UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESPECÍFICAS E OS ESTIGMAS SOCIAIS Por: Maria Dulce Leal Ribeiro de Albuquerque Orientador Prof. Dr. Vilson Sérgio de Carvalho Rio de Janeiro 2010 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESPECÍFICAS E OS ESTIGMAS SOCIAIS Apresentação de Candido Mendes obtenção do monografia como grau à requisito de Universidade parcial para especialista em Psicopedagogia. Por: Maria Dulce Leal Ribeiro de Albuquerque. 3 RESUMO O presente estudo sobre as dificuldades de aprendizagem específicas foi dividido em cinco capítulos, onde no primeiro fizemos um ensaio sobre as principais teorias sobre o Desenvolvimento Infantil, especialmente o desenvolvimento cognitivo estudado por Jean Piaget, as contribuições das escolas psicanalíticas através de Sigmund Freud, ressaltando também as contribuições de Liev Vygotsky, na sua Teoria Sociocultural, a Teoria Psicogenética de Henri Wallon e a Teoria Ecológica de Urie Bronfenbrenner. No segundo capítulo conceituamos Aprendizagem e fizemos um breve histórico sobre as dificuldades de aprendizagem, desde o século XVIII até hoje, pontuando as modificações que foram surgindo sobre os conceitos de aprender e não aprender. No terceiro capítulo falamos sobre as dificuldades de aprendizagem especificas (dislexia, discalculia e disgrafia) e seus diagnósticos, pesquisas que estão sendo feitas nessa área especifica e suas principais consequências no que se referem aos estigmas sociais. No quarto capítulo nos aprofundamos no estudo da dislexia, da discalculia e da disgrafia, com suas nuances e particularidades, apontando as possíveis causas, dificuldades, tipos e estratégias que podem vir a ser utilizadas em sala de aula. Finalmente, no quinto capítulo conceituamos a palavra estigma e como esses estigmas podem afetar enormemente todo o processo de aprendizagem. Discorremos também sobre como os estigmas causados por atitudes preconceituosas e/ou desinformadas dos pais e professores podem gerar uma baixa auto-estima, arriscando agravar ainda mais um quadro específico e gerando um círculo vicioso. 4 METODOLOGIA O presente trabalho foi desenvolvido através de pesquisas bibliográficas, livros e publicações de artigos, sites, estudos de casos e teses acadêmicas feitos na área das dificuldades de aprendizagem específicas e fracasso escolar, baseando-se inicialmente nos seguintes autores: GOLSE (1998), FARRELL (2008), GOFFMAN (1988), PIAGET (1970), GROPPA AQUINO (1997), VYGOTSKY (1998/2008), entre outros. 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I - Desenvolvimento Infantil 10 CAPÍTULO II - Visão geral da aprendizagem 17 CAPÍTULO III- As Dificuldades de Aprendizagem Específicas 21 CAPÍTULO IV– Dislexia, Disgrafia e Discalculia 30 CAPÍTULO V- Os estigmas sociais 48 CONCLUSÃO 53 ANEXOS 55 BIBLIOGRAFIA ÍNDICE FOLHA DE AVALIAÇÃO 6 INTRODUÇÃO Esse trabalho busca descrever os diversos tipos de transtornos ou dificuldades de aprendizagem específicas observadas na escola e como elas podem afetar a noção de identidade da criança, suas dimensões pessoal, educacional e social e os processos de estigmatização, no contexto da educação e a sua relação. Observa-se que a criança com dificuldades no processo de aprendizagem – não importando qual a dificuldade – lida com a manipulação de sua identidade, inicialmente na família, posteriormente na escola e em outros espaços sociais, nos quais estabelece interações e que isto pode ser um fator que vai acompanhá-lo pelo resto da vida, sendo muitas vezes limitador. A ‘patologia do aprender’ muitas vezes é compreendida como um ‘defeito’, uma falta individual, e daí para a instalação do estigma social é um passo muito curto e perigoso. Com isso, rótulos e estigmas podem ser legitimados. A estigmatização tem seu ponto de origem, muitas vezes, no seio da família e com a entrada da criança na escola, confirma-se a dificuldade; agindo a escola e os seus pares na sala de aula como um vetor que torna real, sedimenta o estigma. E como consequência da instalação do estigma vê-se um descrédito total do indivíduo e com tal gravidade que, a partir do que é ajuizado como ‘imperfeição’, outras imperfeições são adicionadas. Observa-se que crianças com dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento mesmo não sendo portadores de deficiências são assim percebidas pelos familiares e por muitos educadores. Situam-se na “categoria dos alunos com defeitos” responsáveis por suas dificuldades e pelas elevadas estatísticas do fracasso escolar, tornando-se recorrente a culpabilização do aluno e da família. 7 Quais são e como as diversas formas de dificuldade de aprendizagem específicas (DAE) podem afetar a criança, estigmatizando-a de uma maneira específica na escola e de uma maneira mais ampla na sua vida emocional, relacional e profissional e como esses estigmas devem ser olhados? 8 CAPÍTULO I DESENVOLVIMENTO INFANTIL Com o desenvolvimento da Psicologia como Ciência e como área de atuação profissional, no final do século XIX, várias perspectivas se abriram, fato que também ocorreu à chamada Psicologia da Educação e para que se possa compreender de forma mais ampla o tema das Dificuldades de aprendizagem Específicas e os estigmas sociais, faz-se necessário compreender o desenvolvimento da criança à luz da Psicologia do Desenvolvimento Infantil, especialmente o desenvolvimento cognitivo estudado por Jean Piaget através da Epistemologia Genética, das contribuições das escolas psicanalíticas através de Sigmund Freud, entre outros, ressaltando também as contribuições de Liev Vygotsky, na sua Teoria Sociocultural, a Teoria Psicogenética de Henri Wallon e a Teoria Ecológica de Urie Bronfenbrenner. Jean Piaget, renomado psicólogo e filósofo suíço, ficou conhecido por seu trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil e um dos investigadores mais influentes do séc.20 na área da psicologia do desenvolvimento. Modificou a teoria pedagógica tradicional, que até então afirmava que a mente de uma criança era vazia, esperando ser preenchida por conhecimento. Pare ele, a lógica e formas de pensar de uma criança são diferentes da lógica dos adultos e recomendava aos professores que adotassem uma abordagem educacional diferente ao lidar com crianças. De acordo com Jean Piaget, “a inteligência não é inata, como acreditavam os inatistas-maturacionistas. Para os seguidores desta corrente do pensamento educacional a criança, desde o nascimento, já é dotada de forma de conhecimentos inatos e, à medida que ocorre a maturação orgânica, essas formas se manifestam independentemente dos intercâmbios sociais e educativos” (SEBER, 1995, p.42). A hipótese desta corrente é que “o professor 9 deve deixar a criança livre de qualquer direcionamento para que ela aprenda por si só”. (Id. Ibid. p 42) Na visão interacionista de Piaget, o comportamento é construído numa interação entre o indivíduo e o meio e o desenvolvimento cognitivo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações através de dois processos utilizados na sua tentativa de adaptação: assimilação e acomodação. Na concepção de Piaget, a criança encontra-se em um estado de adualismo, ou seja, numa situação de indiscriminação em relação a si mesma e o mundo que a rodeia, e é a partir desse estado que ela vai construindo níveis sucessivos. A infância é uma etapa biologicamente útil, que se caracteriza como sendo o período de adaptação progressiva ao meio físico e social. A adaptação, aqui, é “equilíbrio”, cuja conquista dura toda a infância e adolescência e define a estruturação própria destes períodos existenciais. E, conforme ensina o psicólogo Jean Piaget (1985), “educar é adaptar o indivíduo ao meio social ambiente”. Para o autor, “a aprendizagem só é possível quando ocorre a assimilação ativa, sendo por isso fundamental que se coloque toda a ênfase na atividade da própria criança” (Id. Ibid. p. 131). É preciso considerar quatro pontos fundamentais quando se trata de educação infantil no contexto da educação moderna que são a significação da infância, a estrutura do pensamento da criança, as leis de desenvolvimento e o mecanismo da vida social infantil. Destaca Krueger em seu artigo, texto do livro Psicologia e Pedagogia, de Jean Piaget sobre o papel da Psicologia na Educação: “[...] a pedagogia moderna não saiu de forma alguma da psicologia da criança, da mesma maneira que os progressos da técnica industrial surgiram, passo a passo, das descobertas das ciências exatas. Foram muito mais o espírito geral das pesquisas psicológicas e, muitas vezes também, os próprios métodos de observação que, passando do campo da ciência pura ao da experimentação, vivificaram a pedagogia” (KRUEGER apud PIAGET, 1985, p. 148). 10 Considera-se Piaget um dos grandes estudiosos da Psicologia do Desenvolvimento; passou grande parte de sua vida dedicando-se exclusivamente ao estudo do desenvolvimento cognitivo, quer dizer, à gênese da inteligência e da lógica. Para ele existem quatro etapas do desenvolvimento cognitivo. Em cada estágio há um estilo característico através do qual a criança constrói seu conhecimento. As aptidões para o raciocínio evoluem segundo estágios sucessivos ao longo do desenvolvimento da criança. As faixa etárias não são rigidamente demarcadas, o que se percebe são as médias de idade onde prevalecem determinadas construções de pensamento. Não é possível “pular” uma etapa. Assim como as etapas não são reversíveis: ao se construir certa capacidade mental, não é mais possível perdê-la. Vejamos: • Período sensório motor (ou prático) 0 – 2 anos:é assim chamado por existir uma coordenação sensório-motora da ação ;é nesse estágio onde começam a se estabelecer as relações entre as ações e as modificações que elas provocam no ambiente físico;observa-se o exercício dos reflexos; a manipulação do mundo por meio da ação. Ao final, verifica-se constância/permanência do objeto. • Período pré-operatório (ou intuitivo) 2 – 6 anos: Visca (1991, p.48) relata que neste estagio já começa a existir uma representação ou simbolização, é onde ocorre o desenvolvimento da capacidade simbólica (símbolos mentais: imagens e palavras que representam objetos ausentes); explosão linguística; características do pensamento (egocentrismo, intuição, variância); pensamento dependente das ações externas. “Há neste estágio uma distinção entre significante e significado.” • Período operatório-concreto – 7 – 11 anos: da inteligência operatória concreta e da capacidade de ação interna.É nesse período em que a criança começa a ser capaz de realizar a reversibilidade de pensamento perante a transformação do objeto de um formato para outro.(SAMPAIO,2009, p.45) Características (quantidade, da operação: constância, peso, reversibilidade/invariância volume); seriação/capacidade de classificação. – conservação descentração/capacidade de 11 • Período operacional-formal (abstrato) – 11 anos... A operação se realiza através da linguagem (conceitos) e o pensamento começa a se tornar independente. O raciocínio é hipotético-dedutivo (levantamento de hipóteses; realização de deduções), ou seja, não se efetua apenas sobre o real, mas também sobre hipóteses. Essa capacidade de sair-se bem com as palavras e essa independência em relação ao recurso concreto permite: ganho de tempo; aprofundamento do conhecimento. No que se refere à afetividade, Sigmund Freud afirmava que os dados fornecidos pela psicanálise têm consequências importantes para a compreensão das relações inter-humanas, principalmente ao mostrar que o objeto de relação é um objeto individual construído pelo mundo interno fantástico (de fantasia) variando com nossos investimentos e em função de nossa história e de nossos estados afetivos (apud GOLSE, 1998). Os estudos da Psicanálise revelaram a existência de vínculos positivos e negativos do sujeito com o objeto de aprendizagem, que surgem em diferentes intensidades. Estes vínculos podem ser estudados com as perspectivas históricas e a - históricas. A primeira refere-se aos contatos iniciais da criança com a mãe e às situações posteriores ao longo da vida, cada qual incidindo sobre as aprendizagens anteriores, modificando-as positiva ou negativamente; a segunda refere-se às situações vividas pelo sujeito no momento presente (Id. Ibid., p. 50). De acordo com a teoria psicanalítica, a criança receberá em seus primeiros tempos inscrições psíquica que funcionam como marcas operadas pelos primeiros agentes de humanização- os pais - e colherá os efeitos do modo como elas foram produzidas em todo o seu futuro. Tais marcas se farão notar, vez por outra, nos tropeços da aprendizagem e estarão sempre presentes em seu estilo próprio de aprender e de escrever. Serão marcas que evidenciarão a presença de um sujeito. Segundo a Teoria Sociocultural de Vygotsky, a socialização precede o desenvolvimento e o desenvolvimento cognitivo depende mais das interações do que a partir de construções individuais, não podendo ser separado do 12 contexto social. Os fatores biológicos apenas predominam sobre sociais no início da vida das crianças. A função básica da linguagem é o intercâmbio social e com o tempo, ocorre uma interiorização progressiva das direções verbais fornecidas à criança pelos mais experientes. Opõe o seu ponto de vista ao abordado por Piaget, que considerava o desenvolvimento da fala como a supressão do egocentrismo. Na concepção de Vygotsky acerca do desenvolvimento genético e afetivo da criança: “É absolutamente impossível reduzir o desenvolvimento da criança ao mero crescimento e maturação de qualidades inatas [...] No processo de desenvolvimento a criança se re-equipa, modifica suas formas mais básicas de adaptação ao mundo exterior. Esse processo se expressa, antes de mais nada,por uma mudança a partir da adaptação direta ao mundo,utilizando capacidades ‘naturais’ dotadas pela natureza,para outro estágio mais complexo.[...]A criança começa a usar todo o tipo de ‘instrumentos’ e signos como recursos e cumpre as tarefas com as quais se defronta com muito mais êxito do que antes”.(Vygotsky e Luria,1998,p.214) Para ele, a aquisição de um sistema linguístico reorganiza todos os processos mentais infantis e é a palavra que dá forma ao pensamento, criando novas modalidades de atenção, memória e imaginação. A aprendizagem na criança pode ocorrer através do jogo, da brincadeira, da instrução formal ou do trabalho entre um aprendiz e um aprendiz mais experiente, a mediação, que seria o processo básico por onde ocorre a aprendizagem. Finalmente, de acordo com esta teoria, a aprendizagem resulta de um fazer compartilhado entre o educador e o aluno, o que estimula uma atitude ativa do aluno em relação ao conhecimento. Henri Wallon (WALLON, 1975) foi o criador da Teoria do Interacionismo cultural e tornou-se conhecido por seu trabalho científico sobre Psicologia do Desenvolvimento, devotado principalmente à infância. 13 A sua teoria sobre a aprendizagem diferentemente dos métodos tradicionais (que priorizam a inteligência e o desempenho em sala de aula), põe o desenvolvimento intelectual dentro de uma cultura mais humanizada; a abordagem é sempre a de considerar a pessoa como um todo, valorizando a afetividade (emoções) como elemento essencial no desenvolvimento da pessoa. Para Wallon, a história da construção da pessoa se dá por uma sucessão pendular de momentos dominantemente afetivos ou dominantemente cognitivos, não paralelos, mas integrados; elementos como afetividade, emoções, movimento e espaço físico se encontram num mesmo plano e as atividades pedagógicas e os objetos devem ser trabalhados de formas variadas. A motricidade, portanto, tem caráter pedagógico tanto pela qualidade do gesto e do movimento quanto por sua representação. Teoria do Interacionismo Cultural de Urie Bronfenbrenner (BRONFRENBRENNER, 1996) em vez de dar toda a importância aos processos psicológicos tradicionais como percepção, motivação, pensamento ou aprendizagem, enfatiza o conteúdo desses processos como o que é percebido pela pessoa. Importa-se mais em saber como a natureza desse material psicológico pode ser alterada em função da exposição e interação do ser humano em desenvolvimento com o seu meio ambiente. Em seus estudos, concluiu que as sequências maturacionais postuladas por Piaget podem necessitar de modificações, à luz de estudos sobre influências sociais e situacionais sobre o desenvolvimento humano. Concluindo, podemos dizer que, de um modo geral, as teorias de aprendizagem estão norteadas por determinadas concepções de sujeito e fazse imperiosa a existência inequívoca de uma visão crítica das mesmas, ao mesmo tempo em que, de antemão assumimos a nossa concepção globalizante do sujeito, aprendiz que tanto ensina. Muito mais do que considerar a aprendizagem como resultante unicamente do desenvolvimento cognitivo, para nós, uma missão efetivamente educacional está engendrada no compromisso com a formação humana e integral de seus educandos. E a 14 concepção de aprendizagem adotada por cada um de nós, se manifestará, a nossa revelia, na prática pedagógica. 15 CAPÍTULO II VISÃO GERAL DA APRENDIZAGEM 2.1 – Conceituação de Aprendizagem Aprendizagem1 comumente refere-se à modificação do comportamento através da experiência. O que vemos no contexto de sala de aula e no trabalho é apenas a ponta do iceberg. A aprendizagem é o processo pelo qual os seres humanos adquirem conhecimento e isso ocorre durante toda a vida. Segundo Drout (1995, p.7) a aprendizagem faz parte de um processo social de comunicação – a Educação e apresenta os seguintes elementos: comunicador ou emissor, mensagem, receptor da mensagem e o meio ambiente. Entende-se por comunicador aquele que transmite o conteúdo que vai ser ensinado às crianças. “A mensagem deve ser adequada à idade mental do educando. Deve ser clara e precisa para ser bem-entendida. Já o receptor é aquele que vai receber a mensagem; e o meio ambiente, que é o meio escolar, familiar e social (...) deve ser estimulador da aprendizagem e, portanto, propício ao bom desenvolvimento do processo educativo”. (Id. Ibid. p.7) Num processo de aprendizagem bem sucedido esses elementos são muito importantes, pois qualquer falha em um desses canais poderá implicar em uma aprendizagem defasada, como comenta Drout (Id. Ibid. p.7): “É muito importante 1 o papel desses quatro elementos no processo ensino A palavra inglesa learning (aprendizagem), provavelmente, deriva do radical indo-europeu, leis-, que significava pista ou pegada. Antes de atingir sua forma atual, sofreu muitas transformações: laestan, leornian, lernen. Em diferentes períodos da evolução da língua inglesa, ela pode ter sido entendida como seguir uma pista, continuar, vir, a saber, ou, talvez mesmo, entrar nos trilhos. 16 aprendizagem. Se qualquer um deles falhar, haverá um obstáculo à comunicação, o que poderá causar problemas de aprendizagem. Aprender é fazer de uma informação, de um conceito, uma ferramenta de transformação de atitude e de postura; o ato de aprender foi, é e sempre será a única forma de nos relacionarmos com as pessoas. Difícil imaginar qualquer período em nossas vidas que não estejamos aprendendo alguma coisa, mas via de regra não estamos conscientes de que estamos aprendendo. É como um processo contínuo e permanente, que nos permite aprender todos os dias, a todo o momento. Associação é um dos processos mais importantes para a maior parte dos tipos de aprendizagem. Antes de reagirmos adequadamente a alguma coisa, normalmente associamos com alguma outra coisa ou com alguma consequência. Beauclair (2008, p.29) cita o modo de pensar de Alessandrini sobre o aprender: “Exprime o grande segredo da vida: transformar toda a ação passível de introjeção e reflexão,bem como toda oportunidade de crescimento e desenvolvimento,em ação construtiva. Cada momento de aprendizagem representa a possibilidade de aprender o sentido do conhecimento”. (apud ALESSANDRINI, 1999, p.15) Para alguns autores, a chave para aprender e aplicar o que é aprendido é através da aprendizagem significativa. “A essência do processo da aprendizagem significativa está no relacionamento não-arbitrário e substantivo de idéias simbolicamente expressas a algum aspecto relevante da estrutura de conhecimento do sujeito, isto é, a algum conceito ou proposição que já lhe é significativo e adequado para interagir com a nova informação. É desta interação que emergem, para o aprendiz, os significados dos materiais potencialmente significativos. É também nesta interação que o conhecimento prévio se modifica pela aquisição de novos significados”. 17 Resumindo, aprendizagem é um processo de aquisição e integração de informações, que ocorre em todas as etapas de vida, sendo importante para a sobrevivência do indivíduo, entremeando-se em nossas vidas. 2.2 - Dificuldade de Aprendizagem- uma visão histórica As dificuldades de aprendizagem e o fracasso escolar não são temas recentes; há muito tempo pesquisas vem sendo realizadas com o intuito de descobrir/entender as causas que possam justificar o mau rendimento escolar, ou os problemas de aprendizagem. Desde o século XVIII, médicos, psiquiatras e filósofos do Iluminismo já se reuniam a fim de tentar compreender a origem dos problemas de aprendizagem, atribuindo-lhes uma visão organizacionista, idéia que permeou a prática psicopedagógica até pouco tempo atrás. (BOSSA, 2005, p.9) No século XIX já é possível ver um maior interesse por parte de educadores pioneiros nos tratamentos dos problemas de aprendizagem como Pestalozzi, Pereire e Seguin, buscando entender e atender os portadores de deficiência mental, sensorial e outros problemas que comprometiam a aprendizagem; ocupando-se, contudo, mais com a debilidade mental do que com a desadaptação. (BOSSA, 2000, p.37) Nos fins do século XIX, Seguin e o psiquiatra Esquirol formaram uma equipe médico-pedagógica, abrindo espaço para a neuropsiquiatria infantil, que passou a se ocupar dos problemas de aprendizagem. (Id. Ibid. p.38) De acordo com Beatriz Scoz, durante muitos anos o enfoque orgânico orientou médicos, educadores e terapeutas; crianças que não conseguiam aprender eram tidas como anormais, pois havia a crença de que a causa do fracasso escolar se devia a uma anormalidade orgânica. (SCOZ, 2004, p.19) Os primeiros centros psicopedagógicos foram fundados na Europa em 1946, por J.Boutonier e George Mauco e buscavam readaptar crianças com comportamentos socialmente inadequados na escola e no lar, bem como 18 atender crianças com dificuldades de aprendizagem, apesar de serem inteligentes. (BOSSA, 2000, p.39) Surge nessa época um novo modo de ver a criança com dificuldade de aprendizagem e o foco começa a deixar de ser apenas orgânico, sendo ampliado para a criança em sua totalidade, mediante atividades espontâneas e do brincar. Observa-se, portanto, que até a década de 70, os fatores orgânicos eram vistos como a principal causa dos problemas de aprendizagem, que de acordo com Bossa (2000, p. 48), eram atribuídos a uma disfunção do sistema nervoso central, tendo como causa, pois uma disfunção neurológica (não detectável) chamada de Disfunção Cerebral Mínima (DCM). Ainda de acordo com Scoz (2004, p. 23), as causas do fracasso escolar eram atribuídas à Disfunção Cerebral Mínima e aos distúrbios de aprendizagem (dislexias, afasias, disgrafias, discalculias). Foi na Argentina onde se iniciou, efetivamente, a prática da Psicopedagogia da maneira como conhecemos hoje. Profissionais de outras áreas como a Filosofia, dentre eles, podemos citar Sara Paín, sentiram a necessidade de preencher um espaço que não poderia ser ocupado nem por pedagogos nem por psicólogos. Iniciaram um processo de reeducação, objetivando entender o fracasso escolar e estudar as diversas origens das dificuldades de aprendizagem. “No Brasil a Psicopedagogia está se consolidando cada vez mais, num movimento de buscas concretas por respostas e alternativas aos problemas vinculados ao aprender, que se avolumam no cotidiano da escola, cujas conseqüências se fazem, cada vez mais, presentes no contexto social”. (BEAUCLAIR, 2008, p.37) 19 CAPITULO III DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESPECÍFICAS “Estamos meu bem, por um triz/ Pro dia nascer feliz/ O mundo inteiro acordar/ E a gente dormir Pro dia nascer feliz” (Cazuza e Frejat) Começamos este capítulo com o trecho da musica de Cazuza e Frejat que bem resume o que muitas vezes a criança com dificuldades de aprendizagem sente: é como se estivesse ‘por um triz’ diante do professor, dos colegas e da escola; é como um estranhamento diante do mundo e de si mesma, que pode vir a ter consequências pesadas em sua vida, suas relações etc. Ao se deparar com as dificuldades de aprendizagem ou quando se revela o fracasso escolar, inúmeras hipóteses são formuladas e diversas questões podem ser levantadas. Os pais se perguntam quem seria responsável pelo déficit: se a criança, eles mesmos ou a escola. A escola também se questiona,porém com menos culpa,tentando encontrar uma causa, na maioria das vezes, externa ao âmbito escolar, que vai desde fatores orgânicos a problemas familiares. As dificuldades de aprendizagem específicas ou transtornos de aprendizagem específicos (dislexia, discalculia e disgrafia) são diagnosticados quando os resultados em testes padronizados e individualmente administrados de leitura, matemática e escrita estão significativamente abaixo da média, 20 interferindo no rendimento escolar ou nas AVD’s que exijam estas habilidades. 2 (DSM IV, 2003) Sabendo-se que em muitos casos, os sintomas estarão presentes em todas as especificações. A definição do National Joint Committee on Learning Disabilities 3 (CORREIA, 2008) propõe sobre as dificuldades de aprendizagem especificas: “Dificuldades de aprendizagem é um termo genérico que diz respeito a um grupo heterogêneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso das capacidades de escuta, fala, leitura, raciocínio ou matemáticas. Estas desordens são intrínsecas ao individuo e são devidas,presumivelmente,a uma disfunção do sistema nervosos central.Embora as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras condições de incapacidade[...]ou influências ambientais[...],não são devidas a tais condições ou influências.”(CORREIA apud Hammill,Leigh,McNutt& Larsen,p.31) Observa-se que as dificuldades de aprendizagem especificas podem criar obstáculos e impedimentos inexplicáveis para aprender a falar, a ouvir, a ler, a escrever, a raciocinar, a resolver problemas matemáticos etc e podem prolongar-se na adolescência e na idade adulta em múltiplas situações. Alguns aspectos devem ser sempre levados em consideração no diagnóstico das dificuldades, como por exemplo, olhar a criança dentro de um contexto específico, observando os fatores emocionais, sociais, familiares que possam vir a interferir para o agravamento dos sintomas, podendo esse contexto ser favorável ou não. Sobre os transtornos ou dificuldades de aprendizagem específicas é importante que se saiba que não tem cura, e, portanto os sintomas vão estar presentes, com maior ou menor intensidade, ao longo de toda a vida adulta em múltiplas facetas da vida quotidiana. Sendo a etiologia indefinida e os fatores que desencadeiam múltiplos. 2 AVD – alterações na vida diária Conjunto de 10 organizações profissionais americanas, todas elas interessadas no estudo das dificuldades de aprendizagem. 3 21 Neste sentido, conforme Correia (2008), as pesquisas internacionais têm convergido em alguns consensos sobre o epifenômeno das DAE4·, como por exemplo: -a sua diversidade e heterogeneidade, embora cerca de 80% se centrem na dislexia e na disortografia; -a sua ocorrência em todos os níveis socioeconômicos; -o seu envolvimento genético e a sua constatação em várias gerações na mesma família; -a sua co-morbidade, especialmente com epidemia silenciosa dos déficits de atenção com ou sem hiperatividade; -os seus sinais de discrepância, entre o potencial de aprendizagem, normal e o seu aproveitamento escolar abaixo do normal; -as suas estruturas cerebrais atípicas (assimetrias hemisféricas, morfológicos, displasias etc.) -os seus pré-requisitos lingüísticos frágeis (fonológicos, morfológicos, semântico-sintáxicos, léxicos etc.); -os seus pré-requisitos cognitivos hesitantes (conhecimento básico, lenta nomeação e acessibilidade lexical e processamento de informação: input– integração/processamento/planificação – output – feedback ) com fraca automatização descodificativa e codificativa ( hipótese de disfuncionamento cerebeloso e vestibular) etc.(Id. Ibid. p.10/11) Deve-se descartar o diagnóstico na presença de retardo mental5. O sujeito pode ter bom desempenho escolar se tiver consciência que seu funcionamento é peculiar, e não inferior. De acordo com pesquisa feita por Corinne Smith e Lisa Strick (2001; p.14), consideradas raras no passado, as dificuldades de aprendizagem supostamente afetam, hoje em dia, pelo menos 5% da população, ou mais de 12 milhões de americanos. Muitas autoridades pensam que o número de indivíduos afetados é, na verdade, muito maior, e os especialistas concordam 4 Dificuldades de aprendizagem especificas Funcionamento Intelectual significativamente inferior à média, acompanhado de limitações importantes no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidado, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança cuja etiologia é variável e o inicio deve ocorrer antes dos 18 anos de idade. (CID 10) 5 22 que muitas crianças não estão indo tão bem quanto poderiam na escola em virtude de deficiências que não foram identificadas: “Ano após ano, muitos desses jovens são erroneamente classificados como tendo baixa inteligência, insolência ou preguiça. Eles são constantemente instados, por adultos ansiosos e preocupados com seu desempenho acadêmico, a corrigirem-se ou a esforçarem-se. Quando as táticas comuns de recompensa e de punição fracassam, pais e professores tornam-se frustrados, mas ninguém sente maior frustração que os próprios estudantes”. (Id. Ibid. p.14) No artigo Família e Dificuldades de Aprendizagem: uma reflexão sobre a relação pais e filhos, da Universidade Federal do Paraná, no Brasil, cerca de 40% da população que frequentam as primeiras séries escolares tem algum tipo de dificuldade acadêmica podendo persistir até idade adulta. É importante compreender estas dificuldades de maneira a diminuir o impacto na vida do indivíduo·. Ainda no mesmo artigo: “Martinez & Semrud-Clikeman (2004) confirmam que o fracasso escolar é um marco para os estudantes com distúrbios de aprendizagem, consequentemente, crianças e adolescentes com esses distúrbios podem se tornar particularmente vulneráveis a problemas emocionais e mau ajustamento escolar. No estudo dos autores percebeu-se que, quanto maiores são as dificuldades de aprendizagem, maiores são as emocionais. Tais dificuldades emocionais, mesmo que em alguns casos sejam decorrentes de déficits cognitivos, como apontam autores (Bauminger, Edelsztein & Morash, 2005), deve-se buscar a estimulação cognitiva e o desenvolvimento de habilidades sociais”. (Id. Ibid. UFPR) Como já foi citado anteriormente, a criança vive em constante interação com o seu meio, e é essa interação leva a flutuações, acontecem equilíbrios e desequilíbrios constantes ,e essas variantes ajudam no processo de aprendizagem.Mas para haver um equilíbrio final,que está sempre acontecendo, é necessário que aconteça o que Piaget chama de assimilação e acomodação. Assimilar é integrar um dado novo a um esquema já existente; acontecendo em qualquer nível de desenvolvimento. Esta interação permite a criança adaptar-se ao meio, organizar-se e ampliar seus esquemas. 23 Na acomodação é onde esses esquemas assimilados são modificados, transformados, para que seja possível a adaptação ao meio. Podemos dizer que ocorreu uma adaptação quando há o equilíbrio entre a assimilação e a acomodação. Entretanto naqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem o que se vê é uma prevalência de um sobre o outro. De acordo com Paín (1992, p.47), ”os problemas de aprendizagem estão muito ligados a perturbações precoces que determinaram a inibição de processos, ou o predomínio de um dos momentos sobre o outro, impedindo a integração que possibilita a aprendizagem”. O que se observa no dia a dia da escola é que crianças com dificuldades de aprendizagem podem também apresentar dificuldades em outras áreas da vida, não somente na escolar. Em muitos casos, as causas podem ser familiares, escolares. O diagnóstico, a contextualização e a intervenção são procedimentos básicos da ação psicopedagógica em termos específicos ao tratamento de problemas e/ou de dificuldades de aprendizagem. Às vezes, fazse necessário o trabalho conjunto com o psicólogo. Ao psicopedagogo cabem as dificuldades de aprendizagem e os aspectos pertinentes na área educacional, assim como o contexto no qual convive. Diferentemente dos problemas de aprendizagem, cuja causa é orgânica e o tratamento é neurológico. Sabemos que cada indivíduo é uno, com suas próprias características, demandas; há crianças que aprendem mais depressa do que outras; que gostam mais de uma matéria do que de outra; que precisam de mais atenções do professor ou dos pais do que os outros; que revelam qualidade de liderança, ao passo que outros preferem ser liderados; há os que são mais motivados para as tarefas escolares ou para a luta da vida que outros; enfim, pessoas que diferem, não só em funções e atividades especiais, como nas formas globais de comportamento, nas reações da personalidade. Na escola, o bom professor é aquele que deve estar atento a essas diferenças, pois, na maioria dos casos, será ele quem identificará e ajudará no 24 desempenho dessas crianças que apresentam dificuldades na aprendizagem, pois como explica Drout (1995 p.93) “muitas crianças falham ao tentar atingir um padrão adequado de alfabetização” e elas não devem ser deixadas de lado e optando-se por se dar mais atenção às que se destacam. Drout (Id. Ibid. p.93) conceitua o que são essas dificuldades apresentadas por alguns alunos em sala de aula: “Para alguns médicos, psicólogos ou educadores, distúrbios são problemas ou dificuldades no processo de ensinoaprendizagem. Isso porque, para esse grupo, distúrbios são perturbações de origem biológica, neurológica, intelectual, psicológica, sócio-econômica ou educacional, encontradas em escolares, que podem tornar-se problemas para a aprendizagem dessas crianças”. Os fatores ambientais e biológicos podem acarretar nas crianças diferentes tipos de dificuldades durante o processo de aprendizagem, entre elas podemos citar a dislexia (dificuldades de leitura), a disgrafia (dificuldades de escrita), a disortografia (dificuldades para formular idéias e expressão ortográfica) e a discalculia (dificuldades no cálculo e na aritmética). Os transtornos de aprendizagem ou dificuldade de aprendizagem específica (learning disabilities) se definem, conforme Sampaio (2009 p.90) citando Soledade-RisérioTaya, como “um transtorno em um ou mais dos processos psicológicos básicos implicados na compreensão ou no uso da linguagem falada ou escrita, que pode se manifestar em uma habilidade imperfeita para escutar,falar,ler ,escrever,soletrar ou fazer cálculos matemáticos “. Os problemas de aprendizagem podem se apresentar como fatores secundários, em função (SAMPAIO apud TAYA, p.90/91): • da depressão; • de um Transtorno do Déficit de Atenção – TDAH; • de deficiência mental; • de transtornos de conduta; 25 • do déficit cultural; • de problemas neurológicos; • de deficiência sensorial. Ainda nesta mesma linha de considerações Fonseca (1995, p. 241) diz que: “As causas das DA6, nomeadamente de dislexia (dificuldades de leitura), da disgrafia (da escrita), da disortografia (da formulação de idéias e sua expressão ortográfica) e da discalculia (do cálculo ou da aritmética), são fundamentalmente sociais, embora se tenha que diferenciar causas endógenas e exógenas, umas por dificuldade de processar a informação, outras por problemas de motivação. O defasamento social, a violência e os traumatismos provocados pela sociedade de consumo geram desajustamentos afetivos e privações de desenvolvimento que se refletem na maturação global da criança”. 3.1-Percepção e integração sensorial De acordo com Farrell (2008, p.15) um dos aspectos a serem observados no âmbito das dificuldades de aprendizagem específicas é a percepção e a integração sensorial, que aparecem em diferentes graus e maneiras, são eles o sentido vestibular; o da discriminação auditiva e da distratibilidade auditiva; da discriminação visual, do rastreamento e da dependência de campo; do sentido tátil e do sentido proprioceptivo/cinestésico. A seguir abordaremos cada um desses aspectos/sentidos, lembrando que eles operam muitas vezes juntos, de modo que a disfunção de um deles pode afetar outros. 3.1.1 – Sentido vestibular “O sistema vestibular, localizado na orelha interna, controla a nossa capacidade de manter o corpo equilibrado quando ele está em movimento e ajuda o corpo a permanecer estável 6 D A – Dificuldades de Aprendizagem 26 quando não está movendo-se [...] Se o sistema vestibular não estiver funcionando adequadamente, a criança terá um sentido de equilíbrio deficiente. Seus movimentos tenderão a ser desajeitados, a sensação de náusea por movimento distorcerá sua orientação e ela tenderá a ter dificuldade de direção e habilidades organizacionais deficientes”.(Id. Ibid. p.15) 3.1.2 – Discriminação auditiva e distratibilidade auditiva Ainda de acordo com Farrell, “se a criança apresentar dificuldade de discriminação auditiva, isso pode envolver dificuldade em distinguir sons, o que leva a problemas na leitura e na soletração”. A distratibilidade auditiva pode levar a criança a demonstrar dificuldade em prestar atenção, em se concentrar, em manter conato visual e em permanecer imóvel. 3.1.3 – Discriminação visual, rastreamento e dependência de campo visual É comum na criança com discriminação visual deficiente a inversão de letras, tanto quando lê como quando escreve. “Os olhos precisam ser capazes de examinar cuidadosamente sem perder a clareza do que é visto. Se houver problemas de convergência e de acomodação, a criança poderá enxergar, por exemplo, ao olhar para uma letra do alfabeto, duas formas sobrepostas ou borradas. As implicações disso vão alem do obvio impacto sobre a leitura e a escrita, uma vez que também influenciam no julgamento da distância, da compreensão de outras imagens e de outros aspectos da vida cotidiana”. (Id. Ibid. p.16) 3.1.4 - Sentido Tátil Por meio do tato que se desenvolve o senso de direção, incluindo a lateralidade; o tato nos permite determinar uma gama de informações sobre determinado objeto: a forma, tamanho, textura etc. Não receber sinais ao ser tocado, por exemplo, pode levar a criança a um senso de direcionalidade deficiente. 27 3.1.5 – Sentido proprioceptivo/cinestésico De acordo com Farrell (2009, p.17), “o sentido proprioceptivo/cinestésico nos informa sobre onde o nosso corpo está no espaço, onde as partes do corpo estão umas em relação às outras e sobre o estado de concentração dos músculos”. Dificuldades proprioceptivas podem levar a criança a ter dificuldades em usar garfo e faca de modo eficaz, em avaliar a distancia e a direção ao caminhar para frente da sala de aula e, talvez por isso, pisar nos colegas e colidir com objetos. (Id. Ibid. p.1) 28 CAPITULO IV DISLEXIA, DISCALCULIA E DISGRAFIA 4.1- Entendendo a Dislexia Antes de se diagnosticar uma criança como dislexa faz-se necessário observar uma série de fatores que podem estar envolvidos na dificuldade da leitura e da escrita, ocasionando sintomas que possam vir a ser confundidos com a dislexia, como saúde deficiente, imaturidade na iniciação da aprendizagem e métodos de aprendizagem deficientes, entre outros. Algumas crianças podem passar por alguma dificuldade quando estão aprendendo a ler, e um diagnóstico precipitado pode estigmatizá-la. Mais do que nunca é preciso ter cautela, tanto por parte da escola quanto por parte do profissional que por ventura vier a atender a criança, a fim de não julgarem precipitadamente as dificuldades da criança. A descrição de dislexia formulada pela British Psychological Society (FARRELL, 2008 p.25) é: “A dislexia é evidente quando a leitura e/ou ortografia fluente e exata das palavras desenvolvem-se de modo incompleto ou com grande dificuldade.” Para a British Dyslexia Association, sobre o mesmo tema, a definição da dislexia é: “Uma combinação de capacidades e dificuldades que afetam o processo de aprendizagem e um ou mais das áreas de leitura, ortografia e escrita. Fraquezas concomitantes podem ser identificadas nas áreas de processamento da velocidade, memória de curto prazo, sequencialização, percepção auditiva e/ou visual, linguagem falada e habilidades motoras. Ela está particularmente relacionada ao domínio e uso da linguagem escrita, o que pode incluir notação alfabética, numérica e musica”l. (Id. Ibid. p.29) O rendimento da leitura (correção, velocidade, compreensão) substancialmente inferior ao esperado para idade cronológica, inteligência e escolaridade. Definição segundo DSM IV. 29 Uma das causas da dislexia, de acordo com os estudos efetuados pela Doutora Sally Shaywitz, neurocientista da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, que se apoiaram no uso da imagiologia por ressonância magnética (IRM) “as crianças com dislexia,quando executam tarefas do tipo intelectual,como, por exemplo, a leitura, parece apresentar uma atividade reduzida no gyrus angular – a zona do cérebro que liga as áreas do córtex visual e da atividade excessiva na área de Broca, responsável pelos mecanismos motores da fala”. (CORREIA, 2008 p.36) A dislexia não é apenas comum, é persistente e raramente diagnosticada antes do final da pré-escola ou início da 1ª série; apresentando muitas vezes discrepância acadêmica, ou seja, há um hiato entre o funcionamento intelectual e a realização escola atual. Fatores de ordem neurológica, genética ambiental podem estar combinados com agravantes psicológicos e pedagógicos para desencadear as dificuldades de leitura/escrita. Em 02 de janeiro de 2007 foi criada a Lei 2524/07, chamada Lei do Dislexo7, onde fica clara a preocupação atual com o assunto e uma tentativa de adaptar as escolas a essa realidade que vem se apresentando cada dia mais. De acordo com a Associação Nacional de Dislexia, AND, cerca de 10 a 15% da população mundial é considerada disléxica e diferentemente do que possa vir a ser pensado, a dislexia não é fruto de má alfabetização, desatenção, desmotivação, preguiça, condição sócio-econômica ou baixa inteligência. É um problema de linguagem, e não de deficiência intelectual. De reconhecimento de sons e sua organização em sequência para formar palavras. É uma condição hereditária com alterações genéticas, apresentando ainda mudanças no padrão neurológico. Identificados problemas de rendimento escolar ou sintomas isolados, que podem vir a ser percebidos na escola ou mesmo em casa, deve-se procurar ajuda especializada. Cabendo, preferencialmente, a uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos, iniciar um trabalho minucioso de investigação. É importante se observar que a 7 Anexo 1 30 identificação do distúrbio não parte da dislexia per si, mas normalmente chegase a ela a partir da exclusão de qualquer outra possibilidade, podendo também além da equipe multidisciplinar, ser ouvidos oculistas e neurologistas. Caso outro problema seja detectado, deve haver o encaminhamento para o tratamento adequado. Quando a dislexia é identificada é importante que se inicie um acompanhamento que respeite a singularidade da criança e as suas reais possibilidades. É importante salientar que a detecção precoce da dislexia em crianças e consequentemente,o início do tratamento mais cedo, mostra que a criança tende a apresentar menor dificuldade ao aprender a ler. Tal fato contribui de maneira muito positiva e evita problemas no rendimento escolar, fato esse que leva meninos e meninas a desgostarem de estudar, terem comportamento inadequado e atrasos na relação idade/série. 4.1.1- Características mais marcantes do dislexo • confusão/substituição de letras, sílabas ou palavras que se parecem graficamente: a-o, e-c, f-t, m-n, v-u, i-j; • inversão de letras com grafia muito similares, visualmente semelhantes e pequenas, mas com diferente orientação no espaço: b/p, d/p, d/q, b/q, b/d, n/u, a/e, w/m; • confusão de letras, cujos sons são parecidos: d-t, j-x, c-g, m-b, vf; • inversões de sílabas: em/me, sol/los, las/sal, par/pra es/se,telefone/tefelone; • adições ou omissões de sons: casa por casaco, prato por pato; • erros em palavras semanticamente relacionadas (gato em vez de cão),incluindo o uso inadequado dos tempos verbais; • ao ler, pula linha ou volta para a anterior; • 31 soletração defeituosa: lê palavra por palavra, sílaba por sílaba, ou reconhece letras isoladamente, sem poder ler; • leitura lenta para a idade; • dificuldade na leitura incidental (rótulos, marcas etc); • medo de ler em voz alta; • segmentações de acordo com a entonação (foneticamente): em bora, a quele; • aglutinações, escrevendo da maneira como ouvem: davontade, acasa, mais oumenos; • ao ler, movem os lábios murmurando; • dificuldade para encontrar a palavra certa, usando palavras vagas: aí, né, então; • frequentemente, não conseguem orientar-se no espaço, sendo incapazes de distinguir direita de esquerda. Isso traz dificuldades para se orientarem com mapas, globos e o próprio ambiente; • usa dedos para contar; • possui dificuldades em lembrar-se de sequências: letras do alfabeto, dias da semana, meses do ano, ler as horas; • alguns possuem dificuldades em lembrar-se de objetos, nomes, palavras, ou mesmo de letras; • muitos conseguem copiar, mas na escrita espontânea (ditado e/ou redação) mostram severas complicações; • dificuldade em copiar no quadro-negro , achando mais fácil copiar de algum material em sua mesa (dificuldade de foco); • estilo de escrita manual inadequado, misturando tipos de letras; • afeta mais meninos que meninas; 32 4.1.2-Possíveis dificuldades associadas à dislexia Fonológicas – relacionar sons da fala a mudanças de significado; compreender que quando um som da fala é modificado em uma palavra, seu significado muda. A rota fonológica é automática (memória e identificação). No déficit fonológico existe uma dificuldade em representar ou recordar sons da fala e muitas vezes observa-se dificuldade de, por exemplo, compreender ordens( fatores preditivos que permanecem). Percepção e Processamento Auditivo – perceber a diferença de sons semelhantes em diferentes velocidades, pois esta poderá modificar a percepção exata do som, e assim precisamos enquadrar o que ouvimos numa determinada categoria. Exemplo: ba/pa.É importante observar se há dificuldades na discriminação auditiva; sequencialização; combinação e segmentação. Visuais e de Processamento Visual – convergência (habilidade necessária para uma boa leitura); acomodação (capacidade de ajustar rapidamente o foco dos olhos quando as circunstâncias mudam) e rastreamento (habilidade de examinar uma linha impressa de palavra para palavra e de linha para linha sem se perder no texto). No dislexo verificam-se dificuldades com tarefas visuais que envolvam percepção de movimento, fazendo que as letras pareçam mexer-se ou estarem borradas. Há dificuldade inadequada à idade em discriminar letras que parecem as mesmas (m/n); as que são as mesmas, mas tem formas diferentes (M/m); omite ou transpõe parte de uma palavra. Coordenação Motora – podem englobar tanto as habilidades finas que interferem na escrita, quanto às amplas, podendo um professor de Educação Física ajudar também nesta avaliação. Memória Verbal de Curto Prazo (memória de fixação) – tendem a lembrar menos dígitos; possuindo poucas estratégias de recuperação da 33 memória; apresentando baixo desempenho para recordar palavras, instruções, sequência de números, fatos e datas, compromissos e prazos. Guardam fatos que envolvem a emoção. Sequencialização (ordem temporal) - reproduzir a ordem sequencial de eventos. O dislexo mostra dificuldades em: sequenciar informações (letras do alfabeto; palavras quando lê; letras quando escreve; números em seqüência ou de telefones); eventos cronológicos (dias da semana, meses do ano ou lembrar seqüência de eventos). 4.1.3-Outras considerações importantes: • atraso no desenvolvimento da fala e linguagem; dislalia; • dificuldades com lateralidade; • dificuldades em decomposição de sons e palavras; quebracabeças; • dificuldades de atenção e concentração; • dificuldades de memorização; • imaturidade global; • incidência familiar. 4.1.4-Tipos de dislexia 34 -Dislexia Visual – quando há um déficit na rota lexical (leitura por localização), utilizada para ler palavras familiares armazenadas na memória (reconhecimento visual de palavras); verifica-se a pronúncia e em seguida fazse a leitura oral. -Dislexia Auditiva – quando há um déficit na rota fonológica (leitura por associação), utilizada para ler palavras pouco frequentes; a sequência é segmentada em unidades menores e associadas a seus respectivos sons; em seguida a junção fonética e a articulação da palavra. 4.1.5-Algumas intervenções em sala de aula: • alinhavar a matéria a ser aprendida no início de cada bimestre; • anotar na agenda o que vai ser exigido dele durante a semana, para que possa se programar; • permitir fazer redações gravadas ou ditadas à alguém; • permitir a redação em duplas: um pensa o outro escreve e depois inverter; • permitir o desenho colorido de uma redação, do seu começo, meio e fim e depois representar esses desenhos em palavras; • permitir o uso de cópias de caderno de colegas, da matéria dada; • permitir o uso de gravador para determinados momentos da aula; • permitir alternativas à leitura de livros, como também filmes, peças teatrais, livros-áudio; • permitir que a ‘prova’ do livro seja um desenho, uma colagem, ou qualquer outro meio alternativo de expressão; • permitir o uso de computador,se for o caso, para elaborar textos; • utilizar material visual, fichas coloridas; • permitir provas com consulta se o assunto for regras gramaticais; 35 • diminuir a carga de lições de casa; • permitir fazer avaliações com tempo extra, sozinho e com um mediador para explicar o que cada questão está pedindo; • as avaliações devem conter poucas questões, com enunciados claros e simples; • evitar situações constrangedoras, como por exemplo, pedir para ler em voz alta. 4.2-Discalculia – natureza e intervenções Não existe uma causa única e simples com que possam ser justificadas as bases das dificuldades com a Linguagem Matemática, que podem ocorrer por falta de habilidade para determinação de razão matemática ou pela dificuldade em elaboração de cálculo matemático. Atinge de 5 a 6% da população com DAE. De acordo com o CID-10 (1993) e o DSM IV(2003) o transtorno da matemática, conhecido como discalculia, é um problema causado por má formação neurológica, que se manifesta como uma dificuldade da criança em realizar operações matemáticas, classificar números e colocá-los em sequência. Nas fases mais adiantadas da vida escolar, a discalculia também impede a compreensão dos conceitos matemáticos e sua incorporação na vida cotidiana; como no caso da dislexia, detectar a discalculia não é fácil. Ainda conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DMS IV), a discalculia é definida como “uma capacidade para a realização de operações aritméticas acentuadamente abaixo da esperada para a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade do indivíduo”. Este transtorno interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida diária que exigem habilidades matemáticas. 36 Em Farrell (2008, p.73) vemos a discalculia como uma dificuldade em compreender e aprender matemática que não está associada a dificuldades gerais de aprendizagem: “Uma condição que afeta a capacidade de adquirir habilidades matemáticas. Os aprendizes com discalculia podem ter dificuldade para compreender conceitos matemáticos simples, não possuem compreensão intuitiva de números e têm problemas para aprender fatos e procedimentos numéricos. Mesmo que produzam a resposta correta ou usem o método correto, eles fazem isso mecanicamente e sem confiança”. (FARRELL apud DfFS,2001 c) De acordo com Bastos (2006, p.202), podem estar prejudicadas no transtorno da matemática diferentes habilidades, sendo elas: habilidades linguísticas e perceptuais (reconhecer ou ler símbolos numéricos ou aritméticos e agrupar objetos em conjuntos), habilidades de atenção (copiar corretamente números ou cifras, lembrar de somar os números levado e observar sinais de operação) e habilidades matemáticas (seguir sequências de etapas matemáticas, contar objetos e aprender as tabuadas de multiplicação). A criança portadora da discalculia pode vir a ter dificuldades na solução de problemas verbais, nas habilidades de contagem, nas habilidades computacionais e na compreensão de números. A discalculia normalmente está associada ao transtorno de leitura ou escrita e é mais visível na 2ª ou 3ª série, sendo o pensamento atual de que se refere a uma condição congênita, devendo ser causada pelo funcionamento anormal de uma área específica do cérebro. É importante ressaltar que não o há nenhum teste formal de diagnóstico especificamente para discalculia. Ainda dentro das características da discalculia é possível se observar comprometimentos em várias áreas como na autoestima, na organização espacial e temporal, na memória, nas habilidades sociais e grafomotoras, bem como na impulsividade, na consistência e na linguagem/leitura. (SAMPAIO, 2009 p.123) 37 É necessário diferenciar discalculia da acalculia, que se caracteriza pela perda das habilidades matemáticas já adquiridas, em conseqüência de uma lesão cerebral. 4.2.1- Características mais marcantes da discalculia • dificuldade em conservar a quantidade: não compreende noção de proporcionalidade – quilo/grama; • dificuldade de sequenciar números: o que vem antes e depoisantecessor e sucessor; dificuldade em compreender a orientação espacial (incluindo a esquerda e direita), provocando dificuldades em seguir instruções ou com a leitura de mapas; • incapacidade de visualizar conjuntos de objeto, dentro de um conjunto maior; • frequentemente mostram-se incapazes de classificar números, e embora os reconheça, não irá conseguir estabelecer relações entre eles, montar operações e identificar corretamente os sinais matemáticos ((+, –, ÷ e x); • dificuldade de lembrar-se da sequência de passos para a realização de operações matemáticas; • incapacidade de estabelecer correspondência um-a-um, podendo achar difícil de entender que as palavras de dez, cem e mil têm a mesma relação uns aos outros como os 10 números, 100 e 1000; • dificuldade em contar por meio de cardinais e ordinais, bem como com operações que envolvam manuseio de dinheiro ou contagem do tempo. Eles também podem ter problemas com conceitos tais como a velocidade ou a temperatura; • lentidão na velocidade de trabalho, pois não tem os mecanismos necessários (tabuada decorada, sequências decoradas). 4.2.2-Possíveis causas da discalculia (SILVA, 2009 p.19): 38 Neurológica: o desenvolvimento neurológico implica na maturação progressiva através das modificações do sistema nervoso que se caracteriza pelas diferentes funções, que vão se estabelecendo ordenada, progressiva e cronologicamente. Em cada nível etário de maturação é permitido desenvolver novas funções (percepção espaço-temporal, lateralidade, ritmo, etc.) através de dinâmicas de aprendizagem. Há graus de imaturidade que devem ser observados: grau leve, onde o discalcúlico reage favoravelmente à intervenção terapêutica, grau médio, configura o quadro da maioria dos que apresentam dificuldades especificas em matemáticas, e grau limite, quando apresenta lesões neurológicas, gerando assim déficit intelectual. Linguística: carência na elaboração do pensamento devido às dificuldades no processo de interiorização da linguagem. Psicológica: os indivíduos com alguma alteração psíquica tendem a apresentar transtornos da aprendizagem, pois o emocional também interfere no controle de determinadas funções como a atenção, a memória, a percepção entre outras. Genética: não há comprovações, mas existem explicações da determinação do gen responsável por transmitir a herança dos transtornos no cálculo. Há significativos registros de antecedentes familiares de discalcúlicos que também apresentem dificuldades em matemática. Pedagógica: é a causa determinante, pois está diretamente vinculada aos fenômenos que se sucedem no processo da aprendizagem. 4.2.3-Tipos de discalculia Em Sampaio (apud GARCIA p.120), a discalculia é classificada em seis subtipos, podendo ocorrer em combinações diferentes e com outros transtornos de aprendizagem: -Discalculia Verbal - dificuldade para nomear as quantidades matemáticas, os números, os termos, os símbolos e as relações. -Discalculia Practognóstica - dificuldade para enumerar, comparar e manipular objetos reais ou em imagens matematicamente. 39 -Discalculia Léxica - Dificuldades na leitura de símbolos matemáticos. -Discalculia Gráfica - Dificuldades na escrita de símbolos matemáticos. -Discalculia Ideognóstica – Dificuldades em fazer operações mentais e na compreensão de conceitos matemáticos. -Discalculia Operacional - Dificuldades na execução de operações e cálculos numéricos. 4.2.4-Algumas intervenções em sala de aula: • evitar ressaltar as dificuldades da criança diante dos demais alunos; • evitar demonstrar impaciência com a dificuldade expressada pela criança, deixando com que ela conclua o que quer dizer sem interrupções ou complementações; • não expor a criança perante a turma, corrigindo-a frequentemente; • procurar situações concretas na explicação e resolução dos problemas matemáticos; • não forçar a criança a fazer lições, quando ela estiver demonstrando nervosismo por não as ter conseguido; • propor, sempre que possível, a utilização de jogos em sala de aula; • evitar corrigir as lições com caneta de tinta vermelha ou lápis; • manter sempre a atenção da criança em foco, por exemplo, chamando pelo seu nome; • dividir as explicações em pequenas etapas; • quando em momentos de grande ansiedade por parte da criança, a atenção individualizada pode ajudar a quebrar a barreira inicial e reduzir o medo de não conseguir fazer a tarefa. 40 4.3-Disgrafia A disgrafia é uma falha na aquisição da escrita, implicando em uma inabilidade ou diminuição no desenvolvimento da escrita. Atinge de 5 a 10% da população escolar. Segundo DSM-IV, trata-se de um Transtorno da Expressão Escrita que tem como característica diagnóstica habilidades de escrita substancialmente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, o nível de inteligência e a escolaridade apropriada à idade da criança. A disgrafia interfere significativamente no rendimento escolar e nas atividades da vida cotidiana que requerem a realização de textos. Sua medição se dá por meio de testes padronizados, que nesta área são menos acurados que os de leitura ou matemática. Segundo Sampaio (2009, p.125), na disgrafia “o sujeito apresenta uma letra feia e com garranchos. Isso acontece por causa de uma incapacidade de recordar a grafia da letra, ou seja, ao tentar relembrar um grafismo, a criança escreve muito lentamente e, com isso, acaba unindo inadequadamente as letras, de maneira ilegível”. É um transtorno da escrita que afeta a forma ou o significado e é do tipo funcional. Aparece em crianças com capacidade intelectual normal, com estimulação adequada e sem transtornos neurológicos, sensoriais, motores ou afetivos intensos. O diagnóstico não é dado apenas por erros ortográficos ou caligrafia fraca (neste caso pensar em Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação), sendo raro quando não associado a outros transtornos de aprendizagem; é mais visível a partir da 2ª série. Para um diagnóstico, é necessário uma boa amostra de produções escritas do indivíduo, e comparar com o desempenho esperado (idade/QI). 41 Solicitar que o sujeito copie; escreva um ditado ou texto espontâneo pode ser importante para o estabelecimento da presença e extensão do transtorno. Semelhante à dislexia e à discalculia, observa-se que não existe uma causa única para a disgrafia. A interação de fatores maturativos, de personalidade ou pedagógicos podem exercer um papel importante no desencadear do transtorno, bem como os fatores hereditários. 4.3.1-Sinais e sintomas da disgrafia • desorganização do texto, pois não observam a margem, parando antes ou ultrapassando-a (de modo que se amontoem letras na borda da folha). Traçado disforme, às vezes com ligações inexistentes; • margens mal feitas; • escrita desorganizada; • traços irregulares com pressão sobre a folha, apresentando traçados muito leves ou muito fortes; • letra angulosa, ininteligível; Alterações de ângulos/ direcionais e falhas proporções das letras; • caderno sujo, páginas amassadas ou furadas, capas despencando, rasuras; • alterações espaciais (mau uso do espaço gráfico; dificuldades de cópias do quadro para caderno) • caligrafia excessivamente ruim; • lentidão na escrita; • letras retocadas, hastes mal feitas e atrofiadas, podendo haver omissão de letras, palavras e números, bem como movimentos contrários à escrita (um S ao invés do 5 ,por exemplo); • 42 letras escritas no sentido contrário. Nos casos de a, o, d, são escritas no sentido horário, ao invés do sentido anti-horário. Habitualmente os números são escritos de baixo para cima; • escrita em espelho - pode acontecer quando há problema fonológico. 4.3.2-Tipos de disgrafia De acordo com Sampaio (2009), há dois tipos de disgrafia: a disgrafia motora ou discaligrafia e a disgrafia perceptiva, que se caracterizam por: -Disgrafia Motora- a criança consegue falar bem e ler bem, mas encontra dificuldades na coordenação motora fina, para escrever as letras, as palavras e os números, isto é, vê a figura gráfica, mas não consegue realizar os movimentos para escrevê-la. -Disgrafia Perceptiva- a criança não consegue fazer relação entre o simbólico e as grafias que representam sons, palavras e frases. Possui características da dislexia, sendo que esta ultima está associada à leitura e a disgrafia, à escrita. Ainda segundo a autora, “algumas crianças com disgrafia possuem, também, uma disortografia, amontoando letras, para esconder os erros ortográficos. Mas não são todos digráficos que possuem disortografia, as quais não se encontram associadas a nenhum tipo de comprometimento intelectual”. (Id. Ibid.p 126) 4.3.3-Possíveis causas da disgrafia Algumas causas podem ser apontadas como possíveis deflagradoras da disgrafia, mas como já citado,nenhuma se faz de maneira absoluta,variando de indivíduo para indivíduo.Não citaremos aqui como uma das causas o erro pedagógico,pois acreditamos que não só em relação à disgrafia,mas em relação a qualquer dificuldade ,o mau encaminhamento pedagógico poderá 43 gerar sequelas em qualquer criança em idade escolar inicial . São elas, de acordo com Cinel (2004,19/25): Distúrbios na motricidade ampla e fina - Frequentemente observamos que, mesmo em crianças de nível intelectual médio ou elevado, existe um determinado potencial ou certo conjunto de habilidades não-desenvolvidas. Neste caso, é possível constatarmos uma ou outra ou várias disfunções psiconeurológicas ou anomalias na maturação do sistema nervoso central, tornando-se evidente, na maior parte das situações, a falta de coordenação entre o que a criança se propõe a fazer (intenção) e a respectiva ação. Na área motora, aparecem a hiper ou a hipoatividade, as perturbações do ritmo, a incoordenação excessiva, prejudicando a postura, a locomoção, os movimentos dos braços, pernas, mãos, pés e a respiração. Na área perceptiva, evidenciam-se desordem perceptovisual, de orientação e estruturação espacial, perturbações do esquema corporal e da lateralidade. Tais perturbações interferem, sensivelmente, em todos os campos de ação da criança. Para que a criança adquira os mecanismos da escrita, além da necessidade de saber orientar-se no espaço (motricidade ampla), deve ter consciência de seus membros, da mobilização dos mesmos, e saber fazer agir, independentemente, o braço em relação ao ombro, a mão em relação ao braço e ter a capacidade de individualizar os dedos (motricidade fina) para pegar o lápis ou a caneta e riscar, traçar, escrever, desenhar o que quiser. Distúrbios na coordenação visomotora-A coordenação visomotora está presente sempre que um movimento dos membros superiores ou inferiores ou de todo o corpo responde a um estímulo visual de forma adequada. Ao traçar uma linha, por exemplo, a criança, ao mesmo tempo em que segue, com os olhos, a ação de riscar, deve ter em mira o alvo a atingir. A criança com problemas de coordenação visomotora não consegue, por exemplo, traçar linhas com trajetórias predeterminadas, pois, apesar de todo o esforço, a mão não obedece ao trajeto previamente estabelecido. Esses problemas repercutem negativamente nas aprendizagens, uma vez que para aprender e fixar a grafia é indispensável que a criança tenha 44 conveniente coordenação olho/mão, da qual depende a destreza manual. Os esforços para focalização visual distraem a sua atenção e ela perde a continuidade do traçado das letras e suas associações. Deficiência na organização temporo espacial-Quando falamos em organização temporo espacial nos referimos à orientação e à estrutura do espaço e do tempo: é o conhecimento e o domínio de direito-esquerda, frente/atrás/lado, alto/ baixo, antes/depois/durante, ontem/hoje/ amanhã, etc., que a criança deve ter desenvolvido para construir seu sistema de escrita. A criança com problemas de orientação e estruturação espacial, normalmente, apresenta dificuldades ao escrever, invertendo letras, combinações silábicas, sob o ponto de vista de localização, o que denota uma insuficiência da análise perceptiva dos diferentes elementos do grafismo. Ela não consegue, também, escrever obedecendo ao sentido correto de execução das letras, nem orientarse no plano da folha, apresentando má utilização do papel e/ou escrevendo fora da linha. Problemas de lateralidade e direcionalidade-Sabemos que dos distúrbios de motricidade manifestam-se, principalmente, por meio dos gestos imprecisos, dos movimentos desordenados, da postura inadequada, da lentidão excessiva, pela má organização do espaço em relação ao próprio corpo ou, ainda, por desarranjos de ordem afetiva. 4.3.4-Algumas intervenções em sala de aula: • os professores podem utilizar em sala de aula, cópia de letras maiúsculas e minúsculas, a escrita através do espelho e atividades de soletração, assim poderiam solucionar ou amenizar casos de alunos que confundem a forma das letras e invertem (p, d, q, b etc), aprendizagem de regras (fonemas x grafema) além de proporcionar estratégias adequadas de memorização, então estas disgrafias seriam superadas gradualmente; • a melhor forma de adquirir ou melhorar as habilidades escritas é através do treinamento processos cognitivos; (da escrita) utilizando diferentes • 45 uso de diagramas que mostram frases simples e depois frases complexas trabalhando com cartolinas para ensinar sujeito-verbo e complementos; • uso do dicionário sempre que os alunos tiverem dúvida ou escreverem uma palavra errada, eles próprios podem aprender e fazer a autocorreção com a ajuda de um dicionário; • o professor deve criar uma situação prazerosa onde o aluno possa escrever livremente, por exemplo, textos como diários e cartas. O aluno deve perceber a importância de planejar, revisar, escrever, podendo realizar atividades de reescrita pegando um texto simples e transformando através da troca por frases mais elaboradas estimulando a maturidade sintática; • uso do rascunho, transcrição, revisão e correção; • conscientizar os alunos mostrando que os erros ocorrem pela tentativa de escrever assim como na oralidade e também devido a tantas regras e exceções. 46 CAPÍTULO V OS ESTIGMAS SOCIAIS A palavra estigma não é nova, os gregos criaram o termo estigma para se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de bom ou mau sobre o status moral de quem os apresentava (GOFFMAN, 1978). Já na Era Cristã, dois níveis de metáfora foram acrescentados ao termo estigma: o primeiro deles referia-se a sinais corporais de graça divinas e o segundo, uma alusão médica a essa alusão religiosa, referia-se a sinais corporais de distúrbios físicos. Atualmente, o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante ao sentido original, aparecendo como um constructo social que envolve todas as relações/distinções que se refletem nos indivíduos e são por eles internalizadas. Tais distinções deixam marcas, os estigmas. “Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminação, através das quais efetivamente e, muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida. Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade, baseada em outras diferenças, tais como as de classe social. Utilizando termos específicos de estigmas como aleijado, bastardo, retardado, em nosso discurso diário, como fonte de metáfora e representação sem pensar no seu significado original”. (GOFFMANN, 1978, p. 15). Neste entendimento o ‘normal e o estigmatizado’ não são pessoas concretas, mas perspectivas que são geradas em situações sociais. Assim, nenhuma diferença é em si mesma vantajosa ou desvantajosa, pois a mesma característica pode mudar sua significação dependendo dos diversos olhares que se lançam sobre ela. Isto significa que o olhar dos pais sobre os filhos, dos professores sobre os alunos, das instituições sobre os indivíduos contribui para a criação dos estigmas. 47 O estigma normalmente começa na infância; o preconceito, a rejeição e o estigma acometem as crianças já na primeira fase escolar e pode vir a se postergar por toda uma vida. Muitas vezes a ausência de um diagnóstico, ou um diagnóstico equivocado pode gerar um sofrimento enorme na criança e em seus pais, que não sabem o que fazer, nem como lidar com esse filho ‘diferente’ dos outros. Vários profissionais são visitados e o vazio de não haver uma explicação para o que acontece deixa toda a família mobilizada, podendo esta reagir de uma maneira positiva e acolhedora ou reforçar o preconceito e os estereótipos sobre aquela criança.8 Goffman (1978) estudou profundamente os estigmas, verificando que os grupos sociais humanos definem padrões normais ou estigmatizados. Assim, quando atende aos padrões preestabelecidos,a pessoa é considerada normal. A transgressão desses padrões caracteriza o estigmatizado, que, por sua vez, expressa desvantagem e descrédito diante de oportunidades concernentes aos padrões de qualidade, de acordo com o estádio mais avançado das criações humanas. Verifica-se que dentre alguns dos estigmas construídos historicamente e que ainda permanecem muito fortes na sociedade atual, destaca-se aquele que considera a pessoa com algum tipo de necessidade educacional especial uma vítima de modelos segregados, superados e marcados pela desigualdade de valor entre as pessoas. Muitas das vezes, crianças com dificuldades de aprendizagem ‘carregam’ simbolicamente esses estigmas entre os colegas de classe. Os rótulos existem nas salas de aulas, mesmo que os professores trabalhem esse contexto, e infelizmente o resultado é sempre o mesmo, rotular os colegas com dificuldades na aprendizagem. Ao se ver estigmatizada, a criança desenvolve uma equivocada noção de si e passa a se ver como incapaz de avançar. Como já foi citado no capítulo sobre as dificuldades de aprendizagem específicas, a criança necessita fundamentalmente do apoio da família e do professor. Sendo que grande parte das dificuldades de aprendizagem refletem o desequilíbrio social e emocional 8 Anexo 2 48 das relações existentes na família. Dentro da família existem problemas que afetam direta ou indiretamente a criança, refletindo no desenvolvimento escolar. O trabalho conjunto entre família e escola pode ajudar a criança a vencer as dificuldades. O Psicopedagogo, tanto na clínica como na escola, deve estar atento a complexidade que envolve a questão escolar, para que não reproduzam mitos, rótulos, contribuindo na produção da patologização do aluno, entrando assim na cumplicidade institucional diante do fracasso escolar. Devendo o tema diferença ser sempre levantado junto à equipe da escola, aos pais e a todos aqueles que convivem com a criança, para promover a ‘desmistificação’ dos rótulos que afetam enormemente o desempenho daquele aluno, dentro e fora da escola. Segundo Goffman (1978) “quando o indivíduo se apresenta diante dos outros, seu desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade e até realmente mais do que o comportamento do indivíduo como um todo”. Fica claro que quando falamos em relação à identidade da criança, concluímos que está intrinsecamente ligada às interações, aos interesses e definições de outras pessoas com relação a ela; e que quanto mais presentes esse pares relacionais, mais fácil o processo de quebra de certos estigmas que podem vir levar ao fracasso escolar, social e pessoal. Em se tratando das dificuldades de aprendizagem específicas, fica ainda mais evidente a dificuldade da criança em lidar com a diferença; a pressão escolar e a competitividade vão se tornando cada vez mais fortes, e consequentemente, cria-se um núcleo ‘patológico’ ao redor desta criança, estando os pais e a escola, na maioria das vezes despreparados para lidar com essa limitação, uma vez que o possível fracasso escolar dos filhos dá aos pais uma imagem negativa deles próprios. A criança começa a ser tratada como preguiçosa, vagabunda ou acusada de má vontade com os estudos; as reprimendas tomam por vezes uma dimensão perseguidora,sendo comum ouvirmos dos pais que: “o(a) filho(a)pode fazer melhor;que está fazendo de propósito;que é para chateá-los 49 que ele não faz nada”.Não entendendo muitas vezes como eles podem ter tanta disposição para o computador,ou para a rua e nenhuma para estudar e tirar boas notas. Os estigmas causados por estas atitudes dos pais e professores podem gerar uma baixa auto-estima, arriscando agravar ainda mais um quadro especifico e gerando um circulo vicioso. Observa-se que em muitos casos a criança com dificuldade de aprendizagem ,por ainda não saber lidar com o que está acontecendo,reage de maneira agressiva, às vezes violenta; não devendo pais e professores, neste caso, reagir violentamente ou de forma alarmada, sem, contudo banalizar esses comportamentos/dificuldades. Trata-se, muitas vezes, de sinais de apelo, em que a criança sinaliza que não está sabendo lidar bem com o fato. E o comportamento turbulento, desatento, agressivo, nada mais é do que um desejo de se colocar fora desse lugar ‘mau’. Certamente, se tais sinais não forem interpretados de maneira satisfatória pela escola e pela família, e se os resultados ruins começam a se acumular, a criança vai aos poucos ‘desistindo’ da escola, por cansaço, por vergonha, podendo eventualmente voltar-se para algum tipo de depressão. Ou então, para não passar por idiota, por bobo, vai fingir que não quer estudar; não gosta de estudar. Vítima de sua incapacidade, ela vai tentar fazer com que os outros e ela mesma acreditem na sua incapacidade, rejeitando voluntariamente a escola. Em seu texto sobre a ‘Ação moral e estereótipos culturais’, La Taille (AQUINO, 2003, p.172/172))explica como esse processo de incorporação do estigma se estabelece na criança: “[...] Todavia, em meio a tal desconcerto, ideias e valores se fixam, uns por convenção, outros por experimentação, outros ainda por ambas, e são compartilhados pelo grupo, em grande escala. Quando se trata de tipos de pessoas, ou melhor, daquilo que é típico, tão reconhecível que ate tem nome, no seio de um grupo, estamos defronte de estereótipos culturais. Crescer significa, entre outros aspectos, apreender os estereótipos culturais de seu grupo e se posicionar em relação a eles (o que é ser ‘bom’, ’mau’[...]. Ao ser necessariamente valorativo, o 50 aprendizado desses ‘rótulos’ é imbuído de sentimentos, ou ‘paixões’, como denominamos tecnicamente”. O olhar da família para com a criança que apresenta uma dificuldade de aprendizagem é parte fundamental no processo de libertá-la do estigma que vem junto com o transtorno. Deve-se colocar a disposição para ajudar nas tarefas escolares sempre que o (a) filho (a) precisar; dizer ‘não’ quando necessário e ser firme nesta posição,explicando,se for o caso,o porquê da negativa. Manter um diálogo aberto junto à escola, à criança e aos profissionais que por ventura trabalham com ela é fundamental para os alicerces emocionais dessa criança. O cuidado precoce na detecção do problema também passa pela estruturação emocional; devendo os pais muitas vezes, e os professores sempre, estar atentos para não caírem na ‘cilada’ de cristalizarem os estigmas nas crianças. Tal atitude pode ser o divisor de águas entre uma criança que tem um problema, mas aprendeu a lidar com ele, ou uma criança fadada a ser fracassada para o resto da vida. 51 CONCLUSÃO As dificuldades de aprendizagem especificas são mais comuns e estão cada vez mais presentes em nossas vidas.Detectar o problema precocemente é a chave para que possamos dirimir uma série de problemas e complicações futuras. Um diagnóstico sério e diferenciado é fundamental para que as famílias possam olhar de frente para o problema, pois em todo esse processo podemos afirmar o quanto o papel da família é importante no desenvolvimento da criança, principalmente no que diz respeito à afetividade, condição necessária ao crescimento integral do sujeito. Após o diagnóstico, o profissional deverá oferecer um tratamento adequado à realidade de cada criança, orientando a escola e a família, devendo esta, em muitos casos, ser também ‘olhada’. O sucesso da criança dependerá, em grande parte, da colaboração do professor e fundamentalmente da família, que como foi citado, deverá modificar e ampliar seu comportamento em relação à criança, principalmente no que diz respeito à atenção, ao afeto e à imposição de limites,quando for o caso,bem como estimular, motivar e promover o crescimento sadio da criança. Trabalhar com a inclusão nas escolas é fator premente; é algo urgente e indispensável, pois a criança de hoje é o adulto de amanhã, e essas crianças com transtornos de aprendizagem especificas, que muitas vezes são estigmatizadas como preguiçosas e desligadas, são muitas vezes ‘vitimas’ de situações que não dependem apenas delas. Deve a escola se ‘abrir’ e enfrentar um problema real, quer aflige enormemente a criança, buscando mudanças, procurando soluções e parcerias. Não existe criança que não aprenda. Ela sempre irá aprender, algumas de maneira mais rápida, outras de modo mais lento, mas é fato que a aprendizagem se processará,se houver um olhar atento para o afeto,o ambiente adequado,a motivação e o estimulo positivo . 52 Concluo com uma frase do mestre Paulo Freire: “A tarefa mais importante de uma pessoa que vem ao mundo é criar algo novo”; deixemos então que as nossas crianças com dificuldade de aprendizagem sejam olhadas com outro olhar, um olhar diferenciado, livre de estigmas e preconceitos, para que elas tenham a possibilidade de criar, cada uma, o seu algo novo. 53 ANEXO 1 INTERNET Lei 2524/07 | Lei Nº 12.524, de 02 de janeiro de 2007 de São Paulo (Projeto de lei nº 321, de 2004 da Deputada Maria Lúcia Prandi - PT) Dispõe sobre a criação do Programa Estadual para Identificação e Tratamento da Dislexia na Rede Oficial de Educação O PRESIDENTE DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo, nos termos do artigo 28, § 8º, da Constituição do Estado, a seguinte lei: Artigo 1º - Fica o Poder Executivo obrigado a implantar o Programa Estadual para Identificação e Tratamento da Dislexia na Rede Oficial de Educação, objetivando a detecção precoce e acompanhamento dos estudantes com o distúrbio. Parágrafo único - A obrigatoriedade de que trata o "caput" refere-se à aplicação de exame nos educandos matriculados na 1ª (primeira) série do Ensino Fundamental, em alunos já matriculados na rede quando da publicação desta lei, e em alunos de qualquer série admitidos por transferência de outras escolas que não da rede pública estadual. Artigo 2º - O Programa Estadual para Identificação e Tratamento da Dislexia na Rede Oficial de Educação deverá abranger a capacitação permanente dos educadores para que tenham condições de identificar os sinais da dislexia e de outros distúrbios nos educandos. Artigo 3º - Caberá às Secretarias da Saúde e da Educação a formulação de diretrizes para viabilizar a plena execução do Programa Estadual para Identificação e Tratamento da Dislexia na Rede Oficial de Educação. Artigo 4º - O Programa Estadual para Identificação e Tratamento da Dislexia na Rede Oficial de Educação terá caráter preventivo e também proverá o tratamento do educando. Artigo 5º - As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta das dotações orçamentárias próprias. Artigo 6º - O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de sua publicação. Artigo 7º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, aos 2 de janeiro de 2007. 54 ANEXO 2 INTERNET EU E MEU FILHO DISLÉXICO 9 Este é um depoimento feito por M.L.C., mãe de J.G. por e-mail em Janeiro de 2004 Quando já aos quatro anos meu filho não era capaz de identificar pelo nome uma cor, apenas por associação do tipo: cor de sangue, cor da árvore, achei que ele era daltônico, mas o exame médico descartou esta hipótese. Sou uma pessoa excessivamente observadora sendo assim, não podia deixar de comparar meu filho com outras crianças de sua idade. Na verdade, eu não podia entender o que acontecia, visto que minha filha, mais velha do que ele quatro anos e meio, aos dois anos era capaz de contar de 1 a 20,30, saber o nome das cores, além de decorar os textos dos livros que eu costumava ler para ela. Pensei: “então as pessoas estão certas... menino é diferente de menina... muitas vezes mais lentos na fala e na escrita”. Aos cinco anos, assim como a minha filha, ele foi para escola. Foi quando quase enlouqueci. Ele perdia a linha, não lembrava da forma dos números ou letras. Achei que a culpa era só da escola. Ele repetiu a série em outra escola e quando foi para a Alfabetização a coisa ficou séria, pois o b,d,p,q - m,n - era tudo a mesma coisa.Não sabia onde começava ou terminava uma palavra. Era incapaz de gravar qualquer seqüência, mesmo a mais simples: contar de 1 até 20 sem pular ou esquecer um número, gravar o abecedário ou números de telefone, usar corretamente: ontem, hoje, amanhã – almoçar, jantar – manhã, tarde, noite – direita, esquerda. Lembro-me de relatar tudo isto a um médico e tentar fazê-lo entender que o meu filho tinha problema de memória seqüencial e simbólica e que ele precisava de um remédio. Todos me achavam idiota. Os cinco Neurologistas que levei meu filho disseram que ele não tinha problema algum – com exceção de um que em seu diagnóstico, por escrito, dizia que ele poderia apresentar dislexia no futuro – foi quando ouvi pela primeira vez 'dislexia'. Psicóloga, Psicomotricista, Fonoaudiólogas, Psicopedagoga, foram muitos. Todos foram unânimes em dizer que diagnóstico de disléxico, só após a alfabetização. Acontece que minha obstinação me fez ler muito sobre o assunto e pude perceber que eles estavam enganados. Acreditem, houve quem dissesse que meu filho tinha retardo mental. Isto foi dito por uma profissional de grande respeito e que por prepotência, preferiu 9 www.andislexia.org.br- Associação Nacional de Dislexia, acesso em 07/04/2010 55 não acreditar no diagnóstico dado pelo seu Neurologista de confiança. Perguntei a ela, como podia ser, se fiz esta pergunta a todos os neurologistas que levei, inclusive o de sua confiança. Mas mesmo assim ela foi taxativa no diagnóstico e me disse com todas as letras: “eu não escrevi isto, mas você é uma pessoa inteligente e eu posso falar, seu filho tem retardo mental”. Chorei, chorei muito sim, pois nesta época meu filho já estava com sete anos, não tinha aprendido a ler. Foi humilhado na escola pela professora quando ela jogou no lixo o cartão que ele fez para o dia das mães, um cartão que, segundo ele, estava tão lindo e só porque estava escrito ao contrário ele ficou deprimido e começou a se achar incapaz. Doeu muito mais, quando ele teve que ser punido saindo da escola deixando seus amigos queridos, enquanto aquela professora permanecia na escola, provavelmente cometendo os mesmos erros. Graças a Deus nós já contávamos com o apoio da competentíssima [...] que me consolava dizendo estar havendo um grave erro de avaliação. Mas mesmo assim, eu e meu filho, resolvemos buscar uma última avaliação profissional. [...] Foram 4 semanas de avaliação, claro com muitas dificuldades pois meu filho ainda não lia e também estava abaladíssimo emocionalmente, sua auto estima estava baixíssima. Aprendi já no primeiro encontro [...] que uma criança que apresenta retardo mental não teria a autocrítica que meu filho apresentava. Não teria consciência tão clara de suas diferenças. Não estaria tão ofendido com as pessoas. Meu filho acabou de fazer 10 anos, este ano seu progresso com a leitura foi grandioso, acompanhou a turma, mesmo sem ler totalmente; ele tem plena consciência de suas dificuldades, por isso aceita a ajuda de seus amigos de sala; está aprendendo a conviver com a dislexia, já que fará parte de sua vida. Posso dizer que hoje, não somos mais solitários. Meu filho é feliz e convive com inteligência com sua dislexia. 56 BIBLIOGRAFIA ABRAMS, Jeremiah e Zweig, Connie (orgs). Ao encontro da sombra. São Paulo: Cultrix, 1991 AQUINO, Julio Groppa e ARANTES, Valéria Arantes. Afetividade na escolaalternativas teóricas e práticas. 3ªed. São Paulo: Summus Editorial, 2003. AQUINO, Julio Groppa. Erro e fracasso na escola- alternativas teóricas e práticas. 5ª ed. São Paulo: Summus Editorial, 1997. BASTOS, José Alexandre. Discalculia: transtorno específico da habilidade em matemática. Porto Alegre: Artmed, 2006. BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia-trabalhando competências, criando habilidades. 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Seminários realizados pela Escola do Professor do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro, 2003/2004. www. [email protected] Disgrafía. REVISTA I+E CSI. CSIF Sector de Enseñanza de Sevilla, acesso em 01/04/2010. www.andislexia.org.br-Associação Nacional de Dislexia – AND, acesso em 25/03/2010. www.bdadyslexia.org.uk-The British Dyslexia Association (BDA), acesso em 30/03/2010. www.crda.com.br/aulascrda/neurologia/.../distaprendizagem.doc. Distúrbios de Aprendizagem, Dra. Maria Fernanda Campos, Neurologia Infantil- UNIFESP, acesso em 01/04/2010. www.diaadiaeducacao.pr.gov.br. 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Paraná - Universidade Federal do Paraná, acesso em 17/03/2010. 59 www.sed.sc.gov.br.Abordagem das diversidades no processo pedagógico, acesso em 05/04/2010. www.senteacher.org/condition,Dyscalculia,acesso em 30/03/2010. www.smec.salvador.ba.gov.br Disgrafia, Nora Cecília Bocaccio Cinel. Revista do professor abr./jun. 2003, acesso em 01/04/2010. 60 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I 10 DESENVOLVIMENTO INFANTIL CAPÍTULO II 17 VISÃO GERAL DA APRENDIZAGEM 2.1 – Conceituação de Aprendizagem 17 2.2 – Dificuldade de Aprendizagem – uma visão histórica 19 CAPÍTULO III 21 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESPECÍFICAS 3.1-Percepção e Integração Sensorial 3.1.1 - Sentido Vestibular 27 27 3.1.2 - Discriminação Auditiva e Distratibilidade Auditiva 28 3.1.3 - Discriminação Visual, Rastreamento e Dependência de Campo Visual 3.1.4 - Sentido Tátil 28 28 61 3.1.5 – Sentido Proprioceptivo/cinestésico CAPÍTULO IV 29 30 DISLEXIA, DISCALCULIA E DISGRAFIA 4.1- Entendendo a dislexia 30 4.1.1- Características mais marcantes do dislexo 32 4.1.2- Possíveis dificuldades associadas à dislexia 34 4.1.3- Outras considerações importantes 35 4.1.4- Tipos de dislexia 35 4.1.5- Algumas intervenções em sala de aula 36 4.2- Discalculia – natureza e intervenções 37 4.2.1- Características mais marcantes da discalculia 39 4.2.2- Possíveis causas da discalculia 39 4.2.3- Tipos de discalculia 40 4.2.4- Algumas intervenções em sala de aula 41 4.3- Disgrafia 42 4.3.1- Sinais e sintomas da disgrafia 43 4.3.2- Tipos de disgrafia 44 4.3.3- Possíveis caudas da disgrafia 44 4.3.4- Algumas intervenções em sala de aula 46 CAPÍTULO V 47 OS ESTIGMAS SOCIAIS CONCLUSÃO 53 ANEXOS 55 BIBLIOGRAFIA 59 ÍNDICE 62 62 63 64 65