MARISA MONTE MUDA DE ECOSSISTEMA Tárik de Souza Jornal do Brasil / Outubro de 1996 A cool Marisa trocou de ecossistema. Está lançando um CD duplo (parte gravado ao vivo, parte em estúdio, com algumas inéditas) e um vídeo, ambos intitulados "Barulinho Bom - Uma viagem musical", viagem envelopada pelas artes gráficas do fauno dos quadrinhos clandestinos, Carlos Zéfiro. Pseudônimo do funcionário público e compositor Alcides Caminha (1922-1992), parceiro de Nelson Cavaquinho, Zéfiro sustentou o pornô trash com suas revistinhas que tinham apelido herético de "catecismos", vendidas por baixo do pano nas bancas do final dos anos 40 até meados dos 60. Cenas de nudez e carícias explícitas invadem num preto-e-branco luzidio, capa, selo e encarte do CD e estojo do vídeo no projeto gráfico de Gringo Cardia que está nas lojas. Para a mídia, o kit do lançamento pegou mais pesado. Além de duas revistinhas apimentadas de Zéfiro, há uma boneca em formato de bola com os traços do desenhista, de peitos e nádegas infláveis. Mas não se imagine que o repertório ataque de Mamonas Assassinas, Lagoa ou o recém-lançado Bráulio e seus Pentelhos. Nem mesmo o flerte fugaz de Marisa com a boom boom star Gretchen é rebobinado no CD duplo. A parte ao vivo do CD (duplo de 18 músicas, vendido ao preço de um simples) deriva do show "Cor de rosa e carvão", capturado nas exibições do Teatro dos Guararapes (em Outubro do ano passado em Recife) e do Teatro Carlos Gomes, no Rio, em março passado. Ao lado de novas versões de números conhecidos de seu cardápio,como "Beija eu", "Ainda lembro", "Ao meu redor", "De noite na cama", "Segue o seco" e "O xote das meninas", em cover bem mais turbinado, há novidades na voz da cantora. Sua emissão límpida, por vezes comparada à de Gal Costa, recupera o libelo antipequeno-burguês de "Panis et circenses", transporta-se para o psicodelismo beatle de "Give me love", de George Harrison (com citações de "Marvin" do Titãs), e desemboca na comunidade novobaiana nos saracoteios de "A menina dança". No CD de estúdio, Marisa recorre ao parceiro Carlinhos Brown nas novas "Maraçá", "Arrepio" (com violão e percussão na caixa de papelão do autor) e "Magamalabares", embalada em excesso de cordas, e ao sogro Moraes Moreira em "Chuva no brejo" (de onde ela tirou o "Barulinho bom"). E ainda faz épicas releituras de "Tempos modernos" (Lulu Santos) e "Cérebro eletrônico" (Gilberto Gil). No vídeo, assinado pela Conspiração Filmes, há desde reuniões musicais informais (gravadas no Hotel das Paineiras, no Rio) com Davi Moraes, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes ("Alta noite", "Batom no dente"), a uma roda de samba batido na palma da mão com as pastoras da Portela, Doca, Eunice e Surica, onde elas recordam no vocal e protagonizam o título de "Quantas lágrimas", de Manacéia, da Velha Guarda da escola. Tomadas on the road da cantora em Katmandu, no Nepal, contrapõem-se a um comovente encontro com Paulinho da Viola e o violonista Raphael Rabello ("Para ver as meninas"), gravado durante um ensaio dos três para uma série de shows. A porção novobaiana é maior: "Eu sou o caso deles", "Besta é tu", "Mistério do planeta". Marisa aclimata, contracena com Moraes, Paulinho Boca de Cantor e Baby do Brasil, sob estilingadas da guitarra de Pepeu Gomes. A cantora camaleoa define-se na vinheta "Blanco", do poema de Otávio Paz, incluída tanto no CD quanto no vídeo: "Sou a criatura do que vejo". E o resto é cenário.