Influência sócio-demográfica na incidência de dengue nos pacientes atendidos em um Hospital Universitário do Rio de Janeiro 1) Introdução A OMS estima que, por ano, ocorram entre 50 e 100 milhões de casos de dengue em todo o mundo. Além disso, cerca de 2,5 bilhões de pessoas, ou seja, 40% da população mundial estão sob risco de contrair a doença, porque vivem em países endêmicos (CDC, 2009; WHO, 2009 input MOTA,2012). Nos últimos 50 anos, sua incidência aumentou cerca de 30 vezes, sendo a arbovirose que mais rapidamente se disseminou no mundo, sendo acompanhado da expansão geográfica da doença para países sem antecedentes de infecção e, nesta última década, de áreas urbanas para áreas rurais (WHO, 2009). A partir dessa alta incidência, a dengue é uma doença com grande preocupação internacional, tornando-se um problema de saúde pública. A dengue é uma doença infecciosa aguda causada por quatro sorotipos virais (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) nos quais os mais importantes vetores do vírus da dengue pertencem ao gênero Aedes e ao subgênero Stegomyia, sendo o Aedes aegypti o principal vetor de importância epidemiológica, seguido do Aedes albopictus (MOTA, 2012; WHO, 1999; Teixeira, 1999; Gubler, 1998). A doença é definida como um subproduto das mudanças ambientais, climáticas e sociais, além da urbanização desordenada e acelerada, com condições insatisfatórias de saneamento básico, abastecimento de água e coleta de lixo (CHIARAVALLOTI, 2006; RIBEIRO,2006; SOUZA,2010). A infecção por qualquer um dos quatro sorotipos virais da dengue pode ser assintomática ou sintomática. As infecções sintomáticas podem causar um amplo espectro clínico, que varia desde uma doença febril indiferenciada, chamada dengue clássica ou febre da dengue, a uma doença hemorrágica grave e fatal, a febre hemorrágica da dengue. Nogueira, 2005; Gubler, 1998). (WHO, 2009; Cunha & A dengue clássica possui sintomas muito inespecíficos podendo ser confundida com outras patologias. Já a FHD possui como principais manifestações clínicas que comprovam seu diagnóstico: febre ou história de febre aguda com duração de 2 a 7 dias (ocasionalmente bifásica); tendências hemorrágicas evidenciadas pela prova do laço positiva, petéquias, equimoses ou púrpura, sangramento de mucosas (do trato gastrintestinal ou outros), hematêmese ou melena; diminuição de plaquetas (≤100.000 mm3); evidência de extravasamento plasmático manifestado pelo aumento do hematócrito (≥ 20% do valor basal anterior à doença) ou pela queda do hematócrito (≥ 20%) após tratamento de reposição de volume e presença de derrame pleural, ascite ou hipoalbuminemia (Brasil, 2009b; WHO, 1997). Portanto possuímos como questão norteadora, qual a influencia de alguns dados sócio-demográficos, como idade, raça, sexo e escolaridade na incidência de dengue, o qual encontramos resultados mais significativos. Além disso, alguns dados irão nortear quanto tempo este paciente demorou para procurar o serviço de saúde, a partir da data de notificação e data do inicio dos sintomas. Para os pacientes que precisaram de internação iremos avaliar quanto tempo em média este paciente ficou internado com os dados de data de internação e data de alta. 2) Material e métodos No estudo em questão, foi utilizada uma amostra de 100 casos de dengue a partir de pacientes do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – HUCFF da Universidade federal do Rio de Janeiro – UFRJ no período de dezembro de 2007 a fevereiro de 2009. Para uma análise estatística mais significativa optou-se pelos seguintes instrumentos de representação: Gráfico linear: que consiste em um gráfico com pontos sucessivos que mostra a distribuição de uma variável em função do tempo sendo ligados por meio de linhas retas, uma vez que nenhuma informação é dada sobre a população durante os anos/período intermediários. Motivo esse que leva esse gráfico a ser denominado de gráfico linear (série temporal). Além disso, tem como propósito avaliar a evolução de um conjunto de dados ao longo de um determinado tempo. Frequência relativa: é o resultado obtido a partir da divisão entre a frequência - o valor que é observado na população - e a quantidade de elementos da população. Geralmente é apresentada na forma de percentagem, ou seja, é representado pelo quociente entre a frequência absoluta da variável e o número total de observações. A frequência relativa abrange razões, proporções, coeficientes e taxas em contrapartida a frequência absoluta é representada por um simples contagem. No estudo em questão, utilizou-se a medida de incidência de casos de dengue (taxa), sendo esta, um potencial instantâneo para mudança na condição de doença (tornar-se um caso) por unidade de tempo, em um dado período, relativo ao tamanho da população livre de doença. Além disso, esse método de análise de dados expressa: a força ou a magnitude da morbidade da doença naquela população; refere-se estritamente a uma população, não tendo interpretação ao nível individual; é expressa em unidades de pessoa-tempo, onde a unidade de medida de tempo pode variar (pessoa-ano, pessoa-dias) e não tem limite superior, variando de 0 a infinito. Como a taxa instantânea de doença é muito difícil de ser operacionalizada a cada momento do tempo, a Epidemiologia trabalha com taxas médias para um determinado período, também denominadas de Densidade de incidência. Esta por sua vez mede a ocorrência de casos novos de doença por unidade de tempo, em determinado período, em relação ao tamanho da população sob observação naquele período. Dá uma ideia da magnitude ou força da doença em uma população. DI = I/PT I = nº de casos novos que ocorreram durante o período de seguimento PT = é a quantidade de pessoa-tempo de observação experimentada pela população em risco (livre de doença) durante o período de seguimento. Média: é o valor que aponta para onde mais se concentram os dados de uma distribuição. Pode ser considerada o ponto de equilíbrio das frequências. Desvio padrão: é uma das mais utilizadas medidas de variação de um grupo de dados, permiti uma interpretação direta da variação do conjunto de dados, pois o desvio padrão é expresso na mesma unidade que a variável (Kg, cm, atm...). Pode-se dizer que o desvio padrão é uma média dos valores absolutos dos desvios, ou seja, dos desvios considerados todos com sinal positivo, média essa obtida, porém, por um processo bastante elaborado: calculamos o quadrado de cada desvio, obtemos a média desses quadrados e, depois obtemos a raiz quadrada da média dos quadrados dos desvios. Por ser uma medida de grau de dispersão dos valores em relação ao valor médio obtido, quanto menor for o desvio padrão maior representatividade tem o estudo, demonstrando que os dados analisados estão mais próximos da média dos valores. 3) Resultados e Discussão: 3.1) Idade: Gráfico 1: Avaliação da incidência de dengue de acordo com idade Conforme observado nos resultados, os dados apontam um perfil heterogêneo da população que é afetada com esta epidemia da dengue. A faixa etária dos pacientes portadores do vírus da dengue é muito ampla, incidindo de forma mais concisa quando avaliamos em números gerais na faixa etária de adultos entre 30 a 50 anos, porém, como o desvio padrão (DP) desta amostra é grande (DP = 18,3 anos), conclui-se que todas as faixas etárias estão uniformemente vulneráveis quanto à epidemia. 3.2) Data de início dos sintomas e notificação: Com relação à data de notificação e início de sintomas, observamos uma deficiência muito grande nos serviços de notificação da epidemia de dengue, onde há um déficit de 1 semana em média (aproximadamente 7,35 dias) da data do início dos sintomas até a procura de um serviço de saúde pelos pacientes e, enfim, a notificação da doença. Vale a pena ressaltar que muitos casos de dengue ainda são subnotificados no Estado do Rio de Janeiro, por conta da grande população, deficiência de suporte clínico em áreas mais carentes e em áreas rurais/não urbanizadas e o tratamento empírico dos sintomas quando a dengue é feita de forma mais branda, não procurando o sistema de saúde e assim, aumentando a subnotificação dos casos. 3.3) Sexo e Raça: Quanto a variável sexo, através da análise percentual dos dados observamos que não há prevalência quanto ao gênero, pois 55% da amostra notificada é do sexo masculino e 45% do sexo feminino, não demonstrando nenhuma diferença significativa na incidência quanto a distribuição da população em geral. Ao avaliarmos a variável raça, encontramos diferença percentual significativa, pois 53% da amostra notificada se autodenominava branca e 34% se autodenominava parda ou negra. Essa diferença racial só seria significativa se nas tabelas de dados brutos estivessem também informações quanto a percentagem racial da população local do estudo (da população do Estado do Rio de Janeiro). Como este dado não foi fornecido, concluir que a epidemia de dengue afeta mais a população branca do que a parda e negra é errôneo, uma vez que não possuímos informações se a população branca também é de maior prevalência na população estudada. 3.4) Escolaridade: Há um pré-conceito quanto às áreas de maior endemia, onde é de senso comum que áreas de moradia de populações mais carentes, por possuírem menor infraestrutura de moradia e de saneamento básico, possuem maiores focos de crescimento e proliferação do mosquito Aedes aegypti, vetor transmissor da dengue. Porém, ao analisarmos o nível de escolaridade através deste estudo, observamos que há homogeneidade neste dado ao avaliarmos a população afetada pela dengue. Como o mosquito é o vetor da doença, este pode se favorecer de água limpa e parada para procriar, porém isto pode acontecer em locais com alto nível de escolaridade tanto quanto em populações carentes, em que o nível médio de escolaridade é menor. Com isso, subentende-se que a escolaridade não é um fator determinante para maior ou menor incidência da dengue. 3.5) Contagem de Plaquetas: Os dados bioquímicos avaliados neste estudo foram as plaquetas, que tiveram uma média de 37.860/mm³, o que é considerado uma média baixa, refletido um dos graves e clássicos sintomas da dengue que é a Trombocitopenia (contagem total de plaquetas abaixo de 100.000/mm³), que pode ocorrer no dengue tipo clássico (forma mais branda de desenvolvimento da doença), mas é mais comum no dengue hemorrágico, em que os níveis das plaquetas ficam muito baixos, favorecendo problemas de coagulação, aumentando assim o risco de sangramentos e hemorragias. Pode-se concluir com esta análise que a maioria dos pacientes deste estudo estavam com sintomas clássicos de dengue e com risco de hemorragias. 3.6) Tempo de internação hospitalar: Por fim, a análise do tempo de internação hospitalar nos mostrou quão grave problema de saúde a dengue pode ser. O tempo médio de internação pelo diagnóstico de dengue e suas complicações foi, em média, de 06 dias (média de 5,96 dias). Com esse dado, podemos refletir que uma doença infecto parasitária como a dengue consegue ser um problema de saúde pública, aumentando os gastos intra hospitalares com uma doença de simples profilaxia (eliminação de criadouros – objetos que acumulem água limpa e parada – e utilização de inseticidas e repelentes), que é característica de países subdesenvolvidos, que perdem força de trabalho e dinheiro público com doenças infecto parasitárias de fácil controle através da profilaxia. A dengue é classificada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como uma das "doenças tropicais negligenciadas", que significa que é prevalente nos trópicos, mas não tem recebido atenção proporcional ao seu peso. 4) Conclusão: Os resultados aqui apresentados revelam um perfil sócio demográfico heterogêneo da população que é afetada pela dengue, uma vez que todas as faixas etárias estão uniformemente vulneráveis, que não há nenhuma diferença significativa na incidência quanto a distribuição da população afetada pela dengue quanto ao sexo e raça, e que a escolaridade não é um fator determinante para maior ou menor incidência da dengue. Diante da gravidade demonstrada pelo tempo médio de internação e o aumento da subnotificação dos casos, a dengue representa um alerta à saúde pública em relação à vigilância e ao controle vetorial. 5) Referências Bibliográficas: CHIARAVALLOTI Neto F, BARBOSA AAC, CESARINO MB, FAVARO EA, MONDINI A, FERRAZ AA, et al. Controle do dengue em uma área urbana do Brasil: avaliação do impacto do Programa Saúde da Família com relação ao programa tradicional de controle. Cad. Saúde Públ. 2006;22(5):987-97. RIBEIRO AF, MARQUES GRAM, Voltolini JC, CONDINO MLF. Associação entre incidência de dengue e variáveis climáticas. Rev. Saúde Públ. 2006;40(4):671-6. MOTA, Anne Karin Madureira da et al . Mortalidade materna e incidência de dengue na Região Sudeste do Brasil: estudo ecológico no período 20012005. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 28, n. 6, jun. 2012 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2012000600005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 17 dez. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000600005. WHO; World Health Organization. Dengue: guidelines for diagnosis, treatment, prevention and control – new edition. Geneva: World Health Organization; 2009. Centers for Disease Control http://www.cdc.gov/dengue/epidemiology/ 05/Mai/2010). and Prevention. 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