1 roni meneses da silva o uso do termo de consentimento

1
RONI MENESES DA SILVA
O USO DO TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO COMO FORMA DE
ISENÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR PARTE DO MÉDICO
Monografia apresentada como requisito para obtenção do
grau de Bacharel, pelo programa de graduação da
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.
Orientador: Profª. Kadja Menezes da Costa
Porto Alegre
2006
2
Roni Meneses da Silva
O USO DO TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO COMO FORMA DE
ISENÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR PARTE DO MÉDICO
Monografia apresentada como requisito para obtenção do
grau de Bacharel, pelo programa de graduação da
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.
Aprovada pela Banca Examinadora em ___de ______________de 2006.
Banca Examinadora
___________________________________
Prof. Orientador
___________________________________
Prof. Convidado
___________________________________
Prof. Convidado
3
Este trabalho é dedicado a duas pessoas
que foram muito importantes na minha
vida. A minha mãe, Amaurília Menezes da
Silva (D. Biba), e a Sra. Alda Malta (D.
Loló), que hoje se encontram juntas no
plano espiritual, iluminando o meu
caminho e o de minha família.
4
AGRADECIMENTOS
À professora Kadja Menezes da Costa, minha orientadora, e à professora
Lívia Haygert Pithan, pela orientação e incentivo para realização deste trabalho; à
Dra. Sandra Maria Gutheil Lopes de Almeida, Defensora Pública, minha orientadora
na Defensoria Pública do Estado, pelo tempo fornecido para realização deste
trabalho e principalmente, pela amizade, pelo afeto e pela luz que irradia a quem
está ao seu redor; à minha esposa Karen Alam Leal, pela ajuda e compreensão nas
horas mais difíceis da minha jornada no decorrer deste curso, e à minha filha, Ana
Carolina, que mesmo na sua inocência, teve paciência para aguardar pelas horas do
pai dedicadas ao estudo.
5
Quem é consciente do alcance do seu saber a das potencialidades de que é
dotado tem muito mais facilidade em perceber com exatidão o ponto a partir do qual
a atuação estará adentrando em área de extremo risco para as condições técnicas e
pessoais naquele dado momento. Assim, grande parcela dos acidentes e erros
poderia ser evitada mediante adequada avaliação do caso concreto, riscos e
benefícios que se contrapõe antes da intervenção do facultativo. O exame criterioso
do paciente é cautela primária, conduta que deve ser tomada juntamente com a de
ouvi-lo, pois dele é que serão extraídos os subsídios iniciais para uma conclusão
plausível acerca do quadro clínico geral.
Fabrício Zamprogna Matielo
6
RESUMO
A informação, seja verbal ou escrita, sobre um procedimento terapêutico,
diagnóstico ou tratamento médico aos pacientes ou familiares, e a forma como
explicar de maneira compreensiva o que está sendo repassado é uma grande
preocupação entre a classe médica nos dias atuais. O médico não pode submeter o
seu paciente a tratamento ou procedimento terapêutico sem obter do mesmo seu
consentimento, salvo alguns casos específicos. Tal informação deve ser noticiada de
forma que o paciente a compreenda com a maior nitidez, devendo a decisão ser
tomada por pessoa capaz, de forma autônoma e livre de vícios. O Consentimento
Informado vem ser a forma, verbal, como o médico informa o seu paciente ou
representante, de modo nítido, os atos e etapas, relacionados ao diagnóstico e ao
seu tratamento terapêutico, elucidando os riscos e benefícios, de forma que possa,
autonomamente, escolher por realizar, ou não, o possível tratamento. Já o Termo de
Consentimento Informado é a forma escrita da passagem destas informações, onde
o médico deixa registrado todos os acontecimentos terapêuticos. Considerando os
7
direitos inerentes à pessoa do paciente e a enorme inquietação da classe médica
com relação às demandas judiciais originadas pela falta da informação adequada
transmitida a seus pacientes, o presente trabalho visa esclarecer alguns aspectos
importantes do consentimento informado, bem como da responsabilidade civil
médica. Com o objetivo de unificá-los, verificando importantes detalhes, a fim de se
evitar constantes demandas judiciais, bem como possíveis condenações, contra
médicos por falta de consentimento informado ou de um termo de consentimento. A
importância de que este profissional torne costumeira a prática do termo de
consentimento informado é de extrema necessidade para se evitar possíveis
condenações judiciais. É relevante também, que o profissional tome os devidos
cuidados na hora de elaborar o termo. O repasse deste termo ao paciente e/ou seus
familiares deve ser de linguagem fácil, clara e acessível, devendo fugir ao uso de
terminologias técnicas, evitando-se assim, uma difícil compreensão por parte do
paciente. Desta forma, o processo de obtenção do consentimento será liso e
transparente, obtendo-se uma manifestação livre de vícios e adequada a cada
paciente. Contudo, o fato é que o termo de consentimento informado não afasta as
responsabilidades do médico nos casos de imprudência, imperícia ou negligência.
Mas atenuam, ou impedem eventuais pretensões judiciais em seu desfavor, sendo o
respectivo termo sua principal defesa. Ou seja, uma garantia que legitima o
procedimento utilizado no tratamento oferecido ao seu paciente.
8
ABSTRACT
Nowadays, there is a major concern in the Medical community about the
quality of information that the patient or the family members receive concerning a
therapeutic procedure, diagnosis or medical treatment. It is not possible that a certain
treatment or procedure be done in a patient without its knowledge and assertion. So,
such information must be released in a clear and comprehensive manner that will
lead to an independent, unbiased and neat decision. The “Informed Consent” has
become an explicit way to report all the acts and paths related to the diagnosis and
treatment to the patient or its representative. In this document all the risks and
benefits are made clear, in a manner that leads to a free decision about doing or not
what is been proposed. This work goal is to make clear some important aspects
concerning the “Informed Consent”, taking in account the intrinsic rights of every
person/patient, and the increasing concern in the medical class due to the growing
number of judicial causes that come from the lack of good information in the relation
medic/patient. It focus also, in the aspects that relate to the medical civil liability in the
9
“Consent”, checking its details with the purpose to unit the juridical aspects, and
asserts that the use of the Consent can lead to less, or less severe, lawsuits against
doctors. We try to make it clear that the Informed Consent common use is a
necessity in order to decrease the number of malpractice lawsuits against s doctors.
It is important, also, that the final contract must be very well elaborated, but avoiding
excess of technical terms. The language should be easily understandable and
accessible, making the decision easy to the patient/representative. In this way the
final agreement will be lucid, and clear of misinterpretation. However, it must be clear
that the Informed Consent do not exempt the physician of being legally answerable,
in case of any rashness, imperfection or disregard to the patient. Otherwise, in
certain cases, it can attenuate, or even block a lawsuit, as the piece of Consent may
be they major piece of pleading. In order to be so, it must be well done and be a
legitimate procedure.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................12
1. TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO .....................................14
1.1. Conceito .................................................................................14
1.2. Autonomia no Termo de Consentimento Informado .........18
1.3. O Dever de Informar ..............................................................26
2. RESPONSABILIDADE MÉDICA .............................................................33
2.1. Obrigações .............................................................................33
2.2. Obrigações de Meio, Resultado e de Garantia ...................36
2.3. Responsabilidade Civil .........................................................42
2.4. Responsabilidade Civil Médica ............................................45
11
3. CONSENTIMENTO
INFORMADO
X
RESPONSABILIDADE
CIVIL
MÉDICA ..................................................................................................65
CONCLUSÃO ...............................................................................................74
REFERÊNCIAS ............................................................................................77
12
INTRODUÇÃO
A informação sobre um diagnóstico, tratamento ou procedimento terapêutico,
aos pacientes e, ou familiares, e a maneira como expor de forma que estes a
compreendam é uma grande preocupação entre a classe médica nos dias atuais. De
posse de tais informações, o paciente, de forma autônoma, pode decidir pelo
tratamento médico oferecido. Desta forma, tentam os médicos, além de cumprirem
com sua obrigação moral de informar tudo o que se passa com o seu paciente,
eximirem-se de eventual responsabilidade jurídica, civil e criminal, pelo tratamento.
A falta de obtenção de uma autorização verbal ou documentada do paciente,
há tempos atrás, e por que não dizer, até os dias atuais, é um dogma para alguns
profissionais médicos, com referência a diagnósticos e tratamentos terapêuticos.
Durante séculos perdura o paternalismo entre a relação médico-paciente, sem que
esta sofra qualquer tipo de abalo, onde o médico tem o dever de beneficiar o seu
13
paciente conforme seu exclusivo juízo, seguindo os pressupostos da deontologia
hipocrática clássica. 1
Neste contexto, com o advento da Constituição de 1988, que priorizou a
dignidade da pessoa humana, e o Código do Consumidor que veio para regular as
relações de consumo, o médico não pode submeter o seu paciente a tratamento ou
procedimento terapêutico sem obter do mesmo seu consentimento. Tal informação
deve ser repassada de forma clara e transparente, sendo a decisão tomada por
pessoa capaz, de forma autônoma e livre de vícios.
Considerando os direitos inerentes à pessoa do paciente e a enorme
preocupação da classe médica com relação às demandas judiciais originadas pela
falta de informação adequada a seus clientes, o presente trabalho visa esclarecer
alguns aspectos importantes do consentimento informado, da responsabilidade civil
médica e com isto unificá-los, verificando desta forma, importantes detalhes, a fim de
se evitar as constantes demandas judiciais contra médicos por falta de um termo de
consentimento informado.
1
Cfe. PITHAN, Lívia Haygert. O consentimento informado como exigência ética e jurídica. In:
14
1.
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
1.1
CONCEITO
Com o advento do novo Código Civil e de uma priorização dos Direitos
Humanos pela sociedade - como forma de ressaltar a dignidade da pessoa humana
- é de suma importância que a relação médico-paciente seja calcada na
transparência, na veracidade, no respeito e principalmente, na confiança formada
através de um vínculo afetivo, haja vista a complexa relação que se cria entre as
partes, onde, através da troca de informações, prevaleça a dignidade supracitada.
Desta forma, criou-se o Termo de Consentimento Informado, o qual segundo
o professor Joaquim Clotet, conforme estudos de C.M. Sauders, M. Baum, J.
Houghton e G. Herranz, a concepção do consentimento está presente nos escritos
de William Beaumont e Claude Bernard no século XIX, ficando o uso do
15
Consentimento Informado restrito ao século XX, existindo pouquíssimas informações
desta prática antes dos anos 60.2
O termo de Consentimento Informado, o qual está descrito no atual Código
de Ética Médica3 e nas Normas de Pesquisa e Saúde no Brasil4 não é uma
expressão usual ao longo da história da medicina.
O termo de Consentimento Informado vem ser a forma escrita como o
médico orienta ou esclarece o seu paciente5, de maneira clara e transparente, os
atos e etapas, relacionados ao diagnóstico e ao seu tratamento terapêutico,
explicando os possíveis riscos e benefícios, de forma que o paciente possa, de
forma autônoma, escolher por realizar ou não o possível tratamento.
Já o Consentimento Informado é a forma verbal da passagem das
informações, supracitadas, aos pacientes pela classe médica, bem como por outras
classes da área da saúde.
Este processo, segundo Quintana Trias, é um processo lento e gradual,
onde o documento escrito não pode substituir a informação verbal. O documento
deve ser considerado apenas uma garantia que a informação foi repassada ao
paciente, dando ao médico a segurança de uma defesa perante uma futura
demanda judicial. 6
2
Cfe. CLOTET, Joaquim. O consentimento informado nos comitês de ética em pesquisa e na prática
médica: conceituação, origens e atualidade. Bioética, v.3, n.1, Brasília, Conselho Federal de
Medicina,1995, p. 51-59.
3
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Código de ética médica.Resolução 1.246, artigo 46, de
08.01.1988.
4
BRASIL, Ministério da Saúde: Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96.
5
Entenda-se que durante o trabalho, quando nos referirmos a “paciente”, estará subtendido a
inclusão do responsável aos casos de incapacidade temporária ou permanente do paciente.
6
Cfe. QUINTANA TRÍAS, Octavi. Materiales de bioética y derecho. Barcelona:Cedecs Editorial, 1996.
p. 164.
16
Assim, o Consentimento Informado constitui direito basilar do paciente, de
participar de toda e qualquer decisão terapêutica, que possa abalar sua integridade
física ou psíquica, devendo ser alertado pelo médico dos possíveis riscos e
benefícios do tratamento terapêutico que ele venha a sofrer.
Não obstante, o surgimento do Consentimento Informado veio como uma
forma eticamente correta de esclarecer os pacientes, todas as etapas da assistência
médica, bem como um dever moral de informação, conforme o professor Joaquim
Clotet:
O consentimento informado é um elemento característico do atual
exercício da medicina, não é apenas uma doutrina legal, mas um direito
7
moral dos pacientes que gera obrigações morais para os médicos.
Marilise Kostelnaki Baú, conceitua Consentimento Informado de forma
transparente:
O consentimento informado é a decisão voluntária de pessoa
autônoma e capaz após um processo informativo e deliberativo visando à
aceitação de um tratamento médico ou experimentação terapêutica,
8
determinados ou específicos, após saber de suas conseqüências e riscos.
Para o professor Joaquim Clotet, a noção de Consentimento Informado,
consiste em uma condição indispensável na relação entre médico e paciente.
Consentimento Informado é uma decisão voluntária, verbal ou
escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um
processo informativo, para a aceitação de um tratamento específico ou
experimentação, consciente de seus riscos, benefícios e possíveis
conseqüências.9
7
CLOTET, Joaquim. O consentimento informado nos comitês de ética em pesquisa e na prática
médica: conceituação, origens e atualidade. Bioética, v.3, n.1, Brasília, Conselho Federal de
Medicina,1995, p. 51-59.
8
BAÚ, Marilise Kostelnaki.Capacidade jurídica e consentimento informado. Bioética, v.12, nº 1.
Brasília, Conselho Federal de Medicina, 2004. p. 103-108.
9
CLOTET, Joaquim. Consentimento Informado e a sua prática na assistência e pesquisa no brasil.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000b. p.11.
17
O dever de informar é regra primordial da atividade médica. A falta de
informação sobre o respectivo tratamento deve ser considerada como um ato de
negligência por parte do profissional médico. Tal prática deve ser afastada nos dias
atuais, não cabendo mais ao médico responder sempre pelo doente, decidindo
sozinho o que fazer, como fazer e quando fazer, a não ser nos casos onde possa
haver iminente perigo de vida do paciente.
O mestre João Vaz Rodrigues esclarece:
Dos deveres de tratar, de agir segundo as legis artis, de organizar o
processo clínico e de observar sigilo, na consecução do tratamento o
médico deve respeitar o paciente, dever este que se desdobra nos de
10
informar, confirmar o esclarecimento e obter o consentimento.
O Consentimento informado pressupõe mais do que a mera capacidade do
paciente de escolher, voluntariamente, um médico ou de recusar um tratamento. A
obtenção do consentimento representará como conseqüência, um direito líqüido e
certo, um processo recíproco de informações. Estas trarão para as duas partes um
respeito mútuo e valorativo, pelo qual prevalecerá à boa-fé e a relação humana,
como medida de salutar justiça.
Neste diapasão, Miguel Reale nos lembra Platão, em um de seus diálogos
memoráveis:
Que para alguns, o fundamento do Direito é a vontade dos mais
fortes ou dos mais astutos; para outros, é o resultado da aliança dos mais
fracos prevenindo-se contra abusos da força; para outros é a utilidade, a
10
VAZ RODRIGUES, João. O consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico
português (elementos para o estudo da manifestação de vontade do paciente). Coimbra: Coimbra,
2001. p. 23/24. apud KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.p. 281.
18
combinação ou ajuste dos interesses; mas há quem aponte a exigência da
ordem, da felicidade geral, da segurança ou da paz.11
Os diversos questionamentos em relação ao trato médico-paciente
possibilitaram um fortalecimento do Consentimento Informado, sendo este
expressão de respeito ao princípio ético e moral de consideração da dignidade da
pessoa humana, sob o prisma de que o paciente é sujeito autônomo, capaz e dotado
de vontade própria.
1.2
AUTONOMIA NO TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
O termo autonomia - deriva do grego autos(próprio) e nomos(regra) - referese à capacidade do ser humano de possuir valores, expectativas, projetos de vida. O
referido vocábulo compreende a faculdade de se governar, ter independência, ou
seja, poder da pessoa humana de tomar decisões que afetam sua vida, sua saúde,
sua integridade físico-psíquica, sua relação social.12
11
Cfe. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 374.
FORTES, Paulo Antônio de Carvalho. Ética e saúde: questões éticas, deontológicas e legais,
tomada de decisões, autonomia e direitos do paciente, estudo de casos. São Paulo: EPU, 1998, apud
LIVIA, Haygert Pithan, Bernardes, Fabrício Benites e PIRES FILHO, Luiz Alberto B. Simões.
Capacidade decisória do paciente: aspectos jurídicos e bioéticos , in Ciclo de Conferências em
Bioética I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 125.
12
19
Conforme o renascentista Pico Della Mirandola:
ao homem é dada a oportunidade para realizar seu projeto de
vida. O perfil de sua personalidade ética quem traça e esculpe é o próprio
indivíduo. Neste sentido, o homem é o que decide ser. Tudo vai depender
13
das opções assumidas pelo livre arbítrio de cada um.
É correto afirmar que a autonomia humana é a capacidade de usufruir
dinamicamente os bens da inteligência, como forma de atingir algum objetivo, que
no caso em tela, é o de decidir, de forma voluntária, sobre algum tipo de tratamento
terapêutico.
Neste contexto, cabe ressaltar um dos primeiros casos na história do
consentimento informado, onde, em 1914, o juiz Benjamin Cardozo esclareceu:
Todo ser humano em idade adulta e com capacidade mental normal
14
tem o direito de determinar o que será feito no seu próprio corpo.
Desta forma, impossível falar de Consentimento Informado sem abordar o
princípio da autonomia de vontade na conduta do paciente, sendo este agente único
de seus próprios atos e vontades. Ao médico cabe informar e instruir o paciente de
forma correta e esclarecedora sobre o tratamento, mas cabe ao paciente decidir e
agir de forma livre e autônoma sobre aceitar ou não o tratamento terapêutico
proposto.
13
PICO DELLA MIRANDOLA, Giovanni. A dignidade do homem. Trad., notas e estudo introdutório de
Luiz Feracine. São Paulo: GRD, 1988. apud PITHAN, Lívia Haygert. A dignidade humana como
fundamento jurídico das “ ordens de não-ressuscitação” hospitalares. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
p. 71.
14
CARDOZO, Benjamin. 1914. Dissenting opinion in Schloendorff v. Society of New York Hospital.
211 N.Y. 125, 105 N.E. 92, apud CLOTET, Joaquim, GOLDIM, José Roberto e FRANCISCONI,
Carlos Fernando. Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no brasil. 1ª ed.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 21.
20
Segundo o Código de Ética Médica15 é vedado desrespeitar o direito do
paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou
terapêuticas, exceto em caso de risco de vida, e por conseqüência, a tentativa de
isentar os médicos pela escolha realizada.
Indubitável que a manifestação desta vontade exerça papel fundamental
dentro da relação médico-paciente. O professor Joaquim Clotet explica:
O reconhecimento da autonomia da pessoa, paciente ou sujeito de
experimentação, e a insistência em que ela seja respeitada, constituem
mais uma contribuição para o aperfeiçoamento da prática médica no país,
no interesse do diálogo e respeito exercitados em nível de profissão e pela
melhora do relacionamento médico-paciente baseado no princípio da
justiça.16
Tal situação possui respaldo no novo Código Civil, que ao contrário do
código de 1916, prevê a autonomia do paciente:
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco
17
de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Portanto, o profissional médico está impedido de submeter o paciente a
qualquer tipo de tratamento terapêutico ou cirurgia, sem que este obtenha
consentimento por parte do paciente.
Nesta linha de pensamento, Lívia Haygert Pithan, nos explica:
A limitação médico-terapêutica respeita o princípio constitucional da
dignidade humana na medida em que não deixa de haver prestação da
assistência médica no final da vida, através da manutenção do dever de
15
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Código de ética médica.Resolução 1.246, artigo 46, de
08.01.1988.
16
CLOTET, Joaquim. O consentimento informado nos comitês de ética em pesquisa e na prática
médica: conceituação, origens e atualidade. Bioética, v.3, n.1, 1995, p. 51-59.
17
BRASIL, Legislação. Código Civil, Lei 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 18 ed., 2003. p. 14.
21
cuidado e oferta de terapias proporcionais, e respeito à autonomia do
paciente, expressa pelo consentimento informado.18
Ocorre que, toda regra geral possui suas exceções. Não se pode esquecer
que o profissional médico realiza um juramento (Juramento de Hipócrates) de
preservação da vida humana, do dever de prestar socorro a quem quer que seja. É
estabelecido no código de Ética Médica, em seu artigo 1°:
Art. 1° A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser
humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de
qualquer natureza. 19
A medicina tem por fim maior a saúde da pessoa humana, a preservação da
vida, independente da religião, política, cor ou posição social do indivíduo, sendo
este o entendimento de alguns doutrinadores e juristas.
O dever de prestar socorro, muitas vezes esbarra nas hipóteses supra
citadas, onde pacientes não aceitam determinados tratamentos. Um exemplo típico
são as testemunhas de Jeová, que não aceitam certos tipos de tratamentos
terapêuticos, como a transfusão de sangue, por exemplo.
Nestes casos, apesar do choque de dois direitos fundamentais, garantidos
pela nossa Constituição (direito a vida x direito a liberdade religiosa), a vida, como
sendo um bem maior e indisponível, deve ser preservada, sobrepondo-se ao direito
à religião, sendo tal entendimento majoritário entre a doutrina e a nossa
jurisprudência.
EMENTA: cautelar. transfusão de sangue. testemunhas de Jeová. não
cabe ao poder judiciário, no sistema jurídico brasileiro, autorizar ou ordenar
18
PITHAN, Lívia Haygert. A dignidade humana como fundamento jurídico das “ ordens de nãoressuscitação” hospitalares. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 77.
19
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Código de ética médica. Resolução 1.246, de 08.01.1988
22
tratamento
médico-cirúrgicos
e/ou
hospitalares,
salvo
casos
excepcionalíssimos e salvo quando envolvidos os interesses de menores.
Se iminente o perigo de vida, é direito e dever do medico empregar todos os
tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a
vontade deste, e de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a
oposição seja ditada por motivos religiosos. Importa ao medico e ao hospital
e demonstrar que utilizaram a ciência e a técnica apoiadas em séria
literatura médica, mesmo que haja divergências quanto ao melhor
tratamento. o judiciário não serve para diminuir os riscos da profissão
médica ou da atividade hospitalar. se transfusão de sangue for tida como
imprescindível, conforme sólida literatura médico-cientifica (não importando
naturais divergências), deve ser concretizada, se para salvar a vida do
paciente, mesmo contra a vontade das testemunhas de Jeová, mas desde
que haja urgência e perigo iminente de vida (art-146, par-3, inc-I, do código
penal). caso concreto em que não se verificava tal urgência. o direito a vida
antecede o direito a liberdade, aqui incluída a liberdade de religião é falácia
argumentar com os que morrem pela liberdade pois, aí se trata de contexto
fático totalmente diverso. não consta que morto possa ser livre ou lutar por
sua liberdade. Há princípios gerais de ética e de direito, que aliás norteiam a
carta das nações unidas, que precisam se sobrepor às especificidades
culturais e religiosas; sob pena de se homologarem as maiores
brutalidades; entre eles estão os princípios que resguardam os direitos
fundamentais relacionados com a vida e a dignidade humanas. religiões
devem preservar a vida e não exterminá-la. (apelação cível nº 595000373,
sexta câmara cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Sérgio Gischkow
Pereira, julgado em 28/03/1995) 20
Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho possuem o mesmo entendimento:
Temos plena convicção de que, no caso da realização de transfusão
de sangue em pacientes que não aceitam esse tratamento, o direito à vida
se sobrepõe ao direito à liberdade religiosa, uma vez que a vida é o
pressuposto da aquisição de todos os outros direitos. Além disso, como já
colocado, a manutenção da vida é interesse da sociedade e não só do
indivíduo. Ou seja, mesmo que, intimamente, por força de seu fervor, ele se
sinta violado pela transfusão feita, o interesse social na manutenção de sua
vida justificaria a conduta cerceadora de sua opção religiosa. 21
E complementam os autores:
Havendo, porém, a situação de perigo de vida, a realização do
tratamento, ainda que sem êxito, com o eventual falecimento do paciente,
não deve impor responsabilidade civil do profissional, pois este estará
seguindo o seu dever, por força da interpretação dos arts. 56 e 59 do
Código de Ética Médica. 22
20
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 22/12/2005.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2ªed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 240.
22
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2ªed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 241.
21
23
Luzia Chaves Vieira, bem como o nosso entendimento, ao contrário da
maioria dos nossos doutrinadores e da nossa jurisprudência, acolhe que, o poder de
disposição sobre o próprio corpo é um direito personalíssimo, cabendo somente à
pessoa determinar o que é certo ou errado para si, possuindo livre arbítrio, o qual é
inerente à pessoa. 23
O Conselho Federal de Medicina, na Resolução CFM n. 1.021/80, adotou
parecer que permite o procedimento médico, em casos de perigo de vida, sem o
consentimento do paciente.
PARECER PROC. CFM n. 21/80
CONCLUSÃO
Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o
médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a
seguinte conduta:
1º Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a
vontade do paciente ou de seus responsáveis.
2º Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a
transfusão de sangue, independente de consentimento do paciente ou de
24
seus responsáveis.
Portanto entendemos importante a autonomia médica para avaliar
casuisticamente a capacidade decisória do paciente, nos casos de perigo de vida,
quando este não for capaz ou estiver inconsciente, sem a presença de um
responsável na hora da decisão.
23
Cfe. VIEIRA, Luzia Chaves. Responsabilidade civil médica e seguro. Belo Horizonte: Del Rey,
2001. p. 22.
24
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2ªed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 243/245.
24
Neste sentido, cabe ressaltar as palavras da professora Lívia Haygert Pithan
sobre o assunto:
Diz-se, em Bioética, que nem toda conduta tecnicamente possível
deve ser tida correta do ponto de vista ético. No mesmo sentido, ousamos
afirmar que tudo aquilo que for considerado ética e tecnicamente correto, do
25
ponto de vista médico, deveria ser considerado juridicamente adequado.
E mais:
Portanto, a noção de capacidade decisória do paciente, vista pela
ótica da Bioética, demonstra um nível maior de complexidade do que se
fosse abordada por um prisma legalista do Direito. Não resta dúvidas de
que os aspectos legais devem ser considerados critérios relevantes na
avaliação da autonomia da pessoa doente. Entretanto, os mesmos não
podem ser considerados prioritários quando verificada a nítida discrepância
entre a suposta capacidade conferida pela lei civil e a real capacidade de
decisão autônoma da pessoa, verificada por diversos e complexos fatores
26
da vida real.
Com referência aos casos de pesquisas médicas, há a necessidade de um
prévio consentimento pelo voluntário, já existindo normativa nacional sobre o tema,
27
exigindo a expressa assinatura do paciente. Esse procedimento, também é muito
utilizado nos casos de cirurgias e pesquisas farmacêuticas, como forma de
comprovar que todas as informações sobre o tratamento foram repassadas ao
paciente.
O Dr. José Roberto Goldim, juntamente com o Dr. Carlos Fernando
Francisconi, integrantes do comitê de bioética do Hospital de Clinicas de Porto
Alegre, elaboraram um projeto que auxilia na confecção de um Termo de
25
PITHAN, Lívia Haygert, Bernardes, Fabrício Benites e PIRES FILHO, Luiz Alberto B. Simões.
Capacidade decisória do paciente: aspectos jurídicos e bioéticos , in Ciclo de Conferências em
Bioética I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 136.
26
PITHAN, Lívia Haygert, Bernardes, Fabrício Benites e PIRES FILHO, Luiz Alberto B. Simões.
Capacidade decisória do paciente: aspectos jurídicos e bioéticos , in Ciclo de Conferências em
Bioética I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 137.
27
BRASIL, Ministério da Saúde: Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96.
25
Consentimento Informado para ser utilizado nos casos de pesquisa, tendo como
base, normas que atendam às diretrizes da Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde. 28
Tal projeto enumera os cuidados que se deve ter na hora de elaborar um
Termo de Consentimento Informado, como a linguagem a ser utilizada, informações
sobre o projeto, riscos e desconfortos, benefícios, alternativas, acompanhamento
assistencial, voluntariedade, confidencialidade, uso de imagem, ressarcimento,
indenização e compensação por eventuais danos decorrentes da pesquisa entre
outras coisas.
Verifica-se então, a preocupação dos autores em deixar de forma
transparente ao paciente, todo o procedimento de pesquisa ao qual ele será
submetido. A concernente preocupação também garante ao indivíduo segurança
indenizatória, de forma a sanar qualquer problema que venha acontecer,
demonstrando boa-fé por parte do profissional e ao mesmo tempo protegendo-se de
futuras ações indenizatórias.
28
GOLDIM,
José
Roberto,
FRANCISCONI,
Carlos
<www.bioetica.ufrgs.br/conspesq.htm>. Acesso em 15/06/2005.
Fernando.
Disponível
em
26
1.3
O DEVER DE INFORMAR
O objetivo do Consentimento Informado é fazer prevalecer à autonomia do
paciente, após a passagem de informações claras e precisas sobre um possível
tratamento terapêutico por parte do profissional médico.
Ocorre que, atualmente existe uma grande preocupação entre a classe
médica de como expor a devida informação sobre um diagnóstico, tratamento ou
procedimento aos seus pacientes, de forma que eles a compreendam, esclarecendo
assim, todas as suas dúvidas.
É natural que as pessoas queiram participar de decisões que refletirão em
suas próprias vidas, não se devendo afastar o direito destes indivíduos, de decidir
qual o melhor caminho a ser tomado em determinada situação. Sempre orientadas
pelos profissionais médicos com todas as informações possíveis e imagináveis sobre
a doença e seu tratamento. Tais informações devem ser completas, iniciando pela
própria apresentação do médico, até os pretendidos resultados finais, dando aos
pacientes, desde que capazes, ou a seus representantes, dados suficientes para
que, objetivamente, tenham autonomia para escolher pelo tratamento terapêutico
oferecido29. Logo, será outorgada aos pacientes, a prerrogativa de escolha,
29
Cfe. PESTANA, José O. Medina , PROENÇA, José Marcelo M.. Consentimento informado ou
consentimento assinado? Jornal de Cremesp, Fev. 2004; p. 198.
27
preservando, desta forma, os seus direitos, logo, todo ato médico deve ser
compreendido como reflexo da decisão livre do paciente. 30
Conforme reunião organizada pelos conselheiros do CREMESP-Conselho
Regional de Medicina de São Paulo, foi discutido entre a classe médica daquele
estado, como deve se portar o profissional da medicina diante do seu paciente, ao
relatar - de maneira a não restar dúvidas - o diagnóstico ou o tratamento terapêutico
adequado a ser realizado. Tal reunião tentou elucidar as diversas incertezas
relacionadas ao tema em tela, uma vez que existe uma grande confusão entre os
médicos quanto ao real uso do consentimento informado e como utilizá-lo no seu
dia-a dia.31
O problema é que muitas vezes a passagem de tais informações esbarra na
grande dificuldade que a classe médica possui em transpor o enorme desnível
cultural, bem como o de interpretação. Muitas vezes, esta adversidade é encontrada
por eles, na hora de ter que explicar ao paciente, de forma clara, o diagnóstico de
sua doença e como realizar tal procedimento cirúrgico ou tratamento terapêutico, de
modo que o mesmo fique bem esclarecido e possa tomar uma decisão autônoma,
sobre o aceite do tratamento. Tal barreira, não raras vezes, desestimula o médico a
repassar as devidas informações aos seus pacientes, de forma que eles, meio
paternalistas, tomam as decisões por seus clientes.
30
Cfe. FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.
31
PESTANA, José O. Medina , PROENÇA, José Marcelo M.. Consentimento informado ou
consentimento assinado? Jornal de Cremesp, Fev. 2004; p. 198.
28
Discorrendo sobre o consentimento informado, MÁRIO RAPOSO expende
as seguintes considerações:
Sem margem de dúvida é a problemática do consentimento
informado um dos essenciais segmentos de relação médico-paciente.
Aceitando como bitola o nível cultural e a capacidade de discernimento do
doente, está o médico adstrito a prestar-lhe a ´mais serena` informação
sobre o diagnóstico e as terapêuticas possíveis: sintetizando, com
compreensibilidade, as divisáveis conseqüências deste, tendo em conta os
conhecimentos médicos disponíveis: isto para que assegurado fique o
respeito pela irrepetível dignidade da pessoa ( que, no caso, é o doente ou,
mais alargadamente, o destinatário do acto médico) e pelos seus direitos;
tudo para que promovida fique uma esclarecida adesão às propostas
terapêuticas. E no intento de alcançar este objectivo, deve o médico
estimular um dialogo aberto e humanamente paritário. Não se tratará, por
certo, de adoptar um modelo paternalístico nem contratual, mas de fazer
nascer uma interacção fiduciária, radicada no denso valor ético-social da
32
recíproca confiança.
O referido assunto, também é comentado pelo médico mexicano Quintana
Trías:
A implantação do consentimento informado, de forma rotineira em
toda intervenção, é sobre tudo, uma troca cultural que promove a
colaboração do paciente em todas as decisões. Há que se evitar que o
consentimento informado seja uma expressão da medicina defensiva, que é
33
contrária aos interesses do paciente e da sociedade.
Neste diapasão, José de Aguiar Dias tem um outro entendimento quanto ao
assunto:
O consentimento para tratamento que em si não ofereça
inconveniente é coisa perfeitamente dispensável. Se apesar do reconhecido
como universalmente tolerado certo medicamento, prescrito pelo médico,
sem indagar do consentimento do cliente, vem, ainda assim, a revelar-se
como mal empregado, a questão se desloca para puro plano. Não terá sido
a falta de advertência do médico ao cliente a determinante do mau
resultado. Se o médico não achou necessário obter o consentimento do
cliente foi exatamente porque o tratamento não oferecia contra-indicação.
Se ao próprio profissional no caso a conseqüência surpreende, como
poderia advertir o cliente de que tais resultados poderiam ocorrer? Não
32
RAPOSO, Mário. Consentimento informado na relação médico-doente. Separata da Revista o
Direito de Lisboa, ano 124, p. 407, apud KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 288.
33
QUINTANA TRÍAS, Octavi. Materiales de bioética y derecho. Barcelona:Cedecs Editorial, 1996. p.
159.
29
queremos sustentar com isso a irresponsabilidade do médico. Ela ocorrerá
conforme tenha agido ou não com culpa. Mas, o que frisamos é que a culpa
não reside no fato de não haver obtido o consentimento do cliente, mas em
qualquer outro capaz de acarretar o resultado danoso, diferente do
34
normalmente obtido com o tratamento.
Na referência citada acima, há de ser perguntado o que é reconhecido como
universalmente tolerado e quem decide tal fato? O médico ou o paciente? Verifica-se
claramente o intuito do autor de validar o paternalismo médico, em detrimento da
autonomia do paciente.
Portanto, há de ser valorizado o paciente, não devendo ele ser considerado
mera mercadoria, onde, através de um simples contrato, tenta o profissional se
eximir de suas responsabilidades, haja vista grande parte desses usuários fazerem
parte dos chamados Grupos Vulneráveis35, às vezes sem qualquer tipo de instrução.
Segundo Dr. Bernard Lown, médico norte-americano, também há de ser
considerado como fonte negativa do dever de informar, a perda do respeito pela arte
de curar:
O nosso sistema de cuidado de saúde está falhando porque a
profissão médica já não dirige seu foco a arte de curar, que se inicia com
ouvir e prestar atenção no paciente. Entre as razões para essa alteração
inclui-se o namoro dos médicos com a tecnologia irracional, a que se
lançaram, em grande parte, como forma de aumentar ao máximo sua
receita. Como se considera um desperdício gastar muito tempo com os
pacientes, o diagnóstico é feito por exclusão, o que abre as comportas a um
36
sem número de testes e técnicas.
De tal forma, verificam-se ser imprescindíveis que sejam respeitados os
direitos dos pacientes, independente da sua capacidade, condição financeira ou
34
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. I e II. P.
256, apud VIEIRA, Luzia Chaves. Responsabilidade civil médica e seguro. Belo Horizonte: Del Rey,
2001. p. 24.
35
Parte da sociedade que possui deficiência cultural e, ou financeira.
36
LOWN, Bernard. A arte perdida de curar. São Paulo: JSN Editora, 1997. p. 175.
30
cultural. Requer-se por parte da classe médica ou por qualquer unidade de saúde,
privada ou pública, o máximo de tolerância com diferentes visões de mundo, de
modo a fazer valer a vontade expressa pelo paciente, sendo respeitada a sua
liberdade e a sua dignidade, desde que não haja perigo de vida do paciente.
Portanto, de nada adianta o profissional médico usar de termos técnicos na
passagem das informações, pois dificilmente um paciente ou familiar pouco
acostumado com essas expressões, saberá do que se trata. Cabe ao médico evitar
tais dialetos, salvo em situações onde o nível cultural do paciente seja considerável
para o entendimento. Assim, peca o profissional médico ao considerar que, por não
entender de medicina, o paciente não poderá opinar sobre o seu tratamento.
Cabe salientar que o direito à informação está garantido no artigo 6°, inciso
III, bem como no artigo 31, do Código de Defesa do Consumidor, representando um
verdadeiro dever essencial, dever básico para uma harmonia e transparência nas
relações de consumo:
Art. 6°. São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, bem como sobre riscos que apresentem;
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua
portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição,
preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como
37
sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Há de ser ressaltado, que o direito a informação, tem fundamento nos Direito
Humanos e na própria Constituição Brasileira, pois o seu cerceamento fere a
37
BRASIL, Legislação. Código Civil, Lei 8.078/90. São Paulo: Saraiva, 18 ed., 2003. p. 771 e 777.
31
liberdade de expressão, bem como a dignidade da pessoa humana, fundamentos
basilares para uma sociedade democrática de direito.
Não obstante, o professor Ingo Sarlet nos ensina:
Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos
fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a
38
própria dignidade.
O dever de informar, como frisamos anteriormente, deve ser transparente e
esclarecedor. Conforme Cláudia Lima Marques39, a falta de um deles faz com que
inexista Consentimento Informado livre e racional, desrespeitando assim, a
autonomia do paciente ou de seu familiar, “há conduta contrária à boa-fé” e de um
direito fundamental dos consumidores: o acesso à informação.
Salienta-se que, em casos de risco de morte do paciente, e este se encontra
inconsciente e não possua familiar responsável para autorizar ou não a prática
médica, entende-se justificado o afastamento do Consentimento Informado, uma vez
ser impossível consegui-lo.
A capacidade jurídica no nosso ordenamento, a qual se encontra elencada
no artigo 1º, do Código Civil: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem
civil.” 40.
A capacidade pode sofrer restrições legais quanto ao seu exercício, seja por
fatores temporais ( maioridade ou menoridade ) ou por problemas
38
psíquicos
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Livraria do
Advogado, 2004. p.84.
39
Cfe. MARQUES, Cláudia Lima. A responsabilidade dos médicos e do hospital por falha no dever de
informar ao consumidor. RT- 827, Setembro de 2004. p. 17.
40
BRASIL, Legislação. Código Civil, Lei 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 18 ed., 2003. p. 9.
32
(deficiência mental). Tais pessoas são denominadas, dentro do nosso ordenamento
jurídico, como incapazes, podendo estas, serem relativamente incapazes ou
absolutamente incapazes. Elas são relacionadas nos artigos 3º e 4º, do Código Civil
Brasileiro. Logo, a capacidade de fato é condição de exercer por si os atos da vida
civil, dependendo, por conseguinte, de discernimento, prudência, juízo, tino,
inteligência, bem como saber distinguir o lícito do ilícito e conveniente do
prejudicial.41
Portanto, a informação deverá sempre ser prestada de acordo com a
capacidade, o grau de conhecimento e as condições clínicas e psíquicas do
paciente. Cabe ao profissional médico previdente, que todo este cuidado, embora
exagerado,
seja
realizado
como
forma
de
prevenção
contra
possíveis
responsabilizações civis ou penais.
41
Cfe. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil. 19 ed. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 138.
33
2.
RESPONSABILIDADE MÉDICA
2.1 Obrigações
Não há como falar em responsabilidade sem antes fazermos um breve
comentário sobre as obrigações, pois a responsabilidade é conseqüência desta.
Uma obrigação mal resolvida gera responsabilidade, civil, penal ou administrativa,
para a parte inadimplente. Portanto, impossível falar sobre responsabilidade sem
mencionar obrigação e dever.
A definição de obrigação é clássica, sendo devida já nas Institutas de
Justiniano:
obligatio est juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicujus
solvendae rei, secudum nostrae civitatis jura ( Livro 3°, título XIII), ( a
obrigação é um vínculo jurídico que nos obriga a pagar alguma coisa, ou
seja, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa)42
O Direito Romano já realçava este vínculo obrigacional, recaindo sobre a
42
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria dos contratos. 5ª ed.
São Paulo: Atlas, 2005. p. 26.
34
própria pessoa do devedor, ou de seus familiares, o inadimplemento da obrigação.
Para Clóvis Beviláqua, obrigação é definida da seguinte forma:
Obrigação é a relação transitória de direito, que nos constrange a
dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em regra economicamente apreciável,
em proveito de alguém que, por ato nosso ou de alguém conosco
juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o direito de exigir
de nós essa ação ou omissão.43
Portanto, obrigação é uma relação jurídica, na qual duas ou mais pessoas
pactuam entre si, desde que capazes, cabendo a cada uma, direitos e deveres,
tendo como ato final, o adimplemento total da obrigação, sendo o objeto desta, uma
prestação ou uma conduta de dar, fazer ou não fazer.
Salienta-se que para ser válida esta prestação é necessário os seguintes
requisitos: licitude, possibilidade jurídica, possibilidade física, determinabilidade e
patrimonialidade. Na falta de um deles, considera-se inválida a obrigação.
Isto posto, cabe afirmar, segundo Silvio Venosa, que a relação médicopaciente, inicia já no primeiro contato entre os dois, formando desta forma, um
vínculo jurídico:
O médico assume a responsabilidade desde o diagnóstico clínico ou
laboratorial, pois de início decorrerão conseqüências para o paciente. A
identificação errada da moléstia ou a medicação inadequada pode causar
44
danos irreversíveis.
43
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das obrigações. Edição histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1977. p. 14,
apud VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria dos contratos. 5ª ed.
São Paulo: Atlas, 2005. p. 27.
44
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil- responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2005. p.134.
35
Com referência à natureza da relação médico-paciente, se a mesma é
contratual ou extracontratual, entendemos ser tal relação de natureza contratual,
seguindo a mesma linha de José Aguiar Dias e Sílvio Rodrigues:
Ora, a natureza contratual da responsabilidade médica não nos
parece hoje objeto de dúvida (...) opinião, porém, que temos como acertada,
é no sentido de que este fato não importa negar a existência de um contrato
entre profissional e o cliente.45
Cabe ressaltar que, a maioria dos procedimentos terapêuticos, não são
regidos por um contrato de cuidados médicos, mas tal fato não significa a
inexistência de um vínculo jurídico entre médico e paciente. A maioria dos
profissionais médicos, nos dias atuais, realiza um Termo de Consentimento
Informado, quando de alguma cirurgia ou exame, que possa trazer algum risco para
o paciente. Muitos destes Termos de Consentimento Informado são exigências dos
próprios hospitais ou clínicas, nas quais os médicos estão filiados e onde se
realizam os procedimentos acima citados, como forma de eximirem-se da
responsabilidade, no caso de algum problema durante os atos médicos.
Entende-se que, havendo ou não um contrato expresso entre médico e
paciente, o dever de zelo com a vida humana é ex oficio46. Também o princípio da
boa-fé entre os contratantes deve ser imprescindível, leal e soberano, sendo a
responsabilidade, tanto administrativa, penal ou civil, conseqüência do dever
médico, e este inescusável nos casos comprovadamente culposos ou dolosos.
45
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 7ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p.254/255,
apud CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes.
Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 266.
46
Cfe. VIEIRA, Luzia Chaves. Responsabilidade civil médica e seguro. Belo Horizonte: Del Rey,
2001. p. 56.
36
É muito conveniente ao tema, o que nos diz o médico americano, Dr.
Bernard Lown: “... a própria ansiedade de evitar os litígios judiciários arma o palco
para as esparrelas legalistas que procura impedir” 47 .
2.2
Obrigações de Meio, Resultado e de Garantia
A classe médica, ou melhor, dizendo, toda a classe sanitária, tem por objeto
de prestação a obrigação de fazer, ou seja, a conduta a ser realizada é considerada
uma prestação de serviço.
A jurisprudência gaúcha é praticamente unânime quanto a isto:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER. REALIZAÇÃO DE EXAME ESSENCIAL E
INDISPENSÁVEL À SAÚDE E VIDA DA AUTORA. ANTECIPAÇÃO DA
TUTELA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO AO
DESCUMPRIMENTO DE LIMINAR. BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA.
IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PARTE
DEMANDADA. PROVIMENTO LIMINAR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
NA FORMA DO QUE DISPÕE O ART. 557, § 1º-A, DO CPC. Possível a
concessão de antecipação de tutela, desde que presentes os requisitos
exigidos pelo art. 273, do CPC, ainda que seja demandada a Fazenda
Pública. O direito invocado pela parte emana de princípio constitucional,
que, por isso mesmo, não pode estar sujeito a regras hierarquicamente
inferiores. E estando demonstrado nos autos a necessidade da realização
do exame de ressonância magnética, por laudo médico fornecido pelo
profissional que atende a autora, cabível a concessão de antecipação da
tutela. Por outro lado, desde que fosse efetivamente cientificado o réu do
deferimento da liminar e descumprida a ordem judicial, possível, como
medida extrema, a fim de compelir o Município ao seu cumprimento, o
47
LOWN, Bernard. A arte perdida de curar. São Paulo: JSN Editora, 1997. p. 159.
37
bloqueio de verba pública suficiente para o custeio do medicamento.
Situação inocorrente, caso concreto, considerando que o ofício do juízo que
dava ciência da antecipação da tutela concedida foi entregue à ente diverso,
sequer demandado pela autora. AGRAVO PROVIDO LIMINARMENTE, EM
PARTE. (Agravo de Instrumento Nº 70011685567, Primeira Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Henrique Osvaldo Poeta Roenick,
Julgado em 11/05/2005)
Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação de indenização por dano
material e moral cumulada obrigação de fazer por dano estético decorrente
de erro médico. Cirurgia plástica. Primeiro apelo. Preliminar. Nulidade da
decisão, por cerceamento de defesa, tendo em vista a ocorrência de
inversão do ônus da prova em sentença. Descabe a alegação de nulidade
do feito por ausência de prévia comunicação acerca da inversão do ônus da
prova. Mérito. Contratada a realização de cirurgia estética embelezadora, o
cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo
não cumprimento da obrigação, tanto pelo dano material quando pelo moral,
decorrente de deformidade estética. Ausência de consentimento informado
da paciente. Dever de informação dos riscos do ato cirúrgico e suas
conseqüências, inclusive quanto ao tratamento recuperatório e a influência
do tabagismo. Manutenção da verba indenizatória fixada em sentença.
Segundo apelo. O não cumprimento da obrigação por parte dos requeridos,
por certo, trouxe manifesto prejuízo à autora, que não obteve o resultado
esperado e ficou com visível dano estético. Justo, portanto, que lhe seja
custeada uma nova intervenção cirúrgica. Termo inicial. Juros de mora e
correção monetária. No que atine os juros de mora, tratando-se de ilícito
decorrente de contrato, devem ser fixados a partir da citação e não da data
do evento, pois inaplicável no caso a Súmula 54 do STJ. A correção
monetária incide desde a data do ajuizamento da ação, pois a sentença
acolheu o valor pelo dano moral nela sugerido. Readequação dos ônus
sucumbenciais. Preliminar rejeitada. Primeiro apelo desprovido. Segundo
apelo parcialmente provido. (Apelação Cível Nº 70009295981, Sexta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto,
Julgado em 15/06/2005)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS
ESSENCIAIS E INDISPENSÁVEIS À SAÚDE E VIDA DO AUTOR.
RESPONSABILIDADE DO PROFISSIONAL MÉDICO QUE PRESCREVE O
MEDICAMENTO.
PROVIMENTO
LIMINAR
DO
AGRAVO
DE
INSTRUMENTO NA FORMA DO QUE DISPÕE O ART. 557, § 1.º-A, DO
CPC. É dever e responsabilidade do Estado, por força de disposição
constitucional e infraconstitucional, o fornecimento de medicamentos e
aparelhos essenciais e indispensáveis à saúde e à própria vida do
impetrante. O direito à saúde, pela nova ordem constitucional, foi elevado
ao nível dos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo direito de todos e
dever do Estado. Aplicabilidade imediata dos princípios e normas que
regem a matéria. Não cabe ao Estado negar-se a fornecer o medicamento
sob a alegação de sua impropriedade, porquanto a responsabilidade pela
prescrição é do profissional médico que atendeu o paciente. AGRAVO
PROVIDO LIMINARMENTE. (Agravo de Instrumento Nº 70008079964,
Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Henrique
48
Osvaldo Poeta Roenick, Julgado em 09/02/2004)
48
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 25/12/2005.
38
Quando
pessoas
se
obrigam
entre
si,
esta
obrigação
gera
uma
responsabilidade para ambas as partes. Esta responsabilidade, segundo Marilise
Kostelnaki Baú, traduz-se na capacidade de entendimento ético-jurídico que constitui
pressuposto necessário para a punibilidade, ou seja, a situação de consciência com
relação aos atos que cada pessoa pratica, voluntariamente, mesmo que de modo
menos culposo em várias hipóteses. 49
O que cabe definir numa relação contratual médico-paciente é se a
obrigação será de meio, resultado ou de garantia, pois todas têm muito a ver com a
aferição do inadimplemento da obrigação.
Obrigação de meio é aquela que se caracteriza pela não obrigatoriedade de
resultado50, ou seja, serão utilizados todos os meios necessários para um bom
resultado. O obrigado se compromete a, prudente e diligentemente, prestar serviços
ao credor para atingir certo resultado, sem que, contudo, o devedor assegure ao
credor a certeza de obtê-lo. Assim o conteúdo da obrigação é puramente o
comportamento do devedor, e ao analisar-se a ocorrência ou não do cumprimento
da obrigação não se cogita do resultado final. Se o obrigado agiu com prudência e
diligência, praticando o que estava a seu alcance para conseguir a meta almejada
pelo credor, a obrigação está adimplida, embora a meta optada possa não ter sido
atingida.
Não obstante, na obrigação de resultado o devedor está obrigado com o
credor, ou seja, se obriga não apenas a executar a sua atividade, mas,
49
BAÚ, Marilise Kostelnaki. O contrato de assistência médica e a responsabilidade civil. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. p. 9.
50
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria dos contratos. 5ª ed. São
Paulo: Atlas, 2005. p. 81.
39
principalmente, a produzir o resultado esperado pelo credor.
51
Portanto, exige-se
um resultado para o credor. A obrigação não se vê adimplida enquanto não se
atinge o objetivo desejado. 52
A conduta do devedor, embora diligente e prudente, não alcançando parte
do resultado máximo pretendido, não significa adimplemento. Se uma relojoaria se
obriga a consertar o relógio que lhe foi entregue para reparo e se, apesar da
excelência dos serviços prestados, o defeito não foi sanado, o contrato não está
cumprido, haja vista o resultado final contemplado, não ter sido concretizado.
A obrigação de garantia tem por conteúdo a eliminação do risco que pesa
sobre o credor. Seu objetivo é reparar as conseqüências do risco consumado, e a
obrigação se cumpre pelo só fato da assunção do risco, embora possa ele não se
concretizar. 53
No caso do profissional médico, a obrigação pode ser tanto de resultado
como de meio, dependendo do caso concreto. Normalmente a obrigação do médico
é de meio, consistindo no dever de efetivação de todas as medidas necessárias para
salvar o paciente, não se obrigando a resultado objetivo. Existe uma discussão
doutrinária quanto às cirurgias plásticas estéticas, anestesistas e aos dentistas,
aduzindo a esses uma obrigação de resultado.
Tais observações são transparentes quando verificadas nas jurisprudências
do nosso Estado.
51
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. V. II:
obrigações. 4ªed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 109.
52
Cfe. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações, 1ª parte.
32ªed. Atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 56.
53
Cfe. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria dos contratos. 5ª
ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 83.
40
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS
E
MORAIS.
TRATAMENTO
CIRÚRGICO
BUCOMAXILOFACIAL.
VIOLAÇÃO DA ÉTICA ODONTOLÓGICA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. OBRIGAÇÃO
DE
RESULTADO.
CARACTERIZAÇÃO PELA ANÁLISE DO CASO CONCRETO. SERVIÇO
DEFEITUOSO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL.
LUCROS CESSANTES. OCORRÊNCIA. SERVIÇO INADEQUADO.
REEXECUÇÃO DO SERVIÇO POR TERCEIRO A EXPENSAS DO
FORNECEDOR, PROFISSIONAL LIBERAL. O serviço prestado por
profissional liberal, cirurgião dentista e traumatologista bucomaxilofacial, é
inadequado à sua finalidade se após a realização de seis cirurgias a
paciente não apresenta condições de usar prótese, ao contrário do que lhe
havia prometido o profissional no início do tratamento. Como o cirurgião
prometera o resultado positivo à paciente e não lhe prestou as informações
necessárias antes de submetê-la aos procedimentos cirúrgicos
documentados nos autos, analisando-se as peculiaridades do caso
concreto, a obrigação assumida pelo cirurgião traumatologista
bucomaxilofacial deve ser considerada como de resultado, e não de meio.
Não cumprido o dever de informar adequadamente a consumidora sobre a
forma e os riscos do tratamento cirúrgico prescrito, restam violados pelo
profissional liberal os artigos 6º, III, 8º e 9º, do CDC. Evidencia-se em tal
caso a responsabilidade do profissional pelos resultados do serviço
impróprio por ele prestado e devido à violação ao dever de informar,
previsto no Código de Defesa do Consumidor. A jurisprudência da Corte
entende que o cirurgião dentista deve indenizar a paciente por danos
morais, quando incidir em erro de procedimento. Dano moral é reputado
como sendo a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo da
normalidade, interfere no comportamento psicológico do indivíduo,
causando aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. No momento
em que o profissional liberal se compromete a alcançar à paciente
determinados resultados, por meio de procedimento cirúrgico, e esses
resultados não ocorrem, restando inclusive agravado o estado da pessoa
que está sob os cuidados do profissional da saúde, considera-se que a
conduta do cirurgião induvidosamente feriu a intimidade da paciente, na
medida em que violou seus direitos subjetivos privados. O sofrimento
causado na vítima alcançou o complexo de suas relações sociais, vindo a
atingir os chamados direitos da personalidade, especialmente sua
integridade física e moral, componentes de sua esfera íntima, os quais se
encontram protegidos no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal. Levandose em conta os parâmetros utilizados na doutrina e jurisprudência, o
montante de sessenta salários mínimos nacionais, a título de indenização
por danos morais, mostra-se adequado no caso concreto. É cabível a
indenização por lucros cessantes, uma vez demonstrado que a paciente
deixou de trabalhar no período em que se submeteu ao tratamento prescrito
pelo odontólogo. O valor do dano moral consignado na inicial é meramente
estimativo. Precedentes do E. STJ. O cirurgião-réu deve satisfazer as
despesas com o tratamento médico, medicamentoso, cirúrgico, hospitalar e
o que for necessário para a reexecução do trabalho avençado com a autora,
restituindo-se o padrão estético facial que tinha a demandante antes de
submeter-se às cirurgias sob a orientação do requerido, com base no
disposto no art. 20, parágrafo primeiro, do CDC, devendo ser facultada à
paciente a escolha de profissional de sua confiança, uma vez que os
serviços prestados pelo réu se mostraram inadequados aos fins a que se
destinavam (art. 20, § 2º, do CDC). DERAM PARCIAL PROVIMENTO A
AMBOS OS APELOS. (Apelação Cível Nº 70006078000, Nona Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento
Cassiano, Julgado em 17/11/2004)
41
APELACAO
CIVEL.
RESPONSABILIDADE
CIVIL.
ACAO
DE
INDENIZACAO. CIRURGIA PLASTICA. ERRO MEDICO. OBRIGACAO DE
RESULTADO. INDENIZACAO POR DANO MATERIAL E MORAL. Em se
tratando de cirurgia plastica, a obrigacao e de resultado, assumindo o
medico o dever de indenizar pelo descumprimento da obrigacao. ademais,
presente o nexo de causalidade entre a conduta do profissional medico e o
resultado danoso, configura a obrigacao de indenizar. improvidos os apelos.
(Apelação Cível Nº 70004359253, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: João Pedro Pires Freire, Julgado em 18/12/2002)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO
MÉDICO. OMISSÃO EM PROVIDENCIAR IMEDIATO TRATAMENTO DE
FERIMENTOS
OCULARES.
CEGUEIRA
ULTERIOR.
RESPONSABILIDADES OBJETIVA DO HOSPITAL E SUBJETIVA DO
MÉDICO AFASTADAS, DIANTE DE AUSÊNCIA DE FALHA NO SERVIÇO
DO NOSOCÔMIO OU CONDUTA CULPOSA DO MÉDICO. DEVER DE
INDENIZAR
NÃO
CONFIGURADO.
SENTENÇA
MANTIDA.
A
responsabilidade do Nosocômio é objetiva, fundada no Código de Defesa
do Consumidor. Isso porque a demandada enquadra-se no conceito de
fornecedora de serviços da área de saúde, nos termos do art. 14, CDC. Por
outro lado, a responsabilidade do médico é, efetivamente, subjetiva,
conforme art. 14, §4º, CDC, avaliada de acordo com o art. 159 do CC/1916
e seus princípios tradicionais, uma vez que sua obrigação, de regra, não é
de resultado, mas de meio. Então, além da prova do dano e do nexo de
causalidade, em tal espécie de responsabilidade, é necessário que reste
demonstrado que o serviço foi culposamente mal prestado. Não constitui
objeto da obrigação a cura do paciente, mas a prestação de cuidados
atentos e conscienciosos, mediante o emprego do tratamento adequado, é
dizer, aquele conforme a atualização da ciência. A análise da falha no
serviço e da culpabilidade do médico, em caso de obrigação de meio,
suscita profundas reflexões, uma vez que a prova do defeito no tratamento
médico deve ser inequívoca, e a culpa do profissional não se presume.
Também o magistrado não está obrigado a seguir rigorosamente o laudo
pericial, caso haja elementos idôneos para desconsiderá-lo, dado o princípio
do livre convencimento do juiz. Todavia, ao afastar das conclusões
estampadas na perícia deve encontrar apoio em razões sérias, ou seja, em
fundamentos induvidosos de que a opinião do perito colide contra princípios
lógicos ou máximas de experiência ¿ e que existem no processo elementos
probatórios com grau de verossimilhança superior, em relação aos fatos
controvertidos. No caso dos autos, deve-se conferir elevado valor probante
ao laudo pericial, porquanto o caderno probatório atesta que foram
observadas todas as regras da ciência médica, tendo sido atendidos os
cuidados habituais, não se podendo responsabilizar o hospital ou o médico,
nem por falha no serviço, nem por imperícia, negligência ou imprudência.
Sentença mantida. APELO IMPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº
70012252979, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Odone Sanguiné, Julgado em 14/09/2005) 54
A obrigação contraída pelo médico numa terapia ou tratamento de um
paciente, como regra geral, é de meio e não de resultado, desde que o profissional
obrigue-se a empregar toda a técnica, conhecimentos, diligência e perícia, da melhor
54
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 25/12/2005.
42
forma possível, na tentativa da cura, mesmo porque, vida e morte são valores
pertencentes a esferas espirituais.55 Quanto a obrigação de resultado, esta é
vinculada a cirurgias plásticas e a procedimentos laboratoriais, bem como outros
exames como tomografias e ressonâncias magnéticas.
Rui Stoco explica:
O que importa na responsabilidade dos médicos é a relação entre a
culpa e o dano para que possa haver direito a reparação; mas para maior
apoio ao ofendido é preciso saber se o dano foi causado no inadimplemento
de uma obrigação de meios ou, ao contrário, de resultado.56
Portando, cabe como já supracitado, qualificar a responsabilidade civil
médica, através de um exame cauteloso do caso concreto.
2.3 Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil, segundo a maioria dos autores, como Maria Helena
Diniz, Silvio de Salvo Venosa, Sérgio Cavalieri Filho, entre outros, é um dos temas
mais discutíveis dentro do Direito Civil. Ao longo dos tempos, o tema sofreu grandes
mudanças, ante a sua surpreendente expansão no direito moderno e seus reflexos
55
Cfe. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria dos contratos. 5ª
ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 109.
56
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.
533.
43
nas relações humanas, contratuais e extracontratuais.
Historicamente, a responsabilidade por atos praticados, provém dos
primórdios da civilização, onde predominava a vingança coletiva. A responsabilidade
aparece também nos Códigos de Hamurabi e Manu, bem como na Lei das XII
Tábuas e na Lei Aquília.57
Maria Helena Diniz aporta à importância da responsabilidade civil:
Grande é a importância da responsabilidade civil, nos tempos
atuais, por se dirigir a restauração de um equilíbrio moral e patrimonial
desfeito e á redistribuição da riqueza de conformidade com os ditames da
justiça, tutelando a pertinência de um bem, com todas as suas utilidades,
presentes e futuras, a um sujeito determinado, pois como pondera José
Antônio Nogueira, o problema da responsabilidade é o próprio problema do
direito, visto que” todo o direito assenta na idéia da ação, seguida da
58
reação, de restabelecimento de uma harmonia quebrada”.
Responsabilidade, para o nosso ordenamento jurídico, pode ser conceituada
como obrigação derivada, um dever jurídico sucessivo de assumir as conseqüências
por danos causados a outrem, sendo que estas podem variar (reparação de danos,
bem como punição pessoal do agente lesante) de acordo com os interesses
lesados. 59
O que se avalia dentro da responsabilidade, é a prestação ou a conduta
realizada pelo agente, a qual gerou uma obrigação de indenizar. No caso da
Responsabilidade Civil, esta tem a intenção de reparar danos causados a uma
pessoa ou a seu patrimônio, bem como a uma coletividade.
57
Cfe. DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código
civil, v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 431/432.
58
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.7: responsabilidade civil. 18 ed. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 5.
59
Cfe. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2ªed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 3.
44
O artigo 186, combinado com o artigo 927, ambos do Código Civil, tratam da
responsabilidade civil e da obrigação de indenizar.
Art. 186- Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927- Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica
60
obrigado a repará-lo.
Em todos os casos de responsabilidade existe um lesado, um responsável, e
uma relação de causa e efeito entre o ato e o dano, sendo esta responsabilidade
objetiva ou subjetiva. Subjetiva quando decorrente de dano causado em função de
ato doloso ou culposo61 (imperícia, negligência e imprudência, e ainda no nexo
causal), e objetiva quando o prejuízo é atribuído ao seu autor e reparado por quem
causou o risco, independentemente de ter ou não agido com culpa. 62
Marilise Baú discorre sobre este assunto:
A culpa, assim prevista, pode ser examinada em sentido lato e, por
sua vez, dividida em culpa em sentido estrito e em dolo, sendo que, no
primeiro caso, o agente não tem a vontade de prejudicar, mas sua conduta
levou a vítima ao prejuízo. No caso de dolo, o agente deseja o dano ou seus
resultados. 63
José de Aguiar Dias comenta que é difícil conceituar “culpa”, mas a define
da seguinte forma:
A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta,
isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá60
BRASIL, Legislação. Código Civil, Lei 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 18 ed., 2003. p. 50 e 180.
Cfe. GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2ªed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 14.
62
Cfe. DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código
civil, v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 12.
63
BAÚ, Marilise Kostelnaki. O contrato de assistência médica e a responsabilidade civil. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001. p. 13.
61
45
la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se
detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude. 64
Desta forma, entendemos que a responsabilidade civil determina uma
conduta, positiva ou negativa, de um agente, a qual reflete em uma obrigação de
indenizar. Cabe ser analisado a conduta médica e as suas respectivas
responsabilidades a luz do nosso ordenamento jurídico.
2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
A concepção de a responsabilidade civil médica ser subjetiva pelos danos
causados na atividade, encontra guarida no nosso ordenamento jurídico, tanto no
Código Civil, em seu artigo 951, como no Código de Defesa do Consumidor no
artigo 14, §4º:
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no
caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade
profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar morte do
paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
65
Art. 14, §4°. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais
será apurada mediante a verificação de culpa. 66
64
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p.136, apud
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 27.
65
BRASIL, Legislação. Código Civil, Lei 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 18 ed., 2003. p. 185.
66
BRASIL, Legislação. Código Civil, Lei 8.078/90. São Paulo: Saraiva, 18 ed., 2003. p. 773.
46
Do ponto de vista jurídico de Miguel Kfouri Neto é incontestável que o
médico tenha responsabilidade sobre qualquer problema que venha a surgir no
tratamento, sem o prévio consentimento livre e esclarecido do doente67, sendo
passível de indenização.
A atividade médica, embora de natureza que implique risco para a pessoa
humana, não gera responsabilidade objetiva para o profissional médico. A
responsabilidade não decorre do mero insucesso no diagnóstico ou no tratamento
terapêutico ou cirúrgico, uma vez que, como explicitado anteriormente, em geral, a
obrigação do profissional médico é de meio. Caberá então, ao paciente, provar que
o resultado nocivo do tratamento, teve por causa negligência, imperícia ou
imprudência do médico, conforme artigo 14, §4°, do Código de Defesa do
Consumidor.68
De forma contrária, é o exposto por Maria Helena Diniz:
È preciso lembrar que não haverá presunção de culpa para haver
condenação do médico; ele( CDC, art. 6º, VIII) é que deverá provar que não
houve inexecução culposa( RT, 785:237) da sua obrigação profissional,
demonstrando que o dano não resultou de imperícia, negligência(AASP,
2.093:180, e ; 1° TACSP, Ap. 684.076-6, j. 9-3-1998) ou imprudência sua
(RT, 407:174, 357, 196: JSTJ, 8:294).69
Salienta-se que esta contrariedade de pensamentos, quanto a quem cabe o
ônus da prova, ainda gera muitas discussões entre os juristas, no caso da culpa do
médico. Basta verificarmos as jurisprudências sobre o assunto:
67
KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.
285.
68
Cfe. DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código
civil, v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 435.
69
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.7: responsabilidade civil. 18 ed. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 300.
47
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO.
REQUERIMENTO
DE
INVERSÃO
DO
ÔNUS
DA
PROVA.
POSSIBILIDADE. É possível a inversão do ônus da prova, consoante o
disposto no artigo 6º, VIII, do estatuto consumerista. No caso concreto,
efetivamente há dificuldade técnica manifesta dos autores em realizar a
prova necessária para demonstrar a veracidade de suas alegações.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº
70013631619, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris
Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 05/12/2005)
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO.
PRELIMINAR ARGUIDA DE OFÍCIO DE ANULAÇÃO DO PROCESSO
PARA REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA AFASTADA. CIRURGIA PARA
RETIRADA DA GLÂNDULA TIREÓIDE. SECÇÃO DE NERVO LARÍNGEO.
PERDA DA VOZ. AUSENTE PROVA DA IMPERÍCIA MÉDICA. Cumpria à
parte, se fosse o caso, requerer a renovação da prova, ou sua
complementação. Não o tendo feito, é porque se conformou com a
conclusão do laudo, inviabilizando aplicar o artigo 437 do CPC. Apura-se a
responsabilidade civil do médico por meio da comprovação de culpa. Adota
o Direito Civil Brasileiro, portanto, em se tratando de erro profissional, a
teoria da responsabilidade subjetiva que, no Código Civil vigente encontra
previsão legal no art. 186, o qual estabelece a cláusula geral de
responsabilidade aquiliana. Incumbe à parte a prova do agir culposo do
médico, já que, cuidando-se de responsabilidade subjetiva, a distribuição do
ônus da prova não sofre alteração à regra geral do sistema processual. O
Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, § 4º, reafirmou o princípio
da responsabilidade civil subjetiva dos profissionais liberais, incluindo entre
estes os médicos, exigindo, portanto, a caracterização da falta em qualquer
de suas modalidades (imprudência, imperícia e negligência). Hipótese em
que não há prova efetiva da culpa do réu no momento da realização da
cirurgia. Preliminar argüida de ofício pelo Relator rejeitada, por maioria.
Apelação desprovida, à unanimidade. (Apelação Cível Nº 70011643087,
Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari
70
Sudbrack, Julgado em 19/10/2005)
RESPONSABILIDADE CIVIL - Erro médico - Inversão do ônus da prova Inadmissibilidade - Ordem de adiantamento do custeio da perícia, por conta
da ré - Afastamento - Expedição de ofício ao INSS, com vista a obter
informes sobre alegada aposentadoria do autor - Pertinência, diante de
também reclamada, quanto aos danos materiais, indenização proporcional a
limitação laborativa - Tema relativo a decadência, não examinado em
primeiro grau, insuscetível de sê-lo, agora, em segundo - Agravo conhecido
parcialmente e, na parte conhecida, provido. (Agravo de Instrumento n.
276.641-4 - Santos - 10ª Câmara de Direito Privado - Relator: Quaglia
Barbosa - 06.05.03 - V.U.)
PROVA - Ônus - Inversão - Admissibilidade - Indenização - Erro médico Encargo dos réus em demonstrarem a ausência de culpa - Aplicabilidade do
artigo 611, VIII, do Código de Defesa do Consumidor - Hipossuficiência
caracterizada - Recursos não providos – JTJ 284/177
PROVA - Inversão do ônus - Inadmissibilidade - Erro médico - Alegação de
vício de serviços prestados pela seguradora que impossibilita a inversão
probatória - Hipótese em que, diante da impossibilidade de a paciente pagar
70
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 26/12/2005.
48
as custas para produzir a prova, deverá se socorrer das benesses da
assistência judiciária (TJSP) - RT 827/239 71
Processo: 311765900
Origem: FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIAO METROPOLITANA
DE CURITIBA - 16A VARA CIVEL
Número do Acórdão: 2170
Órgão Julgador: 10ª CAMARA CIVEL
Relator: RONALD SCHULMAN
Data de Julgamento: 03/11/2005
Decisão: acordam os desembargadores que integram a decima câmara
cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos
em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso. Ementa: reparação
civil - erro medico - ação ordinária de indenização - descumprimento do
artigo 526 do CPC - inexistência de qualquer prejuízo para a defesa do
agravado - rejeição da preliminar - inversão do ônus da prova (CDC, art. 6.,
VIII) - possibilidade mesmo tratando-se de responsabilidade subjetiva peculiaridades da causa e o conceito de normalidade que tempera a regra
actori incumbit probatio - a doutrina de Aguiar Dias e a posição do STJ verossimilhança da alegação e hiposuficiência técnica - legitimidade do
decisum agravado - recurso desprovido. 1. segundo a doutrina de Aguiar
Dias o que se verifica, em matéria de responsabilidade, e o progressivo
abandono da regra actori incumbit probatio, no seu sentido absoluto, em
favor da formula de que a prova incumbe a quem alega contra a
normalidade, que e valida tanto para a apuração de culpa como para a
verificação da causalidade. a noção de normalidade se juntam,
aperfeiçoando a formula, as de probabilidade e de verossimilhança que,
uma vez que se apresentem em grau relevante, justificam a criação das
presunções de culpa. 2. a chamada inversão do ônus da prova, no código
de defesa do consumidor, esta no contexto da facilicitação da defesa dos
direitos do consumidor, ficando subordinada ao 'critério do juiz, quando for
verossímil a alegação ou quando for ele hiposuficiente segundo as regras
ordinárias de experiências' (art. 6., VIII). Isso quer dizer que não e
automática a inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstancias
concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilicitação da
defesa dos direitos do consumidor (STJ, Resp. n. 171.988-rs, terceira turma,
rel. min. Waldemar Zveiter).
Processo: 132943901
Origem: CURITIBA - 3A VARA CIVEL
Número do Acórdão: 1302
Órgão Julgador: III GRUPO DE CAMARAS CIVEIS
Relator: MILANI DE MOURA
Data de Julgamento: 01/04/2004
Acordam os desembargadores e o juiz substituto em segundo grau
convocado, integrantes do terceiro grupo de câmaras cíveis do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e
acolher os presentes embargos infringentes, nos termos do r. voto
minoritário. ementa: embargos infringentes - ação de indenização por danos
materiais e morais - prestação de serviços médicos - competência material
do egrégio tribunal de alçada afastada por maioria de votos inadmissibilidade do recurso - matérias não discutidas no voto divergente inocorrência - nexo causal entre o procedimento medico e dano sofrido não
71
Disponível em http://portal.tj.sp.gov.br/wps/portal/tj.iframe.jurisprudência, acesso em 26/12/2005.
49
demonstrado - ônus do autor da ação - inversão do ônus da prova impossibilidade - embargos conhecidos e admitidos. 1. segundo o
entendimento dos votos majoritários, o novo código civil deixou de
classificar o contrato de prestação de serviços como espécie do gênero
locação, não sendo, por isso, mais aplicável em relação a referida matéria,
no tocante a competência, a regra estabelecida no artigo 104, inciso III,
alinea 'a', da Constituição Estadual. 2. a jurisprudência do superior tribunal
de justiça esta assentada na compreensão de que, em se tratando de
embargos infringentes, os limites de sua devolução são aferidos a partir da
diferença havida entre a conclusão dos votos vencedores e do vencido no
julgamento da apelação ou da ação rescisória, não estando adstrito o órgão
julgador as razoes invocadas no voto minoritário, não obrigando, com isso,
o recorrente a repetição das fundamentações esposadas no voto-vencido. e
possível, portanto, na fundamentação dos embargos infringentes, a
utilização de razoes diversas daquelas expostas no voto minoritário.(STJ,
Resp 361688, 1a turma, rel. Min. José Delgado, dj 18/03/2002, p. 185). 3. a
indenização por danos materiais e morais decorrente de erro medico
pressupõe a comprovação por parte do autor da culpa do profissional e do
nexo causal entre o procedimento medico e o dano experimentado pelo
paciente. 4. em ações indenizatórias ajuizadas em face de médicos
descabe a inversão do ônus da prova, tendo em consideração que nos
termos do § 4., do artigo 14, do código de defesa do consumidor, os
profissionais liberais somente serão responsabilizados pelos danos quando
ficar demonstrada a ocorrência de culpa subjetiva, em quaisquer de suas
72
modalidades (negligência, imprudência e imperícia).
Como verificado, inexiste jurisprudência pacífica sobre a inversão do ônus
da prova, cabendo ao magistrado, no caso concreto, verificar a presença dos
requisitos básicos para este benefício, utilizando-se de máximas ou regras de
experiência, como forma de conceder esta vantagem. 73
Portanto, de modo geral, uma vez que a responsabilidade civil do médico é
subjetiva, importante que fique demonstrado o erro causado por imperícia,
negligência ou imprudência por parte do profissional, ou seja, deve ficar
caracterizado a culpa.
72
Disponível em <http://www.tj.pr.gov.br/csp/juris/verbete.csp>, acesso em 27/12/2005.
Cfe. NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. Rio de Janeiro: Forense, 1995,
apud BAÚ, Marilise Kostelnaki. O contrato de assistência médica e a responsabilidade civil. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2001. p. 39.
73
50
Sérgio Cavalieri Filho e Carlos Alberto Menezes Direito entendem que a
questão do erro médico deve ser considerada da seguinte forma:
Acreditamos que a questão deve ser posta na identificação do erro
do médico, que outra coisa não é que o erro profissional, isto é, o erro no
exercício de sua profissão, capaz de gerar a responsabilidade. Para isso é
que se deve ter a devida cautela, a prudência, entendendo que o erro, por si
só, não é causa de responsabilidade civil. O médico é uma pessoa humana
e está, como todos nós, sujeito a erro. E na área da medicina,
principalmente, a situação é ainda mais difícil, porque é uma ciência que
trabalha com incertezas, com inúmeras variáveis, com inesperado, com a
necessidade de tomar decisões em poucos segundos. 74
Desta forma, importante distinguir imperícia, negligência e imprudência.
Para Luzia Chaves Vieira negligência significa desídia, falta de precaução e
falta de diligência necessária para executar certos atos, desatenção. No caso do
profissional médico implica em omissão ou inobservância do dever, em realizar
determinado procedimento, com as devidas precauções. Imprudência é a
imprevidência a cerca do mal. É o médico que toma atitudes precipitadas, sem usar
de cautela. Imperícia é o que se faz sem o conhecimento da técnica necessária. Na
área médica, corresponde, em realizar algum procedimento sem possuir a devida
habilitação intelectual. 75
Tereza Ancona Lopes Magalhães enumera algumas regras básicas a serem
observadas, como forma de detectar e avaliar a culpa do profissional médico, assim
resumidos por Miguel Kfouri:
1.
quando se tratar de lesão que teve origem em
diagnóstico errado, só será imputada responsabilidade ao médico que tiver
cometido erro grosseiro;
74
DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código civil,
v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 438/439.
75
Cfe. VIEIRA, Luzia Chaves. Responsabilidade civil médica e seguro. Belo Horizonte: Del Rey,
2001. p. 92.
51
2.
o clínico geral deve ser tratado com maior benevolência
que o especialista;
3.
a questão do consentimento do paciente em cirurgia
onde há risco de mutilação e de vida é essencial;
4.
o mesmo assentimento se exige no caso de tratamento
que deixe seqüelas, como, e.g., na radioterapia. E age com culpa grave o
médico que submete o cliente a tratamento perigoso, sem antes certificar-se
da imperiosidade de seu uso;
5.
desnecessária;
dever-se-á observar se o médico não praticou cirurgia
6.
não se deve olvidar que o médico pode até mesmo
mutilar o paciente, se um bem superior- a própria vida do paciente- o exigir;
7.
outro dado importante é que o médico sempre trabalha
com uma margem de risco, inerente ao seu ofício, circunstância que deverá
ser preliminarmente avaliada- e levada em consideração;
8.
nas intervenções médicas sem finalidade terapêuticas ou
curativa imediata, cirurgia plástica estética propriamente dita, p. ex. – a
76
responsabilidade por dano deverá ser com muito maior rigor.
Concomitantemente com comprovação de culpa, há de se verificar o nexo
causal, que vem a ser a ligação que une a conduta do agente ao dano causado,
sendo através deste exame que se conclui quem foi o causador do dano77. Deve ser
salientado que a determinação do nexo causal será avaliada caso a caso, de forma
a demonstrar a existência de vínculo entre o dano sofrido e a conduta, comissiva ou
omissiva, do profissional médico. Em outras palavras, é preciso que exista uma
relação de causa e efeito entre o ato culposo realizado pelo médico e a produção do
evento danoso.
76
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.
654, 2002. p. 66/67. apud CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos
casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 289/290.
77
Cfe. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.
45.
52
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CDC. HOSPITAL.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CIRURGIA CESARIANA. PARTO
PREMATURO. PROCEDIMENTO MÉDICO INDICADO E REALIZADO
DENTRO DA TÉCNICA RECOMENDADA. SOFRIMENTO FETAL. ERRO
MÉDICO NÃO CONFIGURADO. FALTA DE VERIFICAÇÃO DE FALHA NO
SERVIÇO. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. A entidade
hospitalar, enquanto prestadora de serviços de saúde, é regida pela
responsabilidade objetiva, conforme o art. 14 do CDC, não cabendo
investigar a culpa de seus prepostos, mas se o serviço prestado pelo
nosocômio foi defeituoso ou não. A configuração dos elementos nexo
causal e dano gera o dever de indenizar, sendo que as excludentes da
responsabilidade possíveis para o caso em comento seriam, com
supedâneo no art. 14, § 3º, I e II, inexistência de defeito no serviço e culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro. Assim, no caso concreto,
demonstrada a inexistência de falha no serviço, já que a cirurgia cesariana
foi indicada por sofrimento fetal e não pela ausência de constatação do rim
esquerdo do nascituro, vai afastada a pretensão indenizatória. APELAÇÃO
DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70012342325, Nona Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado
78
em 24/08/2005)
Segundo Miguel Kfouri Neto:
Existe causa quando uma coisa ocorre depois da outra, de tal
modo que, sem a primeira, a segunda não ocorreria. Assim, causa seria
79
aquilo que, se removido, faria desaparecer também o dito resultado.
Cabe ressaltar que o caso fortuito e a força maior são excludentes do nexo
causal uma vez que estes o interrompem. Não podemos esquecer também que, se o
dano causado for culpa exclusiva do paciente ou enquadrar-se em um dos casos
elencados no artigo 188, do Código Civil, rompe-se a ligação causal entre médico e
paciente80 81:
78
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 27/12/2005.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.
654, 2002. p. 97. apud CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos
de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 314.
80
Cfe. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
p.45.
81
Salientam-se os arts. 186 e 927, ambos do Código Civil, já mencionados, como aqueles que tratam
da responsabilidade civil e da obrigação de indenizar.
79
53
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
Ios praticados em legítima defesa ou no exercício regular de
um direito reconhecido;
IIa deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a
pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único: No caso do inciso II, o ato será legítimo somente
quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não
excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. 82
Na medicina existe grande margem para ocorrência de inúmeras situações
imprevisíveis, normalmente de tormentosas questões probatórias que demonstrem
uma possível responsabilidade civil do médico.
Apelação cível. Ação de indenização. Cirurgia no braço. Complicações
oriundas da anestesia. Preliminar. Não houve prejuízo processual do
apelante. Preservados a ampla defesa e o contraditório. A responsabilidade
do hospital é objetiva. Basta demonstrar o dano, a ação e o nexo de
causalidade. Somente se exime o agente imputado pelo fato demonstrando
culpa exclusiva da vitima, caso fortuito ou forca maior. Existe dano moral a
ser indenizado. É preciso considerar a afetação das faculdades intelectuais,
a afetação da auto-imagem, o prejuízo estético e a diminuição do potencial
vital. Mantido o valor da sentença. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº
70001828995, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney
Wiedemann Neto, Julgado em 01/10/2003).83
A Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que regula as
diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa considera que o pesquisador
possui responsabilidade objetiva sobre os possíveis danos causados aos sujeitos da
pesquisa .
V.5 – O pesquisador, o patrocinador e a instituição devem assumir a
responsabilidade de dar assistência integral às complicações e danos
decorrentes dos riscos previstos.
V.6 – Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de
dano previsto ou não no termo de consentimento resultante de sua
participação, além do direito à assistência integral, têm direito a
indenização.
82
83
BRASIL, Legislação. Código Civil, Lei 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 18 ed., 2003. p. 51.
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 27/12/2005.
54
V.7 – Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa, sob
84
qualquer argumento, renúncia ao direito à indenização.
As cirurgias plásticas de cunho estético ou embelezador, por sua forma
contratual, são considerados de resultado pela nossa jurisprudência e pela maioria
de nossos doutrinadores, pois o paciente busca um profissional médico com o
propósito de realizar mudanças estéticas em seu corpo, ou seja, contrata o
profissional visando melhorar a sua aparência física.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. CIRURGIA ESTÉTICA.
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CORREÇÃO DO NARIZ. DANO MORAL.
AJG. Cirurgia plástica de natureza estética não caracteriza obrigação de
meio, mas obrigação de resultado. A prestação do serviço médico,
livremente pactuado, deve corresponder ao resultado prometido, mediante o
pagamento do preço estipulado. Calosidade que a paciente pretendia retirar
e após duas cirurgias ainda mantinha acarreta, sem dúvida,
constrangimentos e sofrimentos ensejadores de dano moral. APELO E
RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70008482846,
Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto
Coelho Braga, Julgado em 22/06/2005)
Ação de reparação de dano. Cirurgia estético-embelezadora. Culpa.
Obrigação de resultado. Pedido de concessão de gratuidade judiciária após
o oferecimento das razões recursais. Impropriedade da inserção do pedido
no bojo dos autos, sem atentar-se à dicção do art. 6º, da lei n. 1.060/50.
Pedidos não-conhecidos. Obrigação de resultado. Necessidade de se
relativizar o absolutismo do conceito da obrigação de resultado. Senão em
hipótese de não-controvertida culpa do cirurgião, tocando ao autor da ação
a demonstração do agir culposo do médico responsável, seja pela nãoadoção da técnica indicada, seja pelo não-esclarecimento dos riscos
suportados, seja pela afoiteza do procedimento - muitas vezes não
adequado àquele organismo humano -, seja pelo não-acompanhamento
vigilante do pós-operatório, poder-se-á pronunciar a culpa por erro médico,
acometendo-se o dever indenizatório decorrente. Recurso adesivo.
Deserção. É deserto o recurso adesivo desacompanhado de preparo,
fadando-se ao não-conhecimento, seja porque não apreciado o pedido de
gratuidade judiciária por inadequado, seja porque tal pedido, mesmo que
enfrentado e deferido, formulado em data muito posterior àquela da
distribuição da apelação adesiva, não poderia retroagir ao momento da
interposição recursal, por afronta ao art. 511, do CPC. Desprovimento da
apelação da autora e não-conhecimento do recurso adesivo do réu.
(Apelação Cível Nº 70005902895, Décima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, Julgado em
17/06/2004)
RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. CIRURGIA ESTÉTICA.
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. PROCEDIMENTO FACIAL A LASER.
DANO MORAL CARACTERIZADO. PAGAMENTO DE SALÁRIO MENSAL
84
BRASIL, Ministério da Saúde: Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96.
55
QUE NÃO É DEVIDO, POIS INDEMONSTRADO QUE TENHA PERDIDO O
EMPREGO EM DECORRÊNCIA DO RESULTADO. VALOR DO DANO
MORAL QUE DEVE SER REDUZIDO, SEGUNDO PARÂMETROS DA
CÂMARA. Cirurgia plástica de natureza estética não caracteriza obrigação
de meio, mas verte obrigação de resultado. A prestação do serviço médico,
livremente pactuado, deve corresponder ao resultado prometido, mediante o
pagamento do preço estipulado. Não é possível que em decorrência de
procedimento facial a laser, que tem como objetivo o embelezamento,
resulte cicatriz definitiva na face da paciente. Nexo de causalidade entre os
danos estéticos e a conduta do médico demonstrado diante da prova
pericial e testemunhal. Imperfeições na face da paciente, que não possuía
antes da cirurgia estética, acarreta, sem dúvida, a vexação moral, a revolta,
o incômodo excepcional, ensejadores de dano moral. Valor do dano moral
que se mostra exagerado pelos parâmetros da Câmara e deve ser reduzido
para o equivalente a 150 salários mínimos. Não é devido o pagamento de
salário, pois não comprovou a autora de que tenha sido demitida em função
do resultado obtido com a cirurgia estética. Portanto, é de ser excluída a
condenação do requerida a título de pagamento de salários durante um
determinado tempo. Apelo provido em parte. (Apelação Cível Nº
70004180808, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
85
Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 11/09/2003)
No momento em que este profissional acorda com o paciente a devida
mudança física, afirmando o seu resultado, o mesmo se obriga com o resultado final,
ou seja, implica num comprometimento do cirurgião com o êxito satisfatório do seu
procedimento. Nessa premissa, se não fosse assegurado um resultado positivo pelo
médico, certamente não haveria o consentimento do paciente. 86
Em suma, o próprio inadimplemento contratual, uma vez que não foi atingido
o resultado prometido, é causa suficiente para a caracterização da responsabilidade
civil do cirurgião estético, e como tal, já é motivo para o surgimento do dever de
indenizar, independente da verificação da culpa.
87
Tereza Ancona Lopes Magalhães ratifica a obrigação de resultado:
Na verdade, quando alguém, que está muito bem de saúde, procura
um médico somente para melhorar algum aspecto seu que considera
desagradável, quer exatamente este resultado, não apenas que aquele
85
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 27/12/2005.
Cfe. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.
121.
87
Cfe. GIR GOMES, Alexandre. A responsabilidadecivil do médico nas cirurgias plásticas estéticas.
Revista de direito Privado, v. 12, outubro-dezembro. São Paulo: RT, 2002. p. 87.
86
56
profissional desempenhe seu trabalho com diligência e conhecimento
cientifico, caso contrário, não adiantaria arriscar-se e gastar dinheiro por
nada. Em outras palavras, ninguém se submete a uma operação plástica se
não for para obter um determinado resultado, isto é, a melhoria de uma
88
situação que pode ser, até aquele momento, motivo de tristeza.
A maioria dos doutrinadores brasileiros compreende que a responsabilidade
do cirurgião plástico é a mesma de que a dos outros médicos, ou seja, subjetiva,
mas com culpa presumida, e desta forma invertendo-se o ônus da prova. Desta
forma, são aplicadas aos profissionais médicos as regras tradicionais baseadas na
culpa provada naqueles casos que for obrigação de meio e da culpa presumida nos
casos em que o profissional assumir uma obrigação de resultado. 89
Mas cabe ressaltar os pensamentos que divergem dessa concepção de
resultado. De fato alguns doutrinadores já possuem o entendimento de que a
cirurgia estética é uma obrigação de meio. Neste diapasão, o Ministro Ruy Rosado
de Aguiar Junior compreende que o cirurgião estético assume uma obrigação de
meio, uma vez que o acaso está presente em qualquer intervenção cirúrgica, sendo
imprevisíveis as reações do organismo humano a certos procedimentos cirúrgicos. 90
Nestor José Forster explica que:
È certo que o médico não pode controlar todos os fatores a influírem
na cirurgia estética. Basta dar o exemplo do quelóide, aquela calosidade
cicatricial que pode ocorrer no local da cirurgia. A ciência médica
simplesmente desconhece, hoje, porque o quelóide ocorre em algumas
pessoas, ao passo que não se apresentam em outras. Portanto, ao realizar
cirurgia estética, o cirurgião não tem condições de assegurar ao paciente
que não resultará a cicatrização sob forma de quelóide. Se a realidade é
esta, e aqui cita-se apenas um exemplo, não há como exigir do médico
88
LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético. São Paulo: RT, 1980. p. 62, apud STOCO, Rui. Tratado
de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 547.
89
Cfe. DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código
civil, v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 449.
90
Cfe. DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código
civil, v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 449.
57
resultado. Ainda aqui, pois, seria de meios e não de resultados o contrato
com o cirurgião plástico. 91
Não podemos esquecer que a medicina não é uma ciência exata. Cada
indivíduo possui uma constituição física e psíquica diferente, e por isto as reações a
procedimentos terapêuticos ou cirúrgicos podem ser as mais diversas possíveis,
variando de pessoa para pessoa. Reações estas que são imprevisíveis, pois o
organismo humano pode reagir de forma inesperada e diferente ao tratamento
médico, comprometendo, desta forma, o resultado.
Quanto
ao
anestesista
existe
certa
divergência
quanto
a
sua
responsabilidade. Há quem entenda que a obrigação do médico anestesista é de
resultado, como Guilherme Chaves Sant’ Anna, pois uma vez que o profissional
declarou o paciente apto para receber aquele tipo de anestesia, o médico obriga-se
a reanimá-lo
92
, o que não concordam Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio
Cavalieri Filho, que entendem que o anestesista tem “o dever de diligenciar,
empregando todos os meios disponíveis e ao seu alcance, para o bom resultado da
anestesia, e, portanto obrigação de meio”. 93
Com referência aos dentistas, apesar desta classe ser regida por normas
próprias (Lei 5.081/66), e não sendo considerada parte da medicina, apesar de
ambas, em seu objeto final, serem idênticas, ou seja, o bem estar da pessoa
91
FORSTER, Nestor José. Ciururgia plástica estética: obrigação de resultado ou obrigação de meios.
São Paulo: RT 738/85, apud STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p. 547.
92
Cfe. SANT’ ANNA, Guilherme Chaves. Responsabilidade Civil dos médicos-anestecistas, in
responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar. Coord. por Carlos Alberto Bittar. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 138, apud DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Comentários ao novo código civil, v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios
creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 447.
93
DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código civil,
v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 447.
58
humana, no que tange a responsabilidade civil, a odontologia situa-se no mesmo
plano e sob as mesmas perspectivas da responsabilidade médica. 94
A jurisprudência entende ser obrigação de resultado:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS
E
MORAIS.
TRATAMENTO
CIRÚRGICO
BUCOMAXILOFACIAL.
VIOLAÇÃO DA ÉTICA ODONTOLÓGICA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. OBRIGAÇÃO
DE
RESULTADO.
CARACTERIZAÇÃO PELA ANÁLISE DO CASO CONCRETO. SERVIÇO
DEFEITUOSO. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL.
LUCROS CESSANTES. OCORRÊNCIA. SERVIÇO INADEQUADO.
REEXECUÇÃO DO SERVIÇO POR TERCEIRO A EXPENSAS DO
FORNECEDOR, PROFISSIONAL LIBERAL. O serviço prestado por
profissional liberal, cirurgião dentista e traumatologista bucomaxilofacial, é
inadequado à sua finalidade se após a realização de seis cirurgias a
paciente não apresenta condições de usar prótese, ao contrário do que lhe
havia prometido o profissional no início do tratamento. Como o cirurgião
prometera o resultado positivo à paciente e não lhe prestou as informações
necessárias antes de submetê-la aos procedimentos cirúrgicos
documentados nos autos, analisando-se as peculiaridades do caso
concreto, a obrigação assumida pelo cirurgião traumatologista
bucomaxilofacial deve ser considerada como de resultado, e não de meio.
Não cumprido o dever de informar adequadamente a consumidora sobre a
forma e os riscos do tratamento cirúrgico prescrito, restam violados pelo
profissional liberal os artigos 6º, III, 8º e 9º, do CDC. Evidencia-se em tal
caso a responsabilidade do profissional pelos resultados do serviço
impróprio por ele prestado e devido à violação ao dever de informar,
previsto no Código de Defesa do Consumidor. A jurisprudência da Corte
entende que o cirurgião dentista deve indenizar a paciente por danos
morais, quando incidir em erro de procedimento. Dano moral é reputado
como sendo a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo da
normalidade, interfere no comportamento psicológico do indivíduo,
causando aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. No momento
em que o profissional liberal se compromete a alcançar à paciente
determinados resultados, por meio de procedimento cirúrgico, e esses
resultados não ocorrem, restando inclusive agravado o estado da pessoa
que está sob os cuidados do profissional da saúde, considera-se que a
conduta do cirurgião induvidosamente feriu a intimidade da paciente, na
medida em que violou seus direitos subjetivos privados. O sofrimento
causado na vítima alcançou o complexo de suas relações sociais, vindo a
atingir os chamados direitos da personalidade, especialmente sua
integridade física e moral, componentes de sua esfera íntima, os quais se
encontram protegidos no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal. Levandose em conta os parâmetros utilizados na doutrina e jurisprudência, o
montante de sessenta salários mínimos nacionais, a título de indenização
por danos morais, mostra-se adequado no caso concreto. É cabível a
indenização por lucros cessantes, uma vez demonstrado que a paciente
deixou de trabalhar no período em que se submeteu ao tratamento prescrito
pelo odontólogo. O valor do dano moral consignado na inicial é meramente
estimativo. Precedentes do E. STJ. O cirurgião-réu deve satisfazer as
despesas com o tratamento médico, medicamentoso, cirúrgico, hospitalar e
o que for necessário para a reexecução do trabalho avençado com a autora,
94
Cfe. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.
129.
59
restituindo-se o padrão estético facial que tinha a demandante antes de
submeter-se às cirurgias sob a orientação do requerido, com base no
disposto no art. 20, parágrafo primeiro, do CDC, devendo ser facultada à
paciente a escolha de profissional de sua confiança, uma vez que os
serviços prestados pelo réu se mostraram inadequados aos fins a que se
destinavam (art. 20, § 2º, do CDC). DERAM PARCIAL PROVIMENTO A
AMBOS OS APELOS. (Apelação Cível Nº 70006078000, Nona Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento
Cassiano, Julgado em 17/11/2004)
TRATAMENTO DENTARIO - PROTESE. OBRIGACAO DE RESULTADO. A
MA PRESTACAO DOS SERVICOS, SEM OS CUIDADOS DEVIDOS, GERA
O DEVER DE INDENIZAR NOVO TRATAMENTO, ALEM DE DANOS
MORAIS. RECURSO PROVIDO PARA SE JULGAR PROCEDENTE A
ACAO. (Apelação Cível Nº 598510774, Sexta Câmara Cível, Tribunal de
95
Justiça do RS, Relator: Décio Antônio Erpen, Julgado em 29/12/1999)
Processo: 077577500
Origem: CURITIBA - 14A VARA CIVEL
Número do Acórdão: 6499
Órgão Julgador: 5ª CAMARA CIVEL
Relator: PAULO HABITH
Data de Julgamento: 21/11/2000
DECISAO: Acordam os integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Paraná, por maioria reconhecer competente este tribunal e no
mérito unanimidade de votos, dar provimento parcial, na forma do voto do
relator. Ementa: agravo retido. Inépcia quanto ao valor e cerceamento de
defesa por indeferimento. Inocorrência. Agravo desprovido. Indenização por
danos materiais e morais - atendimento inadequado em tratamento dentário
- culpa do réu pelo estado agravado da autora-verificado o nexo de
causalidade entre a culpa e o resultado danoso, cometido pelo dentista,
este deve ser responsabilizado (art. 159 do CC.) - recurso provido
parcialmente para redução do valor do dano moral. 96
RESPONSABILIDADE CIVIL - Cirurgião Dentista - Obrigação de resultado Erro de tratamento - Responsabilidade reconhecida - Apelação da ré
desprovida e provida em parte da autora. (Apelação Cível n. 365.243-4/6 São Paulo - 2ª Câmara de Direito Privado - Relator: Ariovaldo Santini
Teodoro - 10.05.05 - V.U.) 97
95
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 29/12/2005.
Disponível em <http://www.tj.pr.gov.br/csp/juris/verbete.csp>, acesso em 29/12/2005.
97
Disponível em http://portal.tj.sp.gov.br/wps/portal/tj.iframe.jurisprudência, acesso em 29/12/2005.
96
60
Silvio Venosa possui o mesmo entendimento: “A responsabilidade do
dentista, contudo, ao lado de ser eminentemente contratual, traduz mais
acentuadamente uma obrigação de resultado”. 98
Guimarães Menegale, citado na obra de Aguiar Dias exterioriza o mesmo
pensamento, ratificando a obrigação de resultado no tratamento dentário: “A
sintomatologia, a diagnose e a terapêutica são muito mais definidas e é mais fácil
para o profissional comprometer-se a curar” 99.
Não obstante, o mestre Rui Stoco é mais previdente no assunto:
Com relação aos cirurgiões-dentistas, embora em alguns casos se
possa dizer que a sua obrigação é de meios, na maioria das vezes
apresenta-se como obrigação de resultado. Exceto quando a atividade do
dentista se aproxima daquela exercida pelo médico, como sói acontecer
quando exista uma relação profissional/cliente, ou seja, quando a pessoa
contratante é portadora de um mal (doença) cuja cura não seja certa, nem
esteja ao alcance de quem quer que seja, segundo o atual estado da
ciência, então a sua obrigação será apenas de meios. Tome-se como
exemplo uma doença bucal congênita, uma cirurgia corretiva ou reparadora,
100
mas não apenas estética, ou um tratamento e doença óssea.
Cabe tecermos um comentário sobre os erros de diagnósticos, os quais
certamente são incalculáveis. O início de qualquer tratamento terapêutico ou
procedimento cirúrgico vem antecedido de um diagnóstico correto e preciso da
doença. Logo, um diagnóstico errôneo, pode trazer seqüelas permanentes ou até
mesmo, levar a óbito o paciente. Por óbvio, que existem diagnósticos de doenças
que são muito semelhantes e por isso, podem levar a erro o profissional médico.
Mas no caso em tela, estamos comentando sobre o erro de diagnóstico grosseiro.
98
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 129.
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p.332, apud
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.
496.
100
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.
496.
99
61
Antônio Jeová Santos entende que:
O erro de diagnóstico responsabiliza o médico pelos danos que
causar ao paciente, mas que esse erro deve ser inescusável e verifica-se na
prescrição de um tratamento inadequado ou a intervenção cirúrgica
101
desnecessária.
Para Miguel Kfouri Neto, o erro grosseiro está ligado à falta de conhecimento
profissional:
O erro de diagnóstico caracteriza-se pela eleição do tratamento
inadequado à patologia instalada no paciente, com resultado danoso. O erro
de diagnóstico é, em princípio, escusável, a menos que seja por completo,
grosseiro. Assim, qualquer erro de avaliação diagnóstica, induzirá
responsabilidade se um médico prudente não o cometesse, atuando nas
mesmas condições externas que o demandado. 102
Verifica-se que a responsabilidade, neste caso, gira em torno de descobrir
se o erro é escusável ou inescusável, como forma de constatar, ou não, a existência
de culpa.
A jurisprudência possui o entendimento que se inescusável o erro, há de se
responsabilizar o médico:
INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Dano material e moral - Erro
médico - Diagnóstico de uma simples enxaqueca ao invés da hemorragia
cerebral que levou o paciente à morte - Inadmissibilidade - Hipótese em que
o paciente não apresentava os sintomas assinalados pelas autoras Atendimento prestado, ademais, perfeitamente adequado à situação do
paciente - Compatibilidade entre o diagnóstico e o quadro sintomático Sentença mantida - Recurso não provido.(Relator: J. Roberto Bedran Apelação Cível n. 214.801-1 - Araçatuba - 20.09.94)
INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Erro médico - Intoxicação exógena
- Medicamento ministrado em dose excessiva - Dúvida quanto ao
medicamento que teria dado causa ao evento danoso - Utilização pelo
101
SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. 1 ed. São Paulo: Lejus, 1997. p. 100, apud
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.
541.
102
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 3 ed. São Paulo: RT, 1998. p. 75, apud
DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código civil, v.
XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 443.
62
médico dos meios de tratamento possíveis diante do estado angustiante do
paciente - Sucessiva passagem por médicos diferentes - Difícil aferição de
responsabilidade por parte do preposto da embargante - Criança, ademais,
que já apresentava certos sintomas de intoxicação quando da internação Inexistência de diagnóstico preciso - Embargos recebidos - Voto vencido.
(Relator: Fonseca Tavares - Embargos Infringentes n. 197.138-1 - São
Paulo - 10.08.94)
INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Danos moral e material - Erro
médico - Perda da visão decorrente de diagnóstico errôneo - Tratamento
inadequado que ocasionou o agravamento da moléstia - Responsabilidade
objetiva do hospital - Culpa concorrente da médica – Ação procedente 103
Recursos não providos – JTJ 284/177
RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO PEDIATRA. MORTE DE RECEM
NASCIDO POR ¿MÁ ROTAÇÃO ASSOCIADA A VOLVO¿. AUSÊNCIA DE
PRÉVIO, POSSÍVEL, NECESSÁRIO E SINGELO EXAME DIAGNÓSTICO.
NEGLIGÊNCIA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. Age com culpa, por
descura da prática médica e nessa a realização de exame singelo e prévio
que poderia dar à criança, ante o diagnóstico, chance de vida, o médico que
não considera paciente o recém-nascido prematuro, entregando o
atendimento médico à enfermagem e a estudante do sexto ano de
medicina, em plantão, malgrado a criança apresentasse no parto sugestiva
quantidade de sangue na orofaginge, vindo sua situação a complicar-se não
antes de manifestar, ainda no hospital, manchas roxas pelo corpo e
constantes dores abdominais, falecendo por ¿má rotação associada a
volvo. Responde o hospital objetiva e solidariamente pelos danos
ocasionados à autora no âmbito do hospital por médico de seu corpo
clínico, que, no caso dos autos, cumula, ainda, a função de Diretor Clínico
da entidade. Readequação da verba reparatória aos padrões adotados pela
Corte. APELO DOS RÉUS PROVIDO EM PARTE. RECURSO ADESIVO
NÃO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70001541762, Sexta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado de Souza Júnior, Julgado
em 28/09/2005)
EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PRESTAÇÃO DEFEITUOSA DE
SERVIÇO
MÉDICO.
TORÇÃO
TESTICULAR.
DEMORA
NO
DIAGNÓSTICO, RESULTANDO MUTILAÇÃO DE ÓRGÃO. Age com
imperícia e negligência corpo médico que não toma as providências
necessárias exigidas para o caso, deixando de constatar, desde logo, a
gravidade da lesão (torção testicular), que por não ter sido sanada
oportunamente, impôs mutilamento de um testículo, suportando o autor
seqüela definitiva. Danos morais devidos. Indenização adequadamente
arbitrada. EMBARGOS DESACOLHIDOS, POR MAIORIA. (Embargos
Infringentes Nº 70009123829, Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Ana Maria Nedel Scalzilli, Julgado em
05/11/2004) 104
103
104
Disponível em http://portal.tj.sp.gov.br/wps/portal/tj.iframe.jurisprudência, acesso em 26/12/2005.
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 29/12/2005.
63
Acredita-se que cabe ao magistrado, frente ao caso concreto, verificar os
procedimentos médicos utilizados pelo profissional, bem como sua atuação na
realização do diagnóstico, como forma correta e justa de apreciar o caso. Desta
forma, privilegiar o profissional correto, probo, cauteloso em seus procedimentos
que, visa acima de tudo, resguardar a vida e a saúde de seu paciente e punindo o
profissional imprudente, negligente ou imperito.
Não obstante, cabe tecermos um breve comentário sobre a responsabilidade
decorrente da prestação de serviços médicos de forma empresarial, aí incluídos
hospitais, clínicas, casas de saúde, bancos de sangue, laboratórios médicos, entre
outros. Tal responsabilidade é objetiva, com base no artigo 14, caput, do Código de
Defesa do Consumidor, pois o paciente nestes casos é o destinatário final dos
serviços médicos, e como tal, consumidor. 105
Francisco Chagas de Moraes aborda a questão supracitada com clareza:
Quando se tratar de serviços médicos prestados por hospital, como
fornecedor de serviços( art. 14, caput), a apuração da responsabilidade
independe da existência de culpa, conforme esclarece Antonio Herman de
Vasconcelos e Benjamin: “ O Código é claro ao asseverar que só para a
‘responsabilidade pessoal’ dos profissionais liberais, é que se utiliza o
sistema alicerçado na culpa. Logo se o médico trabalhar em hospital
responderá apenas por culpa, enquanto a responsabilidade do hospital será
apreciada objetivamente”.106
Não obstante, já existem jurisprudências sobre o tema, como por exemplo, o
recurso especial no 467.878-RJ (2002/0127403-7), onde o relator, Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, considera solidário ao erro médico, que deixa de cumprir com
105
Cfe. DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código
civil, v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p. 434.
106
MORAES, Francisco Chagas de. Responsabilidade civil do médico. RT 672/275, apud STOCO,
Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 545.
64
sua obrigação de obter o consentimento informado a respeito de cirurgia de risco, o
próprio hospital onde se realizou a cirurgia.107
A jurisprudência gaúcha possui o mesmo entendimento:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ERRO MÉDICO. O
estabelecimento hospitalar, enquanto prestador de serviços de saúde,
responde pelo fato do serviço objetivamente, conforme o art. 14 do CDC. A
legitimidade do Hospital para o pleito decorre do vínculo empregatício
mantido com os médicos que atenderam a autora. Relação que se
estabeleceu entre a paciente e o nosocômio. Restando demonstrado, pela
prova pericial, que o serviço não foi mal prestado, incide, no caso, a
excludente a que se refere o inciso I do § 3º do art. 14 do CDC. Ausência de
nexo de causalidade entre a conduta dos médicos e os problemas havidos
durante o pré e o pós-parto. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº
70012594024, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Leo Lima, Julgado em 30/11/2005) 108
Portanto, incontestável a responsabilidade objetiva dos estabelecimentos
empresarias médicos, por danos causados a pacientes.
Todavia, é de suma importância a unificação dos dois pontos até agora
estudados, Consentimento Informado e a Responsabilidade Civil Médica, para que
se tenha um apanhado mais objetivo, da possibilidade do profissional médico
isentar-se de qualquer responsabilidade civil frente a um procedimento terapêutico
consentido pelo paciente. Desta forma, será apreciada a relevância da realização do
Termo de Consentimento Informado efetuado pelo profissional médico, frente a
possíveis problemas jurídicos.
107
108
STJ. Recurso Especial, n. 467.878-RJ, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar.2002.
Disponível em <www.tj.rs.gov.br/jurisprudencia>, acesso em 29/12/2005.
65
3.
CONSENTIMENTO INFORMADO
X
RESPONSABILIDADE
CIVIL MÉDICA
Um dos primeiros casos que se tem conhecimento sobre uma demanda
judicial entre médico e paciente, data de 1767, na Inglaterra. Os médicos, Dr. Baker
e Dr. Stapleton, sem consultar o pacinte, Sr. Slater, retiraram um calo ósseo que
havia se formado em sua perna, após a recuperação de uma fratura, devido a uma
má consolidação óssea.
109
Tal procedimento acarretou em nova ruptura do osso.
Inconformado com os médicos, o paciente foi à justiça, imputando a eles imperícia e
imprudência no procedimento utilizado, bem como a falta de informação das
possíveis conseqüências daquele tratamento. Alegou também, que durante o
procedimento, solicitou aos médicos que parassem, protestando sobre a conduta
utilizada.
A Corte inglesa condenou os médicos, declarando na sentença, quebra de
contrato na relação assistencial com o paciente. A referida sentença explicitava
sobre o assunto:
Em resposta a isto, aparece desde as evidências dos cirurgiões, que
foi impróprio desunir o calo (material ósseo em processo de cura) sem
consentimento; isto é usual e norma dos cirurgiões: assim, isto foi
ignorância e imperícia neste particular, fazer o contrário que a regra da
profissão, que deve ser dito ao paciente o que será feito com ele, para que
109
Cfe. Appelbaum PS, Lidz CW, Meisel A. Informed Consent: legal theory and clinical practice. New
York: Oxford, 1987: 36-37, apud CLOTET, Joaquim, GOLDIM, José Roberto e FRANCISCONI, Carlos
Fernando. Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no brasil. 1ª ed. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 29-30.
66
tome coragem e se coloque em tal situação que se disponha para se
submeter a operação. 110
Verifica-se a nítida intenção de destacar a importância do consentimento
informado na relação médico-paciente pelo juiz da época, quando o mesmo aduz ser
usual tal procedimento de não informar o paciente. Também é salientada a
responsabilidade dos médicos pelo procedimento errôneo, utilizado na cirurgia.
Com referência à pesquisa cientifica, destaca-se o caso Hansen, em 31 de
maio de 1880, como sendo, provavelmente, o primeiro caso de condenação judicial
por falta de consentimento informado. O Dr. Gerhardt Armauer Hansen, foi
condenado pela Corte da cidade Bergen, na Noruega. O Dr. Hansen realizava
pesquisas com o bacilo causador da lepra, posteriormente intitulada hanseníase. Ao
realizar pesquisa sem a autorização antecipada de uma senhora, a paciente ajuizou
ação contra o médico, haja vista as fortes dores causadas pelo procedimento, bem
como prejuízos causados em sua visão. A referida condenação fez com o Dr.
Hansen perdesse seu cargo no Leprosário de Bergen e sua licença para clinicar,
sendo também condenado a pagamento de custas processuais. 111
Em 1947, na cidade de Nuremberg, na Alemanha, foi formado um tribunal
internacional, chamado Tribunal Internacional de Nuremberg112, o qual julgou os
110
FADEM RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford, 1986:
116-117, apud CLOTET, Joaquim, GOLDIM, José Roberto e FRANCISCONI, Carlos Fernando.
Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no brasil. 1ª ed. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2000. p. 30.
111
LOCK S. Research ethics – a brief historical review to 1965. J Intern Med, 1995; 238:513-520,
apud CLOTET, Joaquim, GOLDIM, José Roberto e FRANCISCONI, Carlos Fernando. Consentimento
informado e a sua prática na assistência e pesquisa no brasil. 1ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
p. 32.
112
Trials of war before the Nuremberg Military Tribunals. Control Council law 1949; 10(2): 181-182,
apud CLOTET, Joaquim, GOLDIM, José Roberto e FRANCISCONI, Carlos Fernando. Consentimento
informado e a sua prática na assistência e pesquisa no brasil. 1ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
p. 38.
67
diversos crimes praticados pelos nazistas, incluindo as diversas pesquisas médicas
realizadas por eles. Ao final dos julgamentos, fazendo parte da sentença, foi criado
um código, chamado Código de Nuremberg, o qual deu início a uma nova era na
responsabilidade dos médicos e pesquisadores em todo o mundo. O referido código
estipulou normas de se obter o consentimento informado, devendo ser garantida a
informação e preservada a vontade do indivíduo.
O primeiro caso, no qual se utilizou o termo consentimento informado em
uma sentença, foi em 1957, na Califórnia, nos Estados Unidos, no caso Salgo v.
Leland Stanford Jr University Board of Trustees.113No referido caso, o paciente
Salgo, submeteu-se a uma exame de aortografia, onde se utilizou anestesia e uso
de contraste. Após o procedimento, quando o Sr. Salgo acordou da anestesia, o
mesmo verificou que seus membros inferiores estavam paralisados. A sentença
prolatada esclarecia: O médico é responsável pela plena revelação dos fatos
necessários a um consentimento informado.114
Conforme periódico britânico, o Lancet, um dos maiores motivos das
demandas judiciais contra médicos, origina-se pela falta de explicação, ou
informação sobre o tratamento ou prognóstico, por parte destes profissionais para
com seus pacientes. Este fato faz avivar certa intranqüilidade por parte destes
pacientes, que interpretam essa omissão como falta de honestidade. 115
113
Salgo v. Leland Stanford Jr University Board of Trustees, 154 Cal. App. @d 560, 317 P. 2d
170(1957), apud CLOTET, Joaquim, GOLDIM, José Roberto e FRANCISCONI, Carlos
Fernando. Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no brasil. 1ª ed. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 41.
114
Cfe. CLOTET, Joaquim, GOLDIM, José Roberto e FRANCISCONI, Carlos Fernando.
Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no brasil. 1ª ed. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2000. p. 42.
115
C. Vincent, M. Young e A. Phillips, Por que os Pacientes Processam os Médicos? Um estudo de
pacientes e seus parentes que instauram ação judicial, in Lancet, 243, 25 de junho de 1994, pp.
1609-1617, apud LOWN, Bernard. A arte perdida de curar. São Paulo: JSN Editora, 1997. p. 167.
68
O médico norte-americano, James Cavanaugh Jr., esclarece que muitas das
demandas judicias nos Estados Unidos, provém da falta de informação ou do
consentimento informado. Os pacientes declaram que, após certos tratamentos
terapêuticos, não lhes foi proporcionado, pelo profissional médico, a devida
informação e o direito de consentir com o referido procedimento. 116
No Brasil são crescentes as demandas judiciais e representações contra os
profissionais médicos junto aos seus órgãos fiscalizadores - os Conselhos de
Medicina - por falhas cometidas, bem como em procedimentos e exames, mas ainda
hoje não se considera que tal fato é um costume brasileiro. 117
No Rio Grande do Sul as demandas judiciais, segundo pesquisa realizada
junto ao Tribunal de Justiça do Estado, nas décadas de 60 e 70 eram raros os casos
de demandas contra médicos, principalmente sobre falta de informação ao paciente.
Somente na década de 80, mais precisamente, a partir de 1982, é que se iniciaram,
gradativamente, o aumento as demandas contra médicos e hospitais no estado.
Conforme a pesquisa, supracitada, um dos primeiros casos registrados em
nosso Tribunal de Justiça, por falta de informação ao paciente, data de 1977:
MÉDICOS – RESPONSABILIDADE CIVIL
Ação ordinária de indenização. Responsabilidade profissional. O
médico executor de aortografia não responde por culpa moral se deixa de
avisar ao paciente dos riscos do exame. Obrigação que incumbe ao médico
clínico, solicitante do exame. O executor, no caso, só responderia pela
culpa marcada pela negligência, imperícia ou imprudência, que não se
116
Cfe. CAVANAUGH Jr, James. Mesa redonda: medidas preventivas contra processos
indenizatórios, in: ERNÉ, Sílvio e SILVA, Martinho Álvares da. coord.Medicina defensiva: problema ou
solução. Porto Alegre: EBK, 1996. p. 54.
117
Cfe. VENTRAMINI, Sylvia Maria Machado e DIAS, Wagner Inácio Freitas. A responsabilidade
médica: um cotejo legal, jurisprudencial e doutrinário acerca da teoria da culpa. Viçosa: UFV, 2002. p.
39.
69
vislumbrou na espécie. Recurso provido. (TJRS, 4ª C. Cível, Ac. De 24.8.77,
Apelação Cível nº 28.688 de P. Alegre, Hermann C. Roenick, rel.)118
Sobre o assunto, supracitado, Judith Martins-Costa, discorre que as
demandas judiciais têm como origem à prática da medicina defensiva119, tendo esta,
um efeito negativo na relação entre médico e paciente.
120
Na realidade, tal
procedimento, visa beneficiar somente o próprio médico em detrimento de seu
paciente.121
O médico gaúcho, Dr. Martinho Álvares da Silva, presidente da AMRIGS no
ano de 1995, atrela o aumento das demandas judiciais, contra médicos no Brasil, à
Constituição de 1988, a qual ampliou os direitos dos cidadãos brasileiros, e ao
Código de Defesa do Consumidor, fazendo com que os pacientes ficassem mais
alertas aos seus direitos como consumidores, dentro da relação médico-paciente.122
Dentro desta seara, a falta de informação ou de um termo de consentimento
informado, é um grande gerador de demandas judiciais, mesmo porque, ao
analisarmos tal procedimento, consideramos que a culpa do médico já se faz
existente pela negligência quanto a um dever intrínseco à profissão, e que, por outro
118
Revista de Jurisprudência. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, C. Cíveis, v.1, t.
12, 1977. p. 204-208.
119
Cfe. Livía H. Pithan. O consentimento informado como exigência ética e jurídica. In: CLOTED,
Joaquim. Bioética: uma visão panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, medicina defensiva pode
der definida como a prática médica que prioriza condutas e estratégias diagnóstico- terapêuticas que
tem como objetivo evitar demandas judiciais.
120
Cfe. MARTINS-COSTA, Judith. Entendendo problemas médico-jurídicos em ginecologia e
obstetrícia.In: FREITAS, Fernando et al. Rotinas em obstetrícia. 5. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2004,
apud PITHAN, Lívia Haygert. O consentimento informado como exigência ética e jurídica. In:
CLOTED, Joaquim. Bioética: uma visão panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p. 136.
121
Cfe. ANDERSON, Richard. Billions for defense: the pervasive nature of defensive medicine.
Archives of Internal Medicine, v. 159, n.8, nov. 1999, p. 2399-2402, apud PITHAN, Lívia Haygert. O
consentimento informado como exigência ética e jurídica. In: CLOTED, Joaquim. Bioética: uma visão
panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p. 136.
122
Cfe. SILVA, Martinho Álvares da. Apresentação. in: ERNÉ, Sílvio e SILVA, Martinho Álvares da.
coord.Medicina defensiva: problema ou solução. Porto Alegre: EBK, 1996. p. 8.
70
lado, constitui direito do paciente, ou seja, autonomia de escolha.
Na realidade, consideramos que o assunto em questão, é diretamente
proporcional a qualidade de saúde no nosso país, bem como à cultura de cada
região. Num país de dimensões continentais, cada região tem sua cultura própria,
haja vista às diversas colonizações sofridas em nosso território, fazendo com que
cada região se diferencie uma das outras. O certo é que, apesar das diferenças
culturais, a saúde pública é uma só para todos, e esta é péssima em todas as
regiões do país, trazendo enormes suspeitas e temores a esta população, tão
sofrida e mal servida de uma saúde de qualidade.
Desta forma podemos considerar que o papel do consentimento informado,
dentro de uma relação médico-paciente, é de suma importância, devendo o ato de
informar não ser só um direito do paciente, mas também uma conduta médica, na
qual poderá ser avaliada a boa-fé do profissional para com o seu cliente. Aliás, como
já mencionado neste trabalho, a integridade física do indivíduo é direito tutelado pelo
nosso ordenamento jurídico, em sua carta Magna, artigo 5°, caput e incisos II e III.
Desta forma, é norma imperativa o consentimento do paciente para todo e qualquer
ato ao qual ele for submetido.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça também considera responsável
o estabelecimento de saúde, pela falta de consentimento informado por parte do
paciente:
Processo
REsp
467878
/
RJ
;
RECURSO
ESPECIAL
2002/0127403-7 Relator(a) Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102)
Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 05/12/2002
Data
da
Publicação/Fonte
DJ
10.02.2003
p.
222
RSTJ vol. 174 p. 413 Ementa
RESPONSABILIDADE CIVIL. Hospital. Santa Casa. Consentimento
informado.
A Santa Casa, apesar de ser instituição sem fins lucrativos,
71
responde solidariamente pelo erro do seu médico, que deixa de
cumprir com a obrigação de obter consentimento informado a respeito de
cirurgia de risco, da qual resultou a perda da visão da paciente.
123
Recurso não conhecido.
A Associação Canadense de Proteção Médica explica:
No domínio da medicina, evolução da lei no consentimento para o
tratamento médico fez com que se considerasse agora como um princípio
fundamental que todo ser humano adulto com idade e bom discernimento
tem o direito de decidir o que pode ser feito do corpo dele. Ele determina
que nenhum procedimento médico será compreendido como válido, sem o
escorreito consentimento do doente. Este princípio não só é aplicável às
intervenções cirúrgicas mas para toda forma de tratamento médico ou ato
de diagnóstico que inclua um aceite deliberado pela pessoa.124
Cabe ao profissional médico tentar resguardar-se, de todas as maneiras, das
possíveis demandas judiciais que por ventura possam acometer-lhe.
Para isto, do ponto de vista jurídico, Miguel Kfouri Neto nos ensina que:
O consentimento informado deve ser expresso de forma escrita,
preferencialmente. Quando verbal, recomenda-se que seja testemunhado.
Quanto mais complexo ou arriscado o ato, maiores cuidados deverão ser
125
adotados, para se documentar a aquiescência do paciente.
É fundamental e de extrema importância que todo procedimento seja
documentado, e que tais documentos sejam claros e de fácil entendimento pelo
paciente. Para isto o médico deve estar consciente de sua obrigação para com o
enfermo, repassando-lhe a informação de forma adequada, ou seja, relacionada
com a complexidade da terapia e a cultura do paciente. Assim, dar ao paciente,
123
Disponível em <www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia>, acesso em 29/12/2005
Association Canadienne de Protection Médicale, 1996:4, apud VENTRAMINI, Sylvia Maria
Machado e DIAS, Wagner Inácio Freitas. A responsabilidade médica: um cotejo legal, jurisprudencial
e doutrinário acerca da teoria da culpa. Viçosa: UFV, 2002. p. 52.
125
KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p.
300.
124
72
condições de conhecer aspectos técnicos do tratamento ofertado, e ao mesmo
tempo, dar-lhe o direito de escolha. Desta forma, pode o médico, frente a uma
demanda judicial, ter provas de sua boa-fé para com o paciente, podendo amenizar
ou, quem sabe até, eximir-se de qualquer responsabilidade civil.
Neste contexto, Susana Albanese, delineou como deve o médico proceder
em relação ao paciente quando da passagem das informações e o termo de
consentimento assinado. Para ela, na primeira consulta deve o médico repassar ao
paciente todas as informações sobre o possível diagnóstico e para este, o
tratamento terapêutico adequado, incluindo as providencias que serão adotadas. Em
um segundo momento, após diagnosticado o problema, deverá o médico informar a
real situação e o tratamento terapêutico adequado para a doença, tudo isto
repassado de forma transparente e compreensível ao doente, devendo todos estes
dados constar em um documento escrito que será assinado pelo paciente.126
Entretanto cabe salientar que a classe médica encontra-se dividida quanto à
realização de um termo escrito. O Dr. Oliveiros Guanais de Aguiar, conselheiro do
Conselho Federal de Medicina, em parecer aprovado em sessão plenária, no dia
11/08/2004, discorre:
O consentimento esclarecido autorizado por assinatura deve ser
observado no âmbito da pesquisa e dos procedimentos mutiladores,
necessários para restaurar a saúde ou manter a vida do paciente. Não
encontramos fundamento para que o trabalho médico que deve obedece
aos princípios técnicos, honestos e éticos da medicina consagrada em
espaço-tempo determinado, precise de autorização escrita para ser
127
realizada.
126
Cfe. ALBANESE, Susana. Casos médicos. P.54 ss, apud KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e
ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p. 298.
127
AGUIAR, Oliveiros Guanais de. Médicos, código de defesa do consumidor e consentimento
esclarecido por escrito. In, Bioética, v.12, nº 1. Brasília, Conselho Federal de Medicina, 2004. p. 103108.
73
No mesmo parecer, o Dr. Oliveiros, cita outro conselheiro, o Dr. Júlio Cezar
Meirelles, que diz:
Aceitar a perigosa tese de fixar obrigações e riscos em documento
pode nivelar a medicina por baixo com práticas anti-sociais cujo lema é:
128
“vale o que está escrito”.
Neste contexto, deve ser ressaltado, que o termo escrito de consentimento
informado não afasta as responsabilidades do médico, nos casos de imprudência,
negligência ou imperícia, pois a relação jurídica entre eles é considerada uma
relação de consumo, sendo está regida pela Lei 8.078/90, Código de Defesa do
Consumidor.
128
AGUIAR, Oliveiros Guanais de. Médicos, código de defesa do consumidor e consentimento
esclarecido por escrito. In, Bioética, v.12, nº 1. Brasília, Conselho Federal de Medicina, 2004. p. 103108.
74
CONCLUSÃO
A prática usual do termo de consentimento informado pelo médico é de
suma importância para este profissional, bem como para a sociedade como um todo.
No caso específico deste trabalho, o mesmo visa meios de tutelar os direitos
do profissional médico, protegendo-lhe nas prováveis demandas judiciais, que por
ventura venha a ter em seu caminho. Para isto é necessário que ele tome os
devidos cuidados na hora de elaborar o termo de consentimento informado, bem
como o repasse deste termo ao paciente. O mesmo deve ser de linguagem fácil,
clara e acessível, fugindo do uso de terminologias técnicas, evitando-se assim, uma
difícil compreensão por parte do paciente. Desta forma, o processo de
consentimento será liso e transparente, obtendo-se uma manifestação livre de vícios
e adequada a cada paciente, sobremaneira a captar o momento de extrema
delicadeza e fragilidade, que por sua vez faz que se exija do profissional, paciência e
dedicação para com o seu cliente.
75
Como forma de prevenção, o referido Termo de Consentimento Informado
deve ter como base, cuidados na hora de sua elaboração, como a linguagem a ser
utilizada, informações sobre o tratamento terapêutico, riscos e desconfortos,
benefícios, alternativas, entre outras coisas. Ou seja, tal preocupação demonstra
uma relação de boa-fé por parte do profissional médico. Desta forma, tenta-se, em
uma possível demanda judicial, proteger-se de ações indenizatórias gigantescas.
Mas não podemos generalizar que, a falta do consentimento informado, pressupõe
que o profissional age de má-fé, como mencionam alguns doutrinadores.
Entende-se, como comentado até agora neste trabalho, bem como por
alguns doutrinadores, que a maioria dos médicos não estão preparados, ou não
sabem como repassar as informações de forma correta e por isto não podem ser
rotulados como agentes de má-fé, podendo trazer prejuízos irreparáveis para bons
profissionais que não possuem habilidade em dar as informações de forma
compreensiva ao paciente ou ao seu familiar.
Portanto, mister que o dano informativo exista, e como tal, a existência de
um dano derivado de um não cumprimento de dever autônomo, o qual será
considerado como negligencia médica, passível de reparação, mas aduzir o fato de
o profissional médico estar querendo ludibriar o paciente é puro exagero.
Dentro desta seara, a falta de informação ou de um termo de consentimento
informado, trás inúmeras “dores de cabeça” ao profissional médico que, como já
exposto neste trabalho, é de suma importância dentro da relação médico-paciente.
Há existência de um vínculo emocional e de confiança muito grande, principalmente
pela parte mais fragilizada, que é o paciente, faz com que a quebra deste vínculo por
76
parte do médico, gere uma desconfiança e animosidade no paciente, que se
sentindo traído, tenta resolver o problema judicialmente.
Contudo, o fato é que o termo de consentimento informado não afasta as
responsabilidades do médico nos casos de imprudência, imperícia ou negligência,
mas atenuam, ou impedem eventuais condenações legais, sendo o respectivo termo
sua principal defesa, ou seja, uma garantia que legitima o seu procedimento,
diminuindo desta forma, significativamente, a probabilidade de pretensões judiciais
em seu desfavor.
Cabe também, deixar consignado, que o consentimento informado deve ser
utilizado, além dos médicos e em pesquisas, por clínicas e hospitais em qualquer
procedimento, mesmo o mais rotineiro. Às vezes um simples exame de laboratório,
clínica ou consultório médico pode trazer extremo desconforto ao paciente, que se
devidamente informado de como seria o procedimento, preparar-se-ia melhor, tanto
mental como fisicamente, ou até poderia optar por não fazer o exame.
De tal forma, verifica ser imprescindível que sejam respeitados os direitos
dos pacientes, independente da sua capacidade, condição financeira ou cultural, por
parte do médico ou por qualquer unidade de saúde, privada ou pública, de modo a
fazer valer a vontade expressa do paciente, desde que capaz, sendo respeitado a
sua liberdade e a sua dignidade.
77
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Oliveiros Guanais de. Médicos, código de defesa do consumidor e
consentimento esclarecido por escrito. In, Bioética, v.12, nº 1. Brasília, Conselho
Federal de Medicina, 2004.
BAÚ, Marilise Kostelnaki. Capacidade jurídica e consentimento informado. Bioética,
v.12, nº 1. Brasília, Conselho Federal de Medicina, 2004.
BAÚ, Marilise Kostelnaki. O contrato de assistência médica e a responsabilidade
civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
BRASIL, Legislação. Código Civil, Lei 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 18 ed.,
2003.
BRASIL, Legislação. Código Civil, Lei 8.078/90. São Paulo: Saraiva, 18 ed., 2003.
BRASIL, Ministério da Saúde: Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96.
CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de
transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
CLOTET, Joaquim, GOLDIM, José Roberto e FRANCISCONI, Carlos Fernando.
Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no brasil. 1ª ed.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
CLOTET, Joaquim. O consentimento informado nos comitês de ética em pesquisa e
na prática médica: conceituação, origens e atualidade. Bioética, v.3, n.1, Brasília,
Conselho Federal de Medicina, 1995.
78
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Código de ética médica. Resolução 1.246,
artigo 46, de 08.01.1988.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil.
19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.7: responsabilidade civil. 18
ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao
novo código civil, v. XIII: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios
creditórios. 1ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil.
V. III: Responsabilidade Civil. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2004.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil.
V. II:obrigações. 4ªed. São Paulo: Saraiva, 2004.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil.
2ªed. São Paulo: Saraiva, 2004.
GIR GOMES, Alexandre. A responsabilidade civil do médico nas cirurgias plásticas
estéticas. Revista de direito Privado, v. 12, outubro-dezembro. São Paulo: RT, 2002.
GOLDIM, José Roberto, FRANCISCONI, Carlos Fernando. Disponível
<www.bioetica.ufrgs.br/conspesq.htm>. Acesso em 15/06/2005
http://www.stj.gov.br
http://www.tj.pr.gov.br
em
79
http://www.tj.rs.gov.br
http://www.tj.sp.gov.br
KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 5ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003.
LOWN, Bernard. A arte perdida de curar. São Paulo: JSN Editora, 1997.
MARQUES, Cláudia Lima. A responsabilidade dos médicos e do hospital por falha
no dever de informar ao consumidor. RT- 827, Setembro de 2004.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade civil do médico. Porto Alegre:
Sagra Luzzatto, 1998.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações, 1ª
parte. 32ªed. Atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003.
PESTANA, José O. Medina, PROENÇA, José Marcelo M.. Consentimento informado
ou consentimento assinado? Jornal de Cremesp, Fev. 2004.
PITHAN, Lívia Haygert. A dignidade humana como fundamento jurídico das “ordens
de não-ressuscitação” hospitalares. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
PITHAN, Lívia Haygert, Bernardes, Fabrício Benites e PIRES FILHO, Luiz Alberto B.
Simões. Capacidade decisória do paciente: aspectos jurídicos e bioéticos, in Ciclo
de Conferências em Bioética I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.
PITHAN, Lívia Haygert. O consentimento informado como exigência ética e jurídica.
In: CLOTED, Joaquim. Bioética: uma visão panorâmica. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2005.
80
QUINTANA TRÍAS, Octavi. Materiales de bioética y derecho. Barcelona: Cedecs
Editorial, 1996.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
Revista de Jurisprudência. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, C.
Cíveis, v.1, t. 12, 1977.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais.
Livraria do Advogado, 2004.
SILVA, Martinho Álvares da. Medicina defensiva: problema ou solução. Porto Alegre:
EBK, 1996.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4ª ed. São Paulo:
Atlas, 2004.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria dos
contratos. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.
VENTRAMINI, Sylvia Maria Machado e DIAS, Wagner Inácio Freitas. A
responsabilidade médica: um cotejo legal, jurisprudencial e doutrinário acerca da
teoria da culpa. Viçosa: UFV, 2002.
VIEIRA, Luzia Chaves. Responsabilidade civil médica e seguro. Belo Horizonte: Del
Rey, 2001.