questiona o risco pelo qual sua individualidade é exposta. Mas o que essa individualidade (ainda?!) não sabe é que sua possibilidade de escolha depende de um movimento onde a capacidade para a ilusão torna-se inevitavelmente necessária. O instinto migratório é a seta irrevogável daquilo que (ainda) nem sabemos que somos capazes. Cabe a vc arriscar-se ao que o impossível te desafia. Essa é a lógica do infinito. O instinto migratório é o impulso que aquece o funcionamento da isca enraizando o próximo passo evolutivo. Encontro-marcado este que acontece pq dois corpos não ocupam o mesmo espaço (vide o 'Princípio da incerteza', da Mecânica Quântica). Ainda assim & por isso mesmo eles se (con)fundem um pelo outro, um com o outro. Tudo isso conforme a tolerância da escolha individual. E a isso, quase desavisadamente, damos o nome de amizade, arte, ódio, quark, poder, paixão, amor, Sol, morte, lasanha, sexo, fóton, poesia, aurora, raiva, estrela, cigarro, chocolate, lágrima, caneta, canção, foto, tatuagem, erro, abraço, cerveja, calor, Via Láctea, empurrão, faca, lua, suor, mastigar. E por aí vai. A vida acontece pq estamos em torno do quase. "... em março de 1927, Heisenberg publicou seu trabalho ‘Sobre o conteúdo perceptivo da cinemática e da mecânica quântica teórica’, no qual afirmava que a incerteza é inerente à medida: - é inevitável. Ou seja, é impossível medir a velocidade de uma partícula e, ao mesmo tempo, determinar a sua posição, sem que a partícula seja influenciada pelos instrumentos de medição. Para medir uma variável, isto é, para observar uma partícula, é preciso iluminá-la, e a incidência de luz equivale a colidi-la com fótons, o que altera sua posição. Em outras palavras, todo fenômeno observado é essencialmente diferente do não observado." (Scientific American Brasil - Quânticos, os homens que mudaram a física; página 35 / Maria Cristina Batoni Abdalla). "(...) a fotografia nos permite, por um lado, admirar em sua reprodução o original que os nossos olhos não teriam sabido amar." - André Bazin. Devo aprEEnder-me a estar ciente da necessidade de adquirir-me capaz de amar o original na {[(quase)]} mesma tolerância que a reprodução existe-se. O quase tem que se manter como inevitável camada da individualidade com o coletivo. Sem que um deixe-se consumir-se pelo outro sem combinar-se. A fotografia, com a(s) sua(s) possibilidade(s), é um dos termômetros para o (C)chamado que o instinto migratório isca. Odiar, com sua angustia, é uma das faces do que ainda não (se) sabe. Só para que o indivíduo aprEEnda-se coletivo. E vice-versa. O que não exime a ação que ambos ignora. Afinal o (C)chamado tem seu tempo de validade. Chega um hora em que a existência humana não comprEEndeu sua permanência. Enfim, é só uma questão dos mais capacitados, apesar de, sobrevivendo(-se) à necessidade do {[(C)]}chamado. Energia Supra Corpórea Imagine um conjunto de células com uma onipresença supra-energética; tal qual as células de nosso corpo formando um tecido epidérmico. De uma célula supra-energética em particular urge a vontade de sentir o hálito das outras células, ou alguma em particular; atitude melindrosa devido à estrutura suprabiológica das mesmas. Onde duas energias ao se aproximarem demasiadamente uma da outra acabam ambas por se consumirem. Estágio inevitável de associação e, posteriormente, concordância; desaguando-se na permanência de uma espécie de energia ainda mais supra-densa. Propulsando-se a não perder a oportunidade de se precipitar a partir de si e ainda com a promessa de ser-se em relação ao outro, arrisca-se em uma experimento dentro de seu próprio corpo supra-energético. Como olhar-se no espelho sem a probabilidade de verse a si mesma; contudo, sua supra-imaginação dinâmica lhe arrisca a incerteza provável de um corpo/limite, uma expressão facial; mas até então sem a possibilidade de que isto pudesse se concretizar no toque, na visão palpável da coisa; impulsionando-lhe à aleatoriedade dos supra-sonhos que só se permitem na comunhão que não descarta nenhuma hipótese, nenhuma dimensão. Com o ímpeto de se lançar em uma experiência capaz de desfragmentar o não-lembrarse mais de si após o supra-toque e que teria que lhe proporcionar uma supra-matéria energética, pressagiou que a mesma teria grandes chances de ser a partir de seu mais extremo avesso - a mais densa pedra bruta. Nódulo este já estendido pelo seu supracorpo à medida em que desatava-se resvalo aceito e rejeitado pela sua supra-existência. Neste nódulo assoprou-se a si, espiralando o que Stephen Hawking reafirmou como 'big-bang'. Rotação de um pêndulo alquebrando-se em fenda esquivando-se do fecho do círculo - mantendo a infindável possibilidade de faiscar probabilidades que assegura-lhe o caráter impensável do intolerável toque. Fia-se o infinito, a permanência dessa vontade com essa incerteza insuperável; moto-contínuo que se iniciou em uma contaminação mútua entre o mais denso dos corpos e a mais supra-límpida – até então conhecida – energia, fundindo-se lentamente o suficiente para que ambas as faces inevitavelmente destituíssem o mínimo de si possível, e que no devido instante decisivo (que se por sua vez não se processasse, outras possibilidades acabariam por se intuir/instituir) o contínuo ritual de fusão e de conhecimento de um sobre o outro esculpiria ininterruptamente a Energia-Supra-Corpórea. Via Láctea. Estrelas distanciando-se aproximando-se conforme a gradativa perpetuação da expansão, reafirmando-se em brilho. Universo inconstante no tempo - que provoca a curva que fenda; em um embrenho de lapidação onde supra-energia permeia pedra bruta em constante falta de pudor e pedra bruta se permite permear em insistente repulsa - e vice-versa. Buscando o equilíbrio que destitui-lhe do frenesi diante da aproximação inevitável da outra supra-célula. Provavelmente sua propulsão marchetou-se ao presenciar o estilhaço entre supra-células precipitadas adiante a ela. O tecido curvou-se, em todas as direções, com o brilho e o peso de sedução do Sol, fisgando os objetos próximos a escorregarem-se gravitacionalmente pela precipitação. Contudo, na contrapartida oposta ao do Buraco Negro, a manutenção do peso que igualmente curva um campo em cada objeto/planeta proporcionou-se o contínuo giro destes ao redor da estrela fumegante. Em meio ao rodopio destaca-se aqui a Terra; como um olhar que cruza o nosso e sorriem-se; planeta este que após tempos e tempos de casualidades conectadas como encontros marcados, em função da distancia ideal do sol, de sua temperatura; nuvens chocando-se e protestando-se em água; impulsionando o vírus, os componentes minúsculos que reagiram e que ao distinguirem-se de seus ascendentes acabaram por partir a película da água. O pulo da jia. Ar rasgando a garganta deste ser que, devastado, retornou imediatamente à água. Sua curiosidade a impulsionou a ir e vir, repetir-se assimilando biologicamente as diferenças e as necessidades para a sobrevivência; perpetuando-se em mutações ininterruptamente quase insustentáveis de tão irreversíveis. As plantas já em seu processo de adaptação proporcionaram aos novos seres farto alimento. As adaptações prosseguiram erradicando-se em inúmeros espécimes de animais; distintos esboços daquilo que seria a promessa da face primeira, dando praticidade à teoria da fusão de um sobre o outro; mastigando-se ambos cada vez mais com menor satisfação pelo gosto irracional; susto esquecido aos poucos diante do vermelho jorro. Os pelos despistaram epiderme ainda sorrateira. Achatou-se o pé na ânsia do equilíbrio que o ambiente ainda chama, na dádiva de ofertar às mãos outras mais possibilidades. Eis a celebração máxima do utensílio utilizado para por em prática as sensações faiscantes que se exacerbam em nome do toque: as mãos. Somos a partir da necessidade de preenchermos “lugares vagos na economia da natureza” - Darwin. Somos fios condutores por onde o pensamento corteja o impensável; cada vez mais e mais resistentes conforme as propulsões dos caminhos de menor resistência vão abrindo, exigindo-se pelo ambiente - pelo qual entregamo-nos quase independentes. Um homem cabeludo e ainda curvo pulando e grunhindo dentro da caverna que o protege do animal que interrompera o ar de sua/seu companheira/o; com fragilidade à flor da pela ao ter apreendido circular energia no contato intimo com o outro que ausenta-se. Este ser, não mais suportando as exigências de seu de-dentro, que se não preenchidas causa-lhe náusea (transfigurada em movimentos e reações corpóreas desgovernadas), rabisca as paredes da caverna. Traça seu rumo; confirmação de sua existência; forçando-lhe, para que como que para sobreviver, a delinear as reações hormonais do encontro de si consigo mesmo – pelo fato de que o objetivo de sua presença é o de proclamar ininterruptamente a comunicação que instiga a derrubada de comportas delineadas à obstrução da circulação energética. Mais adiante as expressões artísticas, as estratégias de cura da natureza, simular-se-ão em toque ao serem-se vislumbrados e assimilados, inevitavelmente, por um outro ser. O regozijo do parto ao visualizar seus sentimentos expressos por intermédio de algum objeto entre as mãos assombra-lhe maravilhado, em particular pelo fato de que a náusea já se dissipara consideravelmente. O aroma e o equilíbrio surgido no compartilhar do toque carnal gradativamente não mais se destaca na memória, mas que se vislumbra quase que palpável por intermédio das formas/linhas representativas daquilo que já não se vê e já não se toca. Sacrificando-lhe o corpo ao esculpir e revelar a escolha que renova-lhe o corpo. A repetição instintiva de grunhidos específicos erigidos do toque implantou as palavras; anunciações confirmadas como palpáveis por intermédio da comprovação visual das linhas que representam a mais provável confirmação, aqui (cada qual com seu 'aqui') da face de um desejo. Enquanto o Universo se dilata, o intercâmbio de pensamentos, o exercício dinâmico de sinapses reafirma o eterno retorno em diálogo e escrita. Em meio às numerosas relações de contato impulsionadas a partir da vontade primeira e ramificadas por todo o tecido Universal durante o tempo transcorrido, destaca-se a confirmação por intermédio da lógica numérica de que não mais se deve acreditar no fato da proximidade depender, única e exclusivamente, dos “corpos” fisicamente próximos. Einstein negligenciou a sua participação momentânea com seus camaradas em função de uma comunhão de intenções que não se concretizavam. Sua persistência em despistar as exigências de sua matilha social; ou ainda, sua persistência em assimilar-se pelo brilho hipnotizante da supra-energia (escolha?) ofertou-lhe uma sensação de maior consistência com a matéria (e sua sombra) que compreende o todo-supra-célula-que-pelo-ambiente-propulsou-se. Imagine um espelho refletindo a imagem de um corpo real. Quebre este espelho em inúmeros pedaços; cada pedaço partido terá uma imagem única confirmando a sua própria particularidade de estampar-se, ainda que seja inevitável acentuar que todo o espelho em si é o mesmo; a matéria do espelho é a mesma para todos os pedaços partidos e que esta imagem é a simulação real de uma futura realidade-imaginada supracorpórea; onde a imagem refletida torna-se real na medida em que entende-se a necessidade do cultivo do sentir conjunto na direção da desfragmentação que a materializa. Ao sensibilizar-se da matéria do nó vital (como tantos todos os outros no decorrer do “registro do saber” Universal – e além), Einstein vislumbrou um esboço de maior densidade e acuidade para a face tua. Este ato possibilitou a ele descortinar sinais e dialogar com a maior parte do Cosmo, salientando com “irradiação matemática” inquebrantável a não-existência do vazio. – Confirmação esta tão já bem elaborada com genuína sensibilidade por uma outra enorme gama de esforços artísticos. Ao citar apenas um, vide a poesia de Cecília Meireles: “Todas as palavras são inúteis, / desde que se olha para o céu”. O tempo escoou em seu devido tempo enquanto Físicos e Cientistas esmiuçaram os estudos com grande profundidade quanto ao mundo atômico, percebendo que em qualquer determinado pedaço aparentemente vazio exubera-se uma sociedade microscópica frenética e aleatória, certificando-se de que com a mecânica quântica possibilitou-se fazer previsões com uma enigmática acuidade. O “princípio da incerteza” diagnosticado na escala microscópica coloca em xeque toda e qualquer tentativa de entendimento expressa pela nossa visão de mundo. A mais intrigante entre outras tão bizarras quanto gira em torno do fato de que um mesmo elétron pode fragmentar-se a ponto de situar-se simultaneamente em várias posições conforme a precipitação, criando outras tantas possibilidades de atuação, distintos caminhos que “conspiram” entre si e que se precipitam em uma escolha (várias outras escolhas dispersas por dimensões distintas). É intrinsecamente importante ressaltar aqui o seguinte relato do Físico Brian Greene em seu livro O universo elegante: “Você tem de permitir que a natureza resolva o que é que faz e o que é que não faz sentido”. “Segundo a mecânica quântica, o Universo evolui de acordo com uma formalização matemática rigorosa e precisa, mas que se limita a determinar a probabilidade de que um futuro em particular venha a acontecer – e não qual o futuro que acontecerá”. Greene ainda acrescenta uma revelação de inigualável pertinência: “Ao contrário dos esquemas de Newton e mesmo de Einstein, em que se descreve o movimento de uma partícula pelo registro de sua posição e velocidade, a mecânica quântica mostra que no nível microscópico não se pode saber jamais ambas as coisas com precisão total. Além disto, quanto maior for a precisão com relação a uma, tanto maior será a imprecisão com relação à outra. E embora tenhamos exemplificado esse fato com elétrons, ele se aplica diretamente a todos os componentes da natureza”. E continua: “Com efeito, se se capturasse um único elétron dentro de uma caixa sólida e se pouco a pouco se fossem aproximando as paredes umas das outras de modo a ir reduzindo os espaços internos com o objetivo de determinar com precisão crescente a posição do elétron, veríamos que ele pouco a pouco se moveria de maneira cada vez mais frenética. Como se sofresse de claustrofobia, o elétron pareceria desesperado, batendo contra as paredes da caixa com velocidade cada vez maior e em trajetórias cada vez mais imprevisíveis. A natureza não permite que os seus componentes sejam encurralados”. Certamente que o mundo torna-se diferente se visto pelos olhos da mecânica quântica; ainda assim é possível, com igual precisão, utilizar a analogia para compreendermos melhor o nosso cotidiano; pois eis que se um ser humano pressentir-se confinado quando sua liberdade for obstruída verifica-se que este escapulir-se-ia do desequilíbrio que o destituiria da maioria que lhe difere, exacerbando algum tipo de atitude “rebelde”, como, mero exemplo, uma tatuagem, um piercing (como qualquer outro onde se busque a manutenção da individualidade em si e na matilha), um modo de escrever capaz de fazer a palavra/língua gaguejar, encaixando-se assim em algum grupo social que lhe ofertaria por fim a sensação de matilha que parecia dispersa. Contudo, é importante ressaltar que este instante de liberdade (liberdade vista como o poder de decisão do mistério) continua negligenciado, ainda que tenha sido suavizado com a máscara da atitude de rebeldia, do encaixe social, do ser-se humano - enfim. Negligência esta absolutamente inevitável ao círculo que torna-se espiral, ao calor que aquece pulsação cardíaca. Por outro lado é tudo muito mais simples do que simplesmente pode-se imaginar. Para que se veja uma partícula, deve-se iluminá-la. Os fótons (propriedades da luz), então, atritam-se com a referida partícula, empurrando-a então. Não por outro motivo torna-se inviável precisar posição e velocidade simultaneamente. "... em março de 1927, Heisenberg publicou seu trabalho ‘Sobre o conteúdo perceptivo da cinemática e da mecânica quântica teórica’, no qual afirmava que a incerteza é inerente à medida: - é inevitável. Ou seja, é impossível medir a velocidade de uma partícula e, ao mesmo tempo, determinar a sua posição, sem que a partícula seja influenciada pelos instrumentos de medição. Para medir uma variável, isto é, para observar uma partícula, é preciso iluminá-la, e a incidência de luz equivale a colidi-la com fótons, o que altera sua posição. Em outras palavras, todo fenômeno observado é essencialmente diferente do não observado." (Scientific American Brasil - Quânticos, os homens que mudaram a física; página 35 / Maria Cristina Batoni Abdalla). Existir-se humano é a transição entre a vontade do criador de refletir-se num espelho e o reflexo que um dia quase chegará a ser-se. Ainda que por um instante cadente fulminese palpável. É o criador curioso com a imagem que vai se fazendo no espelho. Reflexo este que é o próprio criador desejando-se por intermédio de sua criação. Sem jamais poder realmente ver-se a não ser pela sua vontade de ver-se. Então sentir-se fulmina-se essencial. O reflexo, tão criador como o próprio criador que faz-se refletir-se, deseja combinar-se ao que quase já enfim acaba-se tornando-se sem jamais ver-se. Quem sabe um rastro? Que proclama o sentir(-se). O criador está-se ali sem concretizar-se como o reflexo que enfim complexifica-se suficientemente capaz de sentir-se criador. Assim o reflexo mantém-se encantado com sua própria capacidade de provocar-se reflexo - sem poder ser visto. O reflexo, então, pode ver seu reflexo - mas nunca o criador que lhe provocou reflexo. Quanto mais e mais é-se reflexo (do reflexo do reflexo...), mais e mais próximo do visível atinge-se. O palpável. E mais longe do criador enquanto não ciente de que é-se o próprio criador refletido. Posto que não é o reflexo de algo, mas sim o próprio criador refletido. Como alguém que chama alto, onde o eco que retorna possui-se estranhamente vivo. Faísca estourando-se brilho Quando o Sol atinge uma ínfima faísca de luz estendida pelo escuro, essa faísca estourase. Este Sol penetra o escuro que engole a ínfima faísca, estourando-a em brilho. Exigindo-se cada vez mais um alcance incansável. A salvação da luz é o aceno do Sol, é verem-se, é a barbárie – torna-se inevitável, ao extirpar um câncer, matar células inocentes. Inocentes? Ou mera mecânica de troca de calor? A barbárie (seja lá qual for o seu alcance) torna a lógica insuficiente. O intraduzível desafia a imaginação. "Ali onde cessa a filosofia, a poesia tem de começar." (Friedrich Schlegel). Como encontrar poesia nas ramificações da fome? O calor rompe Na imagem fotografada só há olhar sem corpo quando não é-se aquele que fotografa, porque quando está-se no momento decisivo do clic permanece-se muito pouco a salvo. Nem mesmo a palavra combinando-se ao inconsciente é capaz de ser-se tão pouco a salvo. Saber fotografar é estar o mais próximo possível da pele que o conhecimento (pode) proporciona(r). Com a imagem, em um momento decisivo, é-se possível estar no instante em que quase, por impossibilidade (ainda), as aparências enganam. Por isso mesmo quase toca-se. Só porque o quase é condição à permanência do infinito. Infinito: nada mais que ousar-se acreditar pelo caminho que o calor rompe. Cutucado por dentro No Cine Ritz já estava em cartaz “Tropa de elite”. Parei por alguns instantes para observar o pôster – já havia visto o filme na casa de um amigo. De súbito veio-me este homem. Ele pedindo um trocado. Eu pedindo para fotografá-lo. Um homem com um olho dilacerado - sacudido por dentro (não presenciei furos), sanguinário não pela preponderância da cor vermelha mas sim pq por dentro compunha-se um desenho retorcido obrigando-me a vê-lo como olho meramente por fincar-se na fenda comum à do globo ocular. Perguntou-me se eu era “polícia”. Fotógrafo. Olhava-o com uma espécie de austeridade suave - ainda que à beira da euforia. Pareceu-me igualmente acuado como grato pela atenção. Ele tinha cara de bandido esmagado pelo medo. Alguém, literalmente, entre o reconhecível e a morte oferecendo-me seu encanto. Há um inevitável deslizamento de comunhão quando duas asas de um mesmo pássaro traduzem-se juntas pelo movimento empenando-lhe rumo; mas quando essa comunhão rompe-se em espiral o que está em jogo é exatamente a configuração buscando equilibrar geometria - qual rumo? A falta de coerência em um olho que não encontra comparsa arrepiou-me estranheza. Arrepio em mim significa: fotografe. Apenas um clic. Tão rapidamente como instintivamente usei técnicas de moda – queria que seu olho morto me tocasse como se me visse. O outro olho está ali, à espreita, selecionando inclusive aquilo que o olho morto não capta; abstrato marchetado em meio ao mapeado provocando desconforto. De súbito veio o silêncio, o instante em que teríamos que nos separar, eu não conseguindo evitar seu olho morto. É quando fica-se evidente a que ambiente cada um pertence. É quando eu começo a me sentir impotente. Já antes mesmo de dar-lhe as costas por completo, no meu passo seduzindo firmeza, comecei a fabular o quão preciosa a foto será. O quanto a intimidade em sua predisposição (forçada) de não dissimular a ferida pode enfim. Tornar-nos úteis? Num clic o pus escorre e não sinto-me aliviado. Hoje, muitos instantes após o instante, ainda sem a foto, reconheço que a isca que fisga-me a esse instante é o olho morto; ponto este que umedece enraizamento esticando-se pulsação àquele instante, calor esparramando presença física ao homem de olho desfigurado. Há um instante no instante que me olha, enquanto vejo. Enquanto olho. Esse furo no instante, rasgo na fenda, é a faísca que aciona o salto que introduz e marcheta o acabamento enérgico desse instante. E aí, nesse buraco que alarga-se e contrai-se cardíaco, está o incômodo em ser olhado de que Marguerite Duras delata-se. Quando olha-se o olhar dali deflagrado, quando precipita-se a esse incômodo, como uma camisa que se escolhe ao acaso, isso, o instante no instante, esquiva-se (não se nomeia pelos utensílios de que dispomos). Ele não apenas permite-se como inevitavelmente instiga-se ao cortejo. Permanecemos em seu encalço, seguindo seu rastro, por onde cultiva-se infinitamente a aproximação ("A marca do número de ouro é de ser o incomensurável mais distanciado do um, por um lado e, por outro, o que mais se aproxima [aproxima-se infinitamente] do um." - Saporiti); e não por outro motivo acaba-se sempre encontrando aquilo que não procurávamos - tal como testemunha a realidade quântica. Em seu 'princípio de incerteza' presenciamos a impossibilidade de precisar simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula. Observar uma partícula implica em iluminá-la, o que equivale a empurrá-la por fótons, alterando assim sua posição. Cristina Abdalla ainda acrescenta: todo fenômeno observado é essencialmente diferente do não observado. Diz-se no documentário What the bleep do we know? que "Quando não olhamos... é como uma onda, quando olhamos... é como uma partícula." Nenhum ser humano é uma ilha. Ao não ser olhado, a angustia (acredito que muito mais intransigente que o medo) é a senha que alerta-o por demais próximo daquilo que não sabe ser olhado - aquele algo que disseca-o a ponto de reduzi-lo a um quase onda; exigindo-o a uma agilidade corpórea que o movimento coletivo ainda não sabe articular. A sensação cortante de desnudamento destrava-lhe a um outro que ao olhá-lo acresce-o partícula - estender-se emerge-se tão firme como o pode ser a beleza de um animal que caminha solto. Ou seu avesso. Quando se é uma fundura configurada no não saber ser olhado, posto que na 'velocidade da luz tempo-espaço fogem' (Einstein), o indivíduo (quase) identifica-se com o próprio rastro do Algo - atestando-se selvagem ao ser olhado, já que sabota-se compactuar-se em partícula à artimanha que coletiva-lhe sociamente humano. Qualquer semelhança com o dito frenesi quântico, não é mera coincidência. Quando um de-dentro empena uma persistência que atrai uma quebra da barreira de som, ovelhas são sacrificadas - a fissura provocada pelo estilhaço acalorado no atrito complexifica o ambiente pelo qual estendem-se. "(...) se se capturasse um único elétron dentro de uma caixa sólida e se pouco a pouco se fossem aproximando as paredes umas das outras de modo a ir reduzindo os espaços internos com o objetivo de determinar com precisão crescente a posição do elétron, veríamos que ele pouco a pouco se moveria de maneira cada vez mais frenética. Como se sofresse de claustrofobia, o elétron pareceria desesperado, batendo contra as paredes da caixa com velocidade cada vez maior e em trajetórias cada vez mais imprevisíveis. A natureza não permite que os seus componentes sejam encurralados." (O Universo elegante – Brian Greene). Clic. O indivíduo não é somente onda como também não o pode ser somente partícula, sendo sim o entremeio contínuo de ambos - e por uma impertinência sem par prescrevendo-se a índole da "distração atenciosa" (Cortázar). Diariamente o de-dentro encontra-se sem a habilidade de particularizar aquilo que seu cérebro ainda não sabe articular como partícula. Ou como onda. Insistentemente o de-dentro deseja o toque que somente como partícula pode-se determinar conexão - gráfica; sanguínea. Todo indivíduo busca encontrar uma linguagem que decifre a tradução que desvende-lhe insistentemente humano sem que seu de-dentro seja carcomido pela Luz que, ao ocupar (até atingir a fundura de) sua ruptura, enraíza-se em seus tendões, córtex, medula, genitália, músculos, silêncios, passos, sangue, sons. Civilização é um caldo espiralado de distintos modos de ser-se humano, cada qual com seu esparramamento (comprimindo-se em faces) diante do embrenho atraindo-se cotidiano. "Ouço a escritura fazer-se. Pois esta se ouve, antes da projeção na página. E é esperada antes da saída da frase. Suspendo-me neste espaço; é estar o mais próximo do enunciado interno." Marguerite Duras. Esse olho que eu vi pode desnortear um mundo que ainda não reconhece(-se). Eu mesmo deixei de reconhecer o humano quando solicitado por ele. Não nos esqueçamos da distância (e da velocidade capaz de suplantar essa distância) entre dimensões - da vertigem inevitável (sempre ainda) entre elas. Como que ontem mesmo eu vi como se ainda vejo – é a voz que ecoa, rebatendo-se em mim, identificando-se/me persistente na vibração de sua/minha presença. Eu vi um homem. Eu vi uma mulher com um saco amarrado na cabeça segurando o cabelo longo em inchaço, saia escura indo um pouco abaixo dos joelhos, blusa cinza de longas mangas, caminhando bem próxima da calçada. Altiva, de uma postura estarrecedora de tão terna e ereta. De repente a mulher esvoaçada de magreza pára e fica olhando para o chão, cutuca alguma coisa com a ponta dos pés nus. Empurra a coisa até a dobra do meio fio. Continua andando. Sacode-se quase imperceptível e volta. Olha para a coisa. Abaixa-se e com a ponta dos próprios dedos da mão direita ergue um enorme rato. Pelo rabo. Ela não joga o rato para longe. Ela pousa-o ao pé de uma árvore e com as mãos joga terra por sobre ele. Olha para a árvore em silêncio – quase breve. Abaixa-se. Lava a ponta dos dedos numa água empoçada no asfalto. Balança os braços ao vento. Segue seu trajeto. Não houve clic - então com o tempo esse instante exige-se espectro? O arrepio que por fim transfigura-se em náusea liberta-se nas palavras. Não. Nenhuma palavra será capaz de demonstrar o toque fundo. Ainda que agora vc seja meu comparsa. Certamente até nem mesmo uma imagem. Só posso continuar tentando – com cuidado, para não espantar o arrepio. O único modo de ver a própria sombra quando a luz está bem diante dos olhos é pelo canto dos olhos. Ainda é pouco, a missão ainda não está cumprida - o verdadeiro inevitavelmente demanda muitas versões. E acho que se eu viver muito tempo vou ter a plena certeza de que ainda não fui capaz de tocar. A foto ainda está sempre por ser tirada. Não porque a potência individual seja incapaz. Sim porque o agora dificilmente pode ser realmente reproduzido, essencialmente quando o presente desarticula-se do passado e por algum acaso incapaz dissimula-se Foucault: "Não me diga para permanecer o mesmo." A incapacidade de corrigir os próprios erros ainda não é uma questão... de que mesmo? Ora, então o natural é legítimo desde que haja o vigiar com o punir no caso de extrapolar a graça vigente? "É o amor/ Que mexe com minha cabeça/ E me deixa assim/ Que faz eu pensar em você e esquecer de mim/ Que faz eu esquecer que a vida foi feita pra viver" - Zezé Di Camargo. A angustia a ser superada de que o filme Brokeback Mountain projeta, atinge quantas nuanças de segredo individual forem humanamente prováveis (e inevitáveis). "O amor é uma força da natureza", diz-se no cartaz do filme. O duelo que se trava entre os magmas dos seres humanos e a força da natureza ("Quis mostrar que o espaço-tempo não é necessariamente algo a que possamos atribuir uma existência separada e independente dos objetos da realidade física. Estes objetos são espacialmente estendidos. Assim, o conceito de 'espaço vazio' perde seu significado." - Einstein) promove um jogo de comparsas que destrava acasos com a potência de encontros marcados. A persistência que se move de encontro ao que o caminho de menor resistência esquadrinha destrava estilhaços ardentes por uma superação que coloca os conceitos (pré-)estabelecidos em xeque. A responsabilidade quanto à escolha individual e coletiva no sentido de despistar-se mesclando-se à maldição que oxida os caminhos pelos quais descortina-se os limites de uma imagem, de um instante, é tão vital à respiração do Vivo como também o é ao/o instante em que o diafragma, acompanhando o campo gravitacional dos instantes que se seguem, firma-se rumo ao atrito que desabilita-o de sua função. Os desvios de cálculo vão até onde se tolera. Acasos são sempre encontros marcados. Onde a escolha em ambos precipita-os a uma interseção organizando-os propensos aos encontros seguintes - conforme a percepção do Universo que brota conforme os dados colhidos. É tudo linguagem; onde a habilidade de cada componente é dinamizar campo de profundidade a essa linguagem. Geometria. E essa palavra, 'geometria', ainda que já contundente de tamanha veracidade, soa-me quase insípida (Ainda?, perguntar-me-ia). Eu disse ‘quase’. Depois que alguém guardar o teu sangue por anos a fio como isca ao deságüe que atesta a possibilidade de estenderem-se com vigor palpável pela miragem, prometa-se que uma onda jamais deixa de acreditar-se partícula, e vice-versa, enquanto o olhar puder escavar faíscas. (...)"a queda livre anula o peso" (Einstein) até que o próximo instante fisgue-se. Palpável. Esse de olho morto, antes de ser cutucado ao medo, era pelo medo que ele esmagava alguém? Matou algum fotógrafo que recusava soltar sua câmera? Ou quem sabe ele mero seja um zé ninguém qualquer, um quase inútil incapaz de dar manchete, de distrair a atenção (ao menos por enquanto) já que descaso e barbárie (alimentados por fortunas escandalosas - isso é um fato tão simples e objetivo como o é "Quem consome droga ilícita põe uma arma na mão de uma criança." [Reinaldo Azevedo]) não o animalizaram perante o meu pedido? Seja lá como for, minha missão é apertar o clic. Missão cumprida? Não. Há um mundo em cada sombra ________ Segue o teu destino - por Ricardo Reis, 1-7-1916 Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias. A realidade Sempre é mais ou menos Do que nós queremos. Só nós somos sempre Iguais a nós-próprios. Suave é viver só. Grande e nobre é sempre Viver simplesmente. Deixa a dor nas aras Como ex-voto aos deuses. Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. Ela nada pode Dizer-te. A resposta Está além dos deuses. Mas serenamente Imita o Olimpo No teu coração. Os deuses são deuses Porque não se pensam. _______ "Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é imediatamente, logo ao aparecer sonhado, encarnado numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não." – Fernando Pessoa _______ ‘Segue o teu destino’ é de um quase amargor; um ‘quase amargor’ aqui indica que Fernando Pessoa já atravessou o pântano movediço da amargura com intensidade acumulativa, persistentemente. Ao atingir a outra margem deste ar-que-aviva/consome, repetidamente num contínuo processo onde projeta-se à margem e retorna ao ar-queaviva/consome rumo à outra margem, o poeta assimilou gradativamente que seu pertencer humano, seu destino, é uma realidade que encontra consistência ao ser-se um estrangeiro no fluxo corpóreo presente – seria pretenção de minha parte dizer que, neste caso, o indivíduo pode re-adaptadar-se na medida em que o indivíduo, seguindo seu impulso, permiti-se ser-se absorvido pelo ambiente rejeitando-o?; teria este indivíduo tempo suficientemente honesto para com a honestidade hormonal ao avesso para atingir-se aquecido ao pertencer corpóreo sem que este se perdesse de vista nas idéias que lhe arrastam à convicção de seu intimo arco? “Os deuses são deuses / Porque não se pensam”. O poeta definiu seu refúgio humano (instante onde a persistência retiniana faz com que o humano acredite-se, no acumulo epidérmico, além miragem), vislumbrou-se ‘Grande’ aprimorando, desafiando a dor e a ansiedade a um patamar que as demonstra como ferramentas essenciais antes de achegar-se ao ‘Viver simplesmente’ dele-árvore. O poeta avança-se fragmentando-se apartado tanto por ele próprio como pelos demais, já que de algum modo particular o limite de seu corpo acaba por ter que reconhecer-se de comportas emperradas às credenciais sociais que incrustar-lhe-iam involuntariamente acionado à mesma velocidade do fluxo social que não instaura inanição à postura corpórea idealizada. Hormonalmente solidificadas, as ‘comportas ’, com determinada ruptura funda que sobrepor-se ao emperro seria encontrar um modo de refazer-se corporeamente de dentro para fora/de fora para dentro. Em verdade, almejar re-lapidarse a ponto de escancarar as ‘comportas emperradas’ (rupturas-fundas, ou ainda, configurações-fundas acionadas pela intensidade do susto erigido em algum instante específico entre o entremeio do de-dentro individual com o ambiente sócio-cósmico solidificado com o decorrer do encorpamento do indivíduo - e, conforme a força do hábito, tornando a re-lapidação um empenho cada vez mais simetricamente oposto; já que este 'fundo' é mero acionar-se involuntário ao neutrino) seria como que o aniquilamento da própria chama que acende o poeta e configura Pessoa/Reis de identidade. Já que é essencial que os humanos sejam seres em constante complexificação dinâmica, eis que, ao reconhecer seu destino regando de amor tuas rosas, o poeta resvala-se pela curvatura gravitacional que lhe prontifica atualmente presente sem que interrogações decepem-lhe o prazer dali permitir-se enraizante pelo ambiente, tornando-se por fim capaz de cultivar-se rumo a uma complecificação que acidenta-se em si. Aceitação esta inevitavelmente instaurada!, eis que, no decorrer dos persistentes contatos entre o ambiente e o de-dentro individual, e ainda quanto à fragmentação do discernimento de um entendimento prático daquilo que ele sente, o poeta acaba por resvalar-se ao seu caminho de menor resistência - como disse Einstein: "O movimento de um corpo se deve unicamente à tendência da matéria para seguir o caminho de menor resistência". E dali é-lhe capaz atingir paragens e sensações dificilmente alçadas por aqueles que tenham em seu caminho de menor resistência um entendimento prático que desvia-se consideravelmente do cultivo acumulativo deste sentir - e vice-versa. Pessoa atesta a inevitabilidade do segredo de manter-se enigma, próprio de seu estado de homem acionado como ser vivente. O poeta atesta a importância de algum limite que não deve ser cogitado antes que se vasculhe todos os outros, não havendo assim, no aconchego do agora carnes, nenhum outro modo de aprimorar o agora-presente individual que não pela complexificação humana via movimento das gerações, pois que após decodificar os impasses, inicia-se um processo de fortalecimento do humano que, conforme a força da atração, entremeia-se ao próprio movimento biológico deste, instaurando-o assim bem mais resistente, inclusive contra a resistência de si mesmo. "Só nós somos sempre / Iguais a nós-próprios". O poeta resvalou-se ao lugar aonde vê-se a vida ‘de longe’, pois que estar-se em meio ao fluxo humano é acionar o essencialmente perpétuo embate-debate humano - que assanha-lhe tão primitivo como um cometa que, ao adentrar a atmosfera terrestre, só sabe tocar em um epestáculo de estilhaços apreciáveis à distância. Viver é fatal, é contaminar-se, é essencialmente equilíbrio. Interrogar-se no outro é complexificar-se no movimento vivo-humano, onde escapa-se a uma negligencia aos “Deuses” a partir de um patamar que obriga o corpo humano a despistar o chamado dos “Deuses” via reflexo involuntário de sobrevivência. Interrogar-se entremeado pelo clamor gravitacional dos Deuses é complexificar-se no trêmulo equilíbrio humano das I/idéias; onde busca-se atingir o calor epidérmico de um C/corpo ainda inacabado. Deste (último) modo o poeta quase engana o pedido de tua carne ao transfigurar-se num “deus” para aqueles que exercitam-se em continência a vida corpo-corpo. E não corpo-palavra-corpo - ao menos não no agora exato em que o tempo projeta o reflexo: “Os deuses são deuses / Porque não se pensam”; repete-se o quase. Ao cultivar-se sem interrogações, a vontade em repetir o prazer que o relaxamento proporciona instiga-lhe em curiosidade rumo a caminhos que o corpo, estacado em uma versatilidade diversa, jamais se permitiria resvalar. Ora! "(...) se se capturasse um único elétron dentro de uma caixa sólida e se pouco a pouco se fossem aproximando as paredes umas das outras de modo a ir reduzindo os espaços internos com o objetivo de determinar com precisão crescente a posição do elétron, veríamos que ele pouco a pouco se moveria de maneira cada vez mais frenética. Como se sofresse de claustrofobia, o elétron pareceria desesperado, batendo contra as paredes da caixa com velocidade cada vez maior e em trajetórias cada vez mais imprevisíveis. A natureza não permite que os seus componentes sejam encurralados." O universo elegante, Brian Greene. Há um empasse ou mera birra existêncial? Seria possível Pessoa desativar o reflexo involuntário que o faria adquirir altos níveis de asfixia se este insistisse-se em permanecer vendo a vida de perto? Então eis que o presente de Pessoa jamais será aquele em que ele encontra-se em corpo, mas sim aquele em que seu corpo não poderá estar - senão em outros que ele mesmo assopra vida. Não por outro motivo ‘Segue o teu destino’ é de um quase amargor. Ao ‘Imitar o Olimpo’ o poeta desvia-se da exigência biológica que é pensar-se por intermédio do embate-debate corpo-corpo social, para, enfim, desqualificar o frenesi que surge pelo fato do poeta-carne desviar-se/ser-se desviado involuntariamente como conservação de si no momento em que estende-se pelo ambiente – ‘involuntariamente’ no instante em que a descoberta faz-se, mas ‘voluntariamente’ quando este ser-se torna-se um objeto de estudo para que enfim o ser possa-o assimilá-lo biologicamente via cultura. O poeta aniquila (e, conseqüentemente, inicia o processo de corrosão de teu próprio corpo – ação que chamaria de efeito-buraco-negro) o frenesi corpóreo imitando-se um deus no Olimpo com profunda paixão, atingindo deste modo a serenidade (mantida a devida distância) que lhe permite criar um método que o afixa como contribuição para a complexificação acumulativa do homem. Acredito Pessoa biologicamente de uma potência estrondosa, na mesma proporção que seu medo corpóreo; assim os heterônimos (Ricardo Reis, no caso) fizeram-se tão demasiados essenciais como que inevitáveis. Pessoa sentia, muito adiante ao pó de seus ossos, o perigo que não via; Pessoa escoava-se incessantemente pelos vazios (“O vazio não existe” – Einstein) da imaginação, atestando-se como que portador de um sentido que ainda não fora devidamente assimilado pelo corpo, mas que fatalmente anunciava a formação, ali, de um pedaço de tecido ainda inacabado. Ele, Pessoa, interrogava-se incessantemente, obstruindo deste modo a película que o permitia acreditar-se incondicionalmente em Deuses. Um ir e vir que instaura o atrito que, em um momento decisivo, fulgura-lhe obra-destino. Precipitação comparativa entre ‘Manifesto do Surrealismo’ de Breton & ‘O cágado’ de AlmadaNegreiros “O trabalho é a atividade humana por excelência, pela qual o homem transforma a natureza e a si mesmo. Mas, nos sistemas onde persiste a exploração, ao invés de contribuir para a liberdade do homem, o trabalho torna-se condição de sua alienação” (Filosofando / Maria Lúcia de Arruda Aranha & Maria Helena Pires Martins). A capacidade de renovação do capitalismo é um espetáculo de fragilidades, é tão humana quanto a fenda entre o dedo de Deus e o dedo do homem no afresco de Michelangelo. Por este desvio resvala-se ‘uma necessidade prática imperativa, que não permite ser desconsiderada’; e nem pode, sob pena de negligenciar-se ao processo de complexificação humano-cósmico. ‘Manifesto do Surrealismo’ é um impulso que oficializa um acréscimo ao Dadaísmo ao assimilar-se como mais uma ferramenta eloqüente à afirmação construtiva do processo de civilidade humana. Não se pode negar que a arte surrealista, no limite entre a ironia e a perversão, busca expandir a imaginação do 'espectador' a ponto de que este se vivifique tal e qual como os próprios surrealistas apercebiam-se no mundo; a tal ponto involuntariamente asfixiados com a cadência social, que terminaram por registrar como viam e o que viam de onde - hormonalmente configurados - estacavam-se. Plantaram a semente que instiga o cultivo da imaginação em versatilidades distintas das propostas, pois que a imaginação/sonhos são a essencial isca que esquadrinha um dinamismo capaz de complexificarmos-nos pulsantes, cada vez mais cotidianamente cientes do enigma dinâmico de estarmos ‘estendidos’ no fluxo social-cósmico. A mecânica da vida nos arrasta à essencialidade de conservar-se vivo. Os surrealistas declararam que ‘não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação’. Temos aqui, no movimento surrealista, corpos de indivíduos que, por uma questão de instinto de conservação ("Segue o teu caminho" – Fernando Pessoa), acabaram por negligenciar, por intermédio de um processo seletivo instintivamente próprio, os apelos corpóreos e, num arroubo de unificação de pensamentos, manifestaram-se contra a 'liberdade' proposta que cultivava (e permanece cultivando, ainda que esteja em um tal estágio de sutileza que só podem ser detectadas por aqueles que assimilaram-se - como em qualquer época - em uma ruptura tal que lhes configura uma rejeição involuntária ao ambiente socialmente inquestionável pelo qual estendem-se) grande parte da massa como meros desejosos de ascenderem-se ao ‘status’ de conforto e paz, ainda que se prefira, para tal, utilizar dos meios da "Guerra Corporal" ao invés da "Guerra Mental" (William Blake). Deste modo desvia-se consideravelmente dos apelos de originalidade da imaginação, do mesmo modo que os próprios surrealistas esgotaram o corpo. Não por outro motivo suas produções artísticas encontravam-se à beira das ironias e perversões – corpos uivando um brilho estético que escapava-lhes por entre os dedos, já que o exercício da liberdade imaginada era um instinto de conservação profundamente mais imperativos que os arroubos corpóreos. Os Surrealistas priorizaram-se na guerra mental artística, de onde ansiava-se adquirir ferramentas necessárias que pudessem aquilatar a selvageria corporal negligenciada pelos próprios. Com uma racionalidade inconsciente, sedimentada quase que corporeamente em Freud, desviavam-se (não de modo tão radical quanto o Dadaísmo) do pertencer humano direto por receio do selvagem estilhaçante que continuavam aquilatando à medida que o mergulho na imaginação abria-lhes comportas, desatavalhes medos e desejos. Dentro do surrealismo destaca-se três períodos importantes entre si: o período dos sonhos (1924), o acreditar irrestrito na imaginação, devidamente pavimentado pela eloqüência ‘científica’ de Freud [eloqüência esta que fora propositalmente desviada da massa (seja ela qual for: massa de proletariados, banqueiros, estudantes, artistas, etc), ao adulterar os escritos de Freud rumo a um teor mais acadêmico, onde trocou-se, entre outros, os termos: ‘eu’ por ‘ego’, ‘isso’ por ‘id’, ‘supereu’ por 'superego’]; o período do compromisso político (1928), onde seus líderes filiaram-se ao socialismo; e uma terceira fase (1930), de difusão, onde instalou-se a formação de grupos surrealistas em toda a Europa, e a adesão de alguns grupos americanos. Percebe-se claramente que as etapas do movimento surrealista mantiveram-se muito bem definidas: em primeira instância acreditaram no arrepio que as sensações indicavam-se, acreditaram na miragem e oficializaram-na em um manifesto a ponto de quase tocá-la – aproveitando-se, com toda razão eloquente e discernida, das mesmas ferramentas utilizadas pelo próprio sistema que nauseava-lhes. Em segunda instância, perseguindo ainda mais o intrínseco desejo biológico (vide o mercúrio) de pertencer-se, ao menos um entremeio que não se distancie por demais de seu alcance energético emergido do atrito, ou seja, um entremeio que não estique a linha que interliga corpo e mente além pulso vivo, filiaram-se ao movimento socialmente político que propunha uma ação que atraía seus pensamentos de ‘liberdade’. Filiaram-se a um calor ‘politicamente’ corpóreo antes que seus de-dentros começassem a deteriorar-se de suas aspirações revolucionários, ou seja, antes que os magmas dos surrealistas iniciassem o processo de auto-absorção (/reabsorção) deles próprios (seria como que retornar, de um modo bem decadente, ao Dadaísmo?); transfigurando-se em possíveis ‘buracos negros’ se se permitissem distanciar-se do crescente processo artístico acumulativo a que haviam estabelecido-se. Num terceiro momento assimilou-se que tal associação a movimentos políticos era apenas um outro modo de atestar a mesma inevitabilidade dos fatos, uma persistente repetição brutal das situações alienantes, e assim, avançaram-se a uma contaminação artisticamente surrealista por toda a Europa e América. A arte como ferramenta primordial tanto para o indivíduo como que para o oletivo. O capitalismo resvala-se à ‘cura’ pela hipnose, enquanto que os Surrealistas atestavam um modo eloqüente de dizer que se ‘se removesse um sintoma pela hipnose, não avançaria nada na compreensão do paciente’ (D.W. Winnicott), ou ainda, não haveria nenhum tipo de cultivo de consistência no indivíduo que o precipitasse rumo a um reconhecimento de si cada vez mais pleno no presente. Tal e qual como o capitalismo age negligencia-se o agora individual, já que o corpo humano necessita da hipnose para não se permitir ao frenesi que o espantaria (de doses-homeopáticas em doseshomeopáticas) do medo perante o mundo que não busca equilibrar-se mas sim defenderse. O capitalismo "necessita, da parte dos consumidores, de um espírito completamente pragmático e hedonista: um universo mecânico e puramente terrestre, no qual o ciclo da produção e do consumo possa se efetuar segundo sua própria natureza” (Luiz Nazário). A própria essência do Surrealismo, onde se cultiva a imaginação que promove uma incessante re-lapidação do indivíduo rumo a uma compreensão ininterrupta de si próprio estendido no todo, é inconciliável com as exigências do consumo. No capitalismo é essencial promover uma quase aniquilação do indivíduo; entretanto, deve-se manter a ‘evolução’ humana nos trilhos, e assim o capitalismo utiliza-se da complexificação via gerações, pois que neste trajeto é-se possível ter um maior controle das inusitadas reações humanas individuais. Oferecer conhecimento à massa é fazê-la reconhecer a alienação à qual submete-se, e se este anseio de entender-se no mundo e no Cosmos não for uma necessidade intrínseca no indivíduo, eis que certamente a sua ascensão não será nenhuma contribuição à complexificação humana, mas apenas uma continuação estéril do que já se processa. Troca-se as posições, apenas – apenas?; pois que deve-se ressaltar que este ‘apenas’ abarca aniquilamentos, torturas, cultivo de ansiedades e de doenças psicossomáticas em um nível de tamanha sutileza que instiga-nos a acreditar que hoje não se está sujeito à ignorância de antes. O corpo é servo da mente. Tal e qual aquela estrela de 'EF Eridanus', uma estrela de massa menor que sempre esteve condenada a orbitar sua parceira de massa maior durante milhões de anos, e que por tal infortunio essencialmente fatal (às estrelas, pelo menos, pois que elas não possuem ferramentas disponíveis que nos propiciem, humanos, desprendermos-nos do arrastão que nos mumifica de prazer perante a alienação inevitavelmente imperativa) ela morreu de tanto ceder radiação à sua companheira maior. Ou seja, a estrela menor estava condenada a ter sua radiação sugada pela estrela maior em função de uma outra realidade física intitulada 'efeito corpoarrastão' onde se efetua 'um efeito bizarro no qual uma massa em rotação arrasta o espaço-tempo a seu redor'. Deste modo, tal e qual 'quando uma bola de boliche gira em um fluido espesso como o melaço', do mesmo modo, 'enquanto a Terra gira, arrasta tempo-espaço ao seu redor e isto altera as órbitas dos satélites do nosso planeta' (Erricos Pavlis). O corpo precipita-se pela curva que a mente projeta; quanto mais epidérmica a miragem maior torna-se o alcance da curvatura acionada pelo seu peso. O corpo pertence à mente, e vice-versa. Há um pêndulo constante que pulsa atração e recuo lapidando suor à imaginação. Os Surrealistas resvalaram-se pela imaginação por perceberam que esta poderia ser uma ferramenta de civilidade que, como objetivo principal de sua existência, não pode jamais ser contaminada pela falta de umidade (a não ser em um nível bem primitivo) expressa na hipnose, digamos, capitalista. Tiveram que se manter em constante reciclagem, pois que o capitalismo assimilou-se da propriedade (tal e qual a própria Natureza/Cósmos) de apreender superações às ações humanas que desviam-se de seu controle, e a partir dali recriar-se e manter-se atento às novas investidas. De investida em investida o sistema em voga amplia-se como modo de controle ao mesmo passo que melhora o ambiente humano (?). Está-se evidente que qualquer modo de adequar a consciência individual à consciência do mundo é um modo de hipnose; a diferença é que alguns desejam uma liberdade individual, um controle mais imperativo (Surrealistas, e tantos outros) sobre os caminhos da cura. Controle este que é mero instinto de conservação – eis aqui as cartadas de trunfo hipnótico da Natureza, que, digamos, sacrifica o pertencer individual em meio ao coletivo-em-voga tal e qual a hipnose proposta pelo capitalismo explora e ata os indivíduos a desejos elementares distintos que aos de-dentros; por outro lado o controle hipnótico do sistema capitalista pode ser driblado quando a ruptura (indivíduo X ambiente) configura um ser humano em um determinado impulso de vida que involuntariamente desvia-se das credenciais sociais em voga, a ponto de instaurar um patamar acima na complexificação humano-cósmica. Esta hipnose social, segundo uma parte da grande elite intelectual&financeira (e todos aqueles servos de tal pensamento), declara esta ação hipnótica capitalista devidamente necessária por ter sido atestado uma ansiedade a respeito da natureza humana; essencialmente levando em consideração que, em função daquele específico momento histórico, onde ocorreu um borbulho de pensamentos – Freud, Nietzsche, etc (e que certamente deve ter amedrontado a virilidade do grupo em questão) –, eis que erigiu-se reações de equilíbrio simetricamente agressivas – a Segunda Guerra Mundial – cultivadas por aqueles que, contrários aos Surrealistas, precipitavam ("O movimento de um corpo se deve unicamente à tendência da matéria para seguir o caminho de menor resistência." – Einstein; em outras palavras, um instinto de conservação tão essencial quanto os dos próprios Surrealistas) a “Guerra Corporal” em oposição à “Guerra Mental” (William Blake). Provavelmente Picasso tenha sido o grande experimentalista (igualmente em um reflexo involuntário de conservação) que comungou a fermentação corporal à arte, resultando deste modo numa arte (Cubismo) que repousava inúmeros olhos – distintos ângulos – sobre um mesmo ‘objeto’; contudo, em contrapartida, ao desviar em catarse a sua inevitável margem abismal do movimento socialmente amplo, eis que Picasso terminou por ruir o ambiente familiar em torno de si. Aqui pode-se clarificar-se que o grande inferno (a guerra corpórea) realmente amplia-se dentro de nós mesmos ao cultivamos-nos o mito; que por sua vez parece só ter o teu fim anunciado à medida que aniquila-se o trabalho como condição de alienação e exploração humana. O perigo, amigos, parece estar pulsando, tão essencial quanto inevitável, em qualquer ponto minucioso em nós ou em torno; e, provavelmente, se não nos apegarmos à essencialidade de apreendermos uns com os outros, independente de qualquer tipo de ‘status’, não será-nos possível atingir a necessária versatilidade. Ressaltando ainda que deveria-se difundir que todo e qualquer indivíduo possui a sua parcela de selvageria, essencialmente inevitável, e que deveríamos domá-la via “Guerra Mental”. Admiravelmente límpido fica a analogia comparativa que pode-se ascender entre o ‘Manifesto do Surrealismo’ e o texto ‘O Cágado’ de Almada-Negreiros. Qualquer ser vivo encontra-se afixado a uma espécie de apnéia quando inserido em circulação sanguínea no instante em que assopra-se pulsante em meio à atmosfera. Situar-se no planeta Terra é alargar-se a um trabalho que transcende a própria satisfação sem negligenciar-se a ela, pois que vislumbrar-se como ser individualmente coletivo é alertar-se de modo construtivo com o processo da complexificação cósmico. À medida que o homem desce da árvore e passa a caminhar com os próprios pés, eis que aí, exatamente no instante em que proporciona-se o toque àquilo que o estico de seus braços não atinge, vemos um salto alargando o ser humano de consistência. O ‘registro do saber cósmico” (Baudrilard) anota as novas reações erigidas entre indivíduo e ambiente e possibilita a sua materialização à medida que a consciência coletiva configura-a hormonalmente cotidiana. A ‘vontade’ exuberada por Almada-Negreiros distingue a falta de maturidade ainda incrustada nos indivíduos; e que também é, a ‘vontade’, o inevitável impulso, tão fatal como essencial, que direciona esta imprescindível complexificação humana-cósmica que alarga, passo a passo, a individualidade a um patamar de maior consistência comunitária - é devidamente improvável que não chegue a ocorrer perdas durante o processo de comunhão entre ambiente e indivíduo; neste trajeto há excessos a serem descartados. Esta negligência é mero instante de conservação-momentânea que assemelha-se às fases da asfixia por submersão (e não por outro motivo deve-se aquilatar e disseminar o conhecimento geral): Se num primeiro momento ocorre a apnéia inicial, a suspensão da respiração, com o objetivo de impedir a entrada de líquido nas vias respiratórias; eis que posteriormente inicia-se a dispnéia, onde ocorre discretos movimentos de respiração em oposição à concentração de gás carbônico, piorando ainda mais a situação com maior concentração de gás carbônico devido a inspiração de líquido. O instante surrealista é o esperneio do todo-vivo que busca reverter alguma coisa de humano que se perdeu ou está em vias de. Há perdas, grandes e inevitáveis (?) perdas; essencialmente por que, com o frenesi irradiado em função da negligência corpórea que proporciona comportas abertas ao cultivo da imaginação, relega-se a despistar-se incessantemente do cágado devidamente alojado no primeiro monte de terra. Cavoucarse é conhecer-se, atingir-se negligenciando o calor social é atingir um hermetismo a tal ponto asfixiante que, por instinto de conservação, retorna-se à superfície terrestre com os devidos pés no chão. Por outro lado, tal e qual a jia que insistentemente partiu a película da água com seu pulo e com o tempo complexificou-se pelo... ar, certamente que esta ‘vontade’, esta configuração que segue-se (cegamente, pra não dizer... com a devida honestidade e ingenuidade necessárias para tamanho empreendimento, onde se coloca a própria vida m risco) pelo caminho que a força de atração que o instinto de conservação que as partículas elementares do todo-vivo instaura; certamente que esta vontade terminará por acidentar este humano a cavoucar, após seu retorno, quantas vezes mais a sua vontade fizer-se imperiosa. Ao menos até o instante em que este humano tornar-se distinto de um mamífero humanamente pensante, seja individualmente e/ou coletivamente. Fundamental a um aprofundamento de nosso entendimento, a esta altura, e igualmente fundamental ao desenvolvimento da Teoria Quântica, é o Princípio de Incerteza descrito pelo físico alemão Werner Heisenberg em 1927: “...é impossível determinar com precisão absoluta, no mesmo instante, a posição e o momento de uma partícula. Quanto mais precisão buscarmos em um aspecto, mais prejudicado vai ficar outro.” Não por outro motivo não há como terminar esta concatenação de palavras a não ser do modo como iniciou-se, já que é demonstrável que toda e qualquer direção humana é semelhante quanto ao fato de que todo e qualquer corpo é devidamente um servo da mente acionada e alimentada constantemente pelo ambiente e pelos outros corpos, seja em que nível social este ser estaque. A real diferença entre estas margens é o grande dilema que assimila-se no Mito da Caverna de Platão, onde torna-se difícil desviar-se do prazer encarcerante que a dependência alheia instiga, especialmente quando o próprio equilíbrio depende deste pacto (equilíbrio este definido pela própria sociedade) e ainda quando não se assimila esta dependência como uma ação inevitável em qualquer corpo vivo estendido pelo tecido igualmente vivo, e essencialmente quanto ao fato de que pode ser, em oposição à mumificação, devidamente remasterizada ao prosseguir-se rumo ao dinamismo da versatilidade mental e corporal. Como diziam os gregos: ‘mente são em corpo são’. "Quis mostrar que o espaço-tempo não é necessariamente algo a que possamos atribuir uma existência separada e independente dos objetos da realidade física. Estes objetos são espacialmente estendidos. Assim, o conceito de 'espaço vazio' perde seu significado." - Einstein É perceptível que processa-se um aperfeiçoamento, um amadurecimento da resistência individual com o decorrer da complexificação humana. Em verdade todas as vidas são um fato inédito, todas as vidas merecem atenção. Proteger-se, acreditar-se, ofertar-se a devida atenção, precipitar-se em grupos sociais conforme o peso gravitacional que o pensamento individual indica é arquear-se energeticamente equilibrado em meio ao organismo. A entropia é nula quando não existe incerteza, e para tanto uma disseminação cotidiana de estímulos que fisguem o indivíduo rumo conhecimento faz-se imprescindível, posto que somos servos da mente e já que não existe consciência individual separada da consciência coletiva. "A massa empena tempo-espaço e tempo-espaço empenado informa qual o caminho pelo qual a massa precipitar-se-á" – Einstein. Não por outro motivo, também, emergem-se inevitáveis instantes que ruptura o organismo vigente, como se por um breve suspiro a incerteza da consciência individual a separasse da coletiva, para logo em seguida alargar-se parte do todo. São os saltos que nos suspendem o fôlego – um instante decisivo que não permite mumificar o tempo e o espaço e a gravidade. Estar-se cotidianamente consciente (ou seja, uma consciência de mundo que negligencie-se da alienação) de que cada pedaço humano encontra-se estendido no 'vazio' que o compreende determina um resvalo irremediavelmente consciente (e na prática atinge-se a distração consciente) e consistente para o de-dentro do todo via magma em si, onde a imaginação permanece a irreversível liberdade instantânea que esquadrinha o círculo da vida alquebrado em espiral. “Que povo estamos nos tornando? Ignoramos essas circunstâncias, que agora não são apenas corrupção escancarada e impune, mas falta de compostura de quem era a última instância de nossa vida problemática, derradeira inspiração para a desorientada juventude nossa. Mas não ignoramos por sermos ignorantes, e sim porque nos dizem que está tudo numa boa, e não adianta reclamar. A gente se acomoda, se distrai, olha para o outro lado, porque a capacidade de reagir nos foi lentamente, subliminarmente, retirada. Não por sermos um povo acomodado ou superficial, mas mergulhado num estado geral de desinteresse – e isso contagia feito uma gripe de derrotados sem sempre suínos.” – Lya Luft Como lembro ‘Ainda lembro’ de Jean Wyllys Parece que uma réstia de luz solucionou o que Caetano, em Verdade tropical, considerou ‘irresolvido’: “Uma das coisas mais deprimentes de um país desorientado em sua história – de um país incompetente como disse Hannah Arendt dos países subdesenvolvidos – é a incapacidade de se adequarem os talentos e os temperamentos dos indivíduos às funções que irão exercer. Há uma sensação de desperdício e frustração de que sempre tive consciência e contra a qual sempre quis me insurgir. Este é um ponto central de meus cuidados, foi do tropicalismo e permanece, para mim, irresolvido”. Foi bizarro; deixei o teu livro de lado depois de horas seguidas. No retorno eu já estava ouvindo Calcanhoto, por acaso. ‘Todos nós a esmo’ é, da Parte dois, a minha predileta: “Olha, eu afirmava, até pouco tempo, que todas as pessoas que comigo se deitaram me desejaram. Já não tenho certeza. Sabe por quê? Porque diante da solidão todos ficamos desesperados, perdemos os critérios e nos agarramos ao que vemos pela frente. E nos enganamos, e aos outros.” Inclusive ‘... a esmo’ me remeteu à mais deliciosa das definições da realidade quântica, onde se encontra algo sem procurar. “Conversar com Einstein seria profanar a sua sagrada solidão” - (Humberto Rohden). Há muito timbre aflito gotejado pela segunda parte. “Amor sem palavras, cinema mudo” é impressionante e implacável: “Circulamos como baratas e ratos no escuro, à procura de comida, em meio à imundice e ao mofo. Ratos e baratas que, à menor réstia de luz, recolhem-se ao seu buraco”. Achei intrigante a mulher chamar-se Clarice; essencialmente ao ouvir “A causa de nossa separação sou eu, é meu desejo”. Você pode achar que estou alucinando, mas tenho que dizer o que anuncia-se em mim. Eu vi (e continuo a ver todas as vezes que o releio) Lispector, com Ulisses, esgueirando-se pelos labirintos de tua casa, escutando o que escapa aos ouvidos, à procura do Whisky escondido que lhe disfarça o pavor do enorme rato ruivo ("Perdoando Deus") e dos toques quebradiços da barata que lhe percorre e atravessa enquanto dorme, acordando de madrugada para estar mais próxima da velocidade da luz que parece enfim iluminar o fundo sem fundo da fenda que aconteceu-lhe Clarice. Eu a vi preservando-se, despistando-se do susto ao colocar a "pistola" entre os dedos. “É tão pesado carregar o sol de todo dia e as noites que lhe sucedem”. Há uma intercomunicação constante entre as ficções, por vezes às claras e em outras por túneis sigilosos – não porque o autor desvie-se, mas sim porque desfruta dos resvalos minuciosos de quem olha de perto; ainda que ao longe por vezes se faça, tal e qual de perto, inevitávio. “O que eu quero mesmo é que, na hora da divisão, sigamos em paralelo até o azul do mar profundo”. Combinação esta que contamina todo o livro, espiralando-o do frescor que conserva-se da loucura, ao passo que também a seduz. “Estou livre do seu capricho de ter um coração empoeirado na estante”. A lucidez quanto ao presente resguarda-se na memória do autor-gente. “Um dia de sol. Mas de um sol pálido, sobretudo à tarde, quando farrapos de nuvens no céu começaram a ficar rosa”. Vejo-o ciente de que em cada pôrdo-sol algo acrescer-se-á e que o anterior – o agora, enfim – não deve ser menosprezado com a (quase) indiferença da mesma covardia de agora a pouco. “Não sei se o sotaque depôs a meu favor, mas a verdade é que ele, além de relaxar, confessou que também notava algo de familiar em meu rosto”. Deste modo parece promover uma dinâmica que brinca com a inexatidão e aposta na probabilidade de si como – insistente – promessa que desvela-se e complexifica-se a uma tradução cada vez mais rigorosa. “Despedi-me do vendedor com a promessa de que voltaria ao Rio em breve. Voltei”. Particularmente, de tudo o que eu li seu, o que mais me ordena arrepios é ‘(...) para vêla um dia sorrir sem medo’. Isto me remete a uma música com Nina Simone, onde ela uiva em sussurros agudos: ‘slave to your mind, slave to your mind’. Seu livro é a revelação de um ‘inacreditável’, de uma das faces da fome humana, de uma pulsação com palavras que nos perfuram com um peso tal que é-nos inevitável precipitarmo-nos pelo timbre que tua voz esquadrinha. Deixamo-nos guiar pelos teus olhos ‘enquanto durarem’ – há uma fundura que suas palavras provocam, exigindo-me, marchetado, preencher e destrinchar este empenamento com um toque não menos honesto. Já na contracapa percebe-se o modo como você lapida o mundo: o momento em que uma 'réstia' de sol atinge sua camisa. Eu vi a cena pela televisão, e vê-lo descrevendo-a fica evidente os contornos mágicos-tangíveis com que teus sentidos permitem-se ao que pulsa. O real-impossível que você seduz torna-se possível, basta ver e acreditar no trajeto que você pavimenta. Há uma persistência retiniana que transforma a miragem em toque. E há tantos respaldos espalhados pelo livro, além de tuas próprias palavras, quanto os amigos pelos quais nos aquecemos e nos multiplicamos de potência em uma mesa de bar – Drummond, Gil, Clarice, Saramago, Arenas, Rô Ro, outros. Lembro-me do efeito mercúrio que torna imperativo ao humano agrupar-se, alimentar-se, faiscar-se. [não, não me parece que esteja sendo desmedido com as palavras – respondo ao fantasma que tremelica-me] Parece indissociável combinar você, seu livro, os autores mencionados, eu. Eu apenas permito – como um instinto de sobrevivência que fisga-se a uma superação – que a voz que irradia-se do teu livro traduza com o máximo de frescor possível o tremor que estende-se em mim; do mesmo modo como já resvalei-me por outros escritos, sejam eles de amigos próximos ou de renomados escritores já falecidos ou não. Lembro-me da primeira vez em que escrevi um conto. Lá estava eu caminhando pelas esquinas do diaa-dia SEM a minha câmera fotográfica, quando de súbito vi uma sem-teto com menstruação coagulada pelas pernas, rosto inchado, cambaleante, carregando um buquê de rosas vermelhas empedradas de secura. Passou por mim com uma altivez de tirar o fôlego. Essa cena me perseguiu por quase três anos a fio, até que uma náusea alojou-se em meu de-dentro com tamanha ousadia inflexível que não deu outra. Senti-me como uma presa sendo separada da manada, tendo que encontrar uma fenda escapadiça. Em mim o conto nasceu. Utilizo fotografia e escritura para despistar-me da náusea corpórea que diariamente alça-me - seja lá em que ambiente social o for. Quero realçar um detalhe – eu não sou oficialmente acadêmico (não sou um profissional - ainda que eu esteja ao encalço deste sem que nele eu desfigure-me do livre? acesso ao transcendente); segui-me (e sigo-me) cavoucando-me pelas pessoas e livrarias e bibliotecas que encontro, desvendando-me a/à Voz que me arrebata com palavras e aromas que me destaca a névoa dos olhos. E que me permite ver sem que seja-me necessário esquecer/lembrar - tão facilmente. Clarice - você também relembra - ‘afirmava só estar viva quando escrevia’. E mais adiante você fala de Ícaro, com sua ‘obsessão desmedida’. Eis aí uma questão que (já) me consumiu (com muito mais ardor) durante anos, e que seu livro reascendeu de modo quase corrosivo. Seria birra essa persistência enraizando-se pelo ser do artista quando encharca-se desta 'obsessão desmedida'? Como diriam psicanalistas: seria mera certeza imaginária que sustenta um discurso neurótico? [“Nascida numa crise da sociedade ocidental, a psicanálise não pode de maneira nenhuma tornar-se, na visão lacaniana, o instrumento de uma adaptação do homem à sociedade. Originada de uma desordem do mundo, ela está condenada a viver no mundo pensando a desordem do mundo como uma desordem da consciência. E por isso, no momento mesmo em que Lacan enunciava o princípio de que todo sujeito determina-se por seu pertencimento a uma ‘ordem’ simbólica, ele avançava uma outra tese segundo a qual o reconhecimento desse pertencimento é fonte, para o sujeito, de um dilaceramento original e de uma inelutável neurose” – Elizabeth Roudinesco; o “homem de nossa civilização moderna” não pode ser outro a não ser o portador de uma neurose que não deveria ser rejeitada (sob pena de criar fendas dentro de fendas – “a passagem de uma geração a outra de faz à custa de uma neurose”), mas sim despertada pela noção de que se é livre quando constata-se estendido na impossibilidade da liberdade, elucidando este homem ao cultivo de suas probabilidades e vivacidades – neuróticas – em oposição a ‘uma sensação de desperdício e frustração’]. Uma falta de atenção à distração que lhe arrebata, e que lhe permite concatenar palavras por demais mágicas – de tão desmedidas? Tornou-se tão ‘imperativo’ (como você mesmo descreve a si próprio) estender-me cotidianamente em arte que atingi o instante de não mais tolerar o cotidiano de secretário e artístico em Brasília – desvencilhei-me de tudo que retirava-me concentração e acentuava-me asfixia (era isto ou a loucura - que não me identifica - rondando-me) e saí, com câmera a tira colo e caneta na mochila, de carona em carona, de clic em clic, de palavra em palavra, indo aportar-me em Curitiba, onde encontrei uma cidade que me propiciava andar pelas praças, ler e fotografar, além de internete gratuita 24 horas (Deste período surgiu ‘Versículos e fissuras’). O monstrinho que me corroia haveria de encontrar um modo menos selvagem de alertar-me vivo, pois afinal que vontade era [e é – agora eu sei com atitudes-eu mais mansas e exigentes] aquela que me faz(ia) caminhar com o dedo no clic a ponto de tornar-me invisível (inclusive para mim mesmo) o suficiente para que eu não interfira nos momentos decisivos a serem captados – bem de pertinho! “Amar o perdido/ deixa confundido/ este coração” - Drummond. O que me alimentava estava começando a me asfixiar - seguia-me a sabotar, rumando-me a uma caquexia que eu driblava com alguns exercícios leves de yôga. Eu apenas dizia sim ao chamado; entrava na Biblioteca Federal de Curitiba permitindo-me acreditar no arrepio que me fisgava uma combinação de paz e ansiedade. 'O Jogo da amarelinha' de Cortázar e ‘Os diários íntimos’ de Kafka marcaram fundo. Li os livros de Clarice junto com as biografias e tudo mais a que tive acesso. Sei que era (é) perigoso o meu intento – tentar entrar numa vida por intermédio das entrelinhas de suas (Lispector) próprias palavras e de outros; e dali, de algum modo, encontrar ainda mais luz - algum tipo de iluminura que me desvendasse essa 'obsessão desmedida'. Chamou-me a atenção quando em ‘Perto do coração selvagem’ a personagem principal diz algo como... porque é que todas as vezes que me aproximo de um homem, ainda que eu o deseje, sinto-me como se as paredes se fechassem ao meu redor. De súbito eu me remeti a um livro que ainda está em mim, ‘O universo elegante’ de Brian Greene: "(...) se se capturasse um único elétron dentro de uma caixa sólida e se pouco a pouco se fossem aproximando as paredes umas das outras de modo a ir reduzindo os espaços internos com o objetivo de determinar com precisão crescente a posição do elétron, veríamos que ele pouco a pouco se moveria de maneira cada vez mais frenética. Como se sofresse de claustrofobia, o elétron pareceria desesperado, batendo contra as paredes da caixa com velocidade cada vez maior e em trajetórias cada vez mais imprevisíveis. A natureza não permite que os seus componentes sejam encurralados”. A fundura da natureza em Clarice não a permitia estender-se pelo ambiente da civilização sem que provocasse-se trajetórias imprevisíveis – ainda não assimiladas? De que modo este ser-se desmedida incrustou-se nela? Teria Clarice como reverter aquilo que a consumia, sem que com isto ela se perdesse de seu ‘nó vital’ – a própria escritura seria esta busca? Será que hoje em dia tornou-se mais viável uma certa superação porque “as transformações, hoje, acontecem da noite para o dia.”? E ainda assim pode ser que a fundura da ruptura individual possua o seu peso inegável diante deste controle? E afinal o que é que desobstrui o ser ao que os ouvidos não escutam? Até que ponto é possível desviarmos-nos da imposição que o Sistema endócrino demarca? É fato: é utensílio da mecânica da vida a fundura individual articulando tempo-espaço próprio – quanto mais fundo o negrume da fenda mais tempo-espaço individual precipita-se à velocidade da luz? Já que o ambiente desfruta pertencer. Einstein assanhou-me ainda mais: a massa empena tempo-espaço; tempo-espaço empenado informa a massa qual caminho ela irá percorrer. Se deixarmos cair um lápis ao chão, e se este levar dois segundos para atingi-lo, então diz-se que o lápis empenou o tempo em dois segundos e o espaço de acordo com o trajeto que percorreu. O que levou a massa-Clarice empenar-se pelo tempo-espaço que sensibilizava-lhe a livros? “Achava que livro nascia assim como nasce uma árvore” – Lispector. O que é que o faz, Jean, ainda lembrar? “O que é o eu, senão algo que o sujeito experimenta primeiro como estranho no interior dele? [...] O sujeito tem sempre assim uma relação antecipada à sua própria realização, que o devolve ao plano de uma profunda insuficiência e testemunha nele uma profunda fenda, um dilaceramento original, [...]” (Lacan). É imperativo ao ser humano faiscar-se em outros humanos, celebrando assim a inevitável e necessária troca energética que alimenta a mecânica do pulsante - em casos específicos esta troca energética dá-se via ambientes corpóreos que os olhos nus não decodificam? O que ordenava Clarice tocar o outro tendo palavras (como senhas ao mais além) em seu intermédio? A presa encontrando a fenda escapadiça seria um modo de descrever a (dinâmica fluência da) civilização? O medo, presente em qualquer indivíduo, é mais um dos utensílios que arquiteta civilização - sem ele provavelmente a imaginação já teria entrado em extinção? Então quer dizer que o medo em Clarice era de uma fundura tal que os utensílios sociais requeridos por ela eram a anunciação de uma comunhão futura? O poeta Einstein diz: ‘(...) massa precipita-se pelo caminho de menor resistência’. Então esta precipitação (a escrita) era o caminho de menor resistência de Clarice? Mas como é que se solidifica um caminho de menor resistência; seja ele o seu, ou o meu, ou de quem quer que seja? É enfim o resvalar-se pelo próprio pensamento combinando-o ao ambiente pelo qual estende-se? "Quis mostrar que o espaço-tempo não é necessariamente algo a que possamos atribuir uma existência separada e independente dos objetos da realidade física. Estes objetos são espacialmente estendidos. Assim, o conceito de 'espaço vazio' perde seu significado." (Julho de 1952, Einstein). Celebrando enfim a configuração que nos torna únicos – e humanos e contraditórios? Clarice continuou perseguindo-se em livros, pedindo que as pessoas se rendessem como ela se rendeu para não se sentir só na fenda que lhe configurava sabotagem aos utensílios sociais que poderiam tornar-lhe mais pertencente ao presente - se fosse-lhe capaz comungá-los, já que a fundura de sua ruptura esquadrinhava um específico pertencer. Clarice se separa de seu marido, quase na mesma época em que conclui ‘A paixão segundo GH’, onde promete seu eu a S/si mesma de maneira inflexível, perseguindo enfim aquilo que adora e que, paradoxalmente, destitui-lhe da asfixia comprimindo-a (Na velocidade da luz tempo-espaço fogem - Einstein); desaguando em ‘Água viva’, já no início, como um aviso, algo como: ninguém mais me prende, já estudei matemática, a loucura da razão... "Eu queria saber sobre o que pretendem de mim os meus livros." (Clarice Lispector). Não devemos fazer certas perguntas? Só sei que as faço, do mesmo modo como você, no modo como concatena as palavras, também as faz. Caetano fala do ‘pulo da jia’. Será que foi a desmedida obsessão da jia que saltou-lhe repetidas vezes de encontro ao limite que transcendeu-lhe ao ar como modo respirável de vida? "O bebê alucina o objeto do desejo" (M. Klein). De súbito deparei-me com uma informação (Verdade ou mentira?): quando Clarice nasceu (no ato do nascimento) transmitiu uma doença à mãe, confinando-a a um progressivo definhamento corpóreo (ambas!?!), devidamente compactuado com a criança Clarice. Quer dizer então que configurou-se em Clarice um presságio de morte, um desejo desmedido de transcendência; onde tocar o outro, diretamente, seria como que trazer a própria morte ao vivo? Sendo que por outro lado também seria como que forçar o humano a assimilar uma respiração transcendente - e assim desvelarmos-nos a um ambiente a mais de vida? A arte filtra essa quase maldição? “Sou o meu acontecimento”, destila Lacan. Então quer dizer que a vida é passível de justificativa? O que não significaria lacrar-se contra um modo de vida que a solidificação individual não assimila? E não por outro motivo precipitamos-nos ao consumismo desvairado - seja ele qual for? Será então que a vida só se complexifica porque um determinado susto solidifica uma responsabilidade em certos indivíduos a ponto de que estes superem a si próprios? E, deste modo, arrastam a civilização em seu encalço. "E o que precisamos agora não é apenas de um Rousseau mas de um pelotão de Profetas - uma grande e sagrada casta de 'homens superiores' no sentido que Confúcio deu à palavra - para nos libertar da escuridão." (J. G. Fletcher). A tua infância, a fome, as chacotas, os momentos felizes solidificaram-no de um terceiro olho que o faz esquecer via utensílios que promovem um lembrar? “Essa cena me acompanhou até entrar na casa e com certeza não me livrarei dela tão cedo”. Quer dizer então que quanto mais funda a ruptura, maior é o instintivo desvio do cotidiano em prol de um silêncio que provoca abalos ao estender-se pelo ambiente humano presente – e não por outro motivo a escrita de Clarice só se tornou referência com o passar do tempo? “A repressão aos gays não seria parte da histórica repressão às mulheres(...)?” Será que Clarice, com sua particular configuração solidificada, olhou ao redor e não encontrou (quase) nada que lhe conectasse ao pertencer humano – levando em consideração essencialmente o momento histórico? Será que por vezes é-se tão vivo que parece ser mais do que deveria? "deveria"? Prefiro afirmar com interrogação. Com a palavra Clarice Lispector: "A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la - e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que eu não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas volto com o indizível. O indizível só poderá me ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção é que obtenho o que ela não conseguiu". O meu intento é iluminar um cômodo e ali resvalar-me por uma porta até então desapercebida - e (d)ali redemunhar-me por outros cômodos (ou pelos mesmos) e outras portas (ou pelas mesmas). "Eu que apareço neste livro não sou eu. Não é autobiográfico, vocês não sabem nada de mim. Nunca te disse e nunca te direi quem sou. Eu sou vós mesmos." - Lispector em Um sopro de vida. Dá-me tua mão: vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. (C.L.) O que ouço ao ler o teu livro é... ‘um pouco de possível, senão eu sufoco’ (Deleuse). E o possível, com sua lança, e seu cavalo branco, veio no convívio, na ousadia (ame e dê vexame), no teu 'esforço humano' (cada qual com o seu). Lembro-me de vc, lindo, sorridente, à beira da gargalhada, dizendo... baiano gosta mesmo é de viver. Você fala da saudade daqueles oitenta dias. Agora imagine a falta que foi chegar em casa e não ter mais a vida tão à flor da pele. Muitos intelectuais e não-intelectuais criticam reality shows, mas eu vejo neles um modo de motivar a civilização a algo melhor. Quando se lê um livro identificamo-nos em personagens, cria-se imagens que refletem o trajeto que o escritor delineia e, a partir dali, somos capazes de colocarmo-nos em alguma espécie de paredão que nos faz questionar os conceitos pré-estabelecidos que servem de andaimes ao nosso próprio equilíbrio. Diante do BBB eu vi um procedimento tão semelhante que é como se a qualquer momento as duas linhas (aparentemente) paralelas, aonde minha visão não atinge, encontrar-se-iam. Percebi que em meu dedentro teria que talhar a faísca da coragem que superaria o medo. Viver só pode ser aprender como é que se vive - isto é o que chamam de amor? “(...) esta mão que se dirige ao fruto, à rosa, à lenha que subitamente queima, seu gesto de esperar, de colher, de atiçar, é estreitamente solidário da maturação do fruto, da beleza da flor, do cintilamento da tocha. Mas quando, neste movimento de esperar, de colher, de atiçar, a mão foi para um objeto bem distante, se do fruto, da flor, da lenha, uma mão surge ao encontro da mão que é a sua, e neste momento é sua mão que se paralisa na plenitude acabada do fruto, na abertura da flor, na explosão de uma mão que queima, - então, o que se produz aí, é o amor." (Lacan). Comunicação. Paixão. Lubrificação das articulações. "(...)o tempo é, está e permanece; ele é total demais para o meu tamanho". "A vida e o tempo parecem-me inextrincáveis como as faces de uma moeda, completam-se como sombra e luz. Assim, o tempo tem o tempo todo para ser (e não ser) e a vida tem a vida toda para tirar (e para dar)" - Jean Wyllys.