I SEMINÁRIO POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA OBSEVATÓRIO DE AÇÕES AFIRMATIVAS 20 E 21 DE OUTUBRO DE 2015 IDENTIDADES NEGRAS E EDUCAÇÃO: REFLEXÃO SOBRE O IMPACTO DAS RELAÇÕES INTERRACIAIS E O PROCESSO EDUCACIONAL Ticiane Lúcia dos Santos, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM RESUMO: O mito da democracia racial influencia as relações estabelecidas entre as diferentes etnias no Brasil. Observa-se que essa ideologia encobre o racismo na sociedade brasileira, perpetuando a condição de exclusão social da população negra. Tendo em vista esse fenômeno, e como este se reproduz no ambiente educacional, o presente trabalho apresenta uma reflexão teórica que busca compreender como as relações entre raças acabam influenciando no processo de formação de identidades raciais. Utilizou-se a revisão bibliográfica para compreender a temática. Como resultado, nota-se que a partir das relações raciais surgem a branquitude e a negritude como expressões de identidades, sendo necessário compreendê-las para construir ações que implementem no ambiente educacional um espaço de respeito à diversidade humana na perspectiva de uma educação para a liberdade conforme nos incita Paulo Freire. Palavras-chave: Identidade. Branquitude. Negritude. Relações. Educação. INTRODUÇÃO O trabalho apresentado a seguir faz parte do processo reflexivo e construtivo deflagrado pela participação em curso de Especialização sobre Africanidades e Cultura Afro-Brasileira da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Tendo em vista a promulgação da Lei 10.639/2003 que fala sobre o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas, as instituições nacionais tem empenhado-se para construir espaços de conhecimento teórico a fim de auxiliar os educadores no processo de aprendizagem dos educandos. É importante destacar que obter informações sobre as origens dos povos, sua história e contribuição para a sociedade atual, não é o único propósito da Lei 10.639/2003. Acredita-se que ela possa estimular a reflexão sobre as relações mantidas com o outro no espaço educacional, ao propiciar o estudo de áreas não hegemônicas e o encontro com as diferenças. A escola como espaço de reprodução de saberes, dá continuidade à tendências conservadoras que excluem socialmente parte da população, seja por sua origem, cor, crença, gênero, entre outras características tidas como 'desvio padrão'. Nesse estudo, a autora preocupou-se em integrar conceitos sobre o processo identitário de brancos e negros no Brasil, a partir de revisão de literatura, estabelecendo a conexão entre essas identidades e o processo educacional. Os conflitos interraciais no Brasil não são vistos a partir da relação entre as diferentes etnias, sendo que frequentemente se aborda a problemática com foco no negro(a). Com isso, ao invés de destacar-se a evidente fórmula de que para investigar conflitos raciais e fenômenos como o racismo, preconceito, discriminação, é necessário compreender como atuam os diferentes atores sociais envolvidos nessas relações, impera-se o silêncio em relação à população branca e destaca-se a participação negra, como se o negro fosse o único responsável pela sua situação de exclusão social no país. Ainda acredita-se no mito da democracia racial– embora tenha surgido no discurso da década de 1960 por Gilberto Freyre – revelando como há a deturpação das relações estabelecidas entre brancos e negros no país. O mito da democracia racial dissemina a ideia de que no Brasil as relações entre diferentes etnias, culturas e populações ocorrem de maneira harmoniosa, havendo discriminação e racismo de maneira pontual, sem influenciar diretamente nas oportunidades e possibilidades de desenvolvimento dos sujeitos. Porém, apesar da população acreditar que o Brasil não é um país racista, que todas as raças que aqui se encontram conseguiram alcançar um nível democrático de relacionamento no qual cada indivíduo possui seus direitos garantidos, no dia a dia, a população negra sabe que não é esta experiência da qual usufrui. As relações raciais fazem parte do processo identitário tanto de negros quanto de brancos, pois são internalizados conceitos e representações de como o outro personificase para o sujeito, influenciando a maneira pela qual esse se constituirá. Por isso, pode-se trabalhar com conceitos como de branquitude e negritude, expressões de identidades sociais surgidas do contato entre diferentes raças, no qual há a inúmeros processos psicossociais envolvidos. Para compreender como essas identidades sociais atuam no ambiente educacional, é preciso investir em estudos que enfoquem os processos psicossociais das relações mantidas entre os indivíduos, não somente a do negro. Educar, de acordo com Paulo Freire (1996), trata-se de um movimento no qual se necessita compreender o que é o homem para entendê-lo. O homem educa-se a partir do momento que se questiona sobre quem ele é. Portanto, o ambiente educacional ensina muito além de conhecimentos a serem reproduzidos indefinidamente; é o espaço de questionamento, de reflexão, de encontro entre os indivíduos e suas diferenças e a construção de saber em conjunto. Entretanto, sabe-se que a hegemonia do saber garante a certa parcela da população, privilégios e exploração em relação a outra parcela de indivíduos. E a conservação de formas de ensino/aprendizagem que apenas reproduzam conhecimentos sem considerar a contribuição de outros campos, acaba por acirrar a exclusão social de minorias da população, sendo o negro um dos grupos marcados por este processo. Portanto, procura-se com esse trabalho, apresentar possíveis caminhos para compreender como os espaços educacionais podem contribuir para uma sociedade brasileira mais justa e igualitária. IDENTIDADES: NEGRITUDE E BRANQUITUDE Relações Interraciais Motta (2000) destaca qe para compreender as relações estabelecidas entre os diferentes grupos raciais no Brasil, é preciso entender a existência de três paradigmas coexistentes: da morenidade, das lutas entre classes sociais e do racismo como condição para a persistência das desigualdades sociais no país. O paradigma da morenidade, de acordo com o qual as classificações raciais, ou a percepção das diferenças raciais, tende a ser irrelevante na formação social brasileira, devido a fatores de caráter religioso, demográfico ou ambos. (MOTTA, 2000, p. 7) Para os defensores deste paradigma a existência de uma democracia racial no país, garante que não há conflitos raciais, pois todos vivem harmoniosamente independentemente de suas características raciais. Com a mestiçagem, tem-se a prova biológica e social de que as raças que aqui se encontram são capazes de viver pacificamente. Assim, acredita-se que o negro possui plenas condições e oportunidades de ascender socialmente (BERNARDINO, 2002). Como dito anteriormente, esse paradigma acaba incitando a continuidade do pensamento no qual o negro não consegue ascender socialmente devido a situações próprias, desconsiderando a situação de privilégio que o racismo mantém para a população branca do país. Para Florestan Fernandes (Motta, 2000) o racialismo ou conflito racial é uma dimensão que surge de outra situação conflituosa principal, a luta entre classes Para ir diretamente ao essencial, pode-se dizer, de uma maneira, temo, um tanto simplificada demais, que para Florestan não existem relações propriamente de raça, mas de classe, as quais, em determinadas circunstâncias, assumem a forma de relações de raça. Racismo, racialismo ou como quer que o chamemos corresponderiam, em termos paretianos que Florestan não adota, a simples derivações. O resíduo, o núcleo, a essência são os conflitos de classe baseados em determinado sistema econômico, que Florestan raramente ou nunca denomina explicitamente modo de produção. (Motta, 2000, p. 8) O terceiro paradigma é o único que aborda a condição social do negro como fruto das relações raciais deturpadas existentes desde a escravidão no país. Para Hasenbalg (1979, apud MOTTA, 2000) a discriminação sofrida pelo negro por sua raça, é a principal causa da continuidade de desigualdades raciais persistentes no país. Ou seja, o negro sofre com os problemas causados pela discriminação à sua raça, não somente a sua condição social. Estes três paradigmas são observados como ideologias propagadas atualmente. Isto implica em observar como as relações raciais acabam se estabelecendo. É importante destacar que essa seleção de paradigmas não esgota a compreensão da temática; grupos sociais podem estar sob a influência de outros movimentos que ainda não foram reconhecidos, e por isso, o estudo a cerca desses processos deve continuar. De acordo com o artigo de Motta (2000) pode-se inferir que há aqueles que acreditam na democracia racial – destaca-se que entre estes grupos encontra-se indivíduos de todas as raças – e por isso, constroem suas identidades sem questionar suas dificuldades, a partir do parâmetro de discriminação racial. Há outros que acreditam na desigualdade social influenciada apenas pela exploração de uma elite minoritária dos esforços da maioria proletária, sendo que o negro não encontra barreiras pela raça, mas sim pela condição econômica vulnerável. E há o terceiro e último grupo que enfrenta as ideologias anteriores e não minimiza o poder da discriminação racial como influência das desigualdades existentes até hoje. É deste grupo que surge os questionamentos tão importantes para compreender como as relações raciais acabam estabelecendo identidades raciais que refletem os conflitos existentes (mas de toda forma escondidos ou deturpados) entre raças no Brasil e no mundo. Negritude De acordo com Domingues (2005) negritude é um conceito polissêmico, pois adquire sentidos nas áreas política, ideológica e cultural. O movimento político denominado Negritude surge na França no período entre guerras por um grupo de intelectuais negros que confrontam a partir da linguagem, a visão inferior imputada aos negros. A palavra négritude em francês deriva de nègre, termo que no início do século XX tinha um caráter pejorativo, utilizado normalmente para ofender ou desqualificar o negro,em contraposição a noir, outra palavra para designar negro, mas que tinha um sentido respeitoso. A intenção do movimento foi justamente inverter o sentido da palavra negritude ao pólo oposto, impingindo-lhe uma conotação positiva de afirmação e orgulho racial (DOMINGUES, 2005, p. 4) Bernd (2004) afirma que negritude apresenta dois sentidos principais: A Negritude representada por movimento de contestação, surgida na França e observada em outros países; e a negritude que trata sobre representações da identidade negra, de como o negro é a partir das relações estabelecidas sócio – historicamente com outras raças. Assim como a negritude possui caráter polissêmico, observa-se a difícil definição sobre o que seria uma identidade negra. Isto porque a identidade como processo de constituição de quem eu sou, é flexível e contínua. Além disso, depende de fatores intrínsecos do sujeito, assim como das características que os grupos lhe atribui, sendo estes grupos, aqueles ao qual pertence e os dos quais não faz parte. Ainda temos o cenário em que atribuir certas características a determinado grupo, pode contribuir para a perpetuação de estereótipos e preconceitos. “Da crise de identidade, que originou a Negritude, o movimento evoluiu para um processo contínuo de afirmação identitária que se caracteriza pela ruptura permanente dos equilíbrios estabelecidos. Vale dizer, a identidade entendida não como circunscrição da realidade, mas como dinâmica da reapropriação de espaços existenciais próprios.” (BERND, 2000, p. 54) A negritude implica questionar o processo de branqueamento pelo qual povos de diferentes raças podem passar. Branquear é tomar como referência o homem branco, a partir da ideologia que prega a superioridade de um grupo racial em detrimento de outros. Com isso, no caso do negro, este deve procurar negar as suas raízes, as suas características, assim como buscar o clareamento de sua pele através da reprodução sexual com brancos, a fim de ser „aceito‟ socialmente. Ao questionar esse processo, pode-se notar o surgimento de diversas identidades negras, conforme a diversidade de sujeitos que estão implicados nesse movimento. Branquitude A branquitude é processo psicossocial que também emerge do relacionamento estabelecido entre brancos e negros. Cabe aqui ressaltar que o estudo apresentado nesse trabalho pode não compreender todo o processo nomeado como branquitude. Pode-se questionar porque a negritude é múltipla e a branquitude é vista como processo psicossocial único e que mantém privilégios. Responder a essa questão não se encontra no escopo deste trabalho, porém é importante lançar a semente para que se frutifiquem ideias de pesquisas que também incluam as multiplicidades das identidades brancas. Porém, ao estabelecer que as identidades negra e branca surgem do racismo, então se está a frente do processo destacado a seguir. A diferença encontrada entre as identidades é que, enquanto a negritude age como resistência ao processo de branqueamento e resgate histórico e subjetivo da maneira do negro ser (querer ser), a branquitude é processo que visa manter o estado das coisas, ou seja, perpetuar a hegemonia branca nos processos políticos, ideológicos e culturais como padrão de referência. Bento (2007) afirma que a branquitude é constituída por processos psicossociais como o branqueamento, a indignação narcísica, ter a si como referência (narcisismo), a projeção, a existência de pactos narcísicos. Como exposto anteriormente o branqueamento é um processo determinado pelo movimento de tomar para si o branco como referência, buscando identificar-se com este. O branqueamento é processo criado e mantido pela elite dominante e branca para justificar a dominação simbólica exercida por seu grupo em relação aos outros. Ao tomar seu grupo como referência cria-se um pacto narcísico no qual o branco procura manter seu poder simbólico inferiorizando os demais grupos raciais. Além disso, através do mecanismo de defesa conhecido como projeção, a elite branca acaba por associar aos demais grupos raciais características que considera inferiores, sendo que na verdade, essas peculiaridades são próprias à sua condição como ser humano, porém não podem ser reconhecidas como tal devido à possível quebra do pacto narcísico – proteção do ego. Por último, analisa-se a indignação narcísica como ato no qual o indivíduo revoltase com aquilo que atinge o seu grupo de pertença, sendo, por isso, difícil demonstrar empatia com as dificuldades enfrentadas pelos demais indivíduos pertencentes a grupos diferentes. No caso da relação entre brancos e negros, nota-se que o silêncio sobre a participação do branco na perpetuação das desigualdades sociais no Brasil serve para que se mantenha os benefícios conquistados com a apropriação simbólica de um estado de superioridade mantido pelo narcisismo e referência social. Essas atitudes refletem a dificuldade de se discutir as relações raciais. Isso ocorre por que ocorre a negação da existência do racismo – fato observado no Brasil a partir do mito da democracia racial – e a defesa do mérito como argumento que justifica a ascensão social de indivíduos, culpabilizando mais uma vez o negro pela sua condição social atual de exclusão. Essa negação aparece frequentemente quando não queremos enfrentar uma determinada realidade, quer porque não desejamos nos ver como sujeitos de determinados tipos de ações, quer porque temos interesses nem sempre confessáveis em jogo, ou ainda porque aceitar a realidade do racismo significa ter que realizar mudanças. Mudar, por exemplo, no sentido de reconhecer que muitas vezes aquilo que orgulhosamente classificamos como mérito está, na verdade, marcado também pelo privilégio, ou seja, numa sociedade racializada, ser branco sempre faz diferença (BENTO, 2007, p. 148-149). Assim, nota-se que no encontro entre o branco e o negro, enquanto a identidade negra luta para questionar a exclusão da subjetividade do homem negro devido ao preconceito e racismo, a identidade „branca‟ acaba por utilizar o silêncio e discursos como o mérito e o mito da democracia racial para continuar a se beneficiar de sua posição considerada superior e de referência para outros grupos raciais. O branco é a referência; o negro precisa superar esta ideologia e desenvolver sua própria subjetividade a partir da resistência à condição de excluído social. EDUCAÇÃO Educação de acordo com o dicionário Houaiss (2001) significa “processo para o desenvolvimento harmonioso das faculdades humanas; ensino; instrução; civilidade.” (p. 152). É consenso na sociedade que a educação é o caminho para o desenvolvimento da intelectualidade humana, na qual se constrói o conhecimento necessário para o progresso humano. Assim, a educação adquire um aspecto vital, pois surge da necessidade humana de conhecer e explorar o que há no mundo. Paulo Freire (1996) afirma que é necessário uma formação docente progressista na qual há a passagem de um paradigma “bancário” para um paradigma da educação para a “liberdade”. A educação bancária é considerada conservadora, e é atualmente o paradigma dominante, no qual ocorre a transferência de conhecimentos na relação docente-discente. Com isso, o docente ao propagar a educação bancária, assume posição autoritária diante do aluno, considerando que é o representante do „conhecimento‟ enquanto o aluno é aquele que „vazio de conhecimento‟ precisa ser depositário deste. Nessa relação não há espaço para o diálogo, o compartilhamento de saberes e a construção do conhecimento pelo aluno. Educar para a liberdade, para o desenvolvimento da autonomia do sujeito implica uma posição democrática no ambiente educacional, no qual os atores envolvidos reconhecem-se como seres dotados da capacidade de construir conhecimentos criticamente, precisando para isso, de uma postura aberta e flexível. Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro numa sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento. (FREIRE, 1996, p. 47) Tendo isto em vista, é necessário criar um ambiente de respeito à diversidade englobando aqui a questão racial (étnica) tema do referido estudo, que busca compreender como as identidades raciais podem interferir no processo educacional e como lidar com as relações raciais para que estas tragam progresso e não exclusão e desigualdades sociais como tem-se observado atualmente. Identidades Raciais e Educação O conceito de identidade é utilizado para definir a ideia da existência de um Eu em interação com o campo social representado pelos outros, sendo então, a formação de uma identidade possuidora de um viés psíquico e um outro viés social (FISCHER, 2002). Identidade é o “sentimento de eu”, o qual surge no indivíduo, através de suas identificações, suas aptidões pessoais e suas funções sociais. O sentimento de eu está ligado à congruência e à continuidade dos elementos integrados que constituem o indivíduo. São elementos que passam pela via dos impulsos instintivos, da personalidade do indivíduo e de sua integração à sociedade (ERIKSON, 1976). A identidade é formada por uma parte psíquica onde estão presentes conflitos conscientes e inconscientes, e por uma parte social, onde a interação com o meio ambiente (externo) implicará em ajustes pessoais para adaptação e integração a este. Além disso, a identidade se forma e se transforma conforme o tempo; no passado estão os fundamentos de sua construção e, no futuro, estão as possibilidades de mudança do eu, proporcionadas pela fluidez da sociedade e do indivíduo (NOACK, 2007). Portanto, ao estudar a identidade racial do sujeito lida-se com sua constituição psíquica, elementos de sua história e interação com o outro – a partir da socialização inicial com pais e após, principalmente, a partir da socialização na escola e demais grupos nos quais o sujeito estará inserido – em específico neste caso, com o grupo racial de pertença e os demais. A identidade assim, é também constituída pelo contraste; o que eu sou é definido pelo que o outro pensa de mim, pelo que o outro grupo é. No Brasil as relações raciais sempre foram marcadas pela tensão causada pela violência contra os povos tidos como inferiores. Observa-se que a referência positiva é o branco europeu. Para modificar a ideologia do branqueamento é necessário um conjunto de ações que visem reparar a violência e a exclusão pelos quais os negros passam, assim como trabalhar as relações étnico-raciais para o respeito da diversidade humana. Assim, espera-se que todos amadureçam e desfrutem dessas intervenções para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Na educação nota-se que há dificuldade em trabalhar assuntos que envolvam a diversidade em sala de aula. Em relação ao negro, até o estabelecimento das Normas e Diretrizes da Educação em 2004 e com a Lei 10.639/2003, era tímido o trabalho sobre a contribuição africana para a construção histórica, econômica e social do Brasil. Além disso, há dificuldade em se trabalhar a relação estabelecida no encontro entre sujeitos no ambiente educacional; sujeitos que possuem o direito de estar naquele local com o objetivo de instruírem-se, de possibilitar trocas, experiências, desenvolvimento de saberes. Na escola e em outros ambientes educacionais1, não se deve tratar as questões raciais como um problema da criança/sujeito negro: é uma questão de todos, negros e brancos. É importante destacar que com a Lei 10.639/2003 que inclui no currículo o estudo de História e Cultura Africana e Afro-brasileira para aprendizagem, busca-se incentivar a expressão da diversidade humana para a mudança social. Não se trata de mudar um foco etnocêntrico, marcadamente de raiz europeu, por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira (BRASIL, 2004, p. 17). E mais, não é apenas a transferência de conhecimento num processo de educação bancária, como critica Freire (1996), trata-se de um movimento no qual é preciso admitir que o trabalho de implementar medidas no sentido de democratizar as relações de trabalho constitui um elemento importante na agenda da gestão da escola, bem como da política educacional, visando à abordagem crítica do tema da diversidade étnico-racial, de modo a proporcionar condições para o desenvolvimento das atividades cujas características não venham a reproduzir hierarquias sociais marcadas historicamente pela divisão racial do trabalho e pela distribuição desigual dos recursos de poder. Do contrário, avalio que a introdução de conteúdos ou a divulgação de materiais pedagógicos que proponham uma leitura não estereotipada acerca da diversidade étnico-racial para 1 Aqui inclui-se outros ambientes como faculdades, universidades, cursos técnicos, entre outros cujo objetivo é estimular o processo de ensino e aprendizagem a partir do estabelecimento de uma educação formal. as crianças pequenas encontre como limite à aprendizagem as formas objetivas de como se organizam as hierarquias sociais e a distribuição desigual de poder no interior das instituições, sobretudo da escola. (BRITO, 2011, p. 69) Observa-se então que é necessário não somente a transformação curricular, mas também a transformação social a partir das posições ocupadas hierarquicamente pelos diferentes grupos raciais. Assim, mudar-se-ia o cenário visto até atualmente, no qual negros apesar de representarem metade da população do país, ainda se encontram em desvantagem, excluídos socialmente devido a fatores sócio-histórico e raciais. Logo, na busca para mudar a situação de desigualdade social no Brasil, na consolidação da democracia e relações mais justas e igualitárias, é preciso trabalhar com os sujeitos conforme eles se identificam a partir do encontro entre os diferentes grupos de pertença. O processo de branquitude e negritude são expressões da identidade racial pelas quais se pode compreender como estão estabelecidas as relações étnico-raciais, pensando em como intervir para que se criem espaços de respeito à diversidade. Procura-se com isso, consolidar uma educação transformadora, na qual os sujeitos constroem o conhecimento a partir de suas experiências, respeitando uns aos outros e contribuindo para o progresso social. CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente estudo foi proposto investigar como as identidades raciais surgidas no encontro de diferentes grupos étnicos podem influenciar o processo educativo. Estudando-se a realidade atual no Brasil, percebe-se que apesar da existência de leis que garantam o respeito à diversidade étnica e que busquem reparar as desigualdades sociais que se perpetuam ao longo dos séculos, ainda existe um preconceito velado que motiva processos de discriminação e exclusão social dos negros. O processo de educação envolve a diversidade humana em um ambiente construído com o objetivo de desenvolver o saber. De um lado há o professor com o objetivo de „formar‟, de outro há sujeitos capazes de construir criticamente o conhecimento acerca do mundo que os envolve a partir de suas experiências, de sua história. Por isso, é extremamente necessário refletir sobre a prática educativa para que esta passe a ser um processo que emancipe os sujeitos, dando a eles condições de, através da autonomia, desenvolver os saberes necessários para uma vida harmoniosa em sociedade. Assim, observa-se que é no ambiente educacional (escolas, cursos, faculdades, etc) onde os diversos representantes sociais acabam por se encontrar. E para garantir que haja um espaço de ensino/aprendizagem que integre os sujeitos e os auxilie no processo de crítica reflexiva, é preciso quebrar estereótipos e deixar suas identidades se expressarem. No caso das relações raciais/étnicas, o encontro entre brancos e negros não ocorre sem tensão, embora sabe-se que mitos como o da democracia racial tentam, sem sucesso, apaziguar estas relações. Porém, observa-se que ainda há problemas nas relações, pois identifica-se na formação identitária de sujeitos brancos e negros, traços psicossociais que marcam a existência dessa tensão entre grupos de diferentes raças. Deve-se continuar o estudo de como essas identidades se transformam, a fim de buscar identificar quais são as melhores formas de se trabalhar as relações raciais a fim de criar espaços de respeito à diversidade humana. A educação como espaço vital para o desenvolvimento humano é essencial para a construção de relações sociais mais justas, nas quais os indivíduos devem ser respeitados em sua subjetividade, independentemente de raça, religião, orientação sexual ou qualquer outra característica que ao não se encaixar nos padrões normativos sociais, acabem por excluir os sujeitos considerados „fora da norma‟. A partir disso, pesquisas futuras podem incumbir-se de investigar que tipos de intervenções são eficazes para a prática pedagógica, não só no processo de ensino aprendizagem como reflexão crítica do conhecimento, mas também como espaço transformador das identidades dos sujeitos envolvidos que podem auxiliar na construção de um mundo mais justo e igualitário. Além disso, deve-se investir no estudo de relações interraciais positivas, ou seja, nas quais o racismo não impera como uma crença influente, a fim de se identificar e compreender como se são e como são, possíveis a construção de identidades saudáveis entre diferentes grupos raciais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERNARDINO, J. Ação afirmativa e a rediscussão do mito da democracia racial no Brasil. Estudos Afro-Asiáticos, ano 24, n. 2, p. 247-273. 2002. BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnicoraciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília: SECAD, 2004. BRASIL.Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura AfroBrasileira”, e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm Acesso em: 28 de nov. 2014. BRITO, JOSÉ EUSTÁQUIO. Educação e relações étnico-raciais: desafios e perspectivas para o trabalho docente. Educação em foco. Ano 14 - n. 18 - dezembro 2011 - p. 57-7. DOMINGUES, PETRÔNIO. Movimento da Negritude: uma breve reconstrução histórica. Mediações – Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 10, n.1, p. 25-40, jan.-jun. 2005. ERIKSON, E. H.Infância e sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. FISCHER, G-N. Os conceitos fundamentais da Psicologia Social. Tradução de Vasco Casemiro. Lisboa: Insituto Piaget, 2002. FREIRE, PAULO. 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