Universidade de Brasília – UnB Instituto de Ciências Sociais – ICS Teoria Antropológica 1 – 2/2016 – Turma B Prof. Henyo T. Barretto Giovana Mazzoni Armando Sant’Anna – 15/0010907 Ensaio final de TA1 Dois caminhos para a Antropologia O desenvolvimento da Antropologia dependeu de diversos autores que, com suas contribuições, passaram de autores que basicamente imaginavam o que poderia ocorrer em outras áreas do mundo e em um passado considerado distante de sua realidade na história da humanidade, a autores que buscavam trabalhar em campo e explorar fatos verdadeiros e deixar de lado conceitos etnocêntricos que seus antepassados os deixaram. Apesar de uma base semelhante, com as mesmas características iniciais da Antropologia, como o interesse por estudar povos e entender como ocorreu o desenvolvimento de povos humanos durante toda a história, assim como a cultura veio a existir, não demorou até que essa ciência dividisse-se em caminhos diferentes. Nos Estados Unidos, surgiu uma Antropologia Cultural com Franz Boas, enquanto que o Reino Unido recebeu influência incomparável de Rivers, com sua visão de Antropologia Social. Nesses dois caminhos, seguiram diversos autores influentes, delimitados, a fins de análise no presente trabalho, em Kroeber, Benedict, Mead e Sapir, no norteamericano, e Radcliffe-Brown, Malinowski e Evans-Pritchard, no britânico. Boas seguiu uma visão focando em estudos culturais, basicamente criando a Antropologia nos Estados Unidos com essa linha de pensamento. Para ele, deveriam ser estudadas as diversas faces da humanidade, montando sua teoria ao redor disso. Assim, levou ao surgimento do four fields, em que a antropologia estudava características físicas, psíquicas, culturais e históricas de cada povo. O autor criticou as visões existentes na época, que, ao tentar comparar o material coletado de diferentes sociedades, não levavam em consideração o processo histórico do desenvolvimento dessas características – diferentes meios para chegar a um fim semelhante. Com sua visão multidimensional, desenvolveu seu método histórico indutivo, buscando compreender um conjunto de elementos e as condições, internas e externas que influenciaram e modificaram o grupo em questão. É possível relacionar essa visão das influências e características de cada sociedade com Kroeber, um dos estudantes diretos de Boas. Kroeber, com “O Superorgânico”, em que diferencia o que existe no indivíduo e sociedade, com outros duos como físico e mental, inato e adquirido, e mesmo orgânico e cultural. Para Kroeber, o indivíduo possui características mentais que recebe através da hereditariedade mental, além de uma mudança física por meio da evolução. A cultura da sociedade em que está inserido influencia o indivíduo, mas ele depende também dessas características inatas que já nasce possuindo. Assim, ele divide o desenvolvimento das sociedades humanas em uma ideia de duas evoluções, compondo uma teoria do ponto crítico: quando a evolução hereditária (orgânica) está completa, é possível que o grupo e o indivíduo se desenvolvam socialmente (historicamente). Outro estudante de Boas, Sapir tem seu pensamento voltado na relação saudável do indivíduo e a cultura do povo em que o indivíduo está inserido. Segundo o autor, para que esse relacionamento exista de forma positiva, é necessário que os membros participem de forma criadora, adaptando características da comunidade a seu interesse. A interdependência dos indivíduos dentro da cultura é o que leva ao desenvolvimento da civilização, em uma sofisticação progressiva em um processo histórico, que considera elementos quanto à qualidade e padrão de vida. O autor diferencia dois tipos existentes de cultura: autênticas e espúrias. As autênticas são aquelas com um relacionamento saudável com os indivíduos, nas quais todos estão integrados, de forma harmônica. Nessas culturas, o indivíduo é o núcleo de valores, e sua criatividade está diretamente em sintonia com a cultura do grupo. Já nas culturas espúrias, o indivíduo está recebendo ideias e valores através de uma imposição e torna-se apenas um fragmento do espaço social, de forma mecânica, limitando sua criatividade e liberdades individuais. De certa forma estudando esse mesmo indivíduo na cultura do grupo ampliado, Benedict desenvolve sua visão ao redor do entendimento de que a cultura é uma extensão da psicologia individual. Ela está contida em uma escala e continuidade temporal maiores que a do individuo e deve ser estudada segundo a psicologia. A cultura, como um indivíduo coletivo, podia, então, ser estudada utilizando conceitos dessa outra ciência. Segundo a autora, o individuo entra na sociedade e sua cultura com uma disposição inata que pode, ou não, encaixar diretamente com a “tendência cultural dominante”. Caso o indivíduo não se encaixe, é considerado um “mal ajustado”; esse conceito é encontrado em Mead, de forma semelhante, sendo o individuo então chamado de “inadaptado”. A cultura de uma sociedade é formada através de um impulso dominante, a própria tendência dominante, que é tanto formada por, quanto influencia os indivíduos dentro dela. É um resultado contínuo durante a história da sociedade, criada e modificada por fatores internos e fatores externos. Os fatores internos, especificados por Benedict, são as condições psicológicas dos indivíduos que compõe o grupo e como essas condições interagem. Já os fatores externos incluem não só o ambiente, tanto geográfico como sociocultural, como também os relacionamentos que esse grupo tem com outros, e a adição acidental de elementos resultante dessa interação. Mead segue esse entendimento voltado à psicologia, buscando estudar como a noção de características de cada sexo está relacionada ao desenvolvimento da cultura de um povo. Por meio da pesquisa de campo em três diferentes grupos na Papua-Nova Guiné, a autora conseguiu demonstrar como homens e mulheres não agiam da mesma forma que era indicado e esperado no mundo ocidental. Entre os Arapesh, ambos os sexos eram pacíficos, enquanto que os Mundugumor esperavam que ambos estivessem voltados à guerra. Diferentemente de sua própria sociedade, já o último povo estudado, os Tchambuli, esperava que os homens arrumassem-se enquanto as mulheres trabalhavam de forma prática. Demonstrado como a antropologia norte-americana centrou-se no conceito de cultura, seu desenvolvimento e processos históricos, com métodos basicamente voltados a uma análise disso, podemos então entender como ela se diferencia da antropologia britânica. Os antropólogos britânicos, em grande parte, estavam focados nos estudos relacionados à sociedade em si, seu funcionamento e estrutura. Seus grandes autores, incluindo Malinowski e Evans-Pritchard, foram pesquisadores de campo, que viveram por vários meses entre os povos estudados e tornaram-se figuras memoráveis por suas relações com esses povos específicos. Quem talvez possa ser entendido como um paralelo a Boas, o pai norte-americano, é Rivers, aqui então representando o inicio desse estudo de sociedade da antropologia britânica. Com pouco tempo em campo, sua obra “O método genealógico na pesquisa antropológica” focou no desenvolvimento de um método que pudesse permitir ao pesquisador uma comprovação de dados sem a interferência de seu próprio entendimento da sociedade de origem, enquanto não havia a possibilidade de aprender a língua do povo estudado. Esse método genealógico buscava entender a própria estrutura social do povo em questão, coletando dados sobre parentesco e como os indivíduos se relacionavam dentro do grupo. Rivers entendia que, apesar do contato com outros grupos ter a possibilidade (e a capacidade) de modificar certos aspectos daquela sociedade, a estrutura social da qual tratava era algo muito mais profundo, que necessitaria de um estudo mais intenso e especifico para que fosse compreendida, não sendo facilmente influenciada por elementos externos. A maior diferença entre Rivers e Boas, além da clara divergência de visões sobre os focos sociais e culturais, é o método aplicado pelos autores. Enquanto Rivers busca entender as bases da sociedade, com os laços e parentescos sendo seu foco, Boas entende que o estudo de características específicas é a base necessária para se entender o grupo como um todo. Diferentemente de Rivers, Malinowski acreditava que para se conhecer uma sociedade era necessário lá viver por um longo período de tempo, utilizando métodos especiais de coletas baseados na teoria antropológica prévia que o pesquisador tem como bagagem. Esses métodos especiais eram o que possibilitava o pesquisador distinguir entre preconceitos e verdadeiras hipóteses de estudo. Estabelecendo um relacionamento natural com os nativos, era possível presenciar acontecimentos que denunciavam suas verdadeiras características e elementos, como o kula, elemento central nos povos que estudou nas ilhas Trobriand. Seu método envolvia a documentação e registro de tudo que fosse considerado útil, como regras, leis, conduta e ação, narrativas e ideias do povo, buscando entender as diversas dimensões da vida social. Segundo Malinowski, o dever do antropólogo é compreender a visão de mundo do grupo estudado e só por meio da convivência com esses indivíduos seria possível entender seu ponto de vista, e demonstrá-lo depois, na teoria escrita, sem julgamentos. Também um pesquisador de campo, lembrado por seus trabalhos com os Nuer e com os Azande, sobre os quais escreveu um livro sobre a bruxaria que praticavam, EvansPritchard teve sua importância na formulação da antropologia como ciência. Ele entendia que a antropologia devia se separar de seus traços iniciais, semelhantes às ciências naturais, por ser, na realidade, uma área da história da humanidade. Evans-Pritchard acreditava que o trabalho de campo era condição necessária para se desenvolver um trabalho antropológico, realizando uma interpretação de valores culturais por meio da comparação. Essa comparação deveria vir do conhecimento multidimensional do próprio pesquisador, indo além da relação superficial de pesquisador vivendo entre os nativos. Radcliffe-Brown, o último autor britânico a ser tratado neste trabalho, foi aluno direto de Rivers, recebendo dele parte da influência que o fez seguir no caminho da antropologia social, além do interesse em estudar sobre relacionamentos de parentesco dentro das sociedades estudadas. Seu tema central de estudo era a estrutura social, entendendo a realidade como um conjunto de relações entre indivíduos, que forma uma rede de relacionamentos. Apesar da característica em comum com os autores já tratados, que tratam a comparação como a base da antropologia, Radcliffe-Brown aproxima a Antropologia Social às ciências da natureza, entendendo a sociedade como um organismo, um sistema natural, que merece e deve ser estudada seguindo métodos das ciências naturais. Considerando um passado não muito distante da antropologia, que envolvia verdadeiros negócios de gabinete, no qual os autores não iam a campo realizar pesquisas, é um avanço grande essa busca de diversos antropólogos de criar uma nova visão para a ciência, coletando dados em primeira mão e tentando distanciar do etnocentrismo que era, em grande parte, a base para estudos antropológicos anteriores. A antropologia surgiu com um pano de fundo extremamente ligado aos preconceitos da visão europeia, que considerava outros povos primitivos e atrasados, buscando, assim, justificar a exploração e suas visões evolucionistas. Apesar disso, tanto os antropólogos britânicos quanto os norte-americanos tiveram um trabalho quase conjunto de determinar novas bases para a ciência. Seja com estudos voltados à cultura ou à própria estrutura da sociedade, a comparação e a utilização de conceitos diversos de forma a olhar não com a visão de um integrante de uma sociedade, e sim com uma visão de pesquisador objetivo e engajado com a forma que o grupo estudado entendia o mundo, ambas as linhas de estudo tiveram seu nível de relevância. Referências bibliográficas BENEDICT, Ruth. S/d. [1934]. “Primeira Parte: apresentação do problema”; “O indivíduo e o padrão de cultura”. Em Padrões de Cultura. Lisboa: Livros do Brasil (Col. ‘Vida e Cultura’). pp. 13-70; e 276-304. BOAS, Franz. 2004 [1896; 1920; 1931]. “As limitações do método comparativo da antropologia”; “Os métodos da etnologia”; e “Raça e progresso”. Em CASTRO, Celso (org.). Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Zahar. pp. 25-39; 41-52; 67-86. BOAS, Franz. 2010 [1938]. “Raça, língua e cultura”; “A mente do ser humano primitivo e o progresso da cultura”; “As associações emocionais dos primitivos”. Em A Mente do Ser Humano Primitivo. Petrópolis: Vozes. pp. EVANS-PRITCHARD, Edward. E. 2005 [1937]. Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar. KROEBER, Alfred L. 1993 [1917]. “O superorgânico”. Em A Natureza da Cultura. Lisboa: Edições 70. pp. 39-79. MALINOWSKI, Bronislaw. 1976 [1922]. Os Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural. MEAD, Margaret. 1988 [1935]. “Introdução”; “A padronização do temperamento sexual”; “Inadaptado”; e “Conclusão”. Em Sexo e Temperamento. São Paulo: Perspectiva. pp. 19-27; 267-303. RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald. 1973 [1924] “O irmão da mãe na África do Sul”. Em Estrutura e Função na Sociedade Primitiva. Petrópolis: Vozes. pp. 27-45. _____. 1978 [1952]. “O método comparativo em antropologia social”. Em MELLATI, Julio Cezar (org.). Radcliffe-Brown: Antropologia. São Paulo: Ática (Col. ‘Grandes Cientistas Sociais’, 3). pp. 43-58. RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald. 1973 [1935; 1940]. “Sobre o conceito de função em ciências sociais”; “Sobre a estrutura social”. Em Estrutura e Função na Sociedade Primitiva. Petrópolis: Vozes. pp. 220-231; 232- 251. RIVERS, William H. R. 1991 [1910; 1911]. “O método genealógico na pesquisa antropológica”; “A análise etnológica da cultura”. Em CARDOSO DE OLIVEIRA, R. (org.). A Antropologia de Rivers. Campinas: EdUNICAMP. pp. 51-69; 155-178. SAPIR, Edward 1949 [1924]. “Cultura ‘autêntica’ e ‘espúria’”. Em PIERSON, Donald (org.) Estudos de Organização Social. Tomo II: Leituras de Sociologia e Antropologia Social. São Paulo: Martins Editora. pp. 281-311. _____. 2015 [1934]. “A emergência do conceito de personalidade em um estudo de culturas”. Em CASTRO, Celso (org.). Cultura e Personalidade. Rio de Janeiro: Zahar. pp. 110-127.