Desenvolvimento e validação de um instrumento de identificação de eventos adversos relacionados a medicamentos em serviço de emergência hospitalar. Anésio Henrique Martins¹; (Dr. Daisson José Trevisol²). ¹Universidade do Sul de Santa Catarina, email: [email protected] ² Universidade do Sul de Santa Catarina, email: [email protected] INTRODUÇÃO Embora a existência de efeitos adversos seja tão antiga quanto a própria utilização de ativos, somente a partir da segunda metade do século, com a tragédia da talidomida, na década de 60, é que a preocupação com estes desfechos dos medicamentos tornou-se um alvo frequente das pesquisas dos laboratórios governamentais e das indústrias farmacêuticas1. Ainda que sejam respeitados os critérios de segurança, pode-se deparar com uma reação adversa ao medicamento (RAM), definida como “reação nociva e não-intencional, que ocorre em doses normalmente usadas para profilaxia, diagnóstico, terapia da doença ou para a modificação de funções fisiológicas”2 Para prevenir ou reduzir os efeitos nocivos manifestados pelo paciente e melhorar as ações de saúde pública, é fundamental dispor de um sistema de farmacovigilância2, ou seja, de identificação, avaliação, compreensão e prevenção dos efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados a medicamentos3 Estes danos podem ser diversos e com graus variados, e inclusive, ser letais ao paciente5-7. Em algumas situações estes danos levam os pacientes a procurar serviços de saúde em nível ambulatorial7 ou mesmo serviços de maior complexidade como aqueles de emergência hospitalar 5,6 No Brasil, a prevalência de eventos adversos relacionados aos medicamentos em adultos e idosos em serviços de emergência encontra-se entre 31,6% a 38,2% enquanto que em outros países como Estados Unidos (7,6 a 18,1%) e Espanha (5,5%) estes valores são bem menos expressivos8 Desta forma, o desenvolvimento e validação de um instrumento baseado em outros préexistentes6,7 e com base na revisão da literatura se mostra útil. A relevância desta proposta está em promover a identificação de eventos adversos, no atendimento de urgência possibilitando o melhor manejo do estado de saúde do paciente contribuindo para a diminuição da morbidade e mortalidade relacionada aos eventos adversos relacionados aos medicamentos. Palavras-chave: Instrumento, auto-medicação, evento adverso. MÉTODOS Tipo de estudo: Estudo avaliativo de desenvolvimento de instrumento de avaliação de eventos adversos relacionados com medicamentos. Etapas: O desenvolvimento e validação do instrumento serão realizados em etapas. Fundamentação teórica: Nesta etapa será realizada uma revisão bibliográfica para a identificação de instrumentos de identificação de reações adversas e de problemas relacionados com medicamentos, bem como, analisada a literatura a respeito da procura a serviços de saúde motivada por uso inadequado de medicamentos. Desenvolvimento da proposta inicial de instrumento: Com base nas informações e nas ferramentas identificadas na etapa anterior, será construída uma proposta de instrumento de avaliação de evento adversos relacionados aos medicamentos como causa da procura a serviços de emergência. Avaliação por especialistas: através da adoção técnica Grupo Nominal será realizada a avaliação do conteúdo do instrumento. O grupo de especialistas será formado por farmacêuticos, farmacologistas clínicos, epidemiologistas, médicos com experiência em emergência e clínica médica entre outros profissionais. Uma concordância mínima de 80% entre os especialistas será adotada como critério para aprovação da estrutura proposta. Para tanto, será utilizada uma escala do tipo Likert de cinco pontos (1- Concordo Totalmente, 2- Concordo, 3-Indiferente, 4-Discordo, 5-Discordo Totalmente). Sendo considerado consenso quando pelo menos 80% dos especialistas considerar as opções “concordo totalmente” e “concordo”. Aplicação do instrumento e avaliação dos resultados: Posteriormente a avaliação por especialistas o instrumento será aplicado em uma amostra de pacientes adultos atendidos no serviço de emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição. Mesmo que seja aplicado na emergência, a maior parte dos pacientes atendidos caracteriza-se como de urgência. O tamanho da amostra será determinado com base em outros estudos de validação de instrumentos. Estima-se que o número de sujeitos desta etapa fique entre 50 e 100 pacientes, sendo que serão respeitados os critérios de inclusão: Análise dos especialistas: ser identificado pelos proponentes ou por outros especialistas como sujeito que possa fazer contribuições no instrumento e aceitar participar do estudo e ser paciente adulto atendido no setor de emergência do Hospital Nossas Senhora da Conceição e aceitar participar do estudo; e os critérios de exclusão de participação do desenvolvimento do instrumento: Pacientes em situação de emergência ou pacientes com problemas cognitivos sem cuidador. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nos últimos anos o interesse em se avaliar o uso de medicamentos pela população e os possíveis Eventos Adversos ao uso destes medicamentos tem aumentado. Essa maior atenção é justificada devido ao aumente do consumo de diferentes medicamentos por diferentes grupos populacionais, sendo esses prescritos ou não. Esse processo se dá também devido aos investimentos dos governos para ampliar o acesso da população a diferentes medicações, e também pela grande variedade, numero e qualidade dos produtos disponíveis no mercado. A partir dos dados coletados, podemos avaliar por meio da Tabela 1que a maior parte dos entrevistados nesta pesquisa são mulheres, porém sem uma grande discrepância entre os dois sexos (56,5% de mulheres, contra 43,5% de homens entrevistados). A maior frequência de mulheres buscando auxilio médico é considerado um lugar-comum na literatura médica2,3,4, o que pode ser justificado por uma maior expectativa de vida entre as mulheres, e maiores autocuidados, associado provavelmente por conseqüência de um pior estado funcional e de saúde auto-referidos e evidenciado por maior número de sintomas de depressão e hospitalizações5,6. O uso de medicamentos aumenta com o aumento da idade, e assim como encontrado neste estudo, outros trabalhos nacionais similares encontraram resultados semelhantes8,11,16. Uma explicação para essa associação é a maior prevalência de comorbidades de acordo com o aumento da idade. A Tabela 2 avalia a renda e o tempo de estudo dos entrevistados. A maior parte possui renda familiar acima de 3 salários mínimos e tem mais de 8 anos de estudo no total. Vários estudos relacionam a renda familiar com a automedicação, como por exemplo, Schmid et al que relatou em seu estudo que a proporção de automedicação aumentou conforme cresceu a renda7. Filho et al, também obteve resultados semelhantes: a automedicação aumentou proporcionalmente com a renda familiar dos entrevistados8. Na Tabela 3, observa-se que os 69 entrevistados no trabalho, mais de 60% deles apresentam comorbidades, sendo a Hipertensão Arterial sistêmica e a Diabetes as principais apresentadas, 23,2% e 8,7% respectivamente. Verifica-se que existe associação entre o número de doenças crônicas e morbidade referidas e o uso de medicamentos, o que era esperado e observado em outros estudos nacionais, pois as pessoas nestas condições de saúde buscam mais os serviços e o medicamento é uma das intervenções terapêuticas utilizadas11,12. Dos 69 entrevistados, 70% dos pacientes não eram tabagistas e 78% não faziam uso de bebidas alcoólicas. Na Tabela 4 é apresentado o motivo da busca pelo serviço de emergência e o tempo de inicio dos sintomas. Como motivo da busca pelo serviço de emergência, o principal foi dor abdominal com 15,9% dos casos. Assim como se evidencia em outros estudos, a dor abdominal é uma causa muito frequente de busca às emergências hospitalares9. O segundo motivo mais frequente foi o Tratamento de uma doença de base, responsável por 11,6% dos motivos de busca pelo serviço de emergência. O início dos sintomas nos pacientes entrevistados foi mais frequente naqueles entre 1 e 7 dias, com 37,6% dos casos, sendo que 76,8% destes pacientes fizeram uso de algum medicamentos nos últimos 10 dias que antecederam a consulta, sendo que a maioria, (27,%) fez uso de 3 ou mais medicamentos diferentes assim como no estudo de Ballone10. Não há na literatura atual um consenso sobre qual seria o melhor período recordatório para se analisar o uso de medicações em uma população especifica, já que a escolha do período depende do que especificamente se pretende recordar, e principalmente, da capacidade do entrevistando em recordar tais informações. Ademais, sabe-se que a prevalência do uso de medicações é amplamente dependente da definição desse período, e uma das principais dificuldades de se relacionais estes dados é a dificuldade de se recordar com precisão essas informações, principalmente porque a precisão destes dados pode ser dependente do estado de saúde do entrevistado. Todos estes fatos podem acarretar uma subnotificação de alguns tipos de medicamentos e uma subestimação de sua utilização15. Observa-se na Tabela 5 os principais medicamentos utilizados pelos entrevistados durante a pesquisa. Foram usados 70 medicamentos diferentes (usados 135 vezes no total), sendo em média 2,5 medicamentos por paciente. O principal fármaco utilizado pelos entrevistados do estudo foi o analgésico Paracetamol, responsável por 12,8% do total. Esse fato já tem sido observado desde a década de 1980 no Brasil e outros estudos internacionais, sendo uma das classes de medicamentos mais utilizadas pela população13. Em segundo plano temos Losartana (11,4%), Metformina (10%), Hidroclortiazida, Omeprazol e Captopril, todos estes com 8,5%. O uso elevado de medicamentos que atuam no sistema cardiovascular se justifica pela grande presença de doenças cardiovasculares, notadamente a Hipertensão arterial, que tem alta prevalência, principalmente na população idosa, assim como encontrado em outras literaturas que abrangem o mesmo tema14, 16. Analisando a Tabela 6, com relação ao uso de medicamentos nas 24 horas anteriores a entrada à emergência, verificou-se que, 53 pacientes (76,8%) utilizavam algum tipo de medicamentos. Destes, 25 (47,1%) modificaram a rotina de uso dos medicamentos, sendo principalmente: omissão da dose do medicamento usado: 12 (17,4%); Retirada de um dos medicamentos em uso: 6 (8,7%); Acrescentou um novo medicamento: 3 (4,3%) e Modificou o horário de utilização de um medicamento: 3 (4,3%). Avaliando a continuidade ou não do tratamento, dos 53 pacientes que utilizaram medicamentos, 4 (5,8%) deixaram de utilizar o medicamento no dia anterior a busca pelo serviço de emergência, 10 (14,5%) nos últimos 10 dias e 35 (50,7%) pacientes continuam usando os medicamentos. Quanto a alergia, 15 (21,73%) pacientes entrevistados relatam possuir alguma alergia medicamentosa, 38 (55,07%) não possuem e 16 (23,18%) não souberam informar. A queixa principal de 16 (23,2%) pacientes estava relacionada a exacerbação de uma doença de base, sendo que 13 (18,8%) faziam o tratamento prévio desta doença, com 6 (8,7%) destes pacientes utilizando dose normal e 3 (4,3%) com subdose da medicação. Nos pacientes que tinham doença de base prévia e não tratavam com medicamentos, 2 (2,9%) pacientes tinham prescrição para o tratamento da doença de base, caracterizando um Possivel evento adverso relacionado a não adesão ao tratamento, e 5 (7,2%) destes ainda não possuíam prescrição médica para o tratamento de sua doença de base. A queixa principal para busca ao serviço de emergência está relacionada aos efeitos de um dos medicamentos em uso em 8 (15,09%) pacientes; destes 8, 50% estão relacionados a algum possível evento secundário desde que o medicamento foi inserido, condizendo com estudos similares analisados na literatura1. E os outros 4 casos (50%) não estão relacionados a EAM. Quanto aos casos de alergia provocados pelas medicações em uso pelos pacientes entrevistados, foram evidenciados apenas 1 caso (1,8%), mas não se enquadra com EAM de acordo com a temporalidade, e o restante, 52 casos, não tem relação entre alergias provocadas por medicamentos em uso e a queixa principal. Por fim, analisando os 69 pacientes entrevistados, houve 4 casos (5,79%) de interação medicamentosa de acordo com a temporalidade sendo responsável pelos sintomas da queixa principal evidenciando um EAM. CONCLUSÕES Os resultados mostram que os RAM estão presentes na população em estudo. Trabalhos como este são de grande importância, tendo como finalidade futura a diminuição da morbidade e mortalidade relacionada com medicamentos. REFERÊNCIAS 1. M. J. Otero López, P. Alonso Hernández1, J. A. Maderuelo Fernández2, J. Ceruelo Bermejo, A. Domínguez-Gil Hurlé, A. Sánchez Rodríguez1. Prevalencia y factores asociados a los acontecimientos adversos prevenibles por medicamentos que causan el ingreso hospitalário. FARM HOSP Vol. 30. N.° 3, pp. 161-170, 2006 2. Rosenfeld S. Prevalência, fatores associados e mau uso de medicamentos entre os idosos: uma revisão. Cad Saúde Pública 2003; 19(3):717-724. 3. Coelho Filho JM, Marcopito LF, Castelo A. 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