identidades negras e educação

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I SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
OBSEVATÓRIO DE AÇÕES AFIRMATIVAS
20 E 21 DE OUTUBRO DE 2015
IDENTIDADES NEGRAS E EDUCAÇÃO: REFLEXÃO SOBRE O IMPACTO DAS
RELAÇÕES INTERRACIAIS E O PROCESSO EDUCACIONAL
Ticiane Lúcia dos Santos, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
RESUMO: O mito da democracia racial influencia as relações estabelecidas entre as
diferentes etnias no Brasil. Observa-se que essa ideologia encobre o racismo na
sociedade brasileira, perpetuando a condição de exclusão social da população negra.
Tendo em vista esse fenômeno, e como este se reproduz no ambiente educacional, o
presente trabalho apresenta uma reflexão teórica que busca compreender como as
relações entre raças acabam influenciando no processo de formação de identidades
raciais. Utilizou-se a revisão bibliográfica para compreender a temática. Como resultado,
nota-se que a partir das relações raciais surgem a branquitude e a negritude como
expressões de identidades, sendo necessário compreendê-las para construir ações que
implementem no ambiente educacional um espaço de respeito à diversidade humana na
perspectiva de uma educação para a liberdade conforme nos incita Paulo Freire.
Palavras-chave: Identidade. Branquitude. Negritude. Relações. Educação.
INTRODUÇÃO
O trabalho apresentado a seguir faz parte do processo reflexivo e construtivo
deflagrado pela participação em curso de Especialização sobre Africanidades e Cultura
Afro-Brasileira da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Tendo em vista a
promulgação da Lei 10.639/2003 que fala sobre o Ensino da História e Cultura Africana e
Afro-brasileira nas escolas, as instituições nacionais tem empenhado-se para construir
espaços de conhecimento teórico a fim de auxiliar os educadores no processo de
aprendizagem dos educandos.
É importante destacar que obter informações sobre as origens dos povos, sua
história e contribuição para a sociedade atual, não é o único propósito da Lei
10.639/2003. Acredita-se que ela possa estimular a reflexão sobre as relações mantidas
com o outro no espaço educacional, ao propiciar o estudo de áreas não hegemônicas e o
encontro com as diferenças. A escola como espaço de reprodução de saberes, dá
continuidade à tendências conservadoras que excluem socialmente parte da população,
seja por sua origem, cor, crença, gênero, entre outras características tidas como 'desvio
padrão'.
Nesse estudo, a autora preocupou-se em integrar conceitos sobre o processo
identitário de brancos e negros no Brasil, a partir de revisão de literatura, estabelecendo a
conexão entre essas identidades e o processo educacional.
Os conflitos interraciais no Brasil não são vistos a partir da relação entre as
diferentes etnias, sendo que frequentemente se aborda a problemática com foco no
negro(a). Com isso, ao invés de destacar-se a evidente fórmula de que para investigar
conflitos raciais e fenômenos como o racismo, preconceito, discriminação, é necessário
compreender como atuam os diferentes atores sociais envolvidos nessas relações,
impera-se o silêncio em relação à população branca e destaca-se a participação negra,
como se o negro fosse o único responsável pela sua situação de exclusão social no país.
Ainda acredita-se no mito da democracia racial– embora tenha surgido no discurso
da década de 1960 por Gilberto Freyre – revelando como há a deturpação das relações
estabelecidas entre brancos e negros no país. O mito da democracia racial dissemina a
ideia de que no Brasil as relações entre diferentes etnias, culturas e populações ocorrem
de maneira harmoniosa, havendo discriminação e racismo de maneira pontual, sem
influenciar diretamente nas oportunidades e possibilidades de desenvolvimento dos
sujeitos. Porém, apesar da população acreditar que o Brasil não é um país racista, que
todas as raças que aqui se encontram conseguiram alcançar um nível democrático de
relacionamento no qual cada indivíduo possui seus direitos garantidos, no dia a dia, a
população negra sabe que não é esta experiência da qual usufrui.
As relações raciais fazem parte do processo identitário tanto de negros quanto de
brancos, pois são internalizados conceitos e representações de como o outro personificase para o sujeito, influenciando a maneira pela qual esse se constituirá. Por isso, pode-se
trabalhar com conceitos como de branquitude e negritude, expressões de identidades
sociais surgidas do contato entre diferentes raças, no qual há a inúmeros processos
psicossociais envolvidos. Para compreender como essas identidades sociais atuam no
ambiente educacional, é preciso investir em estudos que enfoquem os processos
psicossociais das relações mantidas entre os indivíduos, não somente a do negro.
Educar, de acordo com Paulo Freire (1996), trata-se de um movimento no qual se
necessita compreender o que é o homem para entendê-lo. O homem educa-se a partir do
momento que se questiona sobre quem ele é. Portanto, o ambiente educacional ensina
muito além de conhecimentos a serem reproduzidos indefinidamente; é o espaço de
questionamento, de reflexão, de encontro entre os indivíduos e suas diferenças e a
construção de saber em conjunto.
Entretanto, sabe-se que a hegemonia do saber garante a certa parcela da
população, privilégios e exploração em relação a outra parcela de indivíduos. E a
conservação de formas de ensino/aprendizagem que apenas reproduzam conhecimentos
sem considerar a contribuição de outros campos, acaba por acirrar a exclusão social de
minorias da população, sendo o negro um dos grupos marcados por este processo.
Portanto, procura-se com esse trabalho, apresentar possíveis caminhos para
compreender como os espaços educacionais podem contribuir para uma sociedade
brasileira mais justa e igualitária.
IDENTIDADES: NEGRITUDE E BRANQUITUDE
Relações Interraciais
Motta (2000) destaca qe para compreender as relações estabelecidas entre os
diferentes grupos raciais no Brasil, é preciso entender a existência de três paradigmas
coexistentes: da morenidade, das lutas entre classes sociais e do racismo como condição
para a persistência das desigualdades sociais no país.
O paradigma da morenidade, de acordo com o qual as classificações raciais, ou a
percepção das diferenças raciais, tende a ser irrelevante na formação social
brasileira, devido a fatores de caráter religioso, demográfico ou ambos. (MOTTA,
2000, p. 7)
Para os defensores deste paradigma a existência de uma democracia racial no
país, garante que não há conflitos raciais, pois todos vivem harmoniosamente
independentemente de suas características raciais. Com a mestiçagem, tem-se a prova
biológica e social de que as raças que aqui se encontram são capazes de viver
pacificamente. Assim, acredita-se que o negro possui plenas condições e oportunidades
de ascender socialmente (BERNARDINO, 2002).
Como dito anteriormente, esse paradigma acaba incitando a continuidade do
pensamento no qual o negro não consegue ascender socialmente devido a situações
próprias, desconsiderando a situação de privilégio que o racismo mantém para a
população branca do país.
Para Florestan Fernandes (Motta, 2000) o racialismo ou conflito racial é uma
dimensão que surge de outra situação conflituosa principal, a luta entre classes
Para ir diretamente ao essencial, pode-se dizer, de uma maneira, temo, um tanto
simplificada demais, que para Florestan não existem relações propriamente de
raça, mas de classe, as quais, em determinadas circunstâncias, assumem a forma
de relações de raça. Racismo, racialismo ou como quer que o chamemos
corresponderiam, em termos paretianos que Florestan não adota, a simples
derivações. O resíduo, o núcleo, a essência são os conflitos de classe baseados
em determinado sistema econômico, que Florestan raramente ou nunca denomina
explicitamente modo de produção. (Motta, 2000, p. 8)
O terceiro paradigma é o único que aborda a condição social do negro como fruto
das relações raciais deturpadas existentes desde a escravidão no país. Para Hasenbalg
(1979, apud MOTTA, 2000) a discriminação sofrida pelo negro por sua raça, é a principal
causa da continuidade de desigualdades raciais persistentes no país. Ou seja, o negro
sofre com os problemas causados pela discriminação à sua raça, não somente a sua
condição social.
Estes três paradigmas são observados como ideologias propagadas atualmente.
Isto implica em observar como as relações raciais acabam se estabelecendo. É
importante destacar que essa seleção de paradigmas não esgota a compreensão da
temática; grupos sociais podem estar sob a influência de outros movimentos que ainda
não foram reconhecidos, e por isso, o estudo a cerca desses processos deve continuar.
De acordo com o artigo de Motta (2000) pode-se inferir que há aqueles que
acreditam na democracia racial – destaca-se que entre estes grupos encontra-se
indivíduos de todas as raças – e por isso, constroem suas identidades sem questionar
suas dificuldades, a partir do parâmetro de discriminação racial. Há outros que acreditam
na desigualdade social influenciada apenas pela exploração de uma elite minoritária dos
esforços da maioria proletária, sendo que o negro não encontra barreiras pela raça, mas
sim pela condição econômica vulnerável.
E há o terceiro e último grupo que enfrenta as ideologias anteriores e não minimiza
o poder da discriminação racial como influência das desigualdades existentes até hoje. É
deste grupo que surge os questionamentos tão importantes para compreender como as
relações raciais acabam estabelecendo identidades raciais que refletem os conflitos
existentes (mas de toda forma escondidos ou deturpados) entre raças no Brasil e no
mundo.
Negritude
De acordo com Domingues (2005) negritude é um conceito polissêmico, pois
adquire sentidos nas áreas política, ideológica e cultural. O movimento político
denominado Negritude surge na França no período entre guerras por um grupo de
intelectuais negros que confrontam a partir da linguagem, a visão inferior imputada aos
negros.
A palavra négritude em francês deriva de nègre, termo que no início do século XX
tinha um caráter pejorativo, utilizado normalmente para ofender ou desqualificar o
negro,em contraposição a noir, outra palavra para designar negro, mas que tinha
um sentido respeitoso. A intenção do movimento foi justamente inverter o sentido
da palavra negritude ao pólo oposto, impingindo-lhe uma conotação positiva de
afirmação e orgulho racial (DOMINGUES, 2005, p. 4)
Bernd (2004) afirma que negritude apresenta dois sentidos principais: A Negritude
representada por movimento de contestação, surgida na França e observada em outros
países; e a negritude que trata sobre representações da identidade negra, de como o
negro é a partir das relações estabelecidas sócio – historicamente com outras raças.
Assim como a negritude possui caráter polissêmico, observa-se a difícil definição
sobre o que seria uma identidade negra. Isto porque a identidade como processo de
constituição de quem eu sou, é flexível e contínua. Além disso, depende de fatores
intrínsecos do sujeito, assim como das características que os grupos lhe atribui, sendo
estes grupos, aqueles ao qual pertence e os dos quais não faz parte. Ainda temos o
cenário em que atribuir certas características a determinado grupo, pode contribuir para a
perpetuação de estereótipos e preconceitos.
“Da crise de identidade, que originou a Negritude, o movimento evoluiu para um
processo contínuo de afirmação identitária que se caracteriza pela ruptura
permanente dos equilíbrios estabelecidos. Vale dizer, a identidade entendida não
como circunscrição da realidade, mas como dinâmica da reapropriação de
espaços existenciais próprios.” (BERND, 2000, p. 54)
A negritude implica questionar o processo de branqueamento pelo qual povos de
diferentes raças podem passar. Branquear é tomar como referência o homem branco, a
partir da ideologia que prega a superioridade de um grupo racial em detrimento de outros.
Com isso, no caso do negro, este deve procurar negar as suas raízes, as suas
características, assim como buscar o clareamento de sua pele através da reprodução
sexual com brancos, a fim de ser „aceito‟ socialmente. Ao questionar esse processo,
pode-se notar o surgimento de diversas identidades negras, conforme a diversidade de
sujeitos que estão implicados nesse movimento.
Branquitude
A branquitude é processo psicossocial que também emerge do relacionamento
estabelecido entre brancos e negros. Cabe aqui ressaltar que o estudo apresentado
nesse trabalho pode não compreender todo o processo nomeado como branquitude.
Pode-se questionar porque a negritude é múltipla e a branquitude é vista como processo
psicossocial único e que mantém privilégios. Responder a essa questão não se encontra
no escopo deste trabalho, porém é importante lançar a semente para que se frutifiquem
ideias de pesquisas que também incluam as multiplicidades das identidades brancas.
Porém, ao estabelecer que as identidades negra e branca surgem do racismo,
então se está a frente do processo destacado a seguir. A diferença encontrada entre as
identidades é que, enquanto a negritude age como resistência ao processo de
branqueamento e resgate histórico e subjetivo da maneira do negro ser (querer ser), a
branquitude é processo que visa manter o estado das coisas, ou seja, perpetuar a
hegemonia branca nos processos políticos, ideológicos e culturais como padrão de
referência.
Bento (2007) afirma que a branquitude é constituída por processos psicossociais
como o branqueamento, a indignação narcísica, ter a si como referência (narcisismo), a
projeção,
a
existência
de
pactos
narcísicos.
Como
exposto
anteriormente
o
branqueamento é um processo determinado pelo movimento de tomar para si o branco
como referência, buscando identificar-se com este. O branqueamento é processo criado e
mantido pela elite dominante e branca para justificar a dominação simbólica exercida por
seu grupo em relação aos outros.
Ao tomar seu grupo como referência cria-se um pacto narcísico no qual o branco
procura manter seu poder simbólico inferiorizando os demais grupos raciais. Além disso,
através do mecanismo de defesa conhecido como projeção, a elite branca acaba por
associar aos demais grupos raciais características que considera inferiores, sendo que na
verdade, essas peculiaridades são próprias à sua condição como ser humano, porém não
podem ser reconhecidas como tal devido à possível quebra do pacto narcísico – proteção
do ego.
Por último, analisa-se a indignação narcísica como ato no qual o indivíduo revoltase com aquilo que atinge o seu grupo de pertença, sendo, por isso, difícil demonstrar
empatia com as dificuldades enfrentadas pelos demais indivíduos pertencentes a grupos
diferentes. No caso da relação entre brancos e negros, nota-se que o silêncio sobre a
participação do branco na perpetuação das desigualdades sociais no Brasil serve para
que se mantenha os benefícios conquistados com a apropriação simbólica de um estado
de superioridade mantido pelo narcisismo e referência social.
Essas atitudes refletem a dificuldade de se discutir as relações raciais. Isso ocorre
por que ocorre a negação da existência do racismo – fato observado no Brasil a partir do
mito da democracia racial – e a defesa do mérito como argumento que justifica a
ascensão social de indivíduos, culpabilizando mais uma vez o negro pela sua condição
social atual de exclusão.
Essa negação aparece frequentemente quando não queremos enfrentar uma
determinada realidade, quer porque não desejamos nos ver como sujeitos de
determinados tipos de ações, quer porque temos interesses nem sempre
confessáveis em jogo, ou ainda porque aceitar a realidade do racismo significa ter
que realizar mudanças. Mudar, por exemplo, no sentido de reconhecer que muitas
vezes aquilo que orgulhosamente classificamos como mérito está, na verdade,
marcado também pelo privilégio, ou seja, numa sociedade racializada, ser branco
sempre faz diferença (BENTO, 2007, p. 148-149).
Assim, nota-se que no encontro entre o branco e o negro, enquanto a identidade
negra luta para questionar a exclusão da subjetividade do homem negro devido ao
preconceito e racismo, a identidade „branca‟ acaba por utilizar o silêncio e discursos como
o mérito e o mito da democracia racial para continuar a se beneficiar de sua posição
considerada superior e de referência para outros grupos raciais. O branco é a referência;
o negro precisa superar esta ideologia e desenvolver sua própria subjetividade a partir da
resistência à condição de excluído social.
EDUCAÇÃO
Educação de acordo com o dicionário Houaiss (2001) significa “processo para o
desenvolvimento harmonioso das faculdades humanas; ensino; instrução; civilidade.” (p.
152). É consenso na sociedade que a educação é o caminho para o desenvolvimento da
intelectualidade humana, na qual se constrói o conhecimento necessário para o progresso
humano.
Assim, a educação adquire um aspecto vital, pois surge da necessidade humana
de conhecer e explorar o que há no mundo. Paulo Freire (1996) afirma que é necessário
uma formação docente progressista na qual há a passagem de um paradigma “bancário”
para um paradigma da educação para a “liberdade”. A educação bancária é considerada
conservadora, e é atualmente o paradigma dominante, no qual ocorre a transferência de
conhecimentos na relação docente-discente.
Com isso, o docente ao propagar a educação bancária, assume posição autoritária
diante do aluno, considerando que é o representante do „conhecimento‟ enquanto o aluno
é aquele que „vazio de conhecimento‟ precisa ser depositário deste. Nessa relação não há
espaço para o diálogo, o compartilhamento de saberes e a construção do conhecimento
pelo aluno.
Educar para a liberdade, para o desenvolvimento da autonomia do sujeito implica
uma posição democrática no ambiente educacional, no qual os atores envolvidos
reconhecem-se como seres dotados da capacidade de construir conhecimentos
criticamente, precisando para isso, de uma postura aberta e flexível.
Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para
a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro numa sala de aula
devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos
alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que
tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento. (FREIRE, 1996, p. 47)
Tendo isto em vista, é necessário criar um ambiente de respeito à diversidade
englobando aqui a questão racial (étnica) tema do referido estudo, que busca
compreender como as identidades raciais podem interferir no processo educacional e
como lidar com as relações raciais para que estas tragam progresso e não exclusão e
desigualdades sociais como tem-se observado atualmente.
Identidades Raciais e Educação
O conceito de identidade é utilizado para definir a ideia da existência de um Eu em
interação com o campo social representado pelos outros, sendo então, a formação de
uma identidade possuidora de um viés psíquico e um outro viés social (FISCHER, 2002).
Identidade é o “sentimento de eu”, o qual surge no indivíduo, através de suas
identificações, suas aptidões pessoais e suas funções sociais. O sentimento de eu está
ligado à congruência e à continuidade dos elementos integrados que constituem o
indivíduo. São elementos que passam pela via dos impulsos instintivos, da personalidade
do indivíduo e de sua integração à sociedade (ERIKSON, 1976).
A identidade é formada por uma parte psíquica onde estão presentes conflitos
conscientes e inconscientes, e por uma parte social, onde a interação com o meio
ambiente (externo) implicará em ajustes pessoais para adaptação e integração a este.
Além disso, a identidade se forma e se transforma conforme o tempo; no passado estão
os fundamentos de sua construção e, no futuro, estão as possibilidades de mudança do
eu, proporcionadas pela fluidez da sociedade e do indivíduo (NOACK, 2007).
Portanto, ao estudar a identidade racial do sujeito lida-se com sua constituição
psíquica, elementos de sua história e interação com o outro – a partir da socialização
inicial com pais e após, principalmente, a partir da socialização na escola e demais grupos
nos quais o sujeito estará inserido – em específico neste caso, com o grupo racial de
pertença e os demais. A identidade assim, é também constituída pelo contraste; o que eu
sou é definido pelo que o outro pensa de mim, pelo que o outro grupo é.
No Brasil as relações raciais sempre foram marcadas pela tensão causada pela
violência contra os povos tidos como inferiores. Observa-se que a referência positiva é o
branco europeu. Para modificar a ideologia do branqueamento é necessário um conjunto
de ações que visem reparar a violência e a exclusão pelos quais os negros passam,
assim como trabalhar as relações étnico-raciais para o respeito da diversidade humana.
Assim, espera-se que todos amadureçam e desfrutem dessas intervenções para a
construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Na educação nota-se que há dificuldade em trabalhar assuntos que envolvam a
diversidade em sala de aula. Em relação ao negro, até o estabelecimento das Normas e
Diretrizes da Educação em 2004 e com a Lei 10.639/2003, era tímido o trabalho sobre a
contribuição africana para a construção histórica, econômica e social do Brasil. Além
disso, há dificuldade em se trabalhar a relação estabelecida no encontro entre sujeitos no
ambiente educacional; sujeitos que possuem o direito de estar naquele local com o
objetivo de instruírem-se, de possibilitar trocas, experiências, desenvolvimento de
saberes. Na escola e em outros ambientes educacionais1, não se deve tratar as questões
raciais como um problema da criança/sujeito negro: é uma questão de todos, negros e
brancos.
É importante destacar que com a Lei 10.639/2003 que inclui no currículo o estudo
de História e Cultura Africana e Afro-brasileira para aprendizagem, busca-se incentivar a
expressão da diversidade humana para a mudança social.
Não se trata de mudar um foco etnocêntrico, marcadamente de raiz europeu, por
um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade
cultural, racial, social e econômica brasileira (BRASIL, 2004, p. 17).
E mais, não é apenas a transferência de conhecimento num processo de educação
bancária, como critica Freire (1996), trata-se de um movimento no qual
é preciso admitir que o trabalho de implementar medidas no sentido de
democratizar as relações de trabalho constitui um elemento importante na agenda
da gestão da escola, bem como da política educacional, visando à abordagem
crítica do tema da diversidade étnico-racial, de modo a proporcionar condições
para o desenvolvimento das atividades cujas características não venham a
reproduzir hierarquias sociais marcadas historicamente pela divisão racial do
trabalho e pela distribuição desigual dos recursos de poder. Do contrário, avalio
que a introdução de conteúdos ou a divulgação de materiais pedagógicos que
proponham uma leitura não estereotipada acerca da diversidade étnico-racial para
1
Aqui inclui-se outros ambientes como faculdades, universidades, cursos técnicos, entre outros cujo
objetivo é estimular o processo de ensino e aprendizagem a partir do estabelecimento de uma educação
formal.
as crianças pequenas encontre como limite à aprendizagem as formas objetivas
de como se organizam as hierarquias sociais e a distribuição desigual de poder no
interior das instituições, sobretudo da escola. (BRITO, 2011, p. 69)
Observa-se então que é necessário não somente a transformação curricular, mas
também a transformação social a partir das posições ocupadas hierarquicamente pelos
diferentes grupos raciais. Assim, mudar-se-ia o cenário visto até atualmente, no qual
negros apesar de representarem metade da população do país, ainda se encontram em
desvantagem, excluídos socialmente devido a fatores sócio-histórico e raciais.
Logo, na busca para mudar a situação de desigualdade social no Brasil, na
consolidação da democracia e relações mais justas e igualitárias, é preciso trabalhar com
os sujeitos conforme eles se identificam a partir do encontro entre os diferentes grupos de
pertença. O processo de branquitude e negritude são expressões da identidade racial
pelas quais se pode compreender como estão estabelecidas as relações étnico-raciais,
pensando em como intervir para que se criem espaços de respeito à diversidade.
Procura-se com isso, consolidar uma educação transformadora, na qual os
sujeitos constroem o conhecimento a partir de suas experiências, respeitando uns aos
outros e contribuindo para o progresso social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo foi proposto investigar como as identidades raciais surgidas
no encontro de diferentes grupos étnicos podem influenciar o processo educativo.
Estudando-se a realidade atual no Brasil, percebe-se que apesar da existência de leis que
garantam o respeito à diversidade étnica e que busquem reparar as desigualdades sociais
que se perpetuam ao longo dos séculos, ainda existe um preconceito velado que motiva
processos de discriminação e exclusão social dos negros.
O processo de educação envolve a diversidade humana em um ambiente
construído com o objetivo de desenvolver o saber. De um lado há o professor com o
objetivo de „formar‟, de outro há sujeitos capazes de construir criticamente o
conhecimento acerca do mundo que os envolve a partir de suas experiências, de sua
história. Por isso, é extremamente necessário refletir sobre a prática educativa para que
esta passe a ser um processo que emancipe os sujeitos, dando a eles condições de,
através da autonomia, desenvolver os saberes necessários para uma vida harmoniosa em
sociedade.
Assim, observa-se que é no ambiente educacional (escolas, cursos, faculdades, etc)
onde os diversos representantes sociais acabam por se encontrar. E para garantir que
haja um espaço de ensino/aprendizagem que integre os sujeitos e os auxilie no processo
de crítica reflexiva, é preciso quebrar estereótipos e deixar suas identidades se
expressarem.
No caso das relações raciais/étnicas, o encontro entre brancos e negros não ocorre
sem tensão, embora sabe-se que mitos como o da democracia racial tentam, sem
sucesso, apaziguar estas relações. Porém, observa-se que ainda há problemas nas
relações, pois identifica-se na formação identitária de sujeitos brancos e negros, traços
psicossociais que marcam a existência dessa tensão entre grupos de diferentes raças.
Deve-se continuar o estudo de como essas identidades se transformam, a fim de buscar
identificar quais são as melhores formas de se trabalhar as relações raciais a fim de criar
espaços de respeito à diversidade humana.
A educação como espaço vital para o desenvolvimento humano é essencial para
a construção de relações sociais mais justas, nas quais os indivíduos devem ser
respeitados em sua subjetividade, independentemente de raça, religião, orientação sexual
ou qualquer outra característica que ao não se encaixar nos padrões normativos sociais,
acabem por excluir os sujeitos considerados „fora da norma‟.
A partir disso, pesquisas futuras podem incumbir-se de investigar que tipos de
intervenções são eficazes para a prática pedagógica, não só no processo de ensino
aprendizagem como reflexão crítica do conhecimento, mas também como espaço
transformador das identidades dos sujeitos envolvidos que podem auxiliar na construção
de um mundo mais justo e igualitário.
Além disso, deve-se investir no estudo de relações interraciais positivas, ou seja,
nas quais o racismo não impera como uma crença influente, a fim de se identificar e
compreender como se são e como são, possíveis a construção de identidades saudáveis
entre diferentes grupos raciais.
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