Capital, Trabalho e Estado: parâmetros para análise da Ensino

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Capital, Trabalho e Estado: parâmetros para análise da Ensino Superior na atual
conjuntura.
Capital; Trabalho; Estado; Ensino Superior; Educação.
INTRODUÇÃO.
Entendemos que o ensino superior esta enredado na relação de classes a partir da
contradição entre capital e trabalho, dessa forma o objetivo desse texto é apreender as
concepções de trabalho, estado e capital para, a partir dessa relação, compreendermos como
se estabelece o ensino no Brasil.
Notoriamente no Brasil, tem-se o discurso que a educação é a "fonte de salvação" dos
trabalhadores. No mesmo sentido, acredita-se que a educação é o fator que provocará
mudanças estruturais, alavancando o crescimento econômico, social e cultural da sociedade.
Esse discurso é disseminado pelo Estado, com maior intensidade desde a reforma do ensino
superior da década de 1960. E nos últimos anos se acentuou com estratégias de acesso dos
estudantes da classe trabalhadora ao ensino superior, em particular ao ensino privado,
pautados pelos preceitos da cartilha neoliberal adjacente da relação de dominação do sistema
capitalista, que se estabelece a partir do tripé: trabalho, capital e estado.
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ALICERCE DO MODO DE
PRODUÇÃO CAPITALISTA: TRABALHO, CAPITAL E ESTADO.
O capitalismo no Brasil, ao longo das suas determinações históricas, deixou visíveis
seus rastros de distinção de classes sociais no processo de democratização do ensino superior.
Para compreender esse percurso e suas contradições entre capital e trabalho, faz-se necessário
percorrer, ainda que brevemente, a categoria trabalho sob a ótica marxista de análise. Para
camuflar a real e complexa contradição existente entre capital e trabalho na produção e a luta
de classes na política, a classe burguesa impõe a ideologia do "consenso" entre as classes para
continuar aumentando a margem de lucros e para manter-se no poder do Estado.
Para isso neste texto pretendemos expor a relação entre trabalho, Capital, Estado e
Educação, da mesma forma que buscamos apreender os conceitos e suas articulações em prol
a sustentação do sistema capitalista de classes.
A categoria trabalho é o principio para pensarmos a construção do mono em homem, o
trabalho é o ato fundante do ser social, é a partir do trabalho que surgem outras atividades de
organização da sociedade, é o trabalho responsável pela produção da riqueza material, cuja
finalidade é a satisfação das necessidades humanas. Para Lukács (1986), os homens para
sobreviverem transformam a natureza, diferente dos animais superiores, essa transformação
da natureza é pensada, teleologicamente posta, seu resultado final é previamente construído
com uma finalidade que orienta todas as ações, portanto a transformação teleológica da
natureza, a partir do estudo em Marx, Luckács chama de trabalho. Dessa maneira, o que nos
diferencia dos animais é o trabalho, o trabalho teleológico constitui-se no salto ontológico do
homem em ser social.
Somente o trabalho, tem, como sua essência ontológica, um claro caráter
intermediário: ele é essencialmente, uma inter-relação entre homem
(sociedade) e natureza, tanto inorgânica (utensílio, matéria prima, objeto de
trabalho, etc) como orgânica, inter-relação que pode até estar situada em
pontos determinados do ser a que nos referimos, mas antes de mais nada a
passagem, do homem que trabalha do ser meramente biológico ao ser social.
(LUKÁCS, 1986, p. 4).
Para Lukács, o salto antológico distancia o homem dos animais primitivos, elevando-o
a patamares superiores de sociabilidade. Lessa (1996) fundamentado em Lukács, conclui que
há três aspectos da ontologia do ser social atrelados predominantemente na categoria trabalho:
objetivação, exteriorização e alienação, conforme detalhamento a seguir.
Objetivação é a construção da finalidade na consciência humana, é a mediação que
articula a teleologia (idéia abstrata e singular) com o novo objeto idealizado. De forma que os
objetos construídos pelo trabalho apenas poderiam surgir enquanto objetivação de finalidades
ideais, "[...] eles incorporam determinações que emergem do fato de terem um pôr teleológico
na sua gênese." (LESSA, 1996, p. 11).
Mas durante o processo de transformar a natureza o homem também se transforma,
desenvolvendo novas habilidades, técnicas e conhecimento de si e da natureza, nesse sentido a
produção fim, o processo de transformação do objeto, não é apenas um processo de
objetivação, da transformação da realidade, mas é também de transformação do sujeito, de
exteriorização. Portanto, a partir de sua prévia ideação, o homem adquire novos
conhecimentos, tanto da natureza, do processo de transformação do objeto, quanto de si. Essa
transformação do sujeito que trabalha, é conseqüência necessária do trabalho, o homem ao
transformar a natureza "[...] muda ao mesmo tempo sua própria natureza, desenvolve as
potências que nele estão adormecidas e sujeita o jogo das suas forças à sua própria
autoridade." (LUKÁCS, 1986, p. 43).
A partir da objetivação e exteriorização, o homem transforma a natureza e por
conseqüência a si próprio, mas com a complexidade das relações sociais, age também sobre
os outros homens que estão a sua volta, alterando as relações não só com a natureza, mas
entre pessoas. Essas relações em dadas situações históricas, mediações e complexos sociais,
mesmo que exerça o desenvolvimento "sócio- genérico" pode alienar o desenvolvimento
humano.
Lessa (1996) cita dois exemplos de alienação do desenvolvimento humano genérico: a
religião e o capital. A religião que ao fazer da história humana uma dádiva divina, impede
que os homens tomem consciência de serem responsáveis por sua própria história. E o capital,
que mesmo com seu papel revolucionário de romper com feudalismo, se torna massificante ao
homem, freando seu desenvolvimento humano-genérico, de forma que, "[...] o
desenvolvimento das forças produtivas deixa de significar potencialização das capacidades
humano-genéricas, para implicar aumento da miséria e as tragédias humanas." (LESSA, 1996,
p. 20).
A alienação é a barreira socialmente posta para o desenvolvimento sócio-genérico do
homem é, portanto, resultado da reprodução social e produto da história humana, da
dominação de uma classe sobre a outra na tentativa de perpetuação do modo de produção
capitalista.
Conforme nos esclarece Mészáros (2008), o trabalho é fundamental ao ser humano,
composto por um conjunto de mediações responsáveis por assegurar o "metabolismo social",
mas quando submetido às exigências do capital, assume um caráter controverso a partir de
novas mediações estabelecendo formas hostis de exploração dos sujeitos, configurando assim
a dinâmica da alienação. Onde a atividades produtiva deixam de ser determinadas pelo
homem (ser social), tornando os homens estranhos uns aos outros, de ser social, autônomo,
com possibilidade de se desenvolver omnilateralmente, o homem fica relegado à coisificação.
O sistema capitalista enquanto sistema revolucionário, que objetiva a liberdade dos
trabalhadores da servidão e da opressão dos feudos, usurpou todos os meios de produção.
Sobremaneira, que restaram apenas aos homens a venda de sua força de trabalho, delineando
a subordinação do homem ao sistema, e ao valor de troca da força de trabalho por salário, que
é usado para subsistência humana e consequentemente, manutenção de força para permanecer
no trabalho.
Para Tonet (2012), o trabalho humano se transforma em mercadoria que passa a
assumir as qualidades daqueles que as produzem. Enquanto que, o trabalhador toma forma de
coisa, o trabalho morto (capital) põe a seu serviço o trabalho vivo (trabalhador), ficando claro
que o desenvolvimento do trabalhador fica relegado, o mais importante é a reprodução e
ampliação do capital, o desenvolvimento do indivíduo somente é levado em consideração
quando afeta a produtividade.
Mészáros (2008) denomina o capital como um sistema poderoso e abrangente, tendo
seu núcleo constitutivo formado pelo tripé: capital, trabalho e estado, sendo que esses três
elementos fundamentais são materialmente constituídos e inter-relacionados, formando um
"sistema sócio metabólico" que não tem limites para sua expansão, utilizando-se de vários
mecanismos para manter-se hegemônico e imbatível.
Nesse "sistema sócio metabólico" as relações sociais entre os homens se apresentam
como sendo estritamente econômicas, têm como fundamental a liberdade humana, no entanto
a liberdade é mascarada, a relação de troca (força de trabalho por salário) esconde a coerção, a
coisificação da força de trabalho. Aparentemente, o trabalhador enquanto classe está livre
para vender ou não sua força de trabalho, mas se vê forçado pela necessidade do "estômago",
pelas condições econômicas de sobrevivência. A sociedade está organizada a tal ponto que
legitima essa relação de troca, principalmente pela garantia do consumo. Para garantir essa
relação coercitiva e ao mesmo tempo de coesão entre as classes, se estabelece o Estado
burguês, que esta emaranhado nas contradições do modo de produção capitalista, conforme
descreve Engels,
O Estado é um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado
grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou
numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por
antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. [...] faz-se
necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade,
chamado a amortecer o choque e a mantê-la dentro dos limites da ordem.
Este poder nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada
vez mais, é o Estado. (ENGELS, 2002, p. 135)
O Estado é concebido como o apaziguador entre as classes, é chamado a manter a
"ordem", mas a classe burguesa detém os meios de produção, os mecanismos políticos de
controle e por conseqüência o domínio do Estado. É equivocado pensar o Estado como
elemento imparcial, devido ao seu atrelamento à classe burguesa é utilizado por esta para
garantir a hegemonia do modo de produção capitalista. E por conseqüência, a exploração
permanente de uma classe sobre a outra, como afirma Netto (1995), o Estado é o "comitê
executivo da burguesia". O Estado se coloca "acima" das relações de forças, como regulador
das relações sociais, interferindo tanto na acumulação quanto na reprodução social da classe
trabalhadora, assumindo uma função estratégica para o desenvolvimento do sistema
capitalista, mantém a coesão entre as classes, impedindo que os conflitos desmantelem a
hegemonia do "sistema sócio metabólico".
Para Mészáros,
[...] o Estado ─ em razão de seu papel constitutivo e permanentemente
sustentador ─ deve ser entendido como parte integrante da própria base
material do capital. Ele contribui de modo significativo não apenas para a
formação e a consolidação de todas as grandes estruturas da sociedade, mas
também para seu funcionamento ininterrupto. No entanto, este interrelacionamento íntimo também se mantém quando visto de outro lado, pois o
Estado moderno em si é totalmente inconcebível sem o capital como função
sociometabólica. Isto dá às estruturas materiais reprodutivas do sistema do
capital a condição necessária, não apenas para a constituição original, mas
para a sobrevivência continuada (e para as transformações históricas
adequadas) do Estado moderno em todas as suas dimensões. (MÉSZÁROS,
2011, p. 125),
Segundo Netto (1995), é no capitalismo monopolista, no final do séc. XIX, que o
Estado ganha novas funções, não só como guardião das condições externas da produção
capitalista. No capitalismo dos monopólios, as funções políticas e econômicas do Estado se
alinham, de maneira que há uma integração entre os aparatos de exploração dos monopólios
com as instituições estatais.
No capitalismo dos Monopólios a intervenção estatal se dá na garantia da força de
trabalho, diferente do capitalismo concorrencial que o Estado intervinha unicamente nas
seqüelas dessa exploração e coercitivamente na luta de classes, a fim de preservar a
propriedade privada. No capitalismo monopolista o papel do Estado se amplia mediante a
generalização, a institucionalização e garantia de direitos sociais e civis, consolidando o
consenso e o apaziguamento entre as classes e a soberania do projeto político ideológico
burguês.
Conforme Netto (1995) e Bering/Boschetti (2009) a transição do capitalismo
concorrencial para o capitalismo monopolista realizou-se paralelamente ao avanço das lutas
dos trabalhadores. Netto (1995) destaca que as demandas econômicas, sociais e políticas
postas nesse processo reivindicativos não vulnerabilizam o sistema dos monopólios, embora a
concessão de políticas sociais pelo Estado tenha sido a partir da luta de classes, esta não se
estabeleceu como um movimento maduro, sólido, diante da situação. Já para Bering/Boschetti
(2009), a organização da classe trabalhadora foi determinante para a mudança do Estado do
final do séc. XIX e início do séc. XX. De maneira que a classe trabalhadora conseguiu
assegurar importantes conquistas. Não conseguiu romper com o capitalismo, contudo a luta
dos trabalhadores contribuiu sobremaneira para concessão e ampliação dos direitos sociais e
também para tencionar, questionar e mudar o papel do Estado no âmbito do sistema
capitalista.
Diante dos discursos sobre a influência da luta de classes na consolidação das
políticas sociais, nota-se claramente o papel contraditório e coercitivo do Estado burguês, à
medida que consolida os direitos sociais, controla a força de trabalho e rege com maestria a
ideologia burguesa.
Sobre isso Netto esclarece que,
[...] o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria
condições tais que o Estado por ele capturado, ao buscar legitimação através
do jogo democrático, é permeável às demandas das classes subalternas, que
podem fazer incidir nele seus interesses e suas reivindicações imediatos. E
que este processo é todo ele tensionado, não só pelas exigências da ordem
monopólica, mas pelos conflitos que esta faz dinamizar em toda escala
societária. (NETTO, 1995, p. 25)
É a partir dessas tensões entre as classes, de um lado o capitalismo de outro a classe
trabalhadora, que o Estado tem como objeto de intervenção a "questão social". Nesse sentido,
a luta de classes desmascara os problemas sociais advindos da relação conflitiva entre capital
e trabalho, que vimos no início desse texto. De acordo com Netto (2001) a "questão social" é
o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos advindos do surgimento da classe
operária no desenvolvimento da sociedade burguesa/capitalista. Em seu texto, Cinco teses
sobre a "questão social", o autor evidencia que a "Questão Social" está eminentemente
vinculada à exploração de uma classe sobre a outra, a coisificação do trabalho humano,
decorrentes da relação capital x trabalho.
A expressão surge para dar conta do fenômeno mais evidente da história da
Europa Ocidental que experimentava os impactos da primeira onda
industrializante iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVIII:
trata-se do fenômeno do pauperismo. Com efeito a pauperização (neste caso,
absoluta) massiva da população trabalhadora constituiu o aspecto mais
imediato da instauração do capitalismo e seu estágio industrial-concorrencial
e não por acaso engendrou uma copiosa documentação (NETTO, 2001, p.
152).
Mas é no capitalismo monopolista que a "questão social" torna-se alvo da intervenção
estatal e emerge as políticas sociais. De acordo com Netto (1995) a funcionalidade principal
das políticas sociais no Estado burguês é a preservação e controle da força de trabalho, que
está alicerçada no atendimento ao "exército industrial de reserva" a partir de instrumentos
para manutenção do consumo, a exemplo da previdência social. Outro exemplo citado pelo
autor são as políticas educacionais, desde o ensino básico ao superior são utilizadas para
preparar os indivíduos ao mercado de trabalho de acordo com a necessidade do sistema. No
mesmo sentido são feitos os investimentos em infra-estrutura, malha viária e habitação. As
políticas sociais são uma estratégia de benefício ao sistema capitalista sem exonerá-lo, pois o
Estado assume esse papel, assegurando o pleno desenvolvimento e hegemonia do sistema
burguês.
Nessa perspectiva, no sistema capitalista as políticas sociais não têm a intenção de
resolver a "questão social", mas sim de estancar os problemas causados pela relação capital e
trabalho de forma fragmentada e pontual. Porque solucionar a "questão social" culminaria em
resolver a questão central, acabar com próprio sistema. Contudo, as políticas sociais não
rompem com essa relação conflituosa e sim garantem o mínimo necessário à subsistência da
classe trabalhadora e a continuidade do tripé: trabalho, capital e Estado. Esse é o caso da
política de educação, que na sociedade capitalista está a serviço do poder econômico da
burguesia.
ENSINO SUPERIOR COMO ESTRATÉGIA IDEOLÓGICA DO SISTEMA
CAPITALISTA.
A partir da breve definição da relação de interdependência entre Trabalho, Capital e
Estado, vimos que suas consequências são calamitosas para a classe trabalhadora,
transfigurando a "questão social" no principal objeto de intervenção do Estado burguês, que
elabora as políticas sociais como mecanismos de coesão entre as classes. Dentre as políticas
sociais destacaremos a política de educação como um dos aparelhos ideológicos do Estado a
serviço da burguesia.
No decorrer da história educacional brasileira, alguns fatos merecem ser destacados. A
década de 1930, marcada pelo desenvolvimentismo industrial, permitiu alguns avanços
educacionais, mas não de cunho revolucionário, tendo a concepção escolanovista e a
racionalidade científica como marcos dessa época. Na década de 1940, com a necessidade de
profissionalização, cria-se o sistema de aprendizagem: SENAI, SENAC, SESI, SESC, um
sistema de formação profissional paralelo ao sistema oficial de ensino. Já na década de 1950,
a educação é voltada aos ideais desenvolvimentistas internacionalistas. A década de 1960 teve
um significado avanço histórico, em 1961 é sancionada a Lei de Diretrizes e Bases (LDB),
dando abertura à possibilidade da relação público-privada. No pós 1964, a educação é
utilizada para estimular o patriotismo e de forma tecnocrática coercitiva combate as pressões
dos movimentos contrários à ditadura. A década de 1980 foi marcada pela chamada
redemocratização, período em que buscou-se romper com o autoritarismo. A produção do
conhecimento na perspectiva crítica foi latente, Frigotto (2011), destaca que a década de 1980
foi um marco na produção bibliográfica, pois, tinha como desafio a redemocratização para
romper com sistema coercitivo e de exploração, diferentemente, a década de 1990 se
caracterizou pelo produtivismo, mercantilização do conhecimento, fragmentação e abandono
à criticidade.
Com o fim da ditadura, um Colégio Eleitoral (de forma indireta) elegeu Tancredo
Neves para a presidência da república. Mas com sua morte inesperada, o vice-presidente
eleito, José Sarney assumiu a presidência e governa o Brasil (1985-1989) em período de
redemocratização. Em seu final de governo foi aprovada a chamada Constituição Cidadã
(1988), mediante muita mobilização e pressão social, fazendo-se valer as emendas populares
numa perspectiva de amplos direitos sociais para a população brasileira. Como uma das
primeiras medidas de democratização do país, foi realizada a eleição direta em 1989 para
presidência da república, governadores, senadores, deputados federais, deputados estaduais.
Fernando Collor de Melo (1990-1992), primeiro presidente eleito pelo voto direto, que em seu
curto mandato garantiu a "abertura econômica" ao neoliberalismo no Brasil.
Em seguida, tivemos a eleição de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), para a
presidência da república, que consolidou a política econômica neoliberal aprovada para a
América Latina e Caribe no chamado "Consenso de Washington". Na contra-reforma, que
chamaram de “Reforma do Estado”, apresentada pelo então ministro Bresser Pereira, foram
privatizadas 75% das estatais brasileiras. Os ajustes fiscais aplicados nos governos, do micro
ao macro poder não deixaram dúvidas que a classe trabalhadora e demais pobres foram e são
as principais vítimas do neoliberalismo. Neste contexto, as políticas sociais, principalmente as
de saúde e educação, poderiam ser contratadas e executadas por organizações não estatais.
Mesmo com toda a luta política das camadas populares e dos sindicatos combativos, em torno
da garantia de direitos sociais fundamentais, expressos em artigos da Constituição Federal de
1988, a cultura gerencial e os ideários da "Reforma do Estado", foram incorporadas nas
legislações complementares à Constituição. Em especial, no âmbito da seguridade social e da
educação, através de "reformas constitucionais" ou decretos que deixavam evidente a opção
pelo “Estado Mínimo” para políticas sociais e "Estado Máximo" a favor do mercado
capitalista.
Saviani (2007) destaca o governo de FHC como o propulsor da política de educação
ao sistema privado. Em 1997 é sancionada a lei que admite instituições de ensino com fins
lucrativos e distinção entre universidades e centros universitários que não precisam ter
necessariamente o tripé: ensino, pesquisa e extensão. Além de que, a cultura gerencial
apresenta alguns traços marcantes no ensino superior, principalmente nas universidades
federais no que diz respeito à racionalização dos recursos, deixando o Estado de ser central na
provisão das políticas sociais, passando a responsabilidade para o mercado, objetivando
enxugar os gastos da máquina estatal. Outro ponto fundamental foi o direcionamento para
gestão dos resultados, deixando nítida a avaliação do papel decisivo para o credenciamento
das Instituições de Ensino Superior, garantindo sua autonomia para receber recursos segundo
regras do mercado. Foi levado em consideração a relação custo-benefício e não as
dificuldades e as histórias das instituições.
Avalia-se que diante da lógica neoliberal, o ensino superior é um setor estratégico para
a economia, pois cumpre sua função ideológica necessária à manutenção do sistema
capitalista, profissionaliza o "capital humano", além de que é uma área propulsora do
aquecimento econômico, torna-se um novo nicho de investimento e uma importante
mercadoria para o consumidor.
Para esclarecer ainda mais a subalternidade da política educacional mediante a política
econômica neoliberal, Saviani (2007b) nos mostra que o Plano Nacional de Educação de
1997, ainda no Governo FHC, limitou-se a transferir a responsabilidade educacional aos
municípios e estados, ficando sobre o prisma da União a avaliação dos resultados e controle
do plano. Além de incentivar a abertura das escolas para trabalho voluntário, com programas
como o "Acorda Brasil", o autor destaca que o governo FHC vetou o ponto principal que fazia
do PNE um plano: o financiamento.
Em 2002, com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), havia a
expectativa de que ocorreria um rompimento com as políticas neoliberais. No entanto, a
política econômica adotada pelo então presidente e sua equipe de governo não tinha nada de
novo, seguindo basicamente os mesmos modelos de seu antecessor. No campo educacional,
especificamente no ensino superior, o governo do PT (partido dos trabalhadores), foi o
propulsor da "reforma da ensino superior" que se iniciou em 2003, com a implantação de
programas, regulamentações e parcerias público-privadas: PROUNI (Programa Universidade
para Todos); SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior); Lei de Inovações
Tecnológicas (nº 10973/2004); Regulamentação do Ensino a Distância (decreto n.
5622/2005);
Regulamentação
da
Educação
Tecnológica
(Decreto
n.
5154/2004);
Regulamentação da parceria Público-Privado (lei nº 11079/2004).
Em 2007, para materializar as metas do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE) para ensino superior, o governo fortaleceu alguns programas já implantados e criou o
Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) pelo decreto
n.º 6096/2007. O REUNI, segundo os documentos oficiais tem como objetivo central a
criação de condições para ampliar o acesso e permanência no ensino superior na graduação,
através do melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos, pretendendo a
elevação da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por
cento, e ainda elevando a taxa de atendimento para um professor a cada 18 estudantes. Com
metas a cumprir e as pressões do FONAPRACE, o governo Lula transforma a assistência
estudantil em um programa governamental, cabendo às Instituições Federais de Ensino
Superior regulamentá-las de acordo com suas necessidades e realidade.
Diante dessa conjuntura, Frigotto (2011) chama atenção para o desmonte neoliberal
aparente na educação, mesmo com avanços acentuados no governo Lula em relação ao
incentivo de acesso, permanência e inclusão, os objetivos estão atrelados à perspectiva
mercadológica que legitima a hegemonia do sistema capitalista- neoliberal. Essa política
educacional, segundo Saviani (2007) deveria chamar-se "Pedagogia do Resultado" ou
"Pedagogia das Competências". Chauí (apud FRIGOTO, 2011) acrescenta que, a partir da
década de 1990 houve um deslocamento da universidade pública republicana para
organização social vinculada ao mercado. Com isso, a discussão teórica-crítica tem sido
gradativamente suprimida, relegada a um segundo plano nas pesquisas educacionais. Sendo
expandida à teoria do consenso e ao pragmatismo, entram em cena os "atores" saem os
"sujeitos", à medida que o apaziguamento da sociedade expõe a diferença de classe como
mera diversidade cultural.
CONSIDERAÇÕES.
Mediante estudo bibliográfico e de alguns documentos do governo Lula, não podemos
negar que houveram avanços em relação as condições econômicas das famílias, muitas
passaram de indigentes a sobreviventes. A partir dos moldes neoliberais houveram avanços
significativos nos números de vagas no ensino superior público, mais ainda, um avanço maior
no número de vagas no ensino privado, mas sem perder de vista o avanço superdimensionado
do enriquecimento do grande capital, de grandes latifundiários, industriais, banqueiros.
Ficando evidente que o aumento do poder de consumo e o acesso de maior parte da classe
trabalhadora ao ensino superior tem seus porquês: a profissionalização de trabalhadores/as
para ampliação da produção e de lucros, além da própria sobrevivência do modo de produção
capitalista .
A partir da lógica neoliberal e da situação da educação no Brasil, os autores Frigotto
(2011), Saviani (2007b), Mészáros (2008) e Tonet (2012) destacam desafios que podem ser
tramados para além da educação mercadológica, que analisamos ser relevantes para
pensarmos estratégias de combate a alienação do trabalhador que é mantida e disseminada
pelo "sistema sócio metabólico" do capital.
Para Frigotto (2011) o desafio é o conhecimento científico e posicionamento ético
político, pautados na busca por caminhos de superação, de acordo com o autor o intelectual
não cria o mundo em que se vive, mas pode ajudar a compreendê-lo como ponto de partida
para alteração do real.
A partir do sistema que se apresenta, Saviani (2007b) destaca que temos que lutar por
três objetivos: ampliação de financiamento, oposição a todo tipo de privatização e o
desatrelamento das políticas sociais com os setores econômicos.
Coadunando com os autores anteriores, Mészáros (2008) indica que a educação tem
um caráter dual, ao mesmo tempo que legitima, fortalece o sistema capitalista, ela também é
necessária para pensar uma transição para outra forma de organização social para além do
capital. Esse processo de antecipação pode criar uma contraconciência, uma consciência
social capaz de libertar os sujeitos do limite do capital. No entanto, segundo o autor, a
educação por si só não é capaz de deter o capital. Somente em uma nova ordem social que a
universalização da educação e trabalho como atividade auto-reguladora poderão ser
realizadas.
A partir dos autores citados podemos considerar que, para quem assume uma postura
voltada aos interesses da classe trabalhadora é essencial o conhecimento do real para que este
seja transformado, um ponto de partida para isso é o estudo sobre o papel da educação na
sociedade de classes.
Diante ao exposto, Tonet (2012) descreve critérios para se desenvolver atividades
educativas de caráter emancipador: 1) o conhecimento mais profundo e sólido da natureza do
fim que se pretende atingir, a emancipação humana, reconhecendo que a realidade é histórica
e social, e supondo uma nova organização social, baseada no trabalho associado, onde os
homens serão plenamente livres; 2) a apropriação do conhecimento a respeito do processo
histórico real, nas dimensões universais e particulares, ou seja, apreender os nexos expostos
na contradição do "sistema sóciometabólico" do capital em seu processo sócio-histórico; 3) o
conhecimento do campo específico da educação, ou seja, desvendar a função ontológica da
educação e quais suas atribuições sociais nos dias atuais; 4) o domínio do campo específico de
atuação, de maneira que não se trata apenas de dominar conteúdos de disciplinas, mas quais
conteúdos, qual a forma de trabalhar com eles, para tanto, é preciso uma teoria que contribua
no processo de formação e transformação humana da classe trabalhadora, que procure
desvelar a realidade; 5) o envolvimento com as lutas da sua categoria e da classe trabalhadora,
ou seja, engajar-se nas lutas sociais, nos movimentos dos trabalhadores.
Avançando no sentido das contribuições teóricas de Mészáros (2008), de Tonet (2012)
e demais autores a respeito do tema, retomamos o início do texto que retrata a relação do
trabalho com o sistema capitalista, à medida que é inegável a importância de fomentar o
conhecimento sobre a categoria trabalho a partir da perspectiva critica nas instituições de
ensino, no entanto o que é disseminado pelo sistema econômico e político capitalista é o
ensino para o trabalho, a formação e qualificação para manter a empregabilidade.
Otimista em pensar uma nova sociedade sem classes, Saviani nos ensina que,
Aprender a ler, escrever e contar, e dominar os rudimentos das ciências
naturais e das ciências sociais constituem pré-requisitos para compreender o
mundo em que se vive, inclusive para entender a própria incorporação pelo
trabalho dos conhecimentos científicos no âmbito da vida e da sociedade
(SAVIANI, 2007, p. 160).
O autor segue relatando que a função da escola no ensino médio e universitário não
deveria ser um "adestramento profissionalizante". No entanto, no capitalismo, cujo
fundamento é o trabalho alienado, a escola é apropriada pela classe trabalhadora enquanto
atividade estranhada. Neste sistema, a educação institucionalizada tem o papel efetivo de
coletivizar a adesão aos ideais burgueses, como se fossem únicos e universais.
Levando-se em consideração que a história humana está em constante construção, que
"os homens fazem sua própria história", mesmo diante de circunstâncias não escolhidas
(como no modo de produção capitalista), entendemos que a educação é um elemento que pode
ser utilizado para tomada de consciência da classe trabalhadora, de “classe em si” para “classe
para si”. Esse caminho necessário, alimentado por um sonho, poderá pensar uma nova ordem
social. Assim como afirma Mészáros (2008) ou como aponta Tonet (2012), pode-se começar
por desenvolver atividades educativas de caráter emancipador/revolucionário, garantindo o
acesso ao que há de mais elevado no âmbito do saber.
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