História do Direito Direito na Idade Moderna e Contemporânea Aula 4 CONTEXTO DA SOCIEDADE MEDIEVAL A Europa encontrava-se arrasada por inúmeras guerras com fundamento religioso e absolutista Religioso – Cruzadas: Sucessão de conflitos emulados pela igreja católica por centenas de anos (ao todo foram 9 cruzadas, entre 1096 e 1271), exaurindo os recursos naturais e financeiros dos reinados medievais e causando a morte de milhões de cidadãos europeus. Tinham como objetivo principal o combate aos povos árabes e o crescente islamismo, bem como o domínio e manutenção da posse das terras santas em Israel, como Jerusalém e Acre. Absolutista - Guerras Monárquicas Guerra dos Cem anos, Guerra das Rosas, Guerra dos Trinta Anos, etc. Conflitos entre reinados ou governos absolutistas geralmente ligados à questões como controle territorial, disputa na sucessão real, desavenças ou animosidades da aristocracia. Não estão relacionadas diretamente à questões de jaez religioso. Também esgotaram os recursos financeiros e causaram inúmeras baixas. Magna Carta (1215) Contexto Histórico Ricardo Coração de Leão, Rei da Inglaterra foi comandar seus exércitos nas cruzadas e foi morto em 1199 na batalha. Foi sucedido por seu irmão, o Rei João Sem Terra (pois havia perdido todo seu território particular na guerra contra a França). O absolutismo tinha criado duas classes que mais consumiam recursos e nada produziam para o povo: o clero e a nobreza. João Sem Terra, com o intuito de cobrir os gastos do Estado, cobrava tributos caríssimos e desordenadamente da burguesia. Importante observar que a Inglaterra já tinha um controle do Rei. Se não bastasse, começou a desapropriar as terras dos nobres e quem não concordava com ele era preso. Tanto a nobreza quanto a burguesia se uniram e pressionaram João Sem Terra a assinar a Magna Carta, que ficou conhecido como o primeiro documento constitucional inglês. Atributos da Magna Carta a) é considerada como a primeira fração da constituição inglesa; b) foi o primeiro documento em que um monarca se autolimitou; c) continha regras que submetia até mesmo o rei a certas leis e procedimentos, quando tomasse decisões sobre o clero e a nobreza; d) concedeu liberdades civis aos cidadãos. "Art. 39 - Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra." Qual a principal característica do constitucionalismo inglês? A constituição do Reino Unido é difusa, ou seja, não é constituída de um único documento constitucional (como a Americana, a Brasileira), mas sim de um conjunto de estatutos históricos, que reúne documentos, jurisprudências e tratados, na qual se inclui a Magna Carta e a Bill of Rights Inglesa. CONTEXTO DA SOCIEDADE MEDIEVAL Crise de Saúde Pública Europeia Epidemia de doenças e pestes Peste Negra – Contágio em razão do contingente excessivo de ratos. Conhecida como peste bubônica. Até o séc. XIV matou 75 milhões de pessoas na Europa (equivalente à metade da população) Lepra – Doença à época incurável e altamente contagiosa. Leprosos eram segregados e discriminados. Eram consideradas como a cólera divina, uma punição de Deus pela infidelidade e apostasia ESTOPIM PARA A MUDANÇA DE UM SISTEMA JURÍDICO MEDIEVAL PARA O SISTEMA JURÍDICO MODERNO Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) Guerra travada por diversas nações europeias, especialmente na Alemanha, por motivos variados: rivalidades religiosas, dinásticas, territoriais e comerciais. Com o fim definitivo do Sacro Império Romano-Germânico, as pequenas nações germânicas estavam arrasadas economicamente. Entre as consequências de longo prazo da guerra estão, além da emergência da França como o poder terrestre dominante na Europa Um novo sistema jurídico deveria ser construído na Europa, que desvinculasse o direito do teocentrismo e da monarquia. A ideia de Construção de Estados eclodia no pensamento do homem ocidental como forma de combater o antigo sistema PRINCIPAL MARCO MUDANÇA DO IDADE MEDIEVAL PARA A IDADE MODERNA O Renascimento significou uma nova arte, novas mentalidades e foras de ver, pensar e representar o mundo e os humanos. Principais características do Renascimento: a) antropocentrismo (o homem como centro do universo): valorização do homem como ser racional e como a mais bela e perfeita obra da natureza; b) otimismo: os renascentistas tinham uma atitude positiva diante do mundo – acreditavam no progresso e na capacidade humana e apreciavam a beleza do mundo tentando captá-la em suas obras de arte; c) racionalismo: contrapondo à cultura medieval, que era baseada na autoridade divina, os renascentistas valorizavam a razão humana como base do conhecimento. O saber como fruto da observação e da experiência das leis que governam o mundo; d) humanismo: os humanistas eram estudiosos, sábios e filósofos, que traduziam e estudavam os textos clássicos greco-romamos. Os conhecimentos dos humanistas eram abrangentes e universais, versando sobre diversas áreas do saber humano. Com base nesses estudos, fundamentou-se à valorização do espírito humano, das capacidades, das potencialidades e das diversidades dos seres humanos; e) hedonismo: valorização dos prazeres sensoriais, carnais e materiais, contrapondo-se a ideia medieval de sofrimento e resignação. E no Direito? Mudança do paradigma do direito natural para o desenvolvimento de um positivismo jurídico, baseado unicamente em teorias humanistas. Iluminismo - movimento da elite intelectual europeia do século XVIII que procurou mobilizar o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o conhecimento herdado da tradição medieval. O iluminismo foi despertado pelos filósofos John Locke, Voltaire e Montesquieu. INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA Guerra de Independência Americana (1775-1783) À época os Estados Unidos eram divididos em 13 colônias independentes, subordinadas à Grã-Bretanha sua nação colonizadora. Em razão dos altos custos gerados entre conflitos entre França e Grã-Bretanha, esta começou a exigir das colônias americanas o pagamento de impostos altíssimos, gerando um descontentamento geral e o início da guerra. No início do conflito as colônias lutavam separadamente, contudo, na iminência da derrota, elas se unificaram formando os Estados Unidos da América. INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA Com a vitória, os Estados Unidos declararam sua independência e em 1787 promulgaram sua própria Constituição (que continua vigente até hoje). É um dos documentos jurídicos mais importantes no Direito. Influenciou inúmeros sistemas jurídicos e especialmente no desenvolvimento do sistema de direitos fundamentais (direitos humanos), lastreando os princípios da igualdade e liberdade que seriam posteriormente aperfeiçoados na Revolução Francesa. Consagrou a tripartição do Estado nas função de: executivo, legislativo e judiciário. Carta dos Direitos dos Estados Unidos Bill of Rights A Declaração de Direitos dos Estados Unidos (Bill of Rights) de 25 de dezembro de 1789 é um documento, inspirado em outro de mesmo nome editado na Inglaterra, que contém as dez primeiras emendas à Constituição Americana. Ela contempla uma série de garantias e direitos fundamentais que são copiados pela maioria das constituições atuais. EMENDA I - Liberdades fundamentais – religiosa, de culto, de expressão, de imprensa, de reunião. Direito de petição. EMENDA II - Direito de porte e uso de armas. EMENDA III - Inviolabilidade de domicílio em tempos de paz. EMENDA IV - Inviolabilidade de domicílio, de bens pessoais e de correspondência. Presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado. Necessidade de mandados de prisão e busca e apreensão. EMENDA V - Direito ao devido processo legal para acusações criminais. Vedação ao bis in idem penal (ser processado duas vezes pelo mesmo fato). Direito a não autoincriminação. Direito à propriedade e a vida. EMENDA VI - Direito ao juiz natural e vedação ao tribunal de exceção. Direito a duração razoável do processo. Imparcialidade do juiz e direito a defesa técnica de advogado. EMENDA VII - Direito ao julgamento por júri e segundo as regras do direito consuetudinário (costumeiro). EMENDA VIII - Vedação as penas cruéis e multas excessivas EMENDA IX - Garantia de outros direitos não previstos expressamente na Constituição. EMENDA X - Divisão de competências. REVOLUÇÃO FRANCESA 1789–1799 O que foi? Qual a importância? Revolta popular violenta que tirou a monarquia absolutista do poder da França, em razão da péssima conjuntura social vivida pela França. A revolução foi instigada pela burguesia (classe comerciante e financeira), que era contrária aos privilégios e abusos da aristocracia. A revolução embasou a sistematização de um mote/princípios que influenciaram todos os sistemas jurídicos modernos até os dias atuais: Liberdade, Igualdade, Fraternidade (Concepção Inicial Propriedade). Culminou com a promulgação de um dos documentos legais mais importantes do direito contemporâneo: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei. Art. 5º. [...] Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene. Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. Código Napoleônico Contexto Características 21 de março de 1804 O general Napoleão Bonaparte subiu ao poder em 1799 e nos anos subsequentes domina boa parte da Europa. Para consolidar sua hegemonia no poder, Napoleão nomeia uma comissão de juristas para criar um novo Código Civil. a) tornou a lei acessível, utilizando linguagem clara e direta; b) estabeleceu igualdade de todos os cidadãos diante da lei, abolindo os privilégios hereditários da aristocracia; confirmou a liberdade de religião, a laicidade do Estado e a separação entre governo e igreja; c) estabeleceu a liberdade de profissão; d) trouxe inovações importantes sobre o instituto familiar. Tinha a pretensão de esgotar todo o direito. Por objetivar a clareza, acreditava-se que o juiz ou qualquer pessoa conseguiria distinguir o justo do injusto, sendo desnecessária a advocacia e a atividade de acusação. Código Napoleônico O Código Napoleônico é considerado o berço do Sistema Civil Law tal como o conhecemos. O Código Civil Brasileiro de 1916 é quase uma cópia fiel traduzida do Código Francês. Ele corrigiu o excesso e expansionismo de normas jurídicas praticadas no território francês. Antes da Revolução, havia na França mais de 366 ordenamentos jurídicos civis. Importante observar que não era do interesse da nobreza regular as normas de transmissão de propriedade, afinal, quando desejavam alguma propriedade simplesmente expropriavam. Antes no Norte prevalecia o Direito costumeiro, mais próximo do sistema germânico; ao Sul, o Direito derivado do Direito romano e do Direito canônico. Percebendo a insegurança jurídica o iluminista Voltaire que criticava o Estado Frances, afirmou que: ao se cruzar a França, ele trocava mais vezes de leis que de cavalos Código Napoleônico Três características importantes: 1- unicidade ao direito - aplica-se em todo o território francês apenas um direito, não havendo mais o excesso de legislação civil; 2- monopólio e unidade da fonte jurídica - somente o Estado tem competência de elaborar as leis e os decretos: Poder Legislativo; 3- caráter universal do direito - todos os litígios são abrangido por um só direito (Código Civil); Principais Teóricos do Estado Absolutista Nicolau Maquiavel O Príncipe - o governante visa a estabilidade interna e independência externa; em sua obra, pela primeira vez, utiliza-se a palavra Estado. "os meios justificam os fins" - ceticismo quanto a bondade natural humana. o governante deve ser amado e temido, mas se não puder ser os dois ao mesmo tempo, deve preferir ser temido. Maquiavel foi realmente maquiavélico? Será que escreveu a sua obra para agradar - e ensinar - a nobreza ou para alertar o povo das práticas dos (maus) governantes? Thomas Hobbes Leviatã - todo ser humano, no estado natural, é dominador e egoísta. "O homem é o lobo do homem". Para evitar uma eterna guerra, os Homens estabelecem entre si um acordo, impondo-se limites através de normas (mínimas) de conduta: o contrato social. Para Hobbes não basta um contrato social, que é materializado no sistema jurídico. É necessário um soberano com poder centralizado (que pode ser interpretado como: o monarca ou o próprio Estado), no qual todos os cidadãos abdicam um pouco de suas liberdades e direitos em prol de uma convivência pacífica. Este soberano é o Leviatã. Niccolò Machiavelli Thomas Hobbes O Racionalismo/Iluminismo e seus teóricos Com a percepção que o mundo não era explicado (pelos menos na totalidade) pela religião (com seus dogmas e fé), surgiram novas tentativas na busca da verdade. O racionalismo foi justamente uma corrente que tenta busca a explicação em todos os fenômenos da vida, incluindo o Direito, com base na lógica e na razão. René Descartes Principal obra: O Discurso sobre o Método, publicado em 1637. Buscava encontrar um método universal para aferir a verdade. Teoria da autoridade da razão: todas as coisas devem ser explicadas pela razão humana e não por dogmas religiosos. Propõe a dúvida universal: deve-se duvidar de tudo, e somente o que pode ser comprovado é que deve ser aceito como verdadeiro (traz uma ideia de ciência). Para Descartes tudo tem que ser provado: não basta ser alegado. Ao elevar a ultima instância essa sua linha de pensamento, ele chega a dúvida máxima do seu método: se tudo tem que ser provado, como faço para provar a própria existência (prova ontológica)? Penso, logo existo - prova da existência é o próprio raciocínio cético. Para Descartes, o Direito deve obedecer uma estrutura rígida de seu método cético. Iluminismo - movimento intelectual do século XVIII, caracterizado pela centralidade da ciência e da racionalidade crítica no questionamento filosófico, o que implica recusa a todas as formas de dogmatismo. Tenta inserir no Direito os postulados da igualdade e liberdade: Se todos são iguais, como alguém pode nascer Rei (governante) e outra pessoa nascer plebeu? Se todos são livres, como justificar uma metrópole e uma colônia? John Locke Principal Obra: Dois Tratados Sobre o Governo (1689). Principal ideia: o contrato social. Defendia que o Direito não era natural, mas uma construção humana que possibilitava a vida social. Contudo, qualquer contrato social deveria garantir minimamente os direitos a vida, propriedade e liberdade. Qualquer governante que não respeitasse esses direitos poderia ser deposto. Montesquieu Principal Obra: O Espírito das leis (1748). Foi o primeiro a teorizar a tripartição do Estado nas três funções clássicas: Poder Executivo (órgão responsável pela administração do território e concentrado nas mãos do monarca ou regente), Poder Legislativo (órgão responsável pela elaboração das leis e representado pelas câmaras de parlamentares) e Poder Judiciário (órgão responsável pela fiscalização do cumprimento das leis e exercido por juízes e magistrados). Também escreveu importantes manuscritos defendendo o Estado Democrático. Jean-Jacques Rousseau Principal obra: Discurso sobre a origem da desigualdade. Defendia a ideia de que o homem é bom por natureza e a sociedade que o corrompe. Acreditava que a única instituição que se constituiria como direito natural é a família e que a propriedade privada é a origem dos males contemporâneos. Voltaire 1720 - Defendia o direito de opinião como supremo e inviolável. Foi fervoroso defensor de outras liberdades e de um sistema imparcial de justiça criminal e da imprensa livre. Posso não concordar com nenhuma palavra que me disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las. René Descartes John Locke Montesquieu Jean-Jacques Rousseau Voltaire Marquês Cesare de Beccaria Principal obra: Dos Delitos e Das Penas (1764) - Repudia os julgamentos secretos, as torturas empregadas como meio de se obter a prova do crime, a prática de confiscar bens do condenado. Defende a igualdade perante a lei dos criminosos que cometem o mesmo delito e a extinção de privilégios para a aristocracia nos julgamentos criminais. Sua obra é considerada como o berço do Direito Penal Moderno.