Cerne Universidade Federal de Lavras [email protected] ISSN (Versión impresa): 0104-7760 BRASIL 2007 Anderson Marcos de Souza / Dulcinéia de Carvalho / Fábio de Almeida Vieira / Leandra Helena do Nascimento / Danielle Cristina de Lima ESTRUTURA GENÉTICA E ESPACIAL DE POPULAÇÕES NATURAIS DE CALOPHYLLUM BRASILIENSE CAMB. EM MATA DE GALERIA Cerne, julho-setembro, año/vol. 13, número 003 Universidade Federal de Lavras Lavras, Brasil pp. 239-247 Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal Universidad Autónoma del Estado de México http://redalyc.uaemex.mx GENÉTICAnaturais... E ESPACIAL DE POPULAÇÕES NATURAIS DE Estrutura genéticaESTRUTURA e espacial de populações Calophyllum brasiliense Camb. EM MATA DE GALERIA 239 Anderson Marcos de Souza1, Dulcinéia de Carvalho2, Fábio de Almeida Vieira3, Leandra Helena do Nascimento4, Danielle Cristina de Lima4 (recebido: 16 de outubro de 2006; aceito: 20 de abril de 2007) RESUMO: Calophyllum brasiliense Camb. (Clusiaceae) é uma espécie arbórea de grande plasticidade ecológica, presente em diferentes fitofisionomias. Devido à sua preferência em colonizar solos com alta saturação hídrica, é considerada especialista em habitat e, por esta razão, ocorre com grande freqüência nos ambientes ciliares. Assim, a fim de se avaliar e compreender os padrões da variabilidade genética inter e intrapopulacional de C. brasiliense nestes ambientes, duas populações de Mata de Galeria foram amostradas. A partir da análise de eletroforese de isoenzimas, os resultados obtidos mostraram alta heterozigosidade para a espécie, o de 0,444 e 0,492. Os dados da estrutura genética indicaram a ausência de endogamia dentro das populações e também para o conjunto das populações ( f = -0,078; F = -0,063). A maior parte da variabilidade genética encontra-se distribuída dentro das populações ( p = 0,14) e o fluxo gênico foi baixo ( Nm = 0,83). A estimativa do coeficiente de coancestria indicou estruturação genética espacial na menor classe de distância, com valores positivos e significativos, nas duas populações. Essas informações são importantes para subsidiar programas de conservação genética in situ e ex situ da espécie. Além disso, deve-se orientar para a preservação e manutenção das populações naturais de C. brasiliense, pois esta espécie demonstra fragilidade aos fatores que põem em risco a sua variabilidade genética. Palavras-chave: Conservação genética, distribuição espacial, Guanandi. GENETIC AND SPATIAL STRUCTURE OF NATURAL POPULATIONS OF Calophyllum brasiliense Camb. IN GALLERY FOREST ABSTRACT: Calophyllum brasiliense Camb. (Clusiaceae) is a tree of great ecological plasticity and it is present in different forest physiognomy. Due to its preference to water-saturated soils, it is considered specialist in habitat, due to this, it occurs frequently in the riparian forest. In order to access and understand the inter and intrapopulation genetic variability patterns, two populations of C. brasiliense in gallery forest were sampled. The results obtained by isoenzyme electrophoresis analysis showed a high heterozygosity for this species, o equal 0.444 and 0.492. The genetic structure analysis indicated the absence of intra and inter populations inbreeding ( f = -0.078; F = -0.063). Most of the genetic variability was distributed within the populations ( p = 0.14) and the gene flow was low ( Nm = 0.83). The coancestry coefficient estimated showed positive spatial structure in small distance classes. This information is important to programs of conservation genetics in situ and ex situ of the species. Moreover, it is necessary to improve the preservation and the maintenance of natural populations of C. brasiliense, since this species demonstrates fragility to factors that put at risk its genetic variability. Key words: Conservation genetics, spatial distribution,Guanandi. 1 INTRODUÇÃO As Florestas Estacionais Semideciduais estão presentes em grande parte do Estado de Minas Gerais e apresentam grande heterogeneidade florística, distribuindose em gradientes que vão desde as Matas Ciliares até as Matas Mesófilas Semideciduais, formando mosaicos de diferentes tipos vegetacionais (VELOSO et al., 1991). As florestas ciliares incluem as matas ciliares e matas de galeria, sendo importantes pela atuação como corredor ecológico e banco de material genético, garantindo a conservação de muitas espécies e contribuindo positivamente para a biodiversidade. A manutenção da vegetação natural desses ecossistemas é primordial, pois a sua recuperação e conservação passam por um amplo processo de valoração, como a manutenção da qualidade e produção de água, controle de erosão, conservação da fauna e flora e utilização de produtos não madeireiros. 1 Professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Piauí/UFPI Campus Profa. Cinobelina Elvas Planalto Horizonte Bairro Cibrazem 64900-000 Bom Jesus, PI [email protected] 2 Professora do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Lavras/UFLA Cx.P.3037 37200-000 Lavras, MG [email protected] 3 Doutorando do Curso de Engenharia Florestal do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Lavras/UFLA Cx.P. 3037 37200-000 Lavras, MG [email protected] 4 Discentes do Curso de Ciências Biológicas da UNILAVRAS Rua Padre José Poggel,506 Centenário 37200-000 Lavras, MG [email protected] Cerne, Lavras, v. 13, n. 3, p. 239-247, jul./set. 2007 240 SOUZA, A. M. de et al. Todo ambiente ciliar possui características edáficas distintas, sendo isto responsável pela especificidade de determinadas espécies vegetais. Dentre estas espécies, Calophyllum brasiliense Camb. se destaca devido à plasticidade ecológica e preferência em se estabelecer em solos com alta saturação hídrica. Como grande parte destas áreas encontra-se degradada, a caracterização da estrutura genética de populações de espécies arbóreas pode demonstrar as conseqüências desta degradação, de forma a orientar ações para a conservação genética. C. brasiliense é uma espécie de ampla plasticidade ecológica em ambientes ciliares. No Brasil, está presente em todas as bacias hidrográficas, abrangendo quase todas as regiões fitoecológicas do país (GUIMARÃES et al., 1988). A espécie é amplamente utilizada na alimentação animal (LEME et al., 1994), na apicultura e com aplicação medicinal (FIGUEIREDO, 1979). Além disso, é utilizada em reflorestamentos para recuperação ambiental, reposição de Matas Ciliares (MARQUES, 1994) e plantio em áreas com solo permanentemente encharcado (TORRES et al., 1992). Mediante à junção de conceitos de ecologia e genética populacional, os marcadores genéticos vêm sendo utilizados para avaliar a variabilidade genética de populações naturais de plantas (JAEGER, 2004; OLIVEIRA, 2000; PINTO et al., 2004; VIEIRA, 2005). As informações obtidas nesses estudos são importantes para a definição de estratégias de conservação, apontando direções para a monitoração de vários ambientes (KAGEYAMA & GANDARA, 1998). Dessa forma, buscou-se com este trabalho avaliar e compreender os padrões da variabilidade genética inter e intrapopulacional, determinar o fluxo gênico e estudar a distribuição espacial em duas populações de Calophyllum brasiliense em Mata de Galeria. 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Caracterização das áreas de estudo Devido à grande ocorrência do C. brasiliense nas matas de galeria do sul do Estado de Minas Gerais, duas populações foram escolhidas para caracterizar, quantificar e avaliar a distribuição da sua variabilidade genética. População ARA Cachoeira das Aranhas Este local é representado por duas microbacias (córrego Batatal e córrego Farias, 21°21 42" S, 44°46 05" W) localizadas a 14 km do município de Itumirim, MG, Cerne, Lavras, v. 13, n. 3, p. 239-247, jul./set. 2007 sentido Carrancas, conhecida na região como Cachoeira das Aranhas. As duas microbacias são paralelas, com distância aproximada de 1,5 km. A fisionomia da vegetação é constituída por matas de galeria, com pontos contínuos ou fragmentados, que apresentam limites definidos com formação não florestal (campo rupestre), e com altitude média de 1.200 m. Nas duas microbacias há a interrupção natural da vegetação em determinados pontos, devido à presença de afloramentos rochosos, fazendo com que a distribuição de C. brasiliense não seja uniforme ao longo dos cursos d água. População CA Carrancas Esta área é caracterizada por duas microbacias localizadas na entrada do município de Carrancas, MG, sentido Itutinga, na área conhecida como Complexo da Toca (21°28 24" S, 44°39 05" W). As duas áreas de estudo (microbacias) estão localizadas uma perpendicular a outra, a uma distância de aproximadamente 1,3 km. A fisionomia da vegetação é constituída de matas de galeria, com pontos contínuos ou fragmentados que apresentam limites definidos com o campo rupestre, com altitude média de 1.300 m. Em apenas uma das microbacias, denominada de Escorregador da Toca, há a interrupção natural da vegetação, devido à presença de afloramentos rochosos, o que resulta na distribuição desuniforme dos indivíduos de C. brasiliense ao longo do curso d água. Essa microbacia apresenta sinais evidentes de degradação, devido aos vários pontos de visitação propícios a banhos. 2.2 Amostragem dos indivíduos Amostras de folhas de 60 árvores adultas foram coletadas nas duas populações. Em cada área foram escolhidas duas microbacias, denominadas de subpopulações I e II, onde foram amostradas 30 árvores distanciadas, quando possível, a aproximadamente 20 m, sendo estas georreferenciadas com o uso do GPS (GARMIN 72). As folhas foram coletadas e acondicionadas em sacos plásticos, levadas para o Laboratório de Melhoramento Florestal e Recursos Genéticos do DCF/UFLA e armazenadas em freezer a -80oC, até o momento da extração das enzimas. 2.3 Extração das enzimas e eletroforese A extração das enzimas foi feita com 200 mg de tecido foliar, utilizando-se 1 mL da solução-tampão de extração (ALFENAS, 1998). A eletroforese de isoenzimas utilizada foi a vertical, conduzida em meio suporte de gel de poliacrilamida de 4% para o gel de concentração e de Estrutura genética e espacial de populações naturais... 7,5% e 10% para o gel de separação, dependendo do sistema enzimático. As revelações dos géis foram baseadas na metodologia descrita por Alfenas (1998). Dez sistemas enzimáticos foram utilizados por apresentarem os melhores padrões isoenzimáticos para interpretação (Tabela 1). Tabela 1 Sistemas enzimáticos utilizados em Calophyllum brasiliense Camb. Table 1 Camb. Enzymatic systems used in Calophyllum brasiliense Sistema enzimático Sigla EC* Álcool desidrogenase ADH 1.01.01.01 -esterase -EST 3.01.01.01 -esterase -EST 3.01.01.01 ACP 3.01.03.02 Fosfatase ácida GLDH 1.01.01.48 Glucose desidrogenase GDH 1.01.01.47 Glutamato desidrogenase GTDH 1.04.01.03 Malato desidrogenase MDH 1.01.01.37 Sorbitol desidrogenase SDH 1.01.01.14 SKDH 1.01.01.25 -galactose desidrogenase Xiquimato desidrogenase * Enzyme Comission 2.4 Análise dos dados A caracterização da variabilidade genética intra e interpopulacional foi avaliada pela porcentagem de locos polimórficos, número médio de alelos por loco (Â), heterozigosidade média observada ( o) e esperada ( e). Foi calculada a porcentagem de locos em eqüidade gênica (baixa amplitude de variação), com freqüências alélicas entre 0,350 e 0,650 (FRANKEL et al., 1995). A estrutura genética foi abordada a partir dos coeficientes de coancestralidade de Cockerham (1969), sendo estimados os índices de fixação para a média das populações ( f ) e para o conjunto das populações ( F ) e a divergência genética entre populações ( p ), com o uso dos programas GDA (LEWIS & ZAYKIN, 2000) e BIOSYS 2 (SWOFFORD & SELANDER, 1997). O fluxo gênico entre as populações foi estimado a partir da relação entre a quantidade de migrantes ( Nm ) e a divergência entre populações ( p), de acordo com Crow & Aoki (1984). O tamanho efetivo de vizinhança ( N b) foi utilizado para estimar o número médio de indivíduos numa área onde ocorre panmixia: N b = 2 . Nm (SLATKIN & BARTON, 1989). Para a análise da estrutura espacial de C. brasiliense foi utilizado o programa SPAGeDi 1.1 (HARDY 241 & VEKEMANS, 2002). O coeficiente de coancestria ( xy ) foi estimado entre plantas, para cada classe de distância (RITLAND, 1996). O erro padrão da média das estimativas foi obtido por reamostragem jackknife (EFRON & STEIN, 1981) entre locos e, a partir dele, foram construídos intervalos de confiança a 95% de probabilidade. A ausência de estrutura genética espacial foi testada dentro de cada classe de distância, utilizando-se 1.000 permutações. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dez sistemas enzimáticos utilizados revelaram 14 locos polimórficos, que apresentaram estrutura monomérica da enzima e segregação de dois alelos em cada loco (Tabela 2). O número de sistemas enzimáticos e de locos polimórficos utilizados para a caracterização genética de espécies arbóreas é bastante variável. Berg & Hamrick (1997) sugerem um mínimo de 10 locos polimórficos para os estudos de diversidade e estrutura genética. Vários trabalhos visando a caracterização genética de espécies arbóreas de ocorrência em ambientes ciliares têm utilizado um número de locos próximos ao recomendado pelos autores citados acima. Jaeger (2004) realizou a caracterização genética e demográfica de populações naturais de Xylopia emarginata Mart., em Mata de Galeria, analisando 11 locos polimórficos; este mesmo número de locos foi utilizado por Pinto et al. (2004) em populações naturais de Copaifera langsdorffii Desf. em áreas de Mata Ciliar. Outros estudos com espécies arbóreas, como o de Oliveira (2000) e Vieira (2005), utilizaram 11 e 10 locos isoenzimáticos polimórficos, respectivamente. Assim, presume-se que o número de locos polimórficos obtidos neste estudo é coerente com outros trabalhos que avaliaram e caracterizaram a variabilidade genética, a estrutura e o fluxo gênico de espécies arbóreas. A análise das freqüências alélicas das populações de C. brasiliense mostra a segregação de dois alelos e a ausência de alelos exclusivos em todos os locos analisados. De modo geral, as freqüências alélicas foram semelhantes entre as populações. Com a exceção no loco -EST1, o alelo 2 apresentou-se com maior freqüência em todos os outros locos nas duas populações. As maiores freqüências do alelo 2 foram detectadas nos locos -EST1, GTDH1, MDH1 e SDH1, na população amostrada na Cachoeira das Aranhas e nos locos ADH1, -EST1, EST2, GLDH1, GDH1 e MDH1, na população amostrada em Carrancas. Cerne, Lavras, v. 13, n. 3, p. 239-247, jul./set. 2007 242 SOUZA, A. M. de et al. Tabela 2 Freqüências alélicas e tamanho da amostra (n) de árvores reprodutivas de populações naturais Calophyllum brasiliense Camb. amostradas em áreas de Mata de Galeria. Table 2 Alleles frequency and sample size (n) of reproductive trees of natural populations of Calophyllum brasiliense Camb. sampled in Gallery Forest areas. Locos ADH1 -EST1 -EST2 -EST1 -EST2 ACP1 ACP2 ACP3 GLDH1 GDH1 GTDH1 MDH1 SDH1 SKDH1 Alelos 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n Cachoeira das Aranhas 0,333 0,667 60 0,500 0,500 57 0,466 0,534 59 0,263 0,737 59 0,317 0,683 60 0,368 0,632 53 0,466 0,534 58 0,373 0,627 57 0,322 0,678 59 0,398 0,602 59 0,229 0,771 59 0,246 0,754 59 0,119 0,881 60 0,325 0,675 60 Carrancas 0,275 0,725 60 0,509 0,491 57 0,466 0,534 59 0,254 0,746 59 0,292 0,708 60 0,458 0,542 59 0,414 0,584 58 0,390 0,610 59 0,292 0,708 60 0,246 0,754 59 0,431 0,569 58 0,153 0,847 59 0,331 0,669 59 0,356 0,644 59 Cerne, Lavras, v. 13, n. 3, p. 239-247, jul./set. 2007 Na população amostrada na Cachoeira das Aranhas a eqüidade gênica foi de 42% dos locos ( -EST1, -EST2, ACP1, ACP2, ACP3 e GDH1) e em Carrancas foi de 50% ( EST1, -EST2, ACP1, ACP2, ACP3, GTDH1 e SKDH1). A eqüidade gênica representa a menor variação das freqüências alélicas numa espécie, sendo, então, um indicativo de maior diversidade genética (FRANKEL et al., 1995). Os valores de eqüidade gênica encontrados nas duas populações revelam que estas possuem aproximadamente metade dos locos com alta variação das freqüências alélicas, o que em longo prazo pode torná-los mais susceptíveis aos efeitos de deriva genética, estando estes mais susceptíveis a perda de alelos. Sendo assim, visando a preservação e a conservação genética de C. brasiliense nesses remanescentes, são necessárias medidas que garantam a conectividade dos mesmos, de forma que toda a matriz vegetacional de inserção possa exercer o seu papel de vetor. Tais medidas poderiam contribuir para a ação dos agentes polinizadores e dispersores, que são fundamentais para a manutenção da variabilidade genética (JOHANSSON et al., 1996; VIEIRA, 2005). O polimorfismo detectado nas duas populações foi de 100% e o número de alelos por loco foi  = 2 (Tabela 3). As estimativas das heterozigosidades observadas ( o ) foram de 0,444 e 0,492 e das esperadas ( e ) de 0,430 e 0,438, nas populações de Cachoeira das Aranhas e Carrancas, respectivamente. O índice de fixação ( f ) foi negativo nas duas populações. Os valores de heterozigosidade indicam que a população de Cachoeira das Aranhas, de menor eqüidade gênica, possui também um menor número de heterozigotos e, por conseqüência, menor diversidade genética. Os valores de heterozigosidade encontrados por Kawaguici & Kageyama (2001), com a mesma espécie aqui estudada, foram de 0,141 para o e 0,223 para e. Notase que estes foram menores do que os valores encontrados no presente estudo. Entretanto, valores próximos aos detectados para o C. brasiliense foram relatados para outras espécies arbóreas, como para Xylopia emarginata (JAEGER, 2004), cujos valores foram de 0,484 e 0,722 para o e 0,395 e 0,425 para e . Oliveira (2000) e Pinto et al. (2004), estudando Copaifera langsdorffii, uma espécie também encontrada em Mata de Galeria, encontraram valores de heterozigosidade próximos ao encontrados para C. brasiliense, o variando de 0,227 a 0,483 e e variando de 0,282 a 0,435. Os resultados mostram que as árvores de C. brasiliense amostradas em Carrancas possuem maior número de heterozigotos em relação às da Cachoeira das Estrutura genética e espacial de populações naturais... Aranhas. Em Carrancas, a proximidade das subpopulações (microbacias) estudadas com outras, possivelmente, favorece a troca de alelos entre as árvores e, conseqüentemente, aumenta a variabilidade genética. Outro fato a ser considerado é o relevo, no qual estão localizadas as populações de Mata de Galeria. Na Cachoeira das Aranhas, o relevo é mais acentuado e a presença de maciços rochosos provavelmente age como uma barreira física à polinização e dispersão, o que pode estar contribuindo para um maior fluxo gênico entre árvores próximas. As estimativas médias dos coeficientes de coancestralidade obtidas das árvores de C. brasiliense, amostradas em áreas de Mata de Galeria, resultaram em ausência de endogamia para o conjunto das populações ( F = -0,063) e também dentro das populações ( f = -0,078) (Tabela 4). Jaeger (2004), estudando populações de Xylopia emarginata, em Mata de Galeria e Oliveira (2000) estudando Tabela 3 Galeria. 243 populações de Copaifera langsdorffii, em Mata Ciliar, também verificaram a ausência de endogamia. A divergência genética ( p ) para as amostras de C. brasiliense entre as populações da Cachoeira das Aranhas e Carrancas foi baixa (1,4%). Portanto, a maior parte da variabilidade genética encontra-se dentro das populações. Quando analisadas separadamente, a variabilidade genética dentro da população amostrada na Cachoeira das Aranhas foi de 97,3% e, em Carrancas, de 99,8%. Esses valores estão coerentes com os obtidos para a eqüidade gênica, confirmando que as árvores amostradas em Carrancas, que possuem mais locos em eqüidade gênica, apresentam também maior variabilidade genética. Os valores encontrados estão próximos aos observados para Xylopia emarginata, 91,7% (JAEGER, 2004) e Copaifera langsdorffii, 86,9% (OLIVEIRA, 2000), que são espécies de ocorrência abundante nesse tipo de habitat. Variabilidade genética de populações naturais de Calophyllum brasiliense Camb. amostradas em áreas de Mata de Table 3 Genetic variability of natural populations of Calophyllum brasiliense Camb. sampled in Gallery Forest areas. Índices de diversidade Cachoeira das Aranhas Carrancas Porcentagem de locos polimórficos (0,99) 100 100 Número médio de alelos por loco (Â) 2,0 2,0 0,444 (0,053) 0,492 (0,040) 0,430 (0,021) 0,438 (0,018) -0,031 [-0,215; 0,151] -0,125 [-0,265; 0,017] 60 60 Heterozigosidade observada ( Heterozigosidade esperada ( Índice de fixação ( o) e) f ) Tamanho da amostra (n) ( ) = desvio padrão; [ ] = intervalo de confiança Tabela 4 Estimativas dos coeficientes médios de endogamia dentro das populações ( f ), do conjunto das populações ( F ) e da divergência genética entre populações ( p ) naturais de Calophyllum brasiliense Camb. amostradas em Mata de Galeria. Table 4 Estimate of inbreeding levels inside of the populations ( f ), for the total set of populations (F ) and of the genetic divergence among populations ( ) of Calophyllum brasiliense Camb. sampled in Gallery Forests. p f F Mata de Galeria -0,078* [0,071; 0,216] -0,063 [-0,21; 0,092] 0,014 [-0,001; 0,034] Cachoeira das Aranhas -0,046 [-0,224; 0,136] -0,017 [-0,204; 0,167] 0,027 [-0,004; 0,076] Carrancas -0,127 [-0,269; 0,018] -0,124 [-0,260; 0,015] 0,002 [-0,008; 0,013] Populações de estudo p [ ] = intervalo de confiança ( = 0,05); * = significativo a 5% de probabilidade Cerne, Lavras, v. 13, n. 3, p. 239-247, jul./set. 2007 244 SOUZA, A. M. de et al. O fluxo gênico estimado para as populações de C. brasiliense foi de 0,83 migrantes por geração (Tabela 5). Esse baixo número indica que o fluxo gênico ( Nm ) não é suficiente para prevenir a diferenciação devido à deriva genética. Cabe ressaltar que o calculado a partir da divergência genética reflete o fluxo de genes histórico. Ele não indica, necessariamente, se está havendo troca gênica em determinado evento reprodutivo, mas estima os níveis de fluxo gênico que devem ter ocorrido no passado para produzir os padrões observados de estrutura genética. Tabela 5 Número de indivíduos (N), fluxo gênico ( Nm ) e tamanho de vizinhança ( N b ) de populações naturais de Mata de Galeria de Calophyllum brasiliense Camb. Table 5 Number of individuals (N), gene flow ( Nm ) and neighborhood size ( N b ) of natural populations of Gallery Forest of Calophyllum brasiliense Camb. N Nm Nb Mata de Galeria 120 0,83 5,21 Cachoeira das Aranhas 60 0,63 3,95 Carrancas 60 0,83 5,21 Populações de estudo Na população de C. brasiliense, amostrada na Cachoeira das Aranhas, embora as microbacias estejam localizadas próximas (950 m), o número de migrantes foi baixo ( Nm = 0,63). Neste caso, o fluxo gênico pode estar sendo dificultado por alguma barreira física, visto que as microbacias são separadas por grandes maciços rochosos, dificultando a dispersão de pólen e sementes e interferindo na movimentação de alelos entre as árvores. Em Carrancas, embora mais distantes (1.300 m), as microbacias estão localizadas numa área de relevo menos acentuado. Assim, a formação de ambientes propícios ao desenvolvimento de C. brasiliense é maior, o que favorece a ação dos agentes polinizadores e dispersores e, como conseqüência, aumenta a chance de troca de alelos entre as árvores. Outro fato importante a ser considerado em Carrancas é a matriz vegetacional, na qual estão inseridas as árvores de C. brasiliense, que permite a inserção de novos genótipos, fazendo com que o fluxo seja maior entre as suas microbacias e a diversidade genética entre elas maior do que na população da Cachoeira das Aranhas. Cerne, Lavras, v. 13, n. 3, p. 239-247, jul./set. 2007 Jaeger (2004), estudando populações naturais de Xylopia emarginata amostradas em Mata de Galeria, encontrou valores de variando de 0,24 a 20,77. Para este autor, a presença de agentes dispersores, principalmente da fauna, é de extrema importância para o fluxo gênico e a ocorrência de barreiras geográficas, como divisores d água, diminui a movimentação de alelos entre as populações. Os valores de tamanho de vizinhança ( N b ) estimados indicam que na população de Cachoeira das Aranhas o menor tamanho da vizinhança de C. brasiliense ( N b = 3,95) pode resultar em deriva genética mais acentuada e, como conseqüência, redução da heterozigosidade e menores níveis de variabilidade genética. A distribuição espacial das árvores de C. brasiliense na Cachoeira das Aranhas mostra que a espécie ocorre em todo curso d água (Figura 1), apesar de serem observadas pequenas interrupções da vegetação em alguns locais, devido à existência de afloramentos rochosos. Em Carrancas, as árvores não se encontram distribuídas uniformemente nas duas microbacias. Devido à predominância de maciços rochosos em uma das microbacias, a ocorrência de C. brasiliense, nesse curso d água, é restrita a determinados locais. Na área onde há ausência de afloramentos rochosos, as árvores estão distribuídas em toda a bacia e observa-se a presença de outras espécies arbóreas típicas de Mata de Galeria, como Podocarpus lambertii Klotzsch. ex Endl., Protium spruceanum (Benth) Engl., Talauma ovata St. Hil. e Xylopia emarginata Mart. A estimativa do coeficiente de coancestria mostra que existe uma tendência das árvores mais próximas apresentarem maior valor de coancestria do que as mais distantes, ou seja, indica agrupamentos de indivíduos provavelmente aparentados (Figura 2). Na Cachoeira das Aranhas, foram detectados valores positivos e significativos de coancestria entre pares de árvores até uma distância de, aproximadamente 80 m e, em Carrancas, até 34 m. Assim, para a conservação da variabilidade genética de C. brasiliense neste ambiente, é necessário que se mantenha uma distância mínima entre indivíduos ao se realizar a coleta de material genético, seja para futuros trabalhos de recuperação ou para o plantio em novas áreas. Estrutura genética e espacial de populações naturais... 245 Figura 1 Posição e distribuição espacial de árvores de Calophyllum brasiliense Camb. amostradas em áreas de Mata de Galeria. Figure 1 Position and spatial distribution of trees of Calophyllum brasiliense Camb. sampled in areas of Gallery Forest. Figura 2 Correlograma para o coeficiente de coancestria para classes de distância de árvores de Calophyllum brasiliense Camb. amostradas em fragmentos de Mata de Galeria. Figure 2 Correlogram of coefficient of coancestry per distance classes of trees of Calophyllum brasiliense Camb. sampled in fragments of Gallery Forest. 4 CONCLUSÕES Nas duas populações amostradas em Mata de Galeria, C. brasiliense apresentou valores de variabilidade genética condizentes com os de outras espécies arbóreas tropicais. A diversidade genética mostrou ser maior dentro das populações. O fluxo gênico estimado revelou não ser suficiente para contrapor os efeitos de deriva genética. As duas populações estudadas apresentam estruturação genética espacial positiva na menor classe de distância, indicando agrupamentos de indivíduos de C. brasiliense provavelmente aparentados. 5 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq, pela concessão das bolsas de Doutorado e Produtividade em Pesquisa concedida ao primeiro e segundo autor; à CAPES, pela concessão de bolsa de Doutorado ao terceiro autor. Agradecem as sugestões feitas pelos revisores que certamente melhoram o manuscrito. Finalmente, agradecem a todos que, de alguma forma, participaram na realização deste trabalho. Cerne, Lavras, v. 13, n. 3, p. 239-247, jul./set. 2007 246 SOUZA, A. M. de et al. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALFENAS, A. C. Eletroforese de isoenzimas e proteínas afins: fundamentos e aplicações em plantas e microrganismos. Viçosa: UFV, 1998. 574 p. BERG, E. E.; HAMRICK, J. L. Quantification of genetic diversity at allozyme loci. 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