VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003 Um cenário da gestão pública no Brasil Sheila Maria Reis Ribeiro Introdução O presente ensaio aborda o tema da formulação e implementação de políticas de gestão pública no Brasil, e tem como objetivo estabelecer uma perspectiva para análise do cenário atual das ações do governo federal neste campo. O artigo está estruturado em itens capítulos seguidos da conclusão. O primeiro faz uma retrospectiva da agenda política dos anos 90. O segundo busca identificar padrões recorrentes nas ondas de modernização da gestão, entre as décadas de 1930 e de 1990, destacando exemplos de fragmentação nas iniciativas de reforma, bem como a insuficiência dos mecanismos de coordenação política. Na seqüência, o item três analisa a lógica do processo de decisão em gestão pública, mostrando como os problemas neste campo estão relacionados à ação coletiva e que, por isso, necessitam de coordenação. Por último, o item quatro tece considerações gerais sobre o contexto atual das ações do Governo Federal e de possíveis implicações no que se refere à abordagem dos problemas da gestão pública. A hipótese é de que, a partir de 2003, com a ascensão do Governo Lula cresce a possibilidade de que haja uma modificação nos padrões de formulação e de implementação de políticas no campo da gestão pública, com incremento da participação social. 1. A agenda da gestão pública no Brasil nos anos 90 A década de 1990, no Brasil, foi o palco de um conjunto de políticas orientadas para transformações econômicas, políticas, tecnológicas e institucionais, visando à inserção do país na nova ordem internacional. A transformação do papel do Estado entrou na agenda governamental, juntamente com a aceleração do processo de privatização. Num contexto de abertura econômica e de revalorização da democracia, o governo propôs substituir o modelo de Estado Produtor (empresário) por um modelo Regulador (normatizador) de bens e serviços, e provedor de políticas sociais. Entre as justificativas que serviram de base para a mudança do modelo figuraram o enfrentamento da crise fiscal, os esforços para a retomada do crescimento econômico e a legitimação de um novo arcabouço institucional para o Estado democrático. Do ponto de vista da gestão do setor público, formou-se um consenso sobre a crise do modelo burocrático consolidado a partir dos anos 30, que se traduziu nos argumentos de ineficiência e ineficácia de procedimentos administrativos, hipertrofia das organizações, inadequação tecnológica, incompatibilidade do modelo de administração vigente com o novo modelo de desenvolvimento econômico e social. Este diagnóstico orientou propostas de alteração dos critérios tradicionais de formação da burocracia estatal no sentido de uma ruptura com o monopólio administrativo estatal. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado em 1995 pelo então Ministério da Administração e Reforma do Estado, orientou-se: 1) no plano fiscal – pela busca de um novo padrão de financiamento do setor público; 2) no plano organizacional - pela criação de novos modelos organizacionais e institucionais, com ênfase na descentralização, publicização, privatização e terceirização de serviços; e 3) no plano administrativo - pela flexibilização e orientação do planejamento e da gestão para resultados, na utilização intensiva de tecnologias da informação e de comunicação e na profissionalização de quadros, com foco nas carreiras estratégicas de Estado. O referido plano ensejou princípios de responsabilização dos agentes públicos e de abertura do Estado à participação e ao controle social. E neste sentido, comparado às ondas de modernização dos anos 30 e dos 60 avançou no que diz respeito aos fundamentos políticos que orientaram a retórica da modernização. O discurso sobre a reforma administrativa tornou-se menos tecnicista, em contraste com a reforma da década de 60, quando a questão em foco era: “ por fim a uma situação de inexistência de controle real, efetivo, da Administração Federal, problema que , por si, equivalia a romper com uma VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003 tradição de 60 anos, enraizada em concepções jurídicas que relegavam a segundo plano as lições da arte de administrar.” (DIAS, J.N.T., A Reforma Administrativa de 1967, Rio de Janeiro: FGV, p.17). O contexto de desenvolvimento da democracia e as transformações econômicas favoreceram a abertura ao debate mais amplo sobre a administração pública brasileira, modificando a retórica modernizadora, antes primordialmente centrada nos aspectos técnicos e instrumentais e na transposição de ferramentas de gestão do setor privado para o setor público. A definição de um novo marco institucional para o Estado democrático demarca as principais diferenças programáticas entre os períodos. De certo modo, o que ficou conhecido no Brasil como reforma gerencial re-introduziu a preocupação com a eficiência e a eficácia das ações governamentais, buscando reorientar a preocupação do gestor público para o desempenho das políticas públicas. Esta mentalidade foi incorporada por diversos segmentos da burocracia, tendo influenciado a sistemática de planejamento por programas implantada a partir de 2000. Mas o deslocamento da preocupação clássica com os procedimentos administrativos antes muito restrita aos aspectos da legalidade, para a preocupação com os resultados das políticas públicas, pode ser interpretado como apenas mais uma adaptação de técnicas de gestão do setor privado para garantir eficiência, se não estiver associado às expectativas por mudanças mais profundas tanto nas regras e valores que pautam o funcionamento das organizações, quanto nas regras do processo decisório. Note-se que o processo decisório compreende a formulação e implementação de políticas públicas (Lindblom:1981: p. 60). Embora no campo da gestão pública seja freqüente estabelecer-se uma separação entre formulação e implementação de política, a implementação diz respeito às ações necessárias para que uma política seja colocada em prática e efetivamente funcione. Cientistas políticos mostram como a partir da década de 70, o estudo das políticas públicas indica haver um elo perdido entre a tomada da decisão e a avaliação de resultados, sendo este elo a implementação. Esta separação é mais um recurso analítico do que um fato real no processo político (Rua & de Carvalho:1998, p.251). Na prática, a implementação está associada ao tradicional campo das funções administrativas, ou seja, o campo da gestão pública, comumente considerado como de domínio técnico instrumental: planejamento, orçamento, controle, gestão (recursos humanos, organizacionais, processos, tecnologias). É curioso observar como, provavelmente devido à visão instrumental, o campo da gestão pública é pouco analisado sob o prisma das estratégias de insulamento burocrático. Indubitavelmente, a onda modernizadora dos anos 90 permitiu o alcance de uma perspectiva mais complexa das reformas neste campo ao introduzir o conceito de governança. No entanto, a apropriação do conceito pelos formuladores mostrou-se seletiva, abandonando-se os aspectos que subvertiam a lógica do processo decisório. Em conseqüência, ao mesmo tempo em que foram realçados os princípios da participação, transparência, accountability e controle social, manteve-se o padrão conservador de formulação e implementação de políticas baseado na ação racional de indivíduos (Buchanan: 1970) ou de uma elite (Mosca: 1966; Pareto: 1966) modernizadora. Avaliando políticas de gestão pública numa perspectiva internacional, Pollitt & Bouckaert (2001) mostram como a retórica comum sobre a boa governança, e outros adjetivos inerentes às reformas administrativas, podem de fato mascarar realidades institucionais características dos diferentes países que explicam o desfecho ou resultado da aplicação das políticas. Neste sentido, considerando a realidade brasileira e concordando com Pollitt, é possível supor que a retórica da participação, deste período, resultou mais de expectativas sociais difusas de democratização das instituições e de policy transfer (Dolowitz & Marsh:1998; Common:1998), do que, propriamente, da quebra de um paradigma da formulação e implementação de políticas públicas no Brasil. Neste particular, os agentes financeiros internacionais tiveram um papel relevante ao contribuirem com metodologias e na modelagem de programas e projetos de reforma. Deste modo, podemos afirmar que, embora tenham se registrado avanços do ponto de vista da utilização do conceito de governança, a evolução não foi suficiente para provocar mudanças no 2 VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003 paradigma de implementação de políticas neste campo. 2. Fragmentação como padrão da ação modernizadora As diferentes ondas de modernização que se seguiram entre meados dos anos 30 e segunda metade dos anos 90, no Brasil, apresentam um padrão homogêneo no que se refere à separação entre formulação e implementação de política. Um outro padrão pode ser identificado na importação de modelos oriundos de experiências de outros países, não obstante a experiência internacional refutar as pretensões dos que advogam a existência de uma tendência global à adoção de políticas de gestão pública dentro de padrões determinados (Minogue: 1998, Pollitt & Bouckaert: 2000). Ademais, apesar da possibilidade de que haja um condicionamento das estruturas econômicas, políticas e tecnológicas e de que isto possa favorecer a formação de consensos sobre princípios gerais de reforma, uma nova inflexão ocorre quando se verifica a assimetria entre as intenções dos formuladores de políticas neste campo e o real alcance dos projetos executados (Pollitt & Bouckaert: 2000, p.27). A assimetria entre intenções e resultados é decorrente de uma série de fatores, dentre eles, a racionalidade burocrática, cuja lógica favorece a departamentalização das ações de governo. Esta lógica remete à identificação de um terceiro padrão: a ação fragmentada no campo da gestão. A experiência brasileira mostra como o campo da gestão pública tem se caracterizado pela fragmentação das funções administrativas e das iniciativas de projetos ou programas de “modernização” por setor, departamento, organização, processo, etc., sem que, necessariamente, estabeleçam uma vinculação entre si. Esta prática tem dificultado a percepção dos problemas tanto sob o prisma da complexidade quanto sob o prisma da sua dimensão. Ainda, tem impossibilitado a definição de uma agenda comum da gestão pública, seja no âmbito das distintas esferas de governo, seja no plano federativo. A pulverização de projetos, e conseqüentemente de recursos, ocorre no nível da União, dos Estados e dos Municípios. Normalmente, há escassez de recursos fiscais, sobretudo para fins de modernização ou reforma, o que estimula os governos a procuram recursos nos mercados financeiros. De acordo com dados da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que analisa somente os pedidos de financiamento externo e integra a Comissão de Financiamentos Externos - COFIEX, responsável pela autorização dos projetos, a situação é a seguinte O Quadro 1 (Anexo) mostra a existência de 21 projetos e/ou programas em execução, e/ou em coexecução, somente no nível da União, referentes aos temas Reforma do Estado e Desenvolvimento Institucional. Neste conjunto, não estão computados os projetos setoriais que contêm componentes de modernização, a exemplo de quatro outros projetos existentes no setor de saúde e de mais quatro, no setor de saneamento. Também não estão incluídos os projetos decorrentes de contratos de subempréstimo aos Estados no âmbito de programas denominados guarda-chuva, nem os projetos por organização, na mesma modalidade. Se analisarmos cada um destes projetos, vamos observar que contém pelo menos algum componente ou sub-componente relativo a modernização de estruturas, processos, tecnologias de gestão e de informação, capacitação de recursos humanos. Verificaremos, também, a diversidade de conceitos subjacentes aos projetos e a sobreposição de soluções, em muitos casos, conflitantes, levando ao desperdício de recursos. Este fenômeno corresponde a um segundo nível de fragmentação, ou seja, a fragmentação conceitual, e que pode ser exemplificada no caso de dois grandes programas: o Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal dos Estados Brasileiros -PNAFE e o Programa de Modernização do Poder Executivo Federal – PMPEF, ambos financiados com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento -BID , tendo os correspondentes contratos sido assinados em 1997 e 1998, respectivamente. 3 VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003 O PNAFE - Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal dos Estados Brasileiros foi criado com o objetivo de fortalecer as administrações fiscais estaduais, mediante a reestruturação e modernização das secretarias estaduais de fazenda, num contexto em que o Governo Federal vinha desempenhando o importante papel de coordenador da política fiscal no âmbito da federação, com vistas a garantir a estabilidade macroeconômica. O Programa de Modernização do Poder Executivo Federal – PMPEF, por sua vez, apoiou a implementação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado-PDRE, ao qual já nos referimos no capítulo precedente. Mas no que se refere à questão federativa, o PDRE não foi muito além de reafirmar os princípios da Constituição Federal de 1988. De certo modo, a problemática geral da crise do Estado e o seu enfoque organizacional obscureceram a questão da coordenação e do equilíbrio federativo, uma vez que a distribuição de competências e o compartilhamento de responsabilidades entre União, Estados e Municípios, no que tange à implementação de políticas públicas, não foram objeto da reflexão política. Registra-se que o então Ministério da Administração e Reforma do Estado encaminhou em 1998, antes da sua extinção, ao então Ministério do Planejamento, carta consulta com vistas à preparação de um novo programa para os estados nos moldes do Programa do Modernização do Poder Executivo Federal, cuja estrutura reflete a política do Plano Diretor. A iniciativa na época não prosperou. Note-se que o papel dos agentes financeiros internacionais na reprodução desse padrão fragmentado de formulação e implementação no campo da gestão pública não é desprezível. São múltiplos os programas de modernização em negociação e em execução no país, nos diferentes níveis de governo, e com diferentes enfoques sobre a gestão. Não é razoável considerar que a soma de programas e projetos de modernização possa resultar em reformas institucionais que guardem coerência entre si. A melhoria da gestão pública não é o resultado de uma operação aritmética. Experiências fragmentadas e isoladas por unidades da Federação reproduzem processos assimétricos de modernização. Logo, é necessário que se coloque em evidência a necessidade de fortalecimento dos mecanismos de coordenação política neste campo e a necessidade de se definir uma estratégia de coordenação no plano inter-institucional. A crise fiscal induziu o governo a que adotasse a perspectiva do federalismo fiscal e podemos dizer que houve um avanço no que se refere ao fortalecimento dos instrumentos da gestão fiscal. Mas, o que ocorre com a gestão das demais políticas públicas? Como definir fronteiras de responsabilidade pelos resultados das políticas públicas e viabilizar a accountability, no plano federativo?. Quais os benefícios de se aumentar a arrecadação fiscal sem eliminar os gargalos burocráticos por onde se desperdiçam os recursos públicos? Estas são questões para reflexão, que ilustram a complexidade da problemática da gestão pública, evidenciando a necessidade de uma ação mais integrada neste campo. A definição de políticas de gestão pública - sobretudo que busquem superar a fragmentação institucional - requer um processo amplo de concertação política envolvendo diferentes atores. A concertação deve ocorrer no plano intra-governamental e inter-governamental, com a participação da sociedade, mas também, no plano das relações com atores internacionais que atuam com policy transfer. 3. Racionalidade do processo de decisão no campo da gestão pública A análise de políticas de gestão pública requer que se leve em conta o exame do processo de formulação e de implementação de políticas. A problemática da fragmentação e da formação de consensos para reformas da gestão pública conduz à preocupação com a racionalidade subjacente ao processo de formulação e de implementação de políticas. Os temas que fazem parte da agenda da gestão_ recursos humanos, logística, planejamento e orçamento, são tradicionalmente considerados como de domínios técnicos especializados e esta especialização tem se reproduzido na definição de funções e na estrutura organizacional que apóia o 4 VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003 processo de decisão política neste campo. Podemos afirmar que a especialização típica da burocracia e a prática de utilização de “modelos tecnocráticos” neste campo têm como fundamento o princípio individualista da ação racional. O individualismo metodológico (Weber: 1991) sustenta a idéia do comportamento racional. Mas, se por um lado, a ação racional, seja de um funcionário público, de uma carreira técnica especializada, de uma organização ou do Estado, pode ser considerada sob a lógica individual; por outro, a racionalidade tem menos a ver com o conhecimento ou com a aquisição deste do que com a forma com a qual os sujeitos fazem uso dele (Habermas: 1987). Logo, a especialização do conhecimento não é obstáculo a uma ação articulada de diversos atores individuais, portadores de conhecimentos especializados. O processo de implementação de políticas envolve uma rede de atores e organizações. Sobretudo no campo da gestão pública, tanto a definição de problemas como a aplicação de soluções resulta de uma ação coletiva. Quanto maior o número de atores, maior a complexidade do processo político e maior o desafio de coordenação das ações. Alguns analistas têm desenvolvido modelos de análise que procuram dar conta da problemática da coordenação no campo da gestão pública, partindo da perspectiva da teoria da ação coletiva de Olson (1999). Metcalfe (1999), por exemplo, utiliza esta teoria de uma forma crítica e apropriada aos problemas no campo da gestão. Para o autor, a solução de problemas no âmbito da gestão pública não pode se dar no nível da organização individual. Comparando a gestão em organizações públicas e privadas, afirma o analista que, por definição, a gestão pública ocupa-se do comportamento de todo um sistema e isto envolve uma rede de organizações. Quanto mais interdependentes são as funções das organizações, maior é a probabilidade de que haja problemas de ação coletiva que não podem ser solucionados na dimensão organizacional individual ou da micro-gestão. Metcalfe parte do pressuposto de que os problemas da ação coletiva podem ser abordados de tal maneira que contribuam para impulsionar o interesse comum. E estabelecendo a diferença entre macro e micro-gestão, postula que enquanto a micro-gestão está associada a cada organização, individualmente, a macro-gestão está associada à direção de redes inter-institucionais. Deste modo, é necessário um processo de macro-gestão para que se possa garantir a coordenação. Isto significa que a macro-gestão deve superar a micro-gestão (METCALFE: 1999, 57). A conclusão a que podemos chegar a partir da análise destes autores é que, até o momento, no Brasil, o padrão de formulação e de implementação de políticas no campo da gestão pública repousa sobre uma lógica que não superou a dimensão da micro-gestão. São grandes os desafios de coordenação política, para que possamos ultrapassar o quadro de fragmentação da ação neste campo. 4. Qual a nova agenda da gestão pública no Brasil ? O cenário brasileiro que tem como marco o ano de 2003, apresenta mudanças políticas significativas, decorrentes da ascensão ao poder do Partido dos Trabalhadores. No plano fiscal, o governo federal administra um orçamento apertado e se prepara para encaminhar ao Congresso Nacional os projetos de reforma da previdência e tributária, enquanto constrói um novo modelo de planejamento estratégico, de longo prazo, para o país. O novo plano deve responder à problemática de como eliminar mecanismos que favorecem a concentração de renda e riqueza e de como induzir a um modelo de consumo de massa, buscando ativar, deste modo, o crescimento da economia. Por sua vez, a melhoria do acesso aos serviços públicos é considerada como um fator de aumento da renda e, por conseguinte, de geração de emprego. Num contexto de fortes restrições orçamentárias e financeiras, o compromisso com o social, firmado durante a campanha eleitoral, passa a condicionar a agenda das prioridades políticas. Os programas 5 VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003 sociais do governo são alvo de grandes expectativas e a constatação empírica de dificuldades na sua implementação leva a considerar problemas na gestão de políticas. No contexto da preocupação com a formulação e implementação de programas sociais, vislumbra-se a necessidade de redesenhar processos de trabalho com o fim de reduzir custos administrativos e elevar a qualidade do gasto público. Neste sentido, algumas ações de curto prazo visando aumentar a eficiência de programas governamentais em diversos setores já estão em desenvolvimento, no âmbito do Programa de Redução de Custos, gerenciado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e realizado em parceria com o setor privado. Mas, se por um lado pode ser considerada consensual a avaliação segundo a qual devem ser eliminados os gargalos burocráticos responsáveis pela ineficiência da administração pública, o mesmo não pode ser dito com respeito à forma de solucionar a questão. Pode-se até mesmo afirmar que não estão ainda definidos os problemas que poderiam compor uma agenda de política de gestão pública para o país. As razões são diversas e podem variar desde a concorrida pauta de prioridades do governo que apenas se inicia, até a percepção ainda incompleta da dimensão dos problemas, dada a fragmentação institucional existente neste campo. Não se pode deixar de ter em conta, também, que o tema tem sido freqüentemente referenciado a um histórico recente de projeto neoliberal de reformas para a transformação do papel do Estado. No início da década de 90, no Brasil, a reforma do Estado acompanhou o processo de abertura da economia e as mudanças políticas do período pós-Guerra Fria. No plano governamental, a administração pública foi palco de ações inconseqüentes e ideologicamente motivadas, que resultaram no desmonte da burocracia estatal. A partir de 1995, conforme acima referido, surgiu um novo movimento, cujo enfoque foi a reconstrução do Estado, partindo do pressuposto de uma crise do Estado caracterizada pela exaustão dos modelos de financiamento do setor público, do modelo de intervenção e de administração burocrática. A partir de 2003, com o novo governo, observa-se o deslocamento da problemática da crise do Estado para aquilo que se configura como falta de Estado. A idéia é central e serve como ponto de partida para o debate no campo da gestão pública. Construir uma percepção diferente dos problemas neste campo, e afastada de vieses primordialmente ideológicos, dependerá em grande medida da capacidade do governo em transformar o processo de formulação e de implementação política no campo da gestão pública, subvertendo a lógica tecnocrática e insular. Neste sentido, a experiência em curso do planejamento para os próximos quatro anos - o Plano Plurianual 2004-2007 - parece estar avançando. A nova forma explora as potencialidades das relações de conflito típicas das sociedades democráticas e resgata o papel estatal de coordenação política do planejamento das políticas públicas. O plano, partindo das orientações estratégicas do Governo Federal, e das concertações políticas setoriais, está sendo debatido nos diferentes níveis de governo, bem como com a sociedade civil, através de seus representantes no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e de outras organizações da sociedade civil, como entidades empresariais, sindicais, etc. Embora a experiência possa ser percebida por alguns como fruto do desencontro de opiniões e de cisões internas ao governo, a “aparência errática das decisões e a pouca nitidez do processo conflitivo de construção “é ressaltada por outros como uma “novidade histórica” (José Luís Fiori. “Conflito de Interesses”, Opinião, CB, 20 de julho de 2003, p.17). Experiência de concertação semelhante é o que se vislumbra para o campo da gestão pública, do qual o planejamento é apenas uma dimensão ou instrumento. Após anos de retórica sobre a ineficiência do setor público, o governo federal finalmente prepara-se para a realização de um grande diagnóstico da administração pública federal. A metodologia, diferentemente da prática tecnocrática tradicional, parte da existência de conflitos neste campo, 6 VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003 enfatizando a importância do processo participativo de identificação dos problemas e das soluções. Com esses primeiros sinais do novo governo, é possível admitir a possibilidade de que, num futuro próximo, amplie-se o debate sobre a gestão pública no Brasil. E para que não se configure apenas como mais uma onda modernizadora, é preciso que a agenda passe a integrar a revisão do processo de formulação e implementação de política neste campo. Conclusão As seguidas ondas de modernização da gestão pública no Brasil, entre os anos 30 e 90, seguiram alguns padrões, dentre eles a fragmentação institucional e a separação entre a formulação e a implementação política. A retórica da reforma dos anos 90 avançou do ponto de vista da utilização do conceito de governança e dos princípios políticos que orientaram as propostas, quais sejam: participação, accountability, controle social. E neste sentido, foi além do simples discurso de transposição de técnicas de gestão do setor privado para o setor público, muito característico dos anos precedentes. Mas, ainda assim, a agenda mostrou-se bastante restrita, uma vez que a lógica do processo decisório, que inclui formulação e implementação, não foi objeto da reflexão política. Por sua vez, a reforma foi idealizada e dirigida por uma elite que, pelo viés tecnocrático e pela insuficiência de mecanismos de coordenação política, manteve a fragmentação de ações no campo da gestão. A partir de 2003, com a posse do novo Governo, surgem sinais de alteração dessa trajetória política. A definição de um novo processo de planejamento com participação social, abre a possibilidade de que se amplie a agenda no campo da gestão pública, pois a participação neste campo tem impacto sobre o paradigma tradicional de separação entre formulação e implementação de política. Bibliografia BUCHANAN, James. “Uma teoria individualística do processo político”. Modalidades de Análise Política. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. FRIEDMANN, John. Planning In The Public Domain: From Knowledge to Accion. New Jersey: Princeton University Press, 1987. LINDBLOM, Charles E. O Processo de Decisão Política. Trad. Sérgio Bath. Brasília: Ed. UnB, 1981. MINOGUE, Martin. “Changing the state: concepts and practice in the reform of the public sector”. Beyond the new public management: changing ideas and practices in governance. UK: Edward Elgar, 1998. DOLOWITZ, David. P& MARSH, David. “Policy transfer: a framework for comparative analysis”. Beyond the new public management: changing ideas and practices in governance. UK: Edward Elgar, 1998. COMMON, Richard. “The new public management and policy tranfer: the role of international organizations”. Beyond the new public management: changing ideas and practices in governance. UK: Edward Elgar, 1998. POLLITT, C. & BOUCKAERT, Geert. Public Management Reform: a comparative analysis. Oxford: University Press, 2000. ----------------------------------------------. “Avaliando reformas da gestão pública: uma perspectiva internacional”. In: RSP/ENAP, Ano 53, N. 3, jul-set. 2002. METCALFE, Les. “La Gestión Publica: de la imitacion a la inovacion”.De Burocratas a 7 VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003 Gerentes? Las ciências de la gestión aplicadas a la administración del Estado. Editor: Carlos Losada y Marrodán. Washington: BID, 1999. MOSCA, Gaetano. “A classe dirigente” IN: Souza, Amaury de (org.). Sociologia Política. RJ: Zahar, 1966. PARETO, Vilfredo. “As elites e o uso da força na sociedade” IN: OLSON, Mancur. A Lógica da Ação Coletiva. Trad. Fábio Fernandes. SP: Edusp, 1999. RUA, M. das G. & Carvalho, M.I. Valladão. O Estudo da Política: tópicos selecionados. Brasília: Paralelo 15, 1998. WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol I. Trad. Johannes Winckelmann. Brasília: Editora UnB, 1991. HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa: racionalidad de la acción y racionalización social. Tomo I. Madrid: Taurus, 1987. Resenha Biográfica Sheila Maria Reis Ribeiro é Mestre em Sociologia Política , graduada em Filosofia e em Serviço Social pela Universidade de Brasília. Em 1991, especializou-se em “População e Desenvolvimento Econômico” pelo CELADE/CEPAL das Nações Unidas, no Chile. Tendo ingressado na Administração Pública em 1984, acompanhou a extinção do DASP- Departamento Administrativo do Serviço Público, as sucessivas reestruturações da área de gestão, tendo participado de vários projetos. Foi Coordenadora Geral de Estudos e Pesquisas na ENAP- Escola Nacional de Administração Pública. Em 1995, integrou a equipe que elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Atualmente, é Assessora da Secretaria Executiva do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Coordenadora do Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados – PNAGE e do PROMOEX - Programa de Modernização do Controle Externo dos Estados e Municípios Brasileiros. Endereço para contato: Esplanada dos Ministérios, Bloco K, 6º andar. Brasília-DF, CEP 70040-900. Fone: 55061 4294021; Fax: 55061 2260807; e-mail: [email protected]. Anexo Quadro 1 Programas/projetos com financiamento externo, na área de Reforma do Estado e/ou Desenvolvimento Institucional - julho/1986 a julho/2003 União/ CEF 21 Em Assinatura 02 Estados Em Assinatura 05 Em Negociação 01 Em Negociação Em Execução 11 Em Execução 01 Em Concluído Preparação saldo não desembolsado 02 04 Concluído saldo a desembolsar 01 Concluído sem saldo a desembolsar 0 Em Concluído Preparação saldo não desembolsado 01 Concluído saldo a desembolsar Concluído sem saldo a desembolsar 03 Fonte: SEAIN/Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, julho de 2003. Nota: Não estão incluídos projetos para prorrogação de contratos, sub-empréstimos, nem projetos específicos por organização no âmbito dos programas guarda-chuva. 8