Fala de Abertura do IV Seminário Enlaçando Sexualidades

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Bom dia!
De lá pra cá são quase 08 anos de existência, motivo de sobra para
comemorarmos. Por isso, antes de mais nada, façamos um brinde ao
afeto que transborda por entre o Enlaçando!
Isto posto, desejo um minuto de profundo silêncio para que possamos
lamentar por 21 mortes em “consequência” das fortes chuvas em Salvador
neste mês de maio.
Morreram o João Ninguém e a Maria Ninguém, onde certamente esta
tragédia previamente anunciada não é fenômeno novo.
Novidade seria se houvesse política preventiva para que estas mortes
fossem evitadas, para que vidas não fossem ceifadas, para que a nossa
gente brilhasse.
Infelizmente, esses corpos padecem em seus destinos de classe, e mais
especificamente, em nosso caso, como baianos/as, pela cor da pele - por
sermos pretos e pardos.
Foram vinte e um corpos soterrados pelos deslizamentos de terra em
bairros pobres, Eles e elas foram anunciados na televisão com nome e
sobrenome, embora verdadeiramente, como nos diz Galeano em seu
poema Los nadies : “Que no tienen um nombre, que tienen un número” --- eles e elas foram apenas números em nossa urnas, e tornaram-se fácil e
tragicamente: 21 corpos sem vida.
Velhas urgências e novas e efetivas políticas públicas preventivas, cujas
materialidades não se revelam pelas festas, pelas grandes construções...
Políticas públicas preventivas não fascinam os olhares ávidos constituídos
pela espetacularização das imagens, mas têm a ver com outros sentidos
que importam menos em nossas relações do cotidiano.
Curiosamente, quando releio o parágrafo supracitado, me reporto à uma
postagem minha no facebook no dia 30 de abril, quando ainda eram 15 os
mortos.
Vejo, de fato, que tais corpos pouco importaram, visto que outros tantos
vieram a padecer figurando nas estatísticas da tragédia humana.
Sobrelevo que essas insólitas tragédias não são somente causadas pelas
catástrofes naturais ou supostamente tão naturais - mas também pela
violência do cotidiano que massacra a juventude negra - jovens homens
negros que morrem, mulheres que morrem ao abortar...
Mais ainda! Mulheres negras, travestis e transexuais mortos, putas
mortas!
Em verdade tais pessoas não morrem! São MORTAS! E, com tudo isso,
fabrica-se o pânico moral, e ele se infiltra, se transmuta em rizomas e se
pulveriza em nossas interações cotidianas.
E por falar em pânico moral, tentarei articular a minha fala tendo como fio
condutor as três palavras chaves que foram estruturantes desta nossa
quarta edição. A saber: moralidades, fecundidade e famílias.
Gosto de pensar “na moral” a partir da Genealogia da Moral, porque
narramos sobre a crueldade humana para além do bem e do mal e da
dicotomia natureza e humanidade.
Com isto, me reporto a uma conversa entabulada, nos idos de 2000 no
congresso da ABEP, (por sinal a minha proximidade concreta com os
estudos quantitativo) com um homem negro, baiano, baixinho: “- Rapaz
para me impor com esse corpinho, entre nós da periferia, eu tive que me
virar e daí me reconhecer e reinventar novas estratégias de sobrevivência.
Sei muito bem o que é o mau e o bom e nunca tive pretensões de negar a
mim mesmo. Veja bem, com tantos limites físicos, tive que entender que a
minha ruindade e bondade residia em mim mesmo.
Curiosamente, esta conversa transladou-se no tempo, e consigo abreviá-la
na moral do nobre e na moral do escravo e entendê-la partindo do corpo
como referência.
Aqui não pretendo me embrenhar no debate nietzschiano. Desejo tão
somente sublinhar que nós, Marias e Joãos Ninguéns, temos como ponto
de partida o corpo e não a negação dele.
O corpo como a nossa morada e a morada da razão, e, daí penso o corpo
encarnado racializado, engendrado, cujo conteúdo e forma comporta num
único golpe os marcadores sociais negativos.
E somos nós que nos arvoramos a fazer ciência? Nós, os destituídos de
uma razão pura. Nós, que somos a morada do nosso corpomente e
mentecorpo, e não queremos negá-los como foi falsamente negado.
Nós, exatamente os imorais destituídos das relações simbólicas positivas.
Nós, que nos erguemos em nossas inutilidades e nunca louvamos as
nossas ações - porque simplesmente reagimos. Nós que crescemos com
algo na cabeça imaginado como ruim – o cabelo. Nós, os condenados da
terra, e, certamente, nós, que devemos nos interpelar sobre como
reagimos/agimos aos tentáculos da Ciência do Norte.
Em 2014, no Seminário "Gêneros e sexualidades em fluxo" fui
provocada por Miriam Grossi a pôr em visibilidade a imagem da Ciência
que pratico, e, em resposta, me reportei à utopia na qual concebo a
Ciência que pratico nos projetos contemplados nos editais das agências de
fomento. Tal ciência tem como princípio a colaboração e o compromisso
entre nós pesquisadores/as, contrapondo-se a uma ciência competitiva.
Como aprendo muitíssimo como a produção escrita de Mãe Stella de
Oxóssi, invisto sobre o seu conceito de Compromisso, e tenho em alta
estima o Compromisso não, meramente como uma reação, mas sim,
como uma ação fortalecida em minha ancestralidade.
Daí, voltamos os nossos olhares para as conferências e mesas que estão
em nossa Programação. O convite para Mara Viveros é o reconhecimento
pelo seu fazer científico e pelo apreço a ela como pesquisadora situada,
quer seja como mulher negra, quer seja pela sua nacionalidade como
colombiana,e, portanto, dialogamos com a geopolítica do conhecimento
sul-sul.
Em nossa segunda conferência sobre fecundidade que terá a família e não
a mulher como ponto de partida, a ser ministrada por Cíntia Agostinho
convidada pelo IBGE para nos prestigiar.
Neste momento, vamos necessitar das provocações da plateia, sobretudo,
dos/as educadores. Tais provocações serão acolhidas com bastante apuro
e perspicácia, porque a partir dela, pretendemos elaborar uma cartilha
para os/as professores/as da Educação Básica.
Desta forma, desejamos construir a nossa moralidade com ações e
reações de forma colaborativa e, sobretudo, evocando a ética do cuidado
para que essas provocações não sejam carregadas de violência entre nós.
Em seguida teremos a mesa organizada pelo Programa de Pós-Graduação
em Família na Sociedade Contemporânea da Universidade Católica do
Salvador (UCSal) que versará sobre os modos e usos das Famílias, sempre
contando com a perspicácia e irreverência de Mary de Castro.
Nossa última mesa de conferência é a nossa presentificação do debate
sobre moralidades, cujo conteúdo desvelará o conceito de moralidade, e
até mesmo, nos situará em nossa corporificação, enquanto
corposmentes/mentescorpos. Afinal, nesta mesa bailamos enquanto
lésbica, trans-homem ou homem-trans, travesti e hetero.
As mesas vespertinas - de longe menos importantes - também circularão
nos temas centrais desta edição, permitindo e colaborando com o
deslocamento, composição e demonstração da miríade da constituição e
construção do campo das sexualidades em sua transversalidade e
transdisciplinaridade.
Assistiremos momentos disciplinares na judicialização das sexualidades no
debate promovido pelos/as membros/as do Ministério Público com
Márcia Teixeira (MP-BA) e Carla Gisele ( ) , sob a perspectiva dos direitos
humanos e coordenação de Vanessa Cavalcanti(UCSAL).
Certamente, o campo da saúde terá a sua notoriedade com Inês Dourado
(UFBA), Guilherme Valle (UFRN) e Veriano Terto (UERJ), sob a
coordenação de Elena Calvo(UFBA).
Em educação, em psicologia, em comunicação, em literatura
transitaremos buscando enlaces necessários e vitais para prosseguir em
nossas articulações.
A elaboração da infância não poderia escapar ao debate das moralidades
em torno da construção do bem e do mal, quer seja nas relações de
gênero, quer seja nos dispositivos das sexualidades. Estes são alvo de
especulação e a escassez do debate teórico é assinalado e constatado,
portanto, a mesa intitulada Infância, Moralidades e Sexualidades é
acolhida e muita bem-vinda neste campo científico, na condução de Jane
de Sousa Felipe (UFRG) e Flávia Pires (UFPA), sob a coordenação de
Amanaiara Miranda (SMED) e o debate por conta de Elisete França (FVC).
Prosseguindo, entre o local e global, com a mesa intitulada “NOVOS E
VELHOS ARRANJOS FAMILIARES” iremos deslindar a Bahia, apreciando
como as mulheres baianas assumem a centralidade de serem chefes de
família - tão bem explicitado na pesquisa de Márcia Macedo (UFBA).
Nos estudos sobre homoparentalidade - dentro da perspectiva da
realidade francesa e brasileira, temos a narrativa de Ana Paula
Uziel(UERJ). E para além das relações monoparentais e homoparentais,
acolhemos o discurso de Fátima Lima(UFRJ) sobre o Poliamor, como
possibilidades concretas de vivências sem a ideia de propriedade e
monogamias. A coordenação e o debate desta mesa serão sob o controle
de Enézio de Deus (UCSal) e Ana Claudia Pacheco (UNEB).
O debate entre Educação e Sexualidade foi privilegiado nas edições
anteriores e não poderia ser diferente em nossa quarta edição, sobretudo
pela nossa estreita relação com a Associação Brasileira dos Estudos sobre
Homocultura (ABEH), que teve em seu VII Congresso Internacional de
Estudos sobre a Diversidade Sexual e de Gênero a centralidade neste
tema. Em nossa mesa contamos com a presença de Anderson Ferrary
(UFJF) e Marcio Caetano (FURG) (atual e anterior presidente desta
Associação), os quais desenvolvem pesquisas no campo da Educação.
Eliane Maio (UEMA) nos possibilita compreender como as sexualidades
influenciam na vida dos estudantes, bem como é possível desenvolver
temas tão espinhosos no sul do país, no interior do Paraná, em sua cidade
natal, Maringá.
A presença de Marcos Melo, pesquisador sergipano, e da debatedora
Graciela Pelegrino(UNEB), baiana, nos permite sair do debate promovido
no eixo sul-sudeste, ainda que, todos/as conferencistas que aqui estão e
que trabalham nos interiores de tal eixo, não componham os ditos centros
mais privilegiados em termos de difusão das suas produções de
conhecimento.
Ainda, como herdeiros da ABEH, atentos ao despontar e na vanguarda dos
estudos sobre homossexualidade (homocultura) na literatura, investimos
na mesa Literatura e família homoafetiva sob coordenação de Paulo
Garcia(UNEB), bem como nos discursos elaborados por Emerson
Inácio(USP), Virginia Leal (UNB)e Renata Pimentel(UFPE).
Contamos com a mesa MORALIDADES (TRANS)FEMINISTAS, FAMÍLIA E
ASSISTENCIALISMO, que nos permitirá o giro na formulação inteligível dos
corpos masculinos e femininos, e com muita sabedoria deveremos
apreciar as ideias dos trans-feminismos, dos trans-corpos, das transsexualidades através dos discursos elaborados por Jaqueline Leite,(UNB)
Hailey Kaas , Bia Pagalhiri(UNICAMP) e Viviane Vergueiro(UFBA).
Para se afinar com o debate do Trans-feminismo e as limitações do debate
teórico feminista no campo das sexualidades, teremos a mesa Políticas
Queer, cujos debates adentram tanto pelo campo da Educação com os
herdeiros de Guacira Louro - Fernando Pocahy (UERJ)e Jamil Cabral(UFRP),
quanto pelo campo da Comunicação com Leandro Colling(UFBA) e da
antropologia com Larissa Pelúcio(UNESP), sob a coordenação de Catarina
Rea(UNILAB).
Nesta edição o IV Enlaçando Sexualidades traz como novidade em seus
debates o tema sobre o consumo e a pornografia, sob a condução e
coordenação de Maria Elvira Díaz Benítez(UFRJ), na mesa intitulada
“Sexualidades, mercado e as várias caras da dissidência “tendo como seus
convidados Isadora França(UNICAMP) e Jorge Leite(UFSCAR). Tais temas
não são menores no campo das sexualidades, mas possuem lacunas que
devem ser preenchidas, porque centram-se em estudos que escapam ao
debate do bem e do mal, cuja moralidade maniqueísta é questionada de
forma inescapável.
Para além das mesas e conferências estruturam-se os quarenta e cinco
Enlaces Temáticos (ET), cuja finalidade é agregar o maior número de
pesquisadores/as das diversas regiões do país, além de contarmos com a
presença de Karina Bidaseca, atual coordenadora do Programa
Poscolonialidad, pensamiento fronterizo y transfronterizo em los estudios
feministas y del Programa Sur-Sur (CLACSO) e investigadora do CONICET
en IDAES Universidad Nacional de San Martin com seu ET intitulado
Feminismos poscoloniales desde El Sur.
Ressalta-se ainda, que, compondo as atividades do Seminário, oferecemos
treinamento com carga horária de 180 horas aos professores/as da
Educação Básica da rede municipal e estadual. Esta mesma atividade em
suas edições anteriores inspirou a feitura do artigo intitulado “OS/AS
PROFESSORES/AS DA EDUCAÇÃO BÁSICA E AS SEXUALIDADES: UMA
EXPERIÊNCIA NARRADA A PARTIR DO ENLAÇANDO SEXUALIDADES NO
ESTADO DA BAHIA, publicado na revista Teoria e Prática da Educação.
E QUANTO AOS AGRADECIMENTOS... ME REPORTO NOVAMENTE À
MINHA POSTAGEM DO FACE
Quando conversava com Gaiaku Luiza admirava a sua sabedoria e sua
preocupação em lidar com as palavras e com o outrem. Possivelmente
duas frases marcaram a minha trajetória e me permitiram ter um
compromisso com ela, comigo e com o mundo. A primeira frase tem a ver
com a ideia de docilidade. Quando ela queria expressar o seu
aborrecimento com algo, ela repetia: - Estou tão indócil! A segunda frase
revela-se como um queixume: - Por que não liga para saber como estou
ou mesmo contar se as coisas andam bem?
As palavras ásperas e cortantes constroem e materializam nosso
cotidiano. As palavras leves e suaves constroem e materializam nosso
cotidiano. As palavras nos encapsulam e nos encerram em nossas
experiências. Com efeito, as palavras suaves nos levitam, nos tornam
etéreos e a nossa imaginação flutuante nos leva a construir pontes
possíveis. A dureza maleável pode ser uma possibilidade de criar pontes
mais resistentes, talvez ela escape e não se dissolva na primeira ventania,
mas esta construção é uma dedicação nas mãos dos sábios e, certamente,
a minha primeira utopia.
As queixas tornam-se compromisso com o cuidar de si e o cuidado do
outrem. Difícil tarefa, porque somos tão ocupados por coisas e animais, e
com isto, não nos damos conta do tempo que, embora se apresente tão
eterno, é apenas, a efemeridade de momentos. E tudo passa tão
rapidamente... por isso, não quero deixar de agradecer a cada um/uma
que me ajudou/ajuda a criar pontes de reciprocidades, levezas e
suavidades.... Um dia quem sabe possamos criar pontes mais
“duramaleáveis “ entre nós!
E com isto, agradeço as todas as instituições que se fizeram presente
começando pela UNEB, as nossas Pro-reitorias, sobretudo, a Pro-reitora
de Pesquisa. Os nossos programas de Pós-Graduação: o Pós-Crítica e o
DMMDC. A Universidade Católica de Salvador, com o seu Pro - reitoria de
Pesquisa e seu Programa de Família. As nossas duas secretarias de
Educação e Direitos Humanos. A fapesb e capes. Ao Ministério Publico que
não meramente, um parceiro, mas sim, coexistente em nossa ideologia
A todos que compuseram as nossas comissões, não citarei os nomes, pois
todos/as estão aqui presentes, alguns se tornaram fieis com seus
compromissos em relação ao Enlaçando.
A minha família, e, sobretudo, a minha esposa que me fez ver que o amor
pode sobreviver às intempéries e as grandes tempestades que nos
acometem em nosso cotidiano.
Por fim, acreditamos que todos nós abraçamos a ideia catalisada por
nosso Caetano Veloso de que “Gente é muito bom, Gente deve ser o bom,
tem de se cuidar... Gente espelho de estrelas, reflexo do esplendor, se as
estrelas são tantas, só mesmo o amor”.
Desejamos a tod@s um frutífero e prazeroso evento!
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