LISBOA, Alexandre Heringer. É o Horário de Verão benéfico ao país? CanalEnergia, Rio de Janeiro, 21 out. 2009. Artigos e Entrevistas. Assunto: Meio Ambiente, Planejamento, Setor Elétrico. A atitude mais séria e transparente para quem o implanta é explicitar as razões reais que o justificam e não responsabilizar o setor elétrico por esse mal desnecessário Seria maravilhoso poder acreditar que a adoção do Horário de Verão (HV) traria tantos benefícios, incluindo os ambientais, conforme defende o Dr. Antônio Carlos Cyrino, em artigo publicado no Canal Energia, em 19/10/2009. Numa coisa eu concordo com o autor: o HV é uma questão polêmica. O discurso oficial do Governo (ONS, MME etc) declara, que o principal motivo do HV é a redução da demanda máxima do Sistema Interligado Nacional, no período de ponta, com o aproveitamento da iluminação natural. Adicionalmente, profetizam que haverá economia de energia e que isso desligará algumas horas de termelétricas poluidoras. Primeiramente, devemos questionar a metodologia utilizada para afirmar a existência de alguma economia com a adoção do HV. É preciso nunca confundir potencia (MW, MVA etc) com energia (MWh). No sistema elétrico de potência importa muito que a carga ou demanda máxima, expressa normalmente em MWh/h esteja dentro de limites aceitáveis. A atenuação e deslocamento dos picos de energia são realmente bem-vindos. Quanto ao aspecto da energia em si, diversos estudos no mundo têm tentado em vão mostrar algum tipo de vantagem do HV em relação à economia de energia, que é a utilização de uma potencia instalada durante um tempo. Nos EUA, por exemplo, alguns estudos apontavam uma pequena economia com o HV, mas o mais recente estudo(out/2008) feito com algumas cidades do Estado de Indiana, “Does daylight saving time save energy? Evidence from a natural experiment in Indiana” - Kotchen, M. J. and Grant, L.E.” (http://www.nber.org/papers/w14429), cuja uma parte dos estados aderiram ao DST (Daylight Saving Time) e outra parte não, mostraram que naquele estado o DST provocou aumento de quase 1% do consumo doméstico em todas as cargas, provocando o lançamento de mais 188.000 ton de CO2 e 1762 ton de S02 entre outros poluentes. No Brasil, embora tenhamos um perfil de demanda doméstica um pouco diferente dos EUA, a metodologia empregada para afirmar que o HV trará 4 a 5% de economia na demanda ou 0,4 a 0,8% de economia de energia (grifo meu), além de estarem dentro da margem de erro de qualquer resultado, parte de generalizações estatisticamente questionáveis. Assumem que grande parte do período do HV terá comportamento similar às primeiras semanas antes e depois do horário. Haja o que houver, que haja tempo ensolarado ou muito chuvoso, esse número mágico sempre aparece todo ano e é digerido sem qualquer questionamento pela imprensa de modo geral e replicado automaticamente para a sociedade. No verão, quando o tempo está ensolarado, o dia tem maior iluminação natural, ajudando realmente na redução da carga, com ou sem horário de verão. A iluminação pública não depende de decretos do governo e nem do HV para acionar os relés que acendem as lâmpadas, mas sim do efeito fotoelétrico. Os chuveiros elétricos - o maior vilão da demanda de ponta - já suavizam o pico, pois com o calor a tendência é tomar banhos mais frios. Também nisso o horário de verão não ajuda. Com os dias mais quentes tende-se a ligar os equipamentos de ar condicionado com maior frequência, gastando mais energia, bem como os compressores dos refrigeradores que trabalham mais, gastando mais energia. Esses equipamentos de refrigeração (ar condicionado e refrigeradores) demandam mais energia durante a parte off-peak (fora da ponta), quando o calor é mais intenso não contribuindo relativamente tanto para a demanda de ponta. E quando os dias de verão são chuvosos ou muito encobertos o fator iluminação natural também não ajuda a economizar energia e nisso o HV é praticamente nulo. Ainda. No que diz respeito à redução da demanda nas horas de ponta - que é o argumento mais forte e justificável - também é questionável impor toda uma mudança forçada de hábitos para toda a sociedade (embora reconheço que uma grande parte goste do HV), por um argumento tão frágil, pois na realidade os maiores registros de demanda máxima costumam acontecer não no verão, mas em maio, junho e julho (ver Boletins do ONS). É comum os defensores do HV argumentarem que a maior parte do mundo adota o HV. Com razão. Porém, como podem constatar, a maioria desses países se situa em latitudes mais elevadas. Isso é óbvio, pois as variações das durações dos dias e noites naqueles países, ao longo do ano, são muito grandes e aí existe uma razão mais razoável e técnica, embora mesmos nesses países haja grande polêmica. No Brasil, apenas os estados situados abaixo do Trópico de Capricornio podem ter alguma justificativa. Quanto às razões fora do setor elétrico, não quero nesse curto espaço polemizar, pois a polêmica ainda é maior entre a população. Ganhos para a economia como maior gasto em bares, lazer, TVs (que ampliam o chamado horário nobre), turismo e shoppings é contrabalançado por alterações circadianas, sacrifício para quem acorda muito cedo para trabalhar ou estudar, alteração do sono, limitação do período para atividades de lazer e esporte matinais, stress etc. Além disso quando se acorda mais cedo, gasta-se mais energia com iluminação. Os tais desavisados, que contestam a pouca economia proporcionada pelo HV, também tem outra razão mais forte: não há como provar, no caso brasileiro, nem se essa pequena economia de energia existe e muito menos os benefícios reais ao meio ambiente pelo HV. A atitude mais séria e transparente para quem implanta o HV, é explicitar as razões reais que o justificam e não responsabilizar o setor elétrico por esse mal desnecessário. Alexandre Heringer Lisboa é engenheiro eletricista, mestre em Energia Solar.