Energia gravitacional de um sistema de partículas Vamos considerar N partículas de massas m1 , m2 , ..., mN . A pergunta agora é: qual a energia gravitacional de um sistema com essas N partículas? Antes de mais nada, preciso dizer a você como calcular a energia de um sistema de duas partículas. A força que a partícula de massa m1 exerce sobre a partícula de massa m2 é dada por = −G F1→2 m1 m2 (r2 − r1 ) , 3 |r2 − r1 | onde r1 e r2 são os vetores posição das partículas de massas m1 e m2 , respectivamente. Vamos supor que a partícula de massa m1 esteja xa e que a partícula de massa m2 desloque-se do ponto r2 a um ponto innitesimalmente próximo, r2 + dr2 . O trabalho da força F1→2 para esse pequeno deslocamento será dado por dW = F1→2 · dr2 . Para simplicar, vamos considerar um caso especial. Escolhamos o sistema de coordenadas com a origem exatamente sobre a partícula de massa m1 , que permanece xa; assim, r1 = 0 e F1→2 = −G m1 m2 3 |r2 | r2 . O caso especial que vamos considerar será o do trabalho da força F1→2 quando a partícula de massa m2 percorre uma circunferência de raio |r2 | = a em torno da origem, no sentido anti-horário. Escolhamos o plano dessa trajetória circular como sendo o plano xy e adotemos coordenadas polares. O elemento de caminho sobre essa trajetória será, portanto, dr2 = θ̂adθ. Um ponto da trajetória terá um vetor posição dado por r2 = x̂a cos θ + ŷa senθ. O trabalho exercido nessa trajetória, que chamaremos de C, será calculado através de uma integral de caminho fechado: ˛ W ˆ F1→2 · dr2 = − = C 2π G 0 m1 m2 3 |r2 | r2 · θ̂adθ . Quando estamos trabalhando em coordenadas polares, sabemos que θ̂ e, portanto, W ˆ = − 2π G 0 = −x̂ senθ + ŷ cos θ m1 m2 (x̂a cos θ + ŷa senθ) · (−x̂ senθ + ŷ cos θ) adθ = 0. a3 1 Curioso esse resultado, não? O trabalho da força gravitacional em uma trajetória circular em torno de uma massa pontual é nulo. Note o integrando: em cada elemento da trajetória, θ̂adθ, o produto escalar por r2 é nulo. Mas isso é óbvio: a força é radial e, ao longo de uma trajetória circular, os deslocamentos serão todos ortogonais à direção da força. E se o caminho fechado não for uma circunferência? Nesse caso, o elemento de caminho será, em coordenadas polares, dr2 = θ̂rdθ + r̂dr, onde, para simplicar a notação, denimos r2 = r̂r. Note que agora |r2 | = r não é mais uma constante e a expressão para o trabalho ca ˛ W ˛ F1→2 · dr2 = − = G C C m1 m2 r̂ · θ̂rdθ + r̂dr , r2 onde o caminho fechado C agora não é mais uma circunferência, mas uma curva fechada qualquer no plano xy. Porque r̂ e θ̂ são ortogonais, segue que ˛ W − = G C m1 m2 dr. r2 O curioso é que agora a integral é sobre a variável r apenas e, portanto, podemos escrever ˆ W rb = − G ra m1 m2 dr, r2 onde ra é a distância radial do ponto inicial da trajetória e rb é a distância radial do ponto nal da trajetória. O interessante é que, para uma curva plana fechada, o ponto inicial também é o ponto nal e, portanto, ra Com isso, o trabalho ca W = rb . ˆ ra = − G ra m1 m2 dr = 0. r2 A conclusão é que o trabalho da força gravitacional em qualquer caminho fechado plano é nulo. E se o caminho não for plano? Nesse caso, o resultado será o mesmo. Para vermos isso, suponhamos um caminho C qualquer no espaço, fechado, que não 2 necessariamente possa ser desenhado completamente em um plano. Um elemento de caminho, no espaço, terá também a coordenada z : dr2 = θ̂rdθ + r̂dr + ẑdz, onde aqui a coordenada r mede a distância perpendicular ao eixo z. O vetor posição da partícula de massa m2 será, portanto, r2 O trabalho ca, portanto, ˛ W ˛ F1→2 · dr2 = − = = C G C isto é, m1 m2 (r̂r + ẑz) · θ̂rdθ + r̂dr + ẑdz , 3/2 (r2 + z 2 ) ˛ W r̂r + ẑz. ˛ F1→2 · dr2 = − = G C C m1 m2 (r2 3/2 + z2) (rdr + zdz) . Toda curva no espaço pode ser parametrizada. No nosso caso o parâmetro pode ser o tempo, isto é, a partícula de massa m2 parte do ponto inicial da trajetória no instante t = 0 e chega no ponto nal de sua trajetória no instante t = tf . Não importa como realizamos esse percurso, o que é certo é que as coordenadas r, θ e z da partícula serão funções do tempo. Em particular, dr = dz = dr dt dt e dz dt dt. Logo, ˆ W tf = − G 0 m1 m2 3/2 (r2 + z 2 ) dz dr r +z dt dt Mas, dr dt = 1 d 2 r 2 dt dz dt = 1 d 2 z , 2 dt r e z isto é, r dr dz +z dt dt 1 d 2 r + z2 . 2 dt = 3 dt. É uma identidade muito interessante a seguinte: d dt 1 √ 2 r + z2 " − = # d 2 r + z2 , dt 1 √ 2 r + z2 1 3/2 z2) 2 (r2 + 2 2 3/2 isto é, 1 d 2 r + z2 2 dt = − r +z d dt . Com esses resultados, podemos agora escrever o trabalho como ˆ tf = − W G 0 m1 m2 r 3/2 (r2 + z 2 ) dz dr +z dt dt ˆ tf dt = − dt G 0 m1 m2 (r2 + z 2 ) 3/2 1 d 2 r + z2 , 2 dt isto é, ˆ W = tf dt G 0 m1 m2 2 r +z 3/2 (r2 + z 2 ) 2 3/2 d dt 1 √ 2 r + z2 ˆ tf = Gm1 m2 0 d dt dt Mas, |r2 | p = r2 + z 2 e, assim, ˆ W = tf Gm1 m2 d dt dt 0 1 |r2 | = Gm1 m2 t 1 f . |r2 | 0 Como o caminho é fechado, r2 (tf ) = r2 (0) e, portanto, para qualquer caminho fechado no espaço, W = 0. E se não fechássemos o caminho? Isto é, e se nós parássemos a integração em um instante t anterior a tf ? É simples: ˆ W t = Gm1 m2 0 d dt dt 1 |r2 | t 1 Gm1 m2 Gm1 m2 = Gm1 m2 = − . |r2 | 0 |r2 (t)| |r2 (0)| Outra forma de calcular o trabalho realizado pela força gravitacional para o deslocamento da partícula de massa m2 consiste em utilizar a segunda lei de Newton assim: ˆ W ˆ F1→2 · dr2 = = C(0→t) t dt F1→2 · 0 4 dr2 = m2 dt ˆ t dt 0 d2 r2 dr2 · . dt2 dt 1 √ 2 r + z2 . A velocidade da partícula de massa m2 é dada por v2 dr2 . dt = Dessa forma, o trabalho ca ˆ W = t m2 0 dv2 dt · v2 = m2 dt ˆ t dv2 . dt dt v2 · 0 É fácil ver que a identidade seguinte vale: d (v2 · v2 ) dt dv2 dv2 dv2 · v2 + v2 · = 2v2 · . dt dt dt = Como v2 · v2 2 = |v2 | |v2 | = |v2 | , segue que v2 · dv2 dt 1 d 2 |v2 | . 2 dt = Logo, o trabalho também pode ser escrito como ˆ W t = m2 0 dv2 dt v2 · = m2 dt ˆ 0 t 1 d 2 dt |v2 | = 2 dt ˆ 0 t d dt dt 1 2 m2 |v2 | . 2 Integrando, vem W = 1 1 2 2 m2 |v2 (t)| − m2 |v2 (0)| . 2 2 Essa expressão valerá sempre que a segunda lei de Newton, para massa constante, valer e pode ser enunciada como armando que o trabalho de uma força para um deslocamento da partícula é igual à variação da energia cinética da partícula no percurso realizado. Mas como, no caso especial que temos considerado aqui, W = Gm1 m2 Gm1 m2 − . |r2 (t)| |r2 (0)| Igualando as duas expressões para o trabalho, obtemos 1 1 2 2 m2 |v2 (t)| − m2 |v2 (0)| 2 2 = Gm1 m2 Gm1 m2 − . |r2 (t)| |r2 (0)| Rearranjando os termos podemos escrever também 1 Gm1 m2 2 m2 |v2 (t)| − 2 |r2 (t)| = 5 1 Gm1 m2 2 m2 |v2 (0)| − . 2 |r2 (0)| Até agora, a trajetória da partícula tem sido suposta completamente arbitrária e o instante t também pode ser tomado arbitrariamente. Além disso, a posição e a velocidade iniciais também podem ser tomadas arbitrariamente. Por causa disso, a relação acima pode ser interpretada como uma lei de conservação, isto é, se em t = 0 tivermos E 1 Gm1 m2 2 m2 |v2 (0)| − , 2 |r2 (0)| = então, para qualquer t > 0, sempre teremos E = Gm1 m2 1 2 m2 |v2 (t)| − . 2 |r2 (t)| A grandeza E tem dimensão de energia e, portanto, pode ser tomada como a energia total da partícula de massa m2 na presença da massa m1 , que está xa, e com energia cinética dada por m2 |v2 (t)|2 /2. Essas observações justicam denirmos a energia potencial de interação entre as partículas de massas m1 e m2 como U12 = − Gm1 m2 . |r2 | Essa expressão foi escrita supondo a partícula de massa m1 xa na origem; quando essa partícula estiver em um ponto r1 qualquer, a expressão da energia potencial ca U12 = − Gm1 m2 . |r2 − r1 | Note que a energia de interação é sempre negativa, signicando que é uma interação atrativa; quanto mais próximas as partículas, tanto menor sua energia. No caso de três partículas, usando o princípio da superposição, podemos escrever a energia total de interação do sistema assim: U = − Gm1 m2 Gm1 m3 Gm2 m3 − − . |r2 − r1 | |r3 − r1 | |r3 − r2 | A energia de interação é obtida somando as contribuições de todos os pares de partículas. Se tivermos quatro partículas, a energia escreve-se U = − Gm1 m2 Gm1 m3 Gm1 m4 Gm2 m3 Gm2 m4 Gm3 m4 − − − − − . |r2 − r1 | |r3 − r1 | |r4 − r1 | |r3 − r2 | |r4 − r2 | |r4 − r3 | Essa mesma expressão pode ser escrita também assim: U = − 4 4 4 X X X Gm1 mj Gm2 mj Gm3 mj − − . |rj − r1 | j=3 |rj − r2 | j=4 |rj − r3 | j=2 6 Podemos ainda escrever essa mesma expressão de forma mais compacta: = − U 3 4 X X Gmi mj . |r − ri | i=1 j=i+1 j Outra maneira de escrevermos essa mesma expressão é notarmos que − 4 X 4 X Gmi mj i=1 j=1 (i6=j) |rj − ri | = 4 X Gmi m2 Gmi m3 Gmi m4 Gmi m1 − − − . − |r1 − ri | |r2 − ri | |r3 − ri | |r4 − ri | i=1 (i6=j) Mas, 4 X Gmi m1 |r 1 − ri | i=1 − = − Gm2 m1 Gm3 m1 Gm4 m1 − − , |r1 − r2 | |r1 − r3 | |r1 − r4 | = − Gm1 m2 Gm3 m2 Gm4 m2 − − , |r2 − r1 | |r2 − r3 | |r2 − r4 | (i6=j) 4 X Gmi m2 |r 2 − ri | i=1 − (i6=j) − 4 X Gmi m3 |r3 − ri | i=1 = − Gm1 m3 Gm2 m3 Gm4 m3 − − |r3 − r1 | |r3 − r2 | |r3 − r4 | (i6=j) e − 4 X Gmi m4 |r 4 − ri | i=1 = − Gm1 m4 Gm2 m4 Gm3 m4 − − . |r4 − r1 | |r4 − r2 | |r4 − r3 | (i6=j) Somando membro a membro essas quatro equações resulta em − 4 4 X X Gmi mj |r − ri | i=1 j=1 j = − 2Gm1 m2 2Gm1 m3 2Gm1 m4 2Gm2 m3 2Gm2 m4 2Gm3 m4 − − − − − . |r2 − r1 | |r3 − r1 | |r4 − r1 | |r3 − r2 | |r4 − r2 | |r4 − r3 | i6=j Em outras palavras, a energia potencial total também pode ser escrita como 4 U = − 4 1 X X Gmi mj . 2 i=1 j=1 |rj − ri | (i6=j) Agora ca fácil escrever a energia potencial para N partículas: U = − N −1 X i=1 N X Gmi mj |r − ri | j=i+1 j 7 ou N U = − N 1 X X Gmi mj . 2 i=1 j=1 |rj − ri | (i6=j) 8