O sujeito interpassivo A Máscara e o título simbólico Para Lakan citado por Zizek, o desejo do homem é estruturado pelo grande Outro “descentrado”, a ordem simbólica: o que eu desejo é predeterminado pelo grande Outro; o espaço simbólico que habito. Zizek desmistifica de que viveríamos em um mundo pós-ideológico, e evidencia que ainda vivemos em um mundo com uma enorme carga ideológica que nos exige uma maior capacidade crítica para percebê-la. (Slavoj Zizek; Como Ler Lakar; cap. 2 – O sujeito interpassivo). A clínica dos afetos pode ser compreendida como forma de despertar uma autopoiese filosófica do espaço simbólico que é o corpo sem órgãos. E filosofia no caso no sentido expressado por Habermas (Consciência moral e agir Comunicativo; cap. 1 – A filosofia como guardador de lugar e como intérprete, p. 33), in verbis: A crítica dos mestres-pensadores poderia agora, uma última, manifestar sua desconfiança e perguntar o que autoriza os filósofos, não apenas a manter aberto o espaço para estratégias teóricas ambiciosas no interior do sistema da ciência, mas também a oferecer para fora seus serviços de tradutor, a fim de estabelecer uma mediação entre um mundo quotidiano e uma modernidade cultural que se retraiu para seus domínios autônomos. Penso que precisamente a filosofia pragmatista e a filosofia hermenêutica respondem essa questão ao conferir autoridade epistêmica à comunidade daqueles que cooperam e fala uns com os outros. É importante compreender que as pessoas são na essencialidade interativos, ou seja, convivem diuturnamente interagindo com objetos e relacionando-se com pessoas. Somos seres relacionais. E nesta relação com pessoas ou coisas, não somos apenas telespectadores mas interagimos democraticamente no âmbito de nossas relações, modificando o status quo ante do objeto gerando um algo novo. Contudo quando uma pessoa abandona sua condição de ser desejante ante um estado de sujeição, se torna um ser passivo e habitat para intensidades alheias. Outro lado é quando esta pessoa ao invés de ingressar em um estágio passivo tal como um mero espectador de um espetáculo, transfere ao objeto a obrigação de interceder pela pessoa em seu lugar. É o exemplo citado por Zizek, das carpideiras, que são mulheres contratadas para chorar em velórios. Sua intervenção fúnebre reside na circunstância de representar o sofrimento dos entes do falecido, para que aqueles possam se ocupar de outras coisas talvez mais importantes, tal como providências financeiras com a fortuna deixada pelo falecido. Eu posso permanecer confortavelmente passivo enquanto o Outro age por mim. Isto nos leva a noção de falsa atividade. A cultura humana sempre cuidou de imobilizar o ser desejante tornando-o interpassivo. Predestinação, sujeito suposto-saber, sujeito suposto-crer (fiador de nossa tese) Vendo uma ferradura sobre a porta na casa de Bohr, um visitante surpreso observou que não acreditava na superstição de que isso dava sorte. Bohr retrucou: “Eu também não, pus a ferradura aí porque me contaram que isso funciona, mesmo que a gente não acredite”. Conforme Zizek, “cultura é o nome para todas essas coisas que praticamos sem de fato acreditar nelas, sem leva-las inteiramente a sério. (...) Ajoelha te e reza, age como se acreditasse – e a crença virá por si só”. Isto significa que podemos encenar uma falsa persona que transmita uma ordem simbólica diferente da realidade direta do indivíduo. Como se criasse uma máscara naquela pessoa, ou seja, sua essência é diferente da máscara que usa. Um reality show da tv: a vida que obtemos neles é tão real quanto café descafeinado. Vivemos representando nós mesmos, outrora procedemos ao que Freud convenciono por denominar, conforme Zizek, op. cit. p. 45, de renegação fetichista. “Sei muito bem que as coisas são como as vejo, que a pessoa diante de mim é um poltrão corrupto, mas apesar disso eu o trato respeitosamente, porque ele usa a insígnia de um juiz, de modo que, quando fala, é a própria lei que através dele”. (...) Um padre corrupto que prega sobre a virtude pode ser um hipócrita, mas se as pessoas dotam suas palavras da autoridade da Igreja, isso pode incitá-las a praticar boas ações. Entre a máscara que vestimos e o título simbólico que habitamos, como podemos perceber onde está o verdadeiro desejo? Isto nos leva de volta ao sujeito suposto saber, que é o Outro final do histérico, o alvo de suas constantes provocações. O que o histérico espera do sujeito suposto saber é que ele forneça a solução que resolverá o impasse do histérico, a resposta final para "Quem sou eu? O que realmente quero?". Essa é a armadilha que o analista tem de evitar: embora, no curso do tratamento, ele ocupe o lugar daquele que é suposto saber, toda a sua estratégia é solapar esse lugar e fazer o paciente saber que não há garantia para nosso desejo no grande Outro. (p. 52). O grande Outro, tal como o sujeito suposto-saber, o suposto-crer e a predestinação, representam a carga ideológica capaz de anular o indivíduo desejante. Não encontramos nossas intensidades em cargas ideológicas. Habermas ao situar a filosofia como o guardador de lugar e intérprete da razão e guardiã da racionalidade, invoca um diálogo entre a filosofia pragmática (verdade) e a epistêmica (prática) como forma de autoconhecimento ou autocrítica do grande Outro, ao invocar desconfiança às estratégias teóricas ambiciosas. O processo de educação permanente da clínica dos afetos nos propõe justamente a anulação do grande Outro e proporcionar ao indivíduo uma participação ativa no processo de interpretação de sua ordem simbólica.