Os melhores novos alunos do ensino superior em Portugal ZOOM Daniel Freitas teve a melhor média de todos os portugueses que começaram este ano a vida académica. Entrou em Engenharia Informática e no Porto, com uma média muito superior à neces- Computação, sária: 19,87 valores. Conheça os génios que chegaram às universidades. // PÁGS. 28-29 Os reis da pauta. Tirar 20 atrás de 20 como se não houvesse amanhã Ter uma média de 19,87 não é para todos. Aliás, é só para um. Daniel Freitas é o melhor aluno de Portugal nos, uma dezena ingressou em Medicina Apesar das notas excelentes, diz que não SÍLVIA CANECO silvia. [email protected] é Daniel Freitas anda contra a corrente. Tinha média para o curso mais cobiçado, mas fugiu à regra. Deixou a medicina na gaveta. E apesar das influências e das tentativas de dissuasão, do "vai para medicina porque vais ganhar dinheiro" ou "porque vais ter reputação", Daniel, 18 anos, que no tempo das disquetes se escondia no escritório a brincar no computador do pai, não abdicou da paixão. "Viver sem computadores seria difícil." Foi número um cm seis faculdades. Número um em Engenharia Informática e Computação. Número um do país, com uma média de 19,87. Pergunta-se "Como se consegue uma média assim?" e Daniel e insaciado, porresponde, constrangido que ainda lamenta não ter sido melhor: "Só este ano [12.°] é que a média baixou um bocadinho. Foi por causa do exame que valia 30%." Exame de de português português, esse, em que tirou 18. Um ponto acima e Daniel teria entrado na universidade com uma média de - nada mais, nada menos - 19,95. Para entrar em Engenharia Informática e Computação, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, precisava apenas de 15,4 valores. Daniel sabia-o, mas não se encostou: " Sempre encarei como uma profissão e queria ser o melhor. Já tinha padrões tão elevados que não concebia a hipótese de baixar as notas." Antes dos computadores, havia o sonho de todos os rapazes: ser astronauta. Ou jogador de futebol. Depois veio a escola primária. Sempre os estudos que apresentava trabalhos e era elogiado, no dia seguinte levava o dobro. Diz que não era "um rato de biblioteca", mas confessa ter abdicado de algumas coisas. "Não deixei de sair à noite e ir a jantaradas, mas sabia que no dia seguinte tinha de compensar, já não podia agarrar-me ao computador. Tinha de reduzir o tempo a alguma coisa e não podia ser ao estudo." Ficava chateado sempre que às duas da manhã os pais o mandavam deitar quando lhe faltava "estudar este ou aquele pormenor". Desiludido quando tirava notas mais baixas. E as notas mais baixas rondavam o 18. Filho de um advogado e de uma médica, Daniel estudou no colégio de Lamego um dos mais antigos colégios priva- - dos do país - e da sua turma de 40 alu- um bom exemplo de aluno organiza- do. Ele, não-metódico, se confessa: "Con- fesso que para testes estudei muitas vezes na véspera." Daqui a 10 anos, não se ima- gina noutro sítio que não na Microsoft. OS BONS ALUNOS TAMBÉM COPIAM Pedro Vieira, de Vila Nova de Gaia, é outro dos melhores alunos do país e assume que, além de já terem espreitado várias vezes os seus testes, também já copiou. "Não sou santo. Os outros precisaram e eu também precisei. Acho que toda a gente já copiou e foi copiado." Pedro, 18 anos, só decidiu no início de 2009 que queria apostar no bicho-papão da maioria dos estudantes portugueses - a Matemática. "Estava indeciso em demasiadas áreas. Mas quem me conhece sabe que é na matemática que sou realmente bom." Começou por excluir as engenharias e só depois a medicina. "O meu pai [que é médico] bem tentou que eu fosse para medicina mas consegui desviar-me dessa opção", brinca. Com uma média de 19,15, não teve dificuldade em ser o primeiro colocado no curso de Matemática Aplicada e Computação do Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa. "Empenho, dedicação, atenção nas aulas" é o que Pedro diz que basta para se ter uma média acima de 19. Não se lembra de ter ouvido os pais a dizer "tens de te esforçar mais". E assume que ser bom aluno nem sempre significou ser popular. "Não posso dizer que sofri bullying mas também nunca fui um herói." A TENTAÇÃO DA MEDICINA Catarina Lombo e Miguel Pais e Sousa foram colegas no Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Porto. Catarina, envergonhada e dis- creta, conquistou com uma média de 19,78 o primeiro lugar no curso de medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Não fugiu à tendência da escolha dos alunos com melhores médias de entrada do país, mas também nunca pensou noutra coisa. "Desde muito pequena que quero ser médica e sempre soube que precisava de ter boas notas. Mas nunca quis ser a melhor, fui porque calhou." Uma média dessas - 19,78 - não se fez só com estudo. "É preciso bons professores, apoio, sorte e sangue-frio para não se estar nervoso nos exames." Miguel Pais e Sousa que acaba de - entrar na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa com uma média de 19,27 - engasga-se quando tenta explicar como se constrói uma média assim. E depois desvaloriza: "Estou muito longe de ser o melhor aluno. Há muitos alunos melhores do que eu. A Catarina, por exemplo." E insiste: "Acho que esta média não é nada de extraordinário, tendo em conta o nível de exigência que há em Portugal, sobretudo nos exames. Tirei 190 no exame de economia estudando só pelos livros de resumo - e acho que não foi um milagre. Fiquei embasbacado com a facilidade." Passou três anos indeciso entre economia e medicina. E só decidiu no momento em que tinha nas mãos o papel da candidatura ao ensino superior. Economia é uma área tão actual... Basta ver que os únicos que sabem falar dos temas de que toda a gente fala são economistas. E assim também fujo à regra", brinca. A escolha, afinal, tem mais custos. Agora, todos os dias ouve a pergunta: "Com uma média dessas, por que é que não foste para medi- cina?" Miguel deixa escapar um leve tom de irritação: "É um estereótipo absurdo. Pensa-se que um bom potencial só pode ser aproveitado em cursos de medicina e de investigação científica. Não se pode ter bons alunos noutras áreas?" Miguel, que teve uma breve experiência de um mês e meio de ensino público, diz que a grande vantagem dos privados é a inteligência dos colegas. "Quanto mais cultos, ambiciosos e interessados eles forem, mais estimulados nos senti- mos." E antes de terminar, apressa-se a desmistificar a ideia de que os bons alunos não têm vida social. "Não sou um tipo dos computadores viciado em estudo e em livros. Sou uma pessoa norma- Saio à noite, bebo uns copos, tenho amigos e namorada" Além da vida social "normalíssima", Miguel foi presidente da associação de estudantes e fez líssima. "Não teria orgulho em dizer que passei três anos num quarto e que sou o senhor sabedor que vai para as aulas corrigir os professores." voluntariado. Um alunos do país assume que, além de terem dos melhores espreitado os seus testes, também ele já copiou 03 MIGUEL PAIS E SOUSA 01 DANIEL FREITAS Engenharia Informática Conquistou o pódio das superior. Foi Disse não a e Computação com uma média de 1 9,87 colocações no ensino o melhor e fugiu à regra. medicina e candidatou-se a Engenharia Informática e Computação na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Ficou desiludido quando, depois de tirar 1 9,9 a Português, no teste seguinte desceu para 1 8. Economia Na escola primária, quando tirava um Bom "ia para casa chateadíssimo, a chorar". A pior nota dos últimos anos foi um 14 a Português. Porque estudou menos? Não, respondeu ao tema da composição da outra turma e aí perdeu 5 valores. A média de 1 9,27 abria-lhe portas a qualquer curso. Só no dia de se candidatar se decidiu pela economia. Ainda vacila pela medicina. 02 CATARINA LOMBO 04 PEDRO DE SOUSA VIEIRA Medicina Matemática Aplicada e Computação A mãe fazia perguntas sobre contas e tabuada ao irmão mais velho. Pedro, dois anos mais novo, intrometia-se e dava a resposta certa. O fantasma Sempre estudou da mesma maneira: lia os livros e repetia em voz alta. A pior nota que se lembra de ter tido nos últimos anos foi um 15 a Português. "Fiquei frustrada mas recuperei". Desde pequena que quer ser médica. Com uma média de 19,78, conseguiu ser a primeira na lista de candidatos à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. da maioria dos alunos portugueses Foi o aluno com melhor deslumbrou-o. média a entrar em Matemática Aplicada no Instituto Superior Técnico.