uma expressão da política de inclusão dos excluídos

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CONVÊNIOS E CRIANÇAS: UMA EXPRESSÃO DA POLÍTICA DE
INCLUSÃO DOS EXCLUÍDOS
THAISA NEIVERTH1
RESUMO: Este artigo é parte de estudos realizados na pesquisa de mestrado que
desenvolvo no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Santa Catarina, tendo como objeto as políticas destinadas à educação infantil no
município de Florianópolis, expressas nas creches conveniadas. Considerando as
creches conveniadas uma alternativa de atendimento às crianças “excluídas” das creches
e pré-escolas públicas da cidade, e, levando em conta a difusão dos vocábulos inclusão e
exclusão nos documentos internacionais e nacionais, que orientam as políticas para
Educação Infantil, o artigo pretende discutir o significado político e social do discurso
documental da inclusão e da exclusão, tão presentes na política de conveniamento. Para
tal foram analisados três documentos, um municipal: Grupos de Vulnerabilidade Social
e/ou Programas Sociais cobertos pelos convênios para 2001, e dois nacionais: Programa
de Atenção Integral à Família – PAIF: instruções para a celebração de convênios (2004)
e Política Nacional de Educação: pelo direito das crianças de zero a seis anos à
educação (2006), que expressam os sentidos da inclusão e da exclusão na Educação
Infantil nacional e fomentam as ações conveniadas destinadas às crianças
florianopolitanas consideradas em situação de “vulnerabilidade” social. Estes
documentos foram analisados numa perspectiva materialista histórica, uma vez que, seu
aporte oferece uma melhor compreensão da conjuntura política e econômica em que
essas práticas, adornadas por palavras que dizem mais que seus enunciados, são
gestadas. Constata-se com o estudo que a maneira pela qual os discursos e práticas
inclusivas são difundidos e efetivadas na educação infantil demonstram as contradições
inerentes ao capitalismo, uma vez que os direitos adquiridos por intermédio de
conquistas históricas tornam-se privilégios quando a vaga na creche passa a ser
prioritária às crianças em situação de risco pessoal ou social.
Palavras-Chaves: creches conveniadas; política educacional; inclusão; exclusão.
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.
[email protected].
A educação no século XXI e o discurso da inclusão/exclusão são expressões de
um momento histórico orquestrado pelo processo de reestruturação produtiva do capital.
O significado político do binômio inclusão-exclusão coloca-se como estratégia
discursiva num momento em que o financiamento das políticas sociais tem custado cada
vez menos ao Estado.
Na intenção de diagnosticar como os documentos que legitimam as políticas de
“inclusão” de crianças de zero a seis anos em serviços de assistência e saúde, escolhi
três documentos de formulação de políticas de atendimento às crianças pequenas. Dois
deles em âmbito federal e um municipal. O primeiro Programa de Atenção Integral à
Família – PAIF: instruções para a celebração de convênios (BRASIL, 2004) trata das
instruções para a celebração de convênios. O segundo, Política Nacional de Educação:
pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação. (BRASIL, 2006) se refere às
diretrizes nacionais do direito das crianças de zero a seis anos à educação. E o último,
Grupos de Vulnerabilidade Social e/ou Programas Sociais cobertos pelos convênios
para 2001(PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS, 2001) produzido em
2001, que, embora mais antigo, trata da demanda a ser atendida por instituições
conveniadas2, demanda esta considerada em situação de vulnerabilidade social, e se
mantém nos documentos posteriores.
Com base na análise destes documentos, algumas questões fundamentais sobre
as creches conveniadas na cidade de Florianópolis serão colocadas a fim de situá-las no
movimento estratégico do capitalismo, que dissimula3 seu real interesse de diminuição
de gastos com políticas sociais4, enquanto incorpora, em seus discursos e ações,
vocábulos de efeito como inclusão, parceria, equidade.
O sentido do discurso da inclusão e exclusão
Os termos exclusão e inclusão são hoje palavras “de efeito” nas ações políticas
disseminadas pela mídia, em especial no que diz respeito às políticas sociais. Para
Castel (2000), tem sido assim desde o início da década de 1990, quanto este tema
2
As Instituições Conveniadas na cidade de Florianópolis existem para atender às necessidades de uma
parcela da população dita em situação de vulnerabilidade social. Funciona por meio de uma parceria entre
sociedade civil e Estado. Dentre seus programas, atendem de bebês a idosos. Os programas destinados à
população de zero a seis anos são as creches e os Núcleos de Atendimento à Criança.
3
O termo dissimula foi “emprestado” do autor Luis Carlos de Freitas (2002).
4
Para Faleiros (2006) as políticas sociais no modo de produção capitalista são conduzidas pelo Estado e
representam “um resultado da relação e do complexo desenvolvimento das forças produtivas e das forças
sociais.” (FALEIROS, 2006, p. 6.)
começou a ser amplamente difundido na mídia e no discurso político. O primeiro é um
conceito que define inúmeras modalidades de “desfavorecidos”. Segundo Castel (2000,
p. 17)
A exclusão vem se impondo pouco a pouco como um mot-valise para definir
todas as modalidades de miséria do mundo: o desempregado de longa
duração, o jovem da periferia, o sem domicílio fixo, etc. são “excluídos”.
Oliveira (2000 p. 88) compartilha do entendimento de Castel quando fala do
sentido que tem o termo exclusão num momento de readaptação do capitalismo. Nas
palavras dele:
Partimos do ponto de vista de que as constantes readaptações do modelo
econômico vigente, o capitalismo, associadas a movimentos que lhe são
correlatos no âmbito da cultura, vêm colocando no centro da cena desta
virada de século a questão da exclusão social. Ora essa se refere às minorias
étnicas, ora aos segregados pela cor; por vezes, aos desempregados de longa
duração, outras vezes, aos sem moradia; em certos casos, aos que fazem
opções existenciais contrárias à moral vigente, em outros aos portadores de
deficiências, aos aidéticos, aos velhos ou mesmo aos jovens. Enfim, a
exclusão se estabelece como realidade incontornável nas sociedades
contemporâneas.
Trazendo seu entendimento sobre o processo de exclusão na atual sociedade em
reestruturação capitalista, Martins destaca que (2002a p. 21)
A exclusão moderna é um problema social porque abrange a todos: a uns
porque os priva do básico para viver com dignidade como cidadãos; a outros
porque lhes impõe o terror da incerteza quanto ao próprio destino e ao
destino dos filhos e dos próximos. A verdadeira exclusão está na
desumanização própria da sociedade contemporânea, que ou nos torna
panfletária na mentalidade ou nos torna indiferentes em relação aos seus
indícios visíveis no sorriso pálido dos que não têm um teto, não têm
trabalho e, sobretudo, não têm esperança.
O autor mostra a complementaridade do binômio inclusão-exclusão, mesmo
quando a inclusão aparece como oposição à exclusão, diluída em ações e programas que
integram os antes desfavorecidos e depois privilegiados à sociedade capitalista5 no
sentido de tentar assegurar “um mais para aqueles que têm menos”. Conforme o autor,
A sociedade que exclui é a mesma que inclui e integra, que cria formas
também desumanas de participação, na medida em que delas faz condição de
privilégios e não de direitos. (2002, p.11)
5
As creches conveniadas e os Núcleos de Atendimento à Infância em Florianópolis são exemplos de
“inclusão” de excluídos.
Embora o termo exclusão tenha aparecido com força na década de 1990,
Oliveira (2000), depois de ter feito uma extensa incursão bibliográfica cujo tema central
era a exclusão, aponta a década de 1970 como momento de surgimento desta discussão
na sociologia. O autor destaca as controvérsias entre diversos posicionamentos acerca
da exclusão, dentre eles o que mais nos inspira ao entendimento do tema é Ferraro, o
qual sugere que o resgate do tema na obra de Karl Marx poderia iluminar a discussão
atual e o significado teórico e político do tema exclusão.
Ao que tudo indica o discurso contra a exclusão parece ser um tratamento
preventivo contra os efeitos devastadores do capitalismo, com objetivo estratégico de
conter as disfunções sociais causadas pelo desenvolvimento deste sistema de produção.
Sendo assim, para compreender mais a fundo este discurso, precisamos levar em conta
os processos que produzem e conduzem uma imensa parcela da sociedade à exclusão.
Desta maneira, quando estudamos as novas necessidades de reestruturação do
capital no contexto das políticas neoliberais Oliveira (2000) sugere familiaridade nas
contribuições de Marx sobre o atual debate acerca da exclusão e constata que assim
como a contradição é própria ao desenvolvimento do capitalismo “a exclusão está
incluída na lógica do capital” (p. 105)
Com o mesmo entendimento, Martins (2002a p. 9) coloca as contradições
inerentes ao desenvolvimento econômico e produção de miséria concernentes ao
sistema capitalista:
O desenvolvimento econômico que gera um desenvolvimento social muito
aquém de suas possibilidades, como ocorre nos países de Terceiro Mundo e
como ocorre no Brasil, nega-se na perversidade das exclusões que
dissemina. Compromete profundamente a sua própria durabilidade e, de
alguma forma, abre o abismo de sua própria crise.
O autor também trata da idéia da exclusão como um processo social que deve
ser, no mínimo, questionado e não tomado como fato consumado, como vem sendo
feito por autores e discursos políticos, pois por menor que possam parecer as
possibilidades concretas de uma revolução no modo de produção capitalista na atual
conjuntura, elas existem, portanto, a realidade social não é acabada. Nas palavras de
Martins (2002b, p. 46):
A idéia de exclusão pressupõe uma sociedade acabada, cujo acabamento não
é por inteiro acessível a todos. Os que sofrem essa privação seriam os
“excluídos”. No entanto, essa sociedade acabada não existe em princípio. A
sociedade é um processo contínuo de estruturação e reestruturação. O que
parece estruturado é recriado continuamente. É nesse âmbito que as
rupturas, aquilo que se chama exclusão, são reparadas espontânea e
continuamente.
O entendimento inquestionável do processo de exclusão como realidade acabada
e passível de ser remediada pode claramente ser percebido nos documentos que dizem
respeito às políticas sociais, principalmente naqueles que justificam ações direcionadas
a grupos específicos em situação de vulnerabilidade social. No caso das creches
conveniadas, podemos elencar diversos documentos que trazem o binômio inclusãoexclusão como pontos importantes a ser debatidos. O primeiro como solução para
problemas; o outro como realidade acabada a ser combatida.
Intenções registradas: análise dos documentos
A influência de organismos internacionais6 na definição de políticas para a
educação em geral e mais especificamente para a infância foi explorada por autores
como Füllgraf (2007), Rosemberg (2000;2002), Penn (2002) e Rodrigues (2005). Para
as autoras é consenso o papel importante dos documentos na definição e
homogeneização das políticas sociais. Além disso, ao prescrever soluções às muitas
pendências sociais promovem a conciliação entre os interesses econômicos e sociais, ou
seja, desenvolvimento econômico sem confronto social.
Para Melo (2005), os documentos internacionais representam a defesa dos
interesses sociais7 do capitalismo mundial. Nas palavras da autora:
Para esses organismos [...], a necessidade de sobreviver e aprofundar o processo de
ocidentalização de uma ótica conservadora, do ponto de vista dos interesses do
capitalismo, de continuar a determinar, a dominar, a fazer o mundo à sua
semelhança, à semelhança de seu projeto de sociabilidade, fez com que a direção e
6
Entende-se por organismos internacionais (OI) as instituições que idealizam e financiam propostas de
um suposto desenvolvimento social, como os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento: Banco
Interamericano (BID); Banco Mundial (BM) e outras organizações como Organização das Nações Unidas
Educação, Ciência e a Cultura (Unesco) e o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef);.
(ROSEMBERG, 2002)
7
A autora, quando fala em interesses sociais do capitalismo, usa também outro termo “sociabilidade
capitalista”. Ao que tudo indica, ambos se referem a uma estratégia de tornar comum entre as classes os
interesses com relação às políticas e direitos sociais, minimizando os efeitos do capitalismo, sem que isso
atrapalhe os objetivos de desenvolvimento do capital.
o ritmo de suas ações de planejamento social se consolidassem desde a década
passada. (2005, p. 69)
A inserção dos organismos internacionais na economia acompanhou o
movimento de transformação do capitalismo. Estes, como é o caso do Banco Mundial,
financiaram e legitimaram a participação dos países periféricos à nova lógica da
reestruturação produtiva, em nome dos interesses dos países centrais. A forma mais
recente desta atuação é anunciada em prol do desenvolvimento econômico e se dá por
intermédio de “pacotes” de reformas, as quais têm como conseqüência políticas sociais
compensatórias.
Na execução do projeto capitalista há que se destacar a capacidade
surpreendente de manter a hegemonia presente tanto nestes “manuais” como na
divulgação e “inculcação” do conteúdo ideológico dos mesmos. Isso pode ser
justificado, pois a estratégia de continuação e aprofundamento do capital “[...] exige
uma complexa disciplina de planejamento e formação de consenso, a fim de destruir
paulatinamente o nível de consciência da classe trabalhadora e substituir seus desejos e
ações pelo projeto hegemônico de sociabilidade capitalista.” (MELO, 2005, p. 69)
Segundo o artigo escrito por Shiroma, Campos e Garcia (2005) com relação à
educação esses organismos têm “colaborado” com a reforma implementada pelo
Ministério da Educação desde a década de 1990. Ao que tudo indica, o uso de palavras
de efeito é corrente. As autoras referidas chamam isso de “colonização do vocabulário”
da reforma, que por intermédio de vocábulos que mais parecem slogans, buscam
legitimar as mudanças desejadas.
Assim, considerando a política como processo e espaço de lutas de classe. Os
documentos que objetivam criar consensos e permitir a efetivação dos interesses das
classes dominantes são contraditórios e dão vazão a interpretações diversas a um mesmo
termo.
Nesse contexto, torna-se necessário, para compreender efetivamente o papel dos
documentos, do discurso pedagógico e das intenções do capital que aparecem
concomitantemente na produção e divulgação dos mesmos, confrontar estes textos com
outros, tentando identificar estratégias discursivas, as quais disfarçam os significados
das reformas, enquanto “jogam” com os conceitos de exclusão e inclusão, tornando
humanitária a face mais perversa do capitalismo.
Conforme anunciado no início do artigo o primeiro documento a ser analisado
foi produzido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e chama-
se Programa de Atenção Integral à Família – PAIF: instruções para a celebração de
convênios. (BRASIL, 2004). Este documento embasa as ações tomadas pelo município
de Florianópolis em relação à Educação Infantil, no sentido de divisão do financiamento
e de responsabilidades das Creches Conveniadas e Núcleos de Atendimento à Criança.
Em vários trechos do relatório repete-se a palavra inclusão e em seu objetivo geral está
clara a intenção de superar a exclusão social:
Contribuir para a efetivação da Política de Assistência Social como Política
Pública garantidora de direitos de cidadania e promotora de
desenvolvimento social, na perspectiva de prevenção e superação das
desigualdades e exclusão social, tendo a família como unidade de atenção
para a concepção e a implementação de programas, projetos e serviços.
(BRASIL, 2004, p. 5.)
No mesmo documento a justiça social, pelo menos formalmente, é aclamada,
O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, atento a
inserção de sua área de competência no conjunto de prioridades do Governo
Lula, prioriza o compromisso em fazer dos processos de inclusão social e de
redistribuição de renda a via concreta de transformação da sociedade
brasileira em direção à justiça social. (BRASIL, 2004, p. 3)
Percebe-se também a quem se destinam as ações propostas pelo documento. No
item “público-alvo” os excluídos são contemplados, quando elegem como merecedoras
as famílias que por conta da pobreza encontram-se numa situação vulnerável, na qual
são privadas de renda e do acesso a serviços públicos, mantendo vínculos afetivos
frágeis e sendo discriminadas por questões de gênero, etnia, deficiência, idade, entre
outras.
Outro documento importante que define exclusão no entendimento das políticas
para a primeira infância é o documento do Ministério da Educação Política Nacional de
Educação: pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação, (BRASIL, 2006) o
qual é um exemplo interessante do movimento de construção da legislação, da
organização da prática e legitimação de interesses a respeito da Educação Infantil num
contexto de reestruturação do capital.
Nas linhas do documento:
O panorama geral de discriminação das crianças e a persistente negação de
seus direitos, que tem como conseqüência o aprofundamento da exclusão
social, precisam ser combatidos com uma política que promova a inclusão,
combata a miséria e coloque a educação de todos no campo dos direitos.
(BRASIL, 2006, p. 5)
Esta suposta boa intenção no documento sugere uma correspondência entre o
papel desempenhado pela política nacional e as necessidades de reestruturação do
capitalismo, na qual a formação de consenso e a garantia da governabilidade são
indispensáveis ao desenvolvimento do capital.
Considerando que este trabalho se propõe a discutir as políticas neoliberais da
Educação Infantil expressas na proliferação de vagas em espaços conveniados, não se
pode deixar de colocar que estas instituições alternativas, diluídas num discurso de
inclusão social, podem ser consideradas uma estratégia de “gestão” da pobreza, que na
perspectiva de Evangelista e Shiroma (2006) é uma vista como questão central nos
discursos políticos nacionais e internacionais do início dos anos 2000.
O Estado, no movimento de reestruturação do capitalismo, tem dividido suas
responsabilidades de provedor das políticas sociais com a sociedade civil. Nas palavras
do documento compete ao Estado: “[...] formular políticas, implementar programas e
viabilizar recursos que garantam à criança desenvolvimento integral e vida plena, de
forma que complemente a ação da família.” (BRASIL, 2006)
No mesmo documento é reafirmada a importância da Educação Infantil no
processo de constituição do sujeito reforçando ao mesmo tempo que este nível de
ensino, embora faça parte da Educação Básica, não é obrigatório. Traz também
claramente a intenção de ampliação da oferta das vagas, mas não deixa claro se as vagas
serão em instituições públicas e vinculadas aos sistemas municipais ou então em
espaços alternativos de atendimento, comumente financiados por sujeitos da sociedade
civil e custam menos aos cofres públicos.
Por tudo isso, voltamos a afirmar que ao se estudar e usar documentos oficiais e
de implementação de políticas é imprescindível ir além das aparências, pois muito mais
que a proposta de um trabalho interdisciplinar e compartilhado está a intenção do
Estado de contenção de custos com políticas sociais, como a Educação Infantil, em prol
de um suposto “desenvolvimento econômico”, que tem como referências os padrões
mundiais.
Procurando buscar evidências das diretrizes políticas nacionais destinadas à
Educação Infantil na cidade de Florianópolis, encontrei o documento da Prefeitura
Municipal de Florianópolis, produzido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome Grupos de vulnerabilidade social e/ou programas sociais cobertos
pelos convênios para 2001, (PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS,
2001) o qual traz as pessoas merecedoras dos benefícios concedidos pelas instituições
conveniadas.
No caso das creches, modalidade de atendimento do Programa de Conveniadas,
as crianças atendidas deverão estar em “situação de risco pessoal ou social”. Este trecho
do documento denota não só a parcela que deverá ser atendida como o tipo de serviço
que será prestado, já que este atendimento assistencial não contempla a perspectiva do
direito à Educação Infantil consagrado na Constituição Federal (BRASIL, 1988); no
Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL,1990); e, na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (BRASIL,1996).
Assim, distante do direito à educação, as crianças são a ser atendidas pela
filantropia dando continuidade a uma história de atendimento negligente à infância e
colaborando com os interesses econômicos fundamentados nas políticas neoliberais que
usam parcos recursos financeiros no provimento dos serviços sociais e “chamam” a
sociedade civil à comum responsabilidade de incluir os excluídos na sociedade de
produção capitalista.
Políticas para a infância e situação da exclusão e da inclusão em Florianópolis
As creches comunitárias na capital desde a primeira metade de 1980 são uma
alternativa de atendimento às crianças pequenas. Autores como Rosemberg (1984),
Tristão (2004) e Costa (2005) atribuem aos movimentos sociais, especialmente àqueles
que envolveram as lutas de mulheres, a emergência e expansão das creches
comunitárias e conveniadas.
Os primeiros convênios estabelecidos na cidade que objetivavam o atendimento
às crianças pobres foram feitos em parceria com a Legião Brasileira de Assistência8
(LBA) do Ministério da Previdência e Assistência Social, a qual previu auxílio
financeiro e técnico às instituições até 1995 quando foi extinta, no entanto, mesmo
depois da sua extinção continuaram a existir creches conveniadas cotando com dotação
orçamentária no âmbito da assistência social e federal.
Nesse sentido, os anos de 1990 trouxeram consigo uma espécie de filantropia
institucionalizada, na qual a sociedade civil é chamada pelo Estado a partilhar suas
responsabilidades para com o provimento das políticas sociais. O advento das
8
Um exemplo clássico na história das conveniadas foram as unidades do Projeto Casulo, financiadas pela
LBA. Em Florianópolis há registros de três unidades.
organizações não-governamentais (ONG) é um exemplo clássico da suposta tentativa de
democratizar e reformar o espaço público. (CORREIA, 2004).
Assim, as creches conveniadas, sendo uma iniciativa compartilhada entre
sociedade civil e Estado, fazem parte de uma rede paralela à rede pública municipal.
Elas existem formalmente em Florianópolis desde o ano de 1984 e celebram a divisão
de responsabilidades, chamada de parceria, no provimento de vagas às crianças
excluídas do atendimento nas creches da Rede Municipal.
A história deste atendimento alternativo ao público estatal, que em Florianópolis
se configura em vagas nas Creches (zero a três) e nos Núcleos de Educação Infantil
(quatro a seis) municipais, é marcada pela inexistência de critérios básicos relativos à
infra-estrutura e ao grau de formação dos profissionais que lidavam diretamente com as
crianças, muitas vezes sem formação específica.
A cidade de Florianópolis acompanha uma tendência nacional de insuficiência
de vagas oferecidas para a Educação Infantil no âmbito do público por intermédio das
creches financiadas e geridas pelo poder público municipal, a cargo da Secretaria
Municipal de Educação. E este problema incita na cidade outras formas de atendimento,
entre eles, as creches conveniadas9 e os Núcleos de Atendimento à Criança10 (NAC).
Atualmente as creches comunitárias/conveniadas enquadram-se na categoria de
privadas com base na LDB e são entendidas como as que são instituídas por um grupo
de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de
professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da
comunidade. Estas instituições mantêm relação com a Secretaria de Educação e a
Secretaria de Desenvolvimento Social. São financiadas como programas de atendimento
a pessoas em situação de vulnerabilidade social, por intermédio de recursos públicos.
Como são programas formais, e em parte financiados pelo Estado, prestam contas às
duas secretarias e atendem especificidades tanto da assistência quanto da educação. À
Secretaria de Educação cabe providenciar professores, merenda e orientação
pedagógica; à Secretaria de Desenvolvimento Social o financiamento com base em
recursos Federais; à comunidade a organização do espaço, contratação de serviços,
9
As creches conveniadas na cidade de Florianópolis são aquelas que para seu funcionamento contam com
a partilha de responsabilidades entre a comunidade, a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria de
Asssistência Social.
10
Modalidade de atendimento de crianças da comunidade em ambiente domiciliar, na cidade de
Florianópolis. Estas casas atendem em média 10 crianças em idades variadas, entre zero e seis anos, e
contam com uma professora contratada pela prefeitura, com auxílio da Associação Florianopolitana de
Voluntários (AFLOV).
compra dos produtos de limpeza e material pedagógicos; aos pais pagar uma
mensalidade de R$ 50,00 (este dinheiro paga o restante dos funcionários e despesas com
produtos de limpeza e material pedagógico).
No entanto, há que se pensar quais são os processos que excluem estas crianças
das camadas populares dos espaços públicos que por direito legal lhes seriam
assegurados. Na capital de Santa Catarina a lista de espera por vagas em instituições de
Educação Infantil oferecidas pelo Município é imensa, boa parte por conta dos critérios
de matrícula11. Com relação a estes critérios, até o ano de 2007 para a efetivação das
matrículas era necessário que os pais estivessem trabalhando comprovadamente. Esse
procedimento teve conseqüências graves, em especial se considerarmos a realidade de
Florianópolis, uma cidade que sobrevive basicamente do turismo e que os pais de
grande parte das crianças costumam ter emprego de carteira assinada somente na
temporada12, gerando uma massa de crianças excluídas das escolas públicas.
As crianças que não conseguem vagas, procuram espaços alternativos, como as
Creches Conveniadas e os Núcleos de Atendimento à Criança, no caso do Norte da Ilha,
encontram atendimento em duas instituições conveniadas: a Sociedade Espírita de
Recuperação Trabalho e Educação no bairro Cachoeira do Bom Jesus e a creche da
Central Única dos Trabalhadores em Ponta das Canas.
Fatalmente os critérios atingem as crianças oriundas de famílias mais pobres,
com pais desempregados ou que não conseguem comprovar renda. Essa postura denota
o entendimento que se tinha desta questão, pois é como se o direito fosse das mães
trabalhadoras e não simplesmente das crianças. Além de justificar a existência destes
outros espaços como as Creches Conveniadas e os NAC’s como espaços que atendem
aos excluídos.
Esta tônica de atendimento aos excluídos pode ser percebida no serviço
oferecido às crianças pequenas nas Creches Conveniadas e nos NAC, principalmente
quando temos acesso aos documentos que legalizam os convênios. Nestes documentos
está claro o entendimento deste atendimento programa que atende “Grupos de
vulnerabilidade social” e “crianças em situação de risco pessoal ou social.
11
Este ano mudaram os critérios de matrícula. O fato dos pais estarem desempregados ou a criança não
ter a documentação em dia (Registro, Carteira de Vacinação) não impede que os pais façam a
matrícula.(FLORIANÓPOLIS, 2008).
12
Entende-se como temporada o período de maior movimento de turistas na cidade. Normalmente o
movimento se acentua no verão, movimenta o comércio e vagas temporárias são abertas. Neste período,
grande parte dos homens e mulheres adultos e com filhos trabalham nos bares, restaurantes, hotéis, etc.
Emprego que termina com o final da temporada e os pais, sem mais carteira assinada voltam a trabalhar
na pesca e com “bicos” para garantir o sustento da prole.
Algumas considerações
Na tentativa de responder ao que me propus no início do artigo, é necessário
considerar que a discussão feita tem como pano de fundo, projetos em disputa que estão
em andamento e são contraditórios. Dessa maneira, para compreendermos o que nos
incomoda e mobiliza a pesquisar precisamos ter claro que os acontecimentos estão
intrinsecamente ligados à condição determinada pelo seu espaço no tempo. Assim, para
se analisar as políticas inclusivas destinadas à Educação Infantil precisamos considerar
a posição no nosso país em relação ao contexto internacional e globalizado e ao do
modo de produção. Devemos também conhecer a estrutura dos poderes políticos e
econômicos, além das estratégias e táticas das lutas sociais e das reivindicações
populares.
Diante do exposto, constata-se que as políticas sociais, em especial as
educacionais, não foram pensadas e instituídas para atenderem adequadamente e com
justiça às necessidades sociais. Pois, no modo de produção capitalista, para existirem os
incluídos, precisa-se necessariamente da produção dos excluídos. A forma que o
atendimento às crianças pequenas vem tomando é claramente uma adaptação aos
interesses da reestruturação produtiva, num sentido de que conforma a população e
desresponsabiliza o Estado, fragilizando cada vez mais os direitos adquiridos
historicamente, tornando-os privilégios.
Os documentos que tratam da inclusão como possibilidade de justiça social,
tirando os ditos excluídos de condições miseráveis também servem ao capital. Em
especial quando a luta contra a exclusão é colocada como estratégia para o crescimento
econômico. Constata-se que tais documentos expressam, de forma articulada e
organizada, fazendo com que a hegemonia dominante seja incutida de maneira eficiente,
facilitando o desenvolvimento da sociedade capitalista e tornando ainda mais grave o
processo de precarização dos direitos sociais e conseqüentemente de exclusão.
Por fim, destaco a ambigüidade e a imprecisão do uso dos termos exclusão e
inclusão e ainda o perigo que eles oferecem quando o enfoque é a luta contra a exclusão
e não a luta contra o processo que provoca este fenômeno. Um exemplo claro dessa luta
são as creches conveniadas, declaradamente programas para atender crianças em
situações de vulnerabilidade e que dentro da lógica das políticas compensatórias são:
“estratégias de sobrevivência por meio das quais os pobres teimam em fazer parte
daquilo que não os quer senão como vítimas e beneficiários residuais de suas
possibilidades.” (MARTINS, 2002a p. 11)
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