TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: uma síntese

Propaganda
TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: uma síntese à reflexão
Esther Luiza de Souza Lemos1
Mabile Caetano Cazela 2
Trabalho, questão social e Serviço Social
INTRODUÇÃO
O conteúdo do presente texto tem como fonte as problematizações realizadas no
âmbito da disciplina de Trabalho, Questão Social e Serviço Social do Programa de Mestrado
em Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de
Toledo-PR. Para tanto, a dinâmica adotada contempla uma síntese sobre conteúdos discutidos
e estudados nas aulas, a partir dos textos do plano de ensino desta disciplina bem como
conteúdo de fundamentos do Serviço Social, haja vista a vinculação entre ambos.
Ressalta-se que o Serviço Social surge, enquanto profissão, a partir de uma
necessidade social, por isso, no contexto do modo de produção capitalista, é circunscrito na
divisão social e técnica do trabalho (IAMAMOTO, 2008). Possui 56 anos de regulamentação
e, atualmente, possui um projeto profissional crítico direcionado ao compromisso com o ser
humano genérico, opondo-se as diferentes formas de desigualdade, preconceito e arbítrio
postos pela ordem burguesa, vinculando, assim, seu projeto profissional – Projeto ÉticoPolítico – a um projeto societário emancipador, distinto do vigente (CFESS, 2013;
BARROCO, 2003).
Neste sentido, para apresentar como a profissão se circunscreve como tal, a linha de
raciocínio do texto condiz com a exposição e argumentação, ancorada nos teóricos da área,
em torno da categoria trabalho, seguindo para especificidade do trabalho na sociedade
capitalista, o surgimento da “questão social”, assim como as respostas para contê-la –
políticas sociais –, e a necessidade social de uma profissão para criar mediações neste âmbito,
1
Assistente Social, Doutora em Serviço Social, professora do Curso de Serviço Social na UNIOESTE – Campus
Toledo-PR. Conselheira do CFESS, gestão 2011 – 2014 “Tempo de Luta e Resistência”. Contato:
[email protected], fone (45) 9988-6200.
2
Assistente Social e Mestranda do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Serviço Social, área de
Concentração Serviço Social, Políticas Sociais e Direitos Humanos, da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – UNIOESTE, Campus Toledo-PR. Contato: [email protected]; (45) 9953.2239.
2
demarcando o surgimento do Serviço Social, suas primeiras formas de intervenção bem como
seu amadurecimento enquanto profissão interventiva.
1. TRABALHO E QUESTÃO SOCIAL
O trabalho é elemento fundante ao ser social; ele (re)cria o homem, isso porque à
medida que o homem transforma a natureza para satisfazer suas necessidades, ele
simultaneamente, se transforma. É na interrelação com outros homens, no agir sobre a
natureza, a partir de um pôr teleológico3– capacidade de projetar idealmente uma ação antes
mesmo de objetivá-la (LUKACS, 1986) – que esses seres se humanizam, desenvolvem
capacidades específicas a partir do processo de trabalho4, entre elas: linguagem; consciência;
liberdade; universalidade; sociabilidade, tornando-se assim um ser social (MARX, 1983;
NETTO; BRAZ, 2008).
Porém, na sociedade capitalista – fundada na acumulação e na apropriação da riqueza
socialmente produzida, por parte dos donos dos meios de produção5 – o trabalho assume outra
conotação, isto é, o produtor não realiza o processo de trabalho/produção para satisfazer suas
necessidades, tampouco detém os outros elementos de trabalho, que não o próprio trabalho,
assim, também, ele dificilmente consumirá aquilo que produziu. Daí, que o trabalho no
contexto de sua exploração passa a desumanizar o homem, extraindo dele toda sua
propriedade criadora. Dessa forma, ocorre o fenômeno da alienação, que se expressa de três
formas: o homem não se reconhece no produto criado por ele; não se reconhece no processo
de trabalho; nem no outro homem (MARX, 1983). Assim, todo esse processo engendra a
criação da mais-valia6, logo, a partir do processo de valorização7, há um aumento progressivo
da acumulação. Com efeito, à medida que a riqueza aumenta para os donos dos meios de
3
“Pôr, neste caso, não significa simplesmente tomar consciência, como acontece com outras categorias –
especialmente com a causalidade – ao contrário, aqui, com o ato de pôr, a consciência dá início a um processo
real, exatamente ao processo teleológico. Assim, o pôr tem, neste caso, um ineliminável caráter ontológico.”
(LUKÁCS, 1986, p.9).
4
De acordo com Marx (1983), o processo de trabalho possui três elementos: matéria-prima; instrumentos; e o
próprio trabalho humano, o qual é considerado essencial para dar movimento e materialidade ao processo.
5
O modo de produção capitalista é fundado sobre a “[...] apropriação privada dos grandes meios de produção e
de subsistência (instrumentos de trabalho, terra, víveres) pelos capitalistas (ou seja, os proprietários de grandes
somas de dinheiro)” (MANDEL, 2001, p. 9, apud CAZELA, 2012, p. 18).
6
[...] o trabalhador produz o valor correspondente àquele que cobre a sua reprodução – é a esse valor que
equivale o salário que recebe; tal jornada denomina-se tempo de trabalho necessário; ele produz o valor
excedente (mais-valia) que lhe é extraído pelo capitalista tal parte denomina-se tempo de trabalho excedente.
(NETTO; BRAZ, 2008, p. 106-107, grifos dos autores).
7
Compreendido por distribuição, circulação e consumo. (NETTO; BRAZ, 2008).
3
produção (capitalista), aumenta também a pobreza do vendedor da força de trabalho
(trabalhador). Sobre este contexto é possível afirmar que a desigualdade social é inerente e
imanente ao modo de produção capitalista (MARX, 1983).
A contradição apontada – capital X trabalho – é denominada “questão social”8, a qual
pode aparecer sob diversos formatos, isto é, sob várias expressões, se acirrando ao passo que
se complexificam as formas de exploração e acumulação do capital (IAMAMOTO, 2008),
contrariando à tese de existir, com o desenvolvimento do capitalismo, uma “nova questãosocial”, afirmando que o fato está em que cada novo estágio do desenvolvimento do
capitalismo, emergem novas formas de manifestação ou expressão da “questão social”, muito
mais complexas que as que o precede, revelando o processo de intensificação da exploração
da força de trabalho humana. (NETTO, 2001; BATISTA, 2010). Assim, conforme Netto
(2001), o entendimento mais assíduo do processo de produção do capital foi essencial para
elucidar que a “questão social” não se reduz meramente à manifestação direta do denominado
pauperismo, ao contrário, é complexa e inerente ao modo de produção capitalista e,
consequentemente ao seu desenvolvimento.
É neste contexto que, a partir do reconhecimento da “questão social” por parte do
Estado burguês, que emerge a profissão de Serviço Social. Por isso, pode-se dizer que a
“questão social” é a base de fundamentação do Serviço Social (IAMAMOTO, 2008;
YAZBEK, 2009).
1.1 O SURGIMENTO DA PROFISSÃO
No Brasil, a profissão surge num contexto de forte industrialização, onde o/a
Assistente Social irá atuar nas instituições assistenciais, executoras das políticas sociais
(YAZBEK, 2009). Isso porque, é neste âmbito que o Estado necessitava de um profissional
para controlar, mediar e amenizar os conflitos trazidos/reivindicados pela classe trabalhadora,
no período de industrialização. Nesse sentido, é que as políticas sociais podem ser
compreendidas enquanto estratégia de governo para o controle do modo de produção
capitalista (VIEIRA, 1992).
8
Compreende-se que a “[...] a “questão social” não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária [proletariado] e de seu ingresso como classe por parte do empresariado
[capitalista] e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a
burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e da repressão.”
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, p. 77).
4
Posta esta peculiaridade nacional das políticas sociais, é que as primeiras formas do
exercício da profissão restringiam-se ao campo da mediação, porém, num tratamento
moralista, a-histórico e individualizado no enfrentamento das expressões da “questão social”
– que sobre este contexto era compreendida como problemas sociais, os quais deveriam ser
“resolvidos e sanados” no âmbito da família, de fato como algo de cunho moral. Estas práticas
conservadoras dos profissionais estavam, até a segunda metade dos anos 1940, ligadas às
protoformas do Serviço Social (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008), isto é, às práticas
vinculadas aos princípios da igreja católica, pautados no tomismo e neotomismo, assim como
denota o Código de Ética profissional de 1947 (BARROCO, 2003).
Em síntese, a categoria profissional esteve, num primeiro momento, atendendo tanto
ao interesse do Estado quanto aos preceitos e princípios da igreja católica. Em seu
desenvolvimento passou, a partir de 1960, a sofrer influências do Serviço Social norteamericano, o que resultou na tecnificação da profissão, ancorando-se no método positivistafuncionalista, ainda numa perspectiva ética fundada em preceitos conservadores. Mas, a partir
do Movimento de Reconceituação na América Latina, passou a ter contato com as ciências
sociais, entrando num movimento de ruptura com o conservadorismo, questionando o
significado social da profissão (YAZBEK, 2009). Daí a compreensão do compromisso com a
classe trabalhadora, após o Congresso da Virada9, que marca a ruptura com o
conservadorismo, princípios expressos no Código de Ética profissional de 1986. Esse
posicionamento se expressou, entre outras coisas, na participação de profissionais Assistentes
Sociais durante o processo de formulação da Constituição Federal de 1988, principalmente no
âmbito da Política de Assistência Social (YAZBEK, 2009).
Ainda, nesse processo de redemocratização do país, momento pós ditadura militar, a
partir da progressiva aproximação da teoria social de Marx e, afirmando-se contra a
exploração da força de trabalho e em favor de princípios e valores emancipatórios, ocorre a
construção do Código de Ética de 1993, por meio do qual se expressa e assume o
direcionamento da profissão, isto é, o compromisso com o ser humano-genérico, contra
qualquer forma de exploração, opressão, preconceito e arbitrariedade (BARROCO, 2003;
CFESS, 2013).
9
“O III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – CBAS, realizado na cidade de São Paulo em setembro de
1979 (BOSCHETTI, 2009; BRAVO, 2009; CFESS, 2012), foi de onde emanou a nova roupagem do Serviço
Social brasileiro, ficando conhecido como Congresso da Virada.” (CAZELA, 2012, p. 35).
5
Com efeito, a apropriação da teoria social de Marx e a possibilidade de enfrentamento
da discussão da ética no Serviço Social, a partir da primeira metade da década de 1990, ocorre
a partir do momento em que “[...] a presença de Lukács se torna mais marcante; nas
produções acadêmicas, nos encontros da categoria, o recurso à ontologia social afirma-se
como parte da trajetória de amadurecimento da tradição marxista no Serviço Social”
(BARROCO, 2001, p. 182).
CONSIDERAÇÕES
Frente aos apontamentos, afirma-se que é mediante este amadurecimento no campo
teórico-metodológico que os/as Assistentes Sociais, inseridos em movimentos sociais e da
categoria, passam a compreender sua intervenção para além da execução das políticas sociais,
mas também em sua formulação e avaliação. Isto porque transcende a compreensão de que a
política social é restrita às estratégias de mecanismos de controle do governo, mas são, antes
de mais nada – e isto em contexto global –, expressão de lutas sociais dos trabalhadores na
busca dos direitos sociais (VIEIRA, 1992).
Portanto, a construção, cotidiana, de um projeto ético-político profissional10 pautado
na: democracia, enquanto participação das decisões políticas e da riqueza socialmente
produzida; na liberdade, enquanto valor ético central; na justiça social, enquanto consolidação
da cidadania (direitos civis, políticos, econômicos e sociais), é eixo central para o
enfrentamento das expressões da “questão social”, reconhecendo os direitos enquanto
resultado das lutas sociais e buscando, cada vez mais, não reproduzir interesses da classe
dominante, caminhando a um projeto societário emancipador. Isto porque:
10
Composto por Lei de Regulamentação, Código de Ética Profissional e Diretrizes Curriculares,
respectivamente, regulamentado atualmente por meio dos instrumentos jurídico-normativos: BRASIL, Lei n.
8662 de 7 de junho de 1993: dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8662.htm>. Acesso em: 28 jan. 2014.; CFESS,Resolução
CFESS n. 273 de 13 de março de 1993. 9. ed. Revista e atualizada. Com as alterações introduzidas pelas
Resoluções CFESS n.290/94, 293/94, 333/96 e 594/11. Texto com adequação de linguagem de gênero, conforme
deliberação
do
39º
Encontro
Nacional
CFESS/CRESS.
Disponível
em:
<
http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP2011_CFESS.pdf> Acesso em: 28 jan. 2014.; ABEPSS,Lei de Diretrizes
Curriculares: Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social (com base no Currículo Mínimo aprovado em
Assembleia
Geral
Extraordinária
de
8
de
novembro
de
1996).
Disponível
em:
<http://www.cressrs.org.br/docs/Lei_de_Diretrizes_Curriculares.pdf> Acesso em 28 jan. 2014.
6
“Não é o projeto ético-político que é ilusório ou de impossível efetivação. É
a sociedade capitalista que não assegura condições concretas para o
atendimento das necessidades humanas e dos direitos na vida cotidiana. É o
projeto político das classes dominantes que busca destituir de sentido
histórico as experiências de resistência e de luta do trabalho.” (BARROCO;
TERRA, 2012, p. 15).
As contradições vividas na atualidade para o conjunto da classe trabalhadora coloca
questões particulares para o Serviço Social como profissão e para os sujeitos da intervenção
profissional. Apreender tal particularidade na atual conjuntura é condição para qualificação do
próprio trabalho e objetivação dos princípios ético-políticos defendidos pela categoria. Este é
o desafio que tanto a formação quanto o exercício profissionais têm enfrentado
cotidianamente, construindo respostas profissionais que movem a realidade social.
REFERÊNCIAS
BARROCO, Maria Lúcia S. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2003)
BARROCO, Maria Lucia S.; TERRA, Sylvia Helena. Código de Ética do/a Assistente
Social Comentado. CFESS – Conselho Federal de Serviço Social (org.). São Paulo: Cortez,
2012
BATISTA, Alfredo Aparecido. O reformismo social-democrata de Robert Castel: uma
resposta às metamorfoses da questão social. Dossiê: A “Questão Social” Temas & Matizes –
n. 17, 2010, p. 50-62. V.9 (Versão Eletrônica)
CAZELA, Mabile C. Resolução CFESS n. 493/2006: seus rebatimentos nos espaços sócioocupacionais correspondentes aos campos de estágio do curso de Serviço Social na
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, campus Toledo-PR. Trabalho de
Conclusão de Curso de Serviço Social da Unioeste, Campus Toledo-PR. Toledo, 2012.
CFESS, Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética do/a Assistente Social.
Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf>Acesso em 02 dez.
2013.
IAMAMOTO, Marilda V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro,
trabalho e questão social. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
IAMAMOTO, Marilda V.; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no
Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 23 ed. São Paulo: Cortez;
CELATS, 2008.
7
LUKÁCS, George. Ontologia do ser social: o trabalho. Tradução do Prof. Ivo Tonet
(Universidade Federal de Alagoas), do texto Il Lavoro, primeiro capítulo do segundo tomo de
Per una Ontologia dell’Essere Sociale. Versão revista por Pablo Polese de Queiroz,
Mestrando em Sociologia pela UNICAMP-SP, a partir da edição em espanhol “El Trabajo” e
cotejada com o original em alemão DIE ARBEIT - Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins.
(Original) Status, 1971 - Kapitel 1 - Luchterhand, 1986.
MARX, K. Processo de trabalho e processo de valorização. In: MARX, K. O Capital. Crítica
da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983. v.1, cap. 1, p. 147-164.
NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 4. ed. São
Paulo: Cortez, 2008.
______. Cinco Notas a Propósito da “Questão Social”. Temporalis, Brasília: Associação de
Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS, n.3, 2001. p. 41-49.
YASBEK, Maria Carmelita. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço
Social. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília:
CFESS/ABEPSS, 2009, p. 143-163, v. 1.
VIEIRA, Evaldo. Democracia e Política Social. Campinas: Editores Associados, 1992
(Coleção Polêmicas do Nosso Tempo)
Download