1 - CGU

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CULTURA E SOCIEDADE
SISTEMA NACIONAL DE CULTURA: conceitos, histórias e comparações
por
TONY GIGLIOTTI BEZERRA
Orientador: Prof. Dr. Paulo Cesar Miguez de Oliveira
Documentos compilados para exame de qualificação de
mestrado, em atendimento ao art. 21, § 3º, do Regimento
Interno do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade: Projeto Original, Projeto Reformulado,
Plano de Dissertação, um capítulo da dissertação.
Linha de Pesquisa: Cultura e desenvolvimento.
Salvador
2016
2
3
RESUMO
Este projeto visa a desenvolver uma pesquisa sobre o Sistema Nacional de Cultura, realizando
uma análise comparativa com dois sistemas nacionais setoriais de políticas públicas: o Sistema
Único de Saúde e o Sistema Único de Assistência Social. O foco recai sobre os mecanismos de
descentralização de recursos para estados e municípios. SUS e SUAS encontram-se em avançado
processo de institucionalização, com repasses automáticos mensais para os entes federados,
diferentemente do SNC. O estudo comparativo poderá fornecer informações relevantes para o
aprimoramento e implementação do sistema de cultura. A pesquisa utilizará, como referenciais
teóricos, as discussões sobre os conceitos de sistema, conceito de cultura, políticas culturais e
reflexões sobre o modelo federativo brasileiro. Além da revisão bibliográfica, serão realizadas
análises documentais e entrevistas semi-estruturadas com gestores dos sistemas em análise.
Palavras-chave: Sistema Nacional de Cultura; diversidade cultural; políticas culturais; cultura e
desenvolvimento, financiamento da cultura, descentralização de recursos.
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1. INTRODUÇÃO
Este projeto de pesquisa trata da constituição do Sistema Nacional de Cultura (SNC) face
a outros dois sistemas nacionais setoriais de políticas públicas: o Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) e o Sistema Único de Saúde (SUS). Esse último serviu como inspiração para a
criação dos demais. O SUS se destaca como o maior sistema de saúde pública do mundo e
propõe um modelo de gestão compartilhada, descentralizada e participativa.
Este trabalho visa a compreender o processo histórico de implementação do SNC e
estudar, comparativamente, os mecanismos de descentralização de recursos para estados e
municípios. O objetivo é analisar os determinantes da política de financiamento do Sistema
Nacional de Cultura à luz das experiências do SUS e SUAS. Esta pesquisa tem um caráter
inovador por tratar esta temática a partir de outro eixo de análise. Não se trata de adotar
acriticamente os sistemas mais antigos e tomá-los como modelo, mas compreender as
convergências entre as áreas, levando em conta as peculiaridades do setor cultural.
Esses sistemas setoriais de políticas públicas surgem com o advento da Constituição de
1988 (no Título VIII, capítulo II - Da Seguridade Social). O movimento municipalista
demonstrou uma importante força no processo constituinte, forjando a criação de uma federação
em três níveis: União, estados e municípios. Ao mesmo tempo, os movimentos sociais e sindicais
relacionados aos setores de políticas públicas também contribuíram na criação dos sistemas. No
caso da área da saúde, há um longo histórico do movimento sanitarista e da luta pela saúde
enquanto direito social. A oitava Conferência Nacional de Saúde, em 1986, é apontada como um
importante marco para o fortalecimento das políticas de saúde, consubstanciada na criação do
SUS.
No caso da assistência social, os profissionais da área também exerceram papel relevante
na constituição do sistema. O SUAS foi criado em meio a uma retomada do papel do Estado após
um período de enfraquecimento da assistência social enquanto direito. Na década de 1990,
reduziu-se o papel do Estado na prestação de serviços de assistência social. A Legião Brasileira
de Assistência (LBA), atuante desde 1942, foi desmantelada em 1995 e em seu lugar foi criado o
Programa Comunidade Solidária, que relegava a assistência social à iniciativa privada, com
apoios pontuais do Estado. A partir da década de 2000, o Executivo Federal readquire a
responsabilidade sobre o financiamento da assistência social, desta vez sob uma lógica de
fortalecimento da atuação do Estado, baseado na municipalização e descentralização de recursos.
Os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social saltaram de 2,6 bilhões de reais em 2003
para 36,2 bilhões em 2013 (MDS: 2013). Neste contexto, o SUAS se fortalece e passa a efetivar
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o repasse automático de recursos do fundo nacional para os fundos estaduais e municipais, com
novos contornos a partir da Norma Operacional Básica do SUAS de 2005.
O SNC surge, sobretudo, enquanto proposta de governo do então candidato à presidência
da república Luis Inácio Lula da Silva, em 2002, no documento intitulado "Imaginação a Serviço
do Brasil" (REIS: 2009, p. 3). A ideia da criação de um sistema nacional também foi objeto de
seguidas discussões em fóruns e outros espaços, sendo tema de destaque nas conferências
nacionais de cultura. Ele nasce a partir da necessidade de se reformar os mecanismos de
financiamento da cultura no Brasil. Com o novo contexto e dinâmicas sociais, a Lei Rouanet se
mostrou ineficaz. A maneira como a lei foi implementada, com ênfase na renúncia fiscal, gerou
uma forte concentração de recursos na região sudeste, sobretudo em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Para mudar isso e dar uma resposta às crescentes demandas de regionalização das
políticas culturais, com articulação a nível nacional, surge a ideia do SNC.
Desse modo, buscar-se-á responder às seguintes questões: Quais os determinantes da
criação do SNC, no que se refere aos mecanismos de transferência de recursos? Como se
constituiu o SNC? Como vem se dando as transferências de recursos para estados e municípios
em cada um dos sistemas? Pesquisas anteriores de Paula Felix Reis sobre o SNC, desenvolvidas
no âmbito desta pós-graduação, comprovam a pertinência desta temática e servirão de substrato
para a pesquisa.
2. OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL: Analisar comparativamente o SNC face ao SUS e ao SUAS, no que se
refere à transferência de recursos;
2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
1.
Traçar um panorama histórico do processo implementação do Sistema Nacional de Cultura;
2.
Analisar as normas operacionais básicas e documentos correlatos, com ênfase no modo de
funcionamento dos repasses fundo a fundo no SUS e no SUAS;
3.
Identificar as melhores práticas em gestão de sistemas nacionais setoriais, com vistas ao
aperfeiçoamento do SNC;
3. JUSTIFICATIVA
O Sistema Nacional de Cultura (SNC) tem enfrentado diversas dificuldades para se
consolidar enquanto ferramenta de fortalecimento da política cultural no Brasil. Faz-se mister
compreender o processo histórico de implementação desse sistema, identificando os empecilhos
à sua concretização. Além disso, ao explicitar os mecanismos de descentralização de recursos
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adotados nos outros sistemas, serão gerados “insights” para o fortalecimento do sistema de
cultura.
No âmbito da Secretaria de Articulação Institucional do MinC, são celebrados acordos de
cooperação federativa com estados e municípios, visando o desenvolvimento dos sistemas
estaduais e municipais de cultura. O acordo apresenta uma série de compromissos a serem
cumpridos pelas partes. A partir da publicação do acordo, o ente federado tem um prazo de dois
anos para criar o seu sistema de cultura. Este sistema deve possuir, no mínimo, os seguintes
componentes: órgão gestor, plano de cultura, fundo de cultura, conselho de política cultural e
conferência de cultura. Apesar de o MinC já haver celebrado acordos de cooperação com 27
unidades da federação e mais de 2000 municípios, o percentual de cumprimento dos contratos
ainda é muito baixo.
É necessário analisar comparativamente o SNC face aos outros sistemas nacionais de
modo a apreender as melhores práticas na gestão governamental de sistemas nacionais. O
Sistema Único de Saúde e o Sistema Único de Assistência Social encontram-se em estágio mais
avançado de implementação, sendo de grande importância o conhecimento sobre estes sistemasirmãos. No caso do SUS e do SUAS, não há o instituto do acordo de cooperação, de modo que os
estados e municípios só ingressam no sistema quando já possuem os componentes criados:
conselho, plano e fundo. Nestes sistemas, o repasse fundo a fundo de recurso já é uma realidade,
de modo que se obteve a integração de quase todos os entes federados. Por outro lado, é
importante que a adesão aos sistemas nacionais não prejudique a autonomia dos entes federados.
Neste sentido, é necessário compreender as estratégias do governo para se construir sistemas que
sejam, ao mesmo tempo, unificados e descentralizados, ou seja, que possuam flexibilidade e
capacidade de adaptação às diversas realidades regionais. E isso é ainda mais importante quando
se trata de políticas culturais.
Desse modo, a análise comparativa com outros sistemas se revela necessária para se
conhecer as potencialidades e limitações do Sistema Nacional de Cultura. Mostra-se necessário,
no âmbito do Ministério da Cultura, haver uma maior interlocução com outros sistemas nacionais
de políticas públicas, em especial as experiências bem-sucedidas do Sistema Único de Saúde e do
Sistema Único de Assistência Social. A interlocução e o aprendizado mútuo se constituem como
um mecanismo para dinamizar a institucionalização do SNC.
Uma análise preliminar dos outros sistemas aponta alguns dos elementos essenciais que
ainda precisam ser efetivados no sistema da cultura: a implementação do repasse automático
fundo a fundo, criação da comissão intergestores tripartite, no âmbito federal, e das comissões
intergestores bipartites, no âmbito estadual, e da tipificação nacional dos serviços oferecidos.
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Saúde e assistência social são áreas correlatas à cultura, por estarem ligadas à concepção
de um Estado de Bem-Estar Social e ao enfrentamento de problemas sociais pungentes. A área da
saúde foi escolhida porque o SUS serviu de inspiração para a criação do SNC. O SUAS foi
escolhido porque também se estruturou com base no modelo do SUS e teve, até o momento, mais
êxito na sua estruturação se comparado ao SNC. Assim, saúde e assistência social foram
escolhidas porque suas políticas estão estruturadas de maneira sistêmica e a compreensão de seus
mecanismos pode ajudar na efetivação do SNC. A área da educação não foi escolhida porque não
constitui um sistema nos moldes estudados nessa pesquisa.
Há uma escassez de pesquisas acadêmicas que abarquem esta temática de maneira
comparativa, sendo que a literatura sobre o tema ainda é pouco sistematizada. Este trabalho
buscará soluções para um problema prático enfrentado pelo Ministério da Cultura: a lacuna
existente entre o processo de descentralização e municipalização das políticas culturais por um
lado e a ausência de repasses federais sistemáticos por outro. Neste sentido, o levantamento
histórico do processo de implantação do repasse fundo a fundo e a análise comparativa com o
SNC poderá ser de grande valia pra desatar este nó, constituindo-se, inclusive, num subsídio para
os gestores que atuam diretamente na área e para outros trabalhos acadêmicos que abordem a
questão.
Vale destacar que este projeto é a continuidade de um estudo iniciado no curso de
especialização em gestão cultural fornecido pela UFBA, em parceira com o Ministério da Cultura
e a Fundação Joaquim Nabuco, no ano de 2014. O trabalho de conclusão de curso tratou desta
temática, abordando o SUAS e o SNC. Esta pesquisa será uma oportunidade de abrir uma nova
frente de trabalho, inserindo-se o SUS na análise comparativa e estudando as especificidades da
área cultural e como isso interfere na concepção do sistema nacional.
4. REFERENCIAL TEÓRICO
SNC, SUS e SUAS surgem na esteira do desenvolvimento do federalismo brasileiro pós1988 e buscam atender a necessidade da implantação de políticas públicas em âmbito nacional,
respeitando a competência e as atribuições de cada esfera administrativa. O referencial teórico
está organizado da seguinte maneira: primeiramente são apresentadas algumas visões sobre o
conceito de política cultural. Então, aborda-se o modelo de federação adotado pelo Brasil e a
relação dele com a lógica de criação dos sistemas nacionais de políticas setoriais.
Para Lia Calabre (2005), “por política cultural estamos considerando um conjunto
ordenado de preceitos e objetivos que orientam linhas de ações públicas mais imediatas no
campo da cultura.”. Para Teixeira Coelho (2004), política cultural é um programa de intervenções
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objetivando satisfazer as necessidades culturais da sociedade, ou seja, um conjunto de
intervenções para promover a produção, distribuição e uso da cultura, a preservação e a
divulgação do patrimônio histórico e ordenamento da máquina responsável pela cultura nas
esferas administrativas específicas. A Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais, aprovada no âmbito da UNESCO, em 2005, destaca que a política
cultural “refere-se às políticas e medidas relacionadas à cultura, seja no plano local, regional,
nacional ou internacional, que tenham como foco a cultura como tal, ou cuja finalidade seja
exercer direito sobre as expressões culturais de indivíduos, grupos ou sociedades, incluindo a
criação, produção, difusão e distribuição de atividades, bens e serviços culturais e o acesso aos
mesmos”. Nestor Canclini, por sua vez, conceitua políticas culturais da seguinte forma: “um
conjunto de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis e grupos comunitários
organizados a fim de orientar o desenvolvimento simbólico, satisfazer as necessidades culturais
da população e obter consenso para um tipo de ordem ou de transformação social”. (CANCLINI,
2001, 65). Para efeitos dessa pesquisa, adotaremos o conceito apresentado por Canclini.
Na área das políticas culturais, a questão da diversidade surge como principal ponto de
complexidade em comparação às outras políticas. O conceito e vivência das expressões culturais
é muito diverso de um país para outro e de uma região para outra de um mesmo país. Enquanto
na saúde e na assistência social há um maior consenso sobre os serviços a serem prestados pelo
Estado brasileiro, na área cultural ainda não existe uma tipificação dos serviços, o que também
dificulta a institucionalização da política cultural.
A constituição de sistemas nacionais de políticas públicas, como são o Sistema Nacional
de Cultura, o Sistema Único de Saúde e o Sistema Único de Assistência Social, está
estreitamente relacionado ao modelo de federalismo adotado pelo Brasil ao longo de sua história
e particularmente a partir da Carta de 1988. O federalismo brasileiro possui algumas
peculiaridades que o diferenciam do observado em outros países, como o fato de conceder
autonomia também ao ente municipal. Desse modo, apresentaremos o conceito de federalismo, o
modo de formação do federalismo brasileiro e as causas e efeitos do federalismo em três níveis
existente no país. Serão abordados também os princípios dos sistemas setoriais estudados (SUS,
SUAS e SNC) face ao formato do federalismo brasileiro.
O federalismo é uma forma de Estado que, em tese, assegura importante grau de
autonomia para os entes subnacionais. Ele difere do Estado Unitário, no qual entidades
subgovernamentais podem, em tese, serem criadas, modificadas ou extintas pelo governo central.
Na federação, os entes federativos são autônomos, sendo que a constituição federal lhes garante
um conjunto de competências e prerrogativas que não podem ser abolidas ou alteradas
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unilateralmente pelo governo central. Há grande diversidade de modelos federativos no mundo,
sendo que cada Estado Federativo possui uma formatação diferenciada. (DALARI, 1995)
No caso brasileiro, houve o surgimento do federalismo por formação centrípeta ou por
desagregação. Isso significa que o poder estava acumulado no órgão central e passou por um
processo de dispersão para os entes federados. Nos sistemas estudados, os princípios basilares
são os da descentralização e da participação. Isso é uma consequência do modelo federativo
adotado pelo Brasil. A descentralização é uma decorrência da implantação do federalismo por
desagregação, adotado a partir da Constituição de 1891. O princípio da participação social está
relacionado ao conceito de democracia. Um governo democrático é caracterização pela
permeabilidade em relação às demandas expressas pelos diversos segmentos sociais. Neste
sentido, surgem as conferências e conselhos de saúde, cujo exemplo é seguido pela assistência
social, cultura e outras áreas.
O conceito de repasse fundo a fundo também é moldado pelo modelo federativo adotado
no Brasil. Basta dizer que aproximadamente 60% dos recursos são arrecadados pela União, 25%
pelos estados e apenas 15% pelos municípios (CNM, 2009, p. 4). Pra corrigir esta distorção e
garantir a municipalização da política, faz-se mister aportar recursos nos estados e municípios.
Ao mesmo tempo, ao fazer estes repasses, o governo pode criar condicionantes que assegurem a
participação social, a conformidade com a política nacional, a redução das disparidades regionais
e a adequada prestação de contas sobre a utilização destes recursos.
Há três tipos de transferências de recursos da União para os demais entes federados: as
constitucionais, as condicionadas universais (automáticas) e as negociadas ou voluntárias. As
transferências constitucionais correspondem, no Brasil, ao Fundo de Participação dos Estados e
do Distrito Federal (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Eles são compostos
por 45% das receitas dos dois principais impostos federais: o imposto de renda (IR) e o imposto
sobre produtos industrializados (IPI). Desta parcela, 23,5% é destinado ao FPM e 21,5% ao FPE.
As transferências constitucionais também são compostas pelas transferências dos estados para os
municípios, incidente sobre 25% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
e 50% do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
Tabela 1: Transferências constitucionais a estados e municípios1
Percentual dos impostos transferidos
Da União para os estados
21,5% do IR e 21,5% do IPI
Da União para os municípios
23,5% do IR e 23,5% do IPI
Dos estados para os municípios
25% do ICMS e 50% do IPVA
1
Elaboração própria.
10
As transferências condicionadas universais referem-se a áreas específicas de políticas
públicas, como saúde e educação. Elas atendem universalmente aos entes federados que
cumpram às condicionalidades impostas pela legislação. Essas transferências são feitas por meio
de repasses automáticos e periódicos, dos fundos nacionais para os fundos estaduais e
municipais. São exemplos de políticas setoriais que já efetivaram as transferências condicionadas
universais: Fundo Nacional de Saúde (FNS), Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) e o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB). Os recursos são transferidos com periodicidade definida,
geralmente mensal, a partir de critérios objetivos, como porte populacional ou quantidade de
estudantes matriculados.
Já as transferências negociadas ou voluntárias são submetidas a toda sorte de
vicissitudes e intempéries políticas. Muitas vezes, elas são realizadas sem critérios universais de
atendimento a estados e municípios, abrindo-se margem para o favorecimento de organizações e
entes federados com afinidades partidárias. Em regra, essas transferências são feitas por meio de
convênio entre a União e o ente beneficiado.
Como são voluntárias, elas podem ser
interrompidas a qualquer momento, causando a descontinuidade da política. Por este motivo, ela
é mais indicada para a realização de projetos e não para a prestação continuada de serviços.
Como o Ministério da Cultura ainda não possui o repasse automático fundo a fundo, as
transferências a estados e municípios, quando ocorrem, são na modalidade voluntária.
De acordo com estudo elaborado por Marta Arretche (2010), a descentralização de
recursos para estados e municípios contribuem para a redução das desigualdades sociais e
regionais no Brasil. Existe uma proposta de emenda constitucional em tramitação no Congresso
que poderá gerar a vinculação de receitas para a área cultural: a PEC 150, alterada para PEC 421.
Além disso, há proposições que poderão garantir o repasse regular e automático recursos do
Fundo Nacional de Cultura (FNC) para os entes federados. (projetos de lei do pró-cultura e do
SNC).
Para Marta Arretche, há dois tipos de políticas descentralizadas: as reguladas, nas quais
as legislações determinam os patamares de gastos e modalidades de execução, e as não reguladas,
nas quais as políticas estão associadas à autonomia para tomar decisões, sem vinculação de
receitas. Entre as políticas reguladas destacam-se a saúde e educação. Entre as não reguladas, a
autora cita as de habitação, infra-estrutura urbana e transporte público. Dentro destes marcos, as
políticas culturais poderiam ser classificadas como não-reguladas. Caso os projetos em
tramitação sejam aprovados e implementados, a cultura pode se tornar uma política regulada.
11
Desse modo, a federação brasileira possui peculiaridades que a diferenciam dos modelos
adotados pelos outros países, sobretudo em relação aos Estados Unidos, que foi uma das
inspirações para a criação do federalismo brasileiro. O caráter tridimensional da federação
brasileira, com autonomia para o ente municipal, aporta elevado grau de complexidade para a
formulação de políticas de âmbito nacional. O processo de implementação das políticas tem que
ser negociado e acordado com os gestores municipais e estaduais para que se garanta a sua
capilaridade territorial.
Este referencial teórico buscou demonstrar, primeiramente, diferentes visões sobre o
conceito de políticas culturais, tendo em vista que o Sistema Nacional de Cultura será o foco da
pesquisa. Além disso, foi apresentado o contexto político e institucional em que se criaram os
sistemas nacionais, destacando o caráter federativo do Estado Brasileiro enquanto eixo
fundamental para a discussão sobre a descentralização da política cultural e consequentemente,
para os mecanismos de financiamento envolvidos.
5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Trata-se de uma pesquisa de caráter explicativo. Ela analisa comparativamente a
construção de três sistemas nacionais setoriais: SNC, SUAS e SUS. Nesta sessão, abordaremos
os procedimentos metodológicos a serem adotados, incluindo a revisão bibliográfica, os
mecanismos de coleta e os critérios de análise de dados.
A partir de uma visão teórico-metodológica, torna-se necessário fazer uma revisão
bibliográfica acerca do tema. Esta etapa teve início na elaboração do Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) da especialização em gestão cultural. Durante o mestrado, será aprofundada a
investigação dos sistemas nacionais, inserindo o Sistema Único de Saúde no estudo comparativo,
o que elevará o nível de complexidade da análise. A pesquisa utilizará, como referenciais
teóricos, as discussões sobre o conceito de cultura, políticas públicas, políticas culturais e
reflexões sobre o modelo federativo brasileiro, realizando-se uma pesquisa bibliográfica sobre
essas temáticas. O cronograma de leituras inclui livros, teses e dissertações relacionadas ao
assunto, artigos, matérias de revistas e jornais, e arquivos disponíveis em meio eletrônico.
Quanto ao trabalho de campo, uma coleta preliminar de dados será feita por meio dos
bancos de dados disponíveis na internet. As informações faltantes serão obtidas por meio do
Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), que “permite que qualquer
pessoa, física ou jurídica, encaminhe pedidos de acesso à informação, acompanhe o prazo e
receba a resposta da solicitação realizada para órgãos e entidades do Executivo Federal”
(BRASIL, 2016), conforme a Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). Para complementar
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as informações fornecidas pelo e-SIC, poderão ser realizadas entrevistas semi-estruturadas com
gestores dos sistemas em análise. A pesquisa analisará a implementação dos sistemas a partir da
perspectiva do governo federal. Devido à escassez de tempo e recursos em uma pesquisa de
mestrado, não é possível se coletar organizadamente dados de outras instâncias de governo e da
sociedade civil à respeitos da implementação do política. Além disso, o foco dessa pesquisa é a
formulação da política pública e os critérios de repasse adotados, o que pode ser mais bem
observado estudando-se o âmbito federal.
O trabalho de campo buscará responder as seguintes questões, para cada uma das
políticas:









Com base em quais critérios são transferidos os recursos para estados e
municípios? O e estado e o município precisam ter aderido ao sistema?
Houve, nas conferências, discussões sobre os critérios de repasses fundo a fundo?
Em que trecho da resolução da conferência aparece essa demanda?
Quais foram os critérios utilizados para a escolha das cidades que receberiam bens
de capital, como prédios de Centros de Referência em Assistência Social
(CRAS’s) ou Unidades de Pronto Atendimento (UPA’s)?
Esses critérios foram previamente apreciadas por alguma instância de discussão e
deliberação do respectivo sistema nacional? Quais? Comissão intergestores?
Conselhos?
Quanto cada ente teria que investir na construção do prédio? E em custeio?
São repassados recursos para a contratação e pagamento dos salários dos
profissionais? Eles precisam ser contratados via concurso público? Precisam ser
servidores públicos?
Há repasses regulares e periódicos fundo a fundo para manutenção desses
equipamentos?
Qual foi o montante de recursos repassados para os entes federados em cada um
dos últimos 10 anos?
Quais os benefícios que o SUS/SUAS/SNC trouxe para a área da saúde/assistência
social/cultura?
Desse modo, o trabalho de campo contará com diversos mecanismos de coleta de dados,
que incluem a análise documental e entrevistas. Serão usados dados primários e secundários. Os
dados primários serão coletados por meio de entrevistas abertas semi-estruturadas por via
eletrônica ou presenciais com especialistas e gestores das áreas de cultura, assistência social e
saúde. Os sujeitos da pesquisa serão selecionados por tipicidade. A escolha das fontes se dará a
partir da afinidade com as áreas e pela atuação profissional na gestão dos respectivos sistemas
nacionais. Serão entrevistados, conforme a necessidade, gestores da Secretaria Nacional de
Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), da
Secretaria de Articulação Institucional do MinC e da Secretaria de Gestão Estratégica e
13
Participativa do Ministério da Saúde, responsáveis pela gestão dos respectivos sistemas
nacionais. No caso do E-SIC, os próprios atendentes direcionam as entrevistas para os gestores
competentes por cada área. Os roteiros utilizados e as transcrições serão disponibilizadas no
apêndice do trabalho.
Os dados secundários serão extraídos de diversas fontes, tais como documentos oficiais,
estatísticas, legislações relacionadas ao SNC, ao SUAS e ao SUS, artigos e livros relacionados à
temática do trabalho. A partir dos dados primários e secundários coletados, será feita uma análise
comparativa da descentralização de recursos nos três sistemas.
Os dados coletados serão apreciados por meio de análise de conteúdo temática, conforme
modelo proposto por Bardin (1977). Para se compreender o processo de descentralização de
recursos, foi criada uma taxonomia de critérios de financiamento. Os mecanismos de
descentralização serão classificados quanto ao seu potencial para reduzir desigualdades sociais e
regionais. Eles serão divididos em critério da igualdade formal, da igualdade material e critério
meritocrático, conforme tabela abaixo:
Taxonomia dos critérios de descentralização2
Tipo de
tratamento aos
entes
federados
Foco do
atendimento
Parâmetros de
distribuição
Critério da Igualdade
formal
Trata igualmente os
desiguais
Distribui recursos de
maneira igualitária.
Distribui de acordo
com critérios que
reforçam uma dada
situação, como por
exemplo a quantidade
de equipamentos
existente ou o porte
populacional do
estado ou município.
Exemplos de
Piso da atenção básica
programas e
do SUS, que utiliza o
linhas de
critério populacional;
crédito que o
FUNDEB, com
utilizaram
critério de quantidade
como principal de estudantes
critério
matriculados.
2
Critério da igualdade
material
Trata igualmente os
iguais e desigualmente
os desiguais, na
medida das suas
desigualdades.
Distribui recursos de
maneira equânime, ou
seja, dá mais a quem
precisa de mais.
Distribui de acordo
com critérios e índices
econômicos, sociais,
culturais e ambientais,
visando compensar e
reverter desigualdades
estruturais, inclusive
com a adoção de cotas
afirmativas.
No SUAS, programas
que priorizam a
implantação de CRAS
nos municípios que
ainda não o possuem.
No MinC, o Edital
Amazônia Cultural,
Elaboração própria, com base em MARTINEZ, 2012.
Critério
meritocrático
Trata igualmente os
desiguais.
Distribui mais a
quem produziu ou se
esforçou mais.
Distribui de acordo
com o mérito de
cada um,
desconsiderando as
desigualdades
estruturais.
Política de isenção
fiscal (Lei Rouanet);
Índice de Gestão
Descentralizado do
SUAS (IGD-SUAS).
14
por exemplo.
Dentro deste modelo analítico de classificação dos critérios de repasse, os critérios de
igualdade formal e o meritocrático, muitas vezes, tendem a aprofundar as desigualdades
estruturais. É preciso haver um equilíbrio muito fino entre as três categorias de critérios,
enfatizando-se o da igualdade material, para que os entes federados tenham, ao mesmo tempo,
capacidade para superar as desigualdades e incentivos para a gestão eficiente dos recursos.
A partir dos dados coletados, será feita uma compilação das informações relevantes para a
pesquisa, permitindo a elaboração de texto explicativo sobre cada um dos sistemas. Em seguida,
será elaborado um quadro comparativo que permitirá a sistematização dos dados e,
consequentemente, a análise comparativa dos três sistemas. Este quadro abarcará, entre outras, as
seguintes variáveis: percentual de municípios que aderiram ao sistema; percentual de estados que
aderiram ao sistema; requisitos de adesão; orçamento do fundo nacional; principais fontes de
receitas do fundo; montante de repasse aos fundos subnacionais; critérios de descentralização de
recursos, quantidade de equipamentos construídos.
Embora tenha sido apresentada como uma prioridade nas conferências nacionais, o
repasse automático fundo a fundo para estados e municípios ainda não se efetivou no âmbito do
Ministério da Cultura. Por fim, serão apresentadas as conclusões sobre o processo de constituição
do SNC face aos demais sistemas, enfatizando-se as potencialidades de interlocução e
intercâmbio de experiências na gestão de sistemas nacionais.
6. CRONOGRAMA DE TRABALHO
1/2015
2/2015
Conclusão dos créditos
X
X
Preparação da pesquisa
X
X
Contatos com o (a)
Orientador (a)
Pesquisa bibliográfica
Fichários bibliográficos e
de leitura
Pedidos de informação –
SIC
Entrevistas
Análise crítica
Fichário
de
sínteses
pessoais
Plano definitivo
Revisão da documentação
Redação provisória
X
X
X
X
X
X
X
X
R Análise de
e
dados
d
a
ç
ã
o
Coleta de
dados
Planejamento
Semestre
1/2016
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Revisão
15
Redação
definitiva
e
digitação
Revisão do manuscrito
Correções
Revisão
da
parte
referencial
Contato final/alterações
Digitação final
X
X
X
X
X
X
7. BIBLIOGRAFIA
BAHIA, Saulo José Casali. A Federação Brasileira. Evocati Revista, n. 12, dez. 2006. Disponível em:
<http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=93 >. Acesso em: 01 out. 2014
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Sumário – Original
Introdução
Capítulo 1: Referencial teórico, com destaque para os estudos sobre políticas culturais e
federalismo;
Capítulo 2: Metodologia;
Capítulo 3: SNC
3.1) Panorama histórico
3.2) Relações Federativas
3.3) Descentralização de recursos
Capítulo 4: SUS
4.1) Panorama histórico
4.2) Relações Federativas
4.3) Descentralização de recursos
Capítulo 5: SUAS
5.1) Panorama histórico
5.2) Relações Federativas
5.3) Descentralização de recursos
Capítulo 6: Quadro comparativo, análise das informações, perspectivas para implantação do
repasse fundo a fundo no SNC e levantamento de cenários.
Considerações finais: conclusões da dissertação e apontamentos para futuras pesquisas sobre a
temática.
Obs.: Professor Miguez sugeriu reduzir o número de capítulos. Cada capítulo tem, em média, 30
páginas. Então a dissertação ficaria com aproximadamente 200 páginas. E ela deve ter entre 110
e 130 páginas. Então deve ser 3 ou 4 capítulos. Por isso Miguez sugeriu, na última reunião de
orientação, retirar os capítulos de referencial teórico e de metodologia. A metodologia iria para
introdução e o referencial teórico ficaria diluído ao longo da dissertação.
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Sumário modificado
Introdução – inclui metodologia, estado da arte da pesquisa na área em questão e perguntas de
pesquisa – 10 páginas
Capítulo 1 – Sistema Nacional de Cultura: conceitos-chave
1.1)
Conceito de sistema e sua relação com o SNC: qual é a lógica de um sistema? – 10
páginas
1.2)
O federalismo brasileiro como pano de fundo para a constituição do sistema – 10 páginas
1.3)
As políticas públicas e a singularidade da cultura: como equacionar diversidade e
formalidade nas políticas culturais – 13 páginas
1.3.1) Reflexões sobre o conceito de cultura
1.3.2) O MinC nos meandros do conceito de cultura
Total: 33 páginas
Capítulo 2 – Processo histórico da constituição do Sistema Nacional de Cultura
2.1) Antecedentes históricos
2.2) Fase das intenções
2.3) Fase dos acordos
2.4) Fase dos editais
Total: 25 páginas
Capítulo 3 – Análise comparativa da descentralização de recursos no SUS, SUAS e SNC
Comparar semelhanças e diferenças sobre como cada sistema trata a federação.
3.1) Sistema Única do Saúde - SUS
3.1.1) Breves Considerações Históricas – 1,5 página
3.1.2) Descentralização de recursos no SUS – 10 páginas
Falar sobre NOB, volumes de recursos, critérios de repasse, gráficos com evolução histórica do
repasse de recursos, etc.
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3.2) Sistema Único de Assistência Social - SUAS
3.2.1) Breves Considerações Históricas – 1,5 página
3.2.2) Descentralização de recursos no SUAS – 10 páginas
3.3) Descentralização de recursos no SNC e perspectivas de implantação do repasse fundo a
fundo – 10 páginas
3.4) Análise comparativa do repasse de recursos - Quadros comparativos e análise – 15 páginas
Total: 48 páginas
Considerações Finais – 15 páginas
Total: 131 páginas, além da bibliografia, anexos, transcrições, etc.
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