ESTUDO DE PRÉ-FORMULAÇÃO DE UM DENTIFRÍCIO INFANTIL SEM FLÚOR CONTENDO XILITOL Natália Gomes Lobato1, Nayara Ingrid de Medeiros1, Thiago Carvalho de Assis1, Verônica Barros Machado de Castro Alves1 Luciane de Abreu Ferreira2. RESUMO:As patologias bucais constituem um problema de saúde pública, sendo que a cárie apresenta a maior prevalência. O uso de flúor constitui um dos principais métodos químicos de controle e prevenção da doença, no entanto, o uso excessivo pode levar a doença fluorose. O xilitol além de edulcorante também apresenta atividade anti-cárie. O presente trabalho realizou um estudo de pré-formulação de um dentifrício infantil, sem flúor, utilizando xilitol como princípio ativo. Os dentifrícios foram manipulados e a estabilidade analisada através de parâmetros físico-químicos pré-determinados. A avaliação da aceitação foi realizada por voluntários. Dos três dentifrícios pré-selecionados apenas um (HE1) apresentou aceitação pelos voluntários, sendo a opção escolhida para estudos sequenciais de estabilidade e eficácia. PALAVRAS-CHAVE: Dentifrício. Xilitol. Gel. INTRODUÇÃO des cavidades que se estendem para a polpa dental (LÁZARO As patologias bucais, mesmo não se apresentando como et al.,1999; THYLSTRUP & FEJERSKOV, 2001; FEJERSKOV & ameaças à vida, constituem um grande problema de saúde pú- KIDD, 2005). blica, por sua alta prevalência e, também, por sua importância Nas últimas décadas, tem-se observado um declínio na pre- em termos de dor, desconforto e limitações funcionais e sociais valência de cárie, não só nos países industrializados como tam- que afetam a qualidade de vida. Dentre estas patologias a cá- bém em alguns em desenvolvimento (NARVAI et al., 2006). Esse rie acomete o maior número de pessoas, tanto adultos quan- fenômeno é atribuído, em grande parte, à utilização de produtos to crianças (APPEL & RÉUS, 1998; GONÇALVES et al., 2001; fluoretados e aos programas governamentais para o controle de STREY & SANTOS, 2006). cárie (LIMA & CURY, 2001). A cárie é a desintegração progressiva da estrutura dentária, O uso de produtos com flúor é um dos métodos químicos a qual avança da superfície para o interior. Esta desminerali- de controle de cárie mais conhecido e eficaz. Apesar da eficiên- zação do esmalte dentário é devida principalmente à formação cia deste componente em diminuir o risco de cárie prevenindo de produtos ácidos advindos da fermentação bacteriana. A a desmineralização do esmalte, ele não é capaz de reduzir a princípio, ocorre a formação da placa na superfície lisa e dura retenção da placa na estrutura dentária. Fato realizado princi- do esmalte. Esta é constituída principalmente por depósitos ge- palmente pela ação mecânica da escovação (ELIAS et al., 2006; latinosos de glucano (polímeros de carboidrato) de alto peso STREY & SANTOS, 2006). molecular, que servem como um meio de adesão das bactérias No entanto, a ampla disponibilidade de flúor em dentifrícios, produtoras de ácidos ao esmalte do dente (GONÇALVES et al., na água de abastecimento, nos enxaguatórios bucais além de 2001; APPEL & RÉUS, 2005; STREY & SANTOS, 2006). outros produtos gerou a exposição excessiva de flúor pela po- A etiologia da cárie dentária é multifatorial e seu apareci- pulação, o que paralelamente aumentou a frequência da doen- mento decorre da interação entre fatores relacionados como ça fluorose, que é consequência da ingestão excessiva do íon hospedeiro, microbiota e substrato adequado às necessidades flúor. Nesta doença observam-se defeitos de mineralização do energéticas das bactérias cariogênicas. Tais fatores unidos por esmalte (com severidade diretamente associada à quantidade um determinado tempo desencadearão o aparecimento da do- ingerida), presença de linhas brancas dispostas horizontalmente ença que se manifesta visualmente através de sinais na estrutura na coroa dentária, podendo causar grave comprometimento es- dentária, que vão desde pequenas manchas esbranquiçadas na tético do esmalte dentário. Manchas castanhas também podem superfície do esmalte, difíceis de serem identificadas, até gran- aparecer em virtude da absorção de substâncias presentes na PÓS EM REVISTA l 223 dieta. Nas formas mais graves pode ocorrer, após a erupção, o MILGROM et al., 2011). A ação antibacteriana do xilitol ocorre desprendimento de porções do esmalte, o que leva ao apareci- devido à interrupção do ciclo glicolítico da bactéria, estagnan- mento de depressões na superfície do dente. Casos de ingestão do a produção de ATP e com isso, inibindo o crescimento do excessiva grave podem levar inclusive ao óbito (GONÇALVES patógeno. Além disso, ele também é capaz de reduzir a ade- et al., 2001; APPEL & RÉUS, 2005; ELIAS et al., 2006; STREY & rência dos Streptococcus mutans ao biofilme do dente (MAT- SANTOS, 2006). TOS-GRANER et al., 1998; GONÇALVES et al., 2001; ALMEIDA, A ingestão excessiva de flúor é particularmente grave em 2006; LIMA et al., 2007; PEREIRA, 2009; USA, 2011). crianças abaixo de 6 anos, visto que estudos mostram que nesta O xilitol praticamente não apresenta restrição de uso. Even- idade as crianças podem engolir até 50% do dentifrício durante tualmente observa-se (quando ingerido em altas doses) uma a escovação. Daí uma das principais formas de prevenção da diarréia osmótica, transitória, em menor grau e frequência que fluorose para esta faixa etária ser o uso de dentifrício sem flúor a promovida por sorbitol ou manitol, e que logo cessa com a (THYLSTRUP & FEJERSKOV, 2001). suspensão do seu uso (MATTOS-GRANER et al., 1998; GON- Os dentifrícios são associações de substâncias que, usadas na escovação diária, limpam ou removem depósitos exógenos ÇALVES et al., 2001; ALMEIDA, 2006; LIMA et al., 2007; PEREIRA, 2009). aderidos aos dentes, tornando-os mais resistentes aos ataques Alguns estudos demonstram que a concentração ideal de das bactérias. Além disso, reduzem a flora bacteriana anormal, xilitol para eficácia anti-cárie varia de 6 a 10%, valores bem su- eliminam manchas nos dentes e auxiliam na remoção da pla- periores daquele utilizado como edulcorante. No mercado in- ca dental e do tártaro, controlando os odores bucais (APPEL & dustrializado praticamente não existe produtos contendo xilitol RÉUS, 1998; APPEL & RÉUS, 2005). nesta concentração mais elevada (LIMA et al., 2007; NUNES et A composição básica de um dentifrício inclui: um abrasivo al, 1997; PEREIRA, 2009). sólido, suspenso em uma fase líquida que contém detergentes, Diante disso, o objetivo deste trabalho é realizar o estudo umectantes, aglutinantes, conservantes, corantes, flavorizantes, de uma pré-formulação de um dentifrício infantil, sem flúor, con- água e flúor. Existe ainda a possibilidade de apresentarem fun- tendo xilitol, incluindo testes físico-químicos dos produtos sele- ções medicamentosas quando associados a princípios ativos cionados, análise de custo e avaliação preliminar da aceitação com ação terapêutica (NUNES et al., 1997; APPEL & RÉUS, por voluntários. 2005). Dentre estes agentes cita-se o xilitol cujo nome relaciona-se à xilose, o açúcar da madeira, a partir da qual o xilitol foi obtido pela primeira vez. Devido ao sabor adocicado o xilitol tem sido utilizado como edulcorante em produtos farmacêuticos e alimentícios (ALMEIDA, 2006; PEREIRA, 2009). Na nomenclatura química, o xilitol é classificado similarmente ao sorbitol e ao manitol, ou seja, como um açúcar-álcool ou um poliól. O xilitol foi descoberto em 1890, pelo químico alemão Emil Herman Fischer e por seu assistente Rudolf Stahel, mas os estudos relacionados à utilização do xilitol e cárie dentária só tiveram início na década de 1970, na Finlândia. Inicialmente, foi observada a capacidade do xilitol em reduzir o crescimento e a produção de ácidos do Streptococcus mutans, principal bactéria responsável pelo desenvolvimento da cárie dentária (MUSSATO & ROBERTO, 2002; ALMEIDA, 2006; PEREIRA, 2009; 224 | PÓS EM REVISTA MATERIAIS E MÉTODOS Na primeira etapa do estudo foram selecionados os polímeros formadores do gel para preparo do dentifrício, e os respectivos adjuvantes, considerando dados de compatibilidade e estabilidade. Foram utilizados os polímeros Hidroxietilcelulose (HE) e/ou carboximetilcelulose sódica (CMC) em diferentes concentrações. O xilitol, princípio ativo da formulação, foi utilizado na concentração de 10% juntamente com os componentes: lauril sulfato de sódio (tensoativo), benzoato de sódio (conservante), sorbitol (umectante), sucralose (edulcorante) e aroma de tutti-frutti (flavorizante). Os dentifrícios manipulados foram submetidos à avaliação preliminar da estabilidade físico-química diante de parâmetros e critérios de aceitação previamente definidos. Tabela 1 - Parâmetros físico-químicos avaliados nos dentifrícios Os dentifrícios aprovados na análise físico-química fo- da avaliação da aceitação. HE1 apresentou maior número de ram submetidos à avaliação de aceitação por voluntários, respostas ótimas e boas. Já o dentifrício com HE/CMC apresen- por meio de teste com uma amostra do produto e posterior tou maioria de respostas ruins. preenchimento de um questionário com dados da percepção O sabor foi o parâmetro mais criticado pelos voluntários e do dentifrício sobre os parâmetros: consistência, sabor, es- considerado, por grande parte, como pouco sensitivo (muito su- puma e custo. As respostas incluíam as opções: ótimo, bom ave). A grande maioria das sugestões no questionário sugeriu o e ruim. O preço dos dentifrícios foi calculado levando-se em aumento do sabor de tutti-frutti. consideração o custo das matérias-primas e da embalagem. Em relação aos demais parâmetros analisados, o dentifrício Paralelamente foi realizado um levantamento de mercado de apresentou aspecto homogêneo, coloração rosa brilhante, com produtos similares ao objeto do estudo. Todos os participan- odor característico de tutti-frutti. A consistência alcançada da tes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido pré-formulação foi média e houve formação de espuma. Tratan- concordando em participar da pesquisa. Os sujeitos do es- do-se do pH, o valor obtido na análise foi 6,0, enquadrando-se tudo foram escolhidos aleatoriamente e constituiu de uma dessa forma, nos parâmetros estabelecidos. amostra de 20 pessoas. O custo dos dentifrícios foi de R$5,50 por 60g do produto, sendo que o preço médio de dentifrícios infantis comerciais RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram desenvolvidos 15 dentifrícios, dos quais três apresentaram-se dentro dos critérios de aceitação definidos na Tabela 1, sendo dois com o polímero HE (HE1 e HE2, em diferentes concentrações) e um com a associação de HE/CMC. Oito colaboradores da Faculdade de Odontologia do Centro Universitário Newton Paiva e doze pessoas leigas participaram vendidos em supermercados, sem xilitol, é em torno de R$3,50 (60g). Apesar dos dentifrícios com xilitol terem apresentado custo compatível com produtos comerciais, alguns avaliadores ainda consideraram o valor elevado, porém estes não levaram em consideração que os produtos comerciais eram isentos do xilitol, o principal componente do dentifrício desenvolvido. Ressalta-se ainda que dentifrícios infantis apresentam um custo superior que PÓS EM REVISTA l 225 os dentifrícios tradicionais de adulto, justamente pelo diferencial da sua composição. CONSIDERAÇÕES FINAIS Está bem documentado na literatura a ação anticariogênica do xilitol e a importância da escovação dental no controle da cárie, além da contra-indicação do uso de dentifrício com flúor em crianças abaixo de 6 anos. Os resultados do estudo da pré-formulação do dentifrício infantil com xilitol apresentaram três preparações aprovadas na avaliação preliminar, das quais LIMA, Y.B.O. & CURY, J.A. Ingestão de flúor por crianças pela água e dentifrício. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.35, n.6, p 576-581, 2001. LIMA, M.; MOTTA, M. E.; ALVES, G. Saúde da criança: para entender o normal. Editora Universitária UFPE, Recife, 2007. MATTOS-GRANER, R. O.; ZELANTE, F.; PEREZ, R. C. S. R.; MAYER, M. P. A. Prevalência de estreptococos do grupo mutans em crianças de 12 a 31 meses de idade e sua associação com a frequência e severidade de cárie dental. Revista de Odontologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 12, n. 4, p. 309-314, 1998. aquela contendo o polímero hidroxietilcelulose (HE1) apresentou a melhor aceitação pelos consumidores. Sendo, portanto, a formulação de escolha para realização de estudos sequenciais de estabilidade sob diferentes temperaturas e análise de eficácia. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Lys Maria A. Gondim. Aplicações otorrinolaringológicas do Xilitol. IV Manual de Otorrinolaringologia Pediátrica da IAPO. Guarulhos, 2006. Disponível em: <http://www.iapo.org.br/manuals/03-7.pdf>. Acesso em 01 abr. 2011. APPEL, G. & RÉUS, M. A odontologia e a farmácia de manipulação. Revista Racine, São Paulo, Jan/Fev. 1998. APPEL, G. & RÉUS, M. Formulações aplicadas à odontologia. RCN editora, São Paulo, 2ª ed., 2005. 607 p. ELIAS, F.; PINZAN, A. & BASTOS, J. R. M. 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