Um cenário da gestão pública no Brasil

Propaganda
VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003
Um cenário da gestão pública no Brasil
Sheila Maria Reis Ribeiro
Introdução
O presente ensaio aborda o tema da formulação e implementação de políticas de gestão pública no
Brasil, e tem como objetivo estabelecer uma perspectiva para análise do cenário atual das ações do
governo federal neste campo.
O artigo está estruturado em itens capítulos seguidos da conclusão. O primeiro faz uma retrospectiva da
agenda política dos anos 90. O segundo busca identificar padrões recorrentes nas ondas de
modernização da gestão, entre as décadas de 1930 e de 1990, destacando exemplos de fragmentação
nas iniciativas de reforma, bem como a insuficiência dos mecanismos de coordenação política. Na
seqüência, o item três analisa a lógica do processo de decisão em gestão pública, mostrando como os
problemas neste campo estão relacionados à ação coletiva e que, por isso, necessitam de coordenação.
Por último, o item quatro tece considerações gerais sobre o contexto atual das ações do Governo
Federal e de possíveis implicações no que se refere à abordagem dos problemas da gestão pública.
A hipótese é de que, a partir de 2003, com a ascensão do Governo Lula cresce a possibilidade de que
haja uma modificação nos padrões de formulação e de implementação de políticas no campo da gestão
pública, com incremento da participação social.
1. A agenda da gestão pública no Brasil nos anos 90
A década de 1990, no Brasil, foi o palco de um conjunto de políticas orientadas para transformações
econômicas, políticas, tecnológicas e institucionais, visando à inserção do país na nova ordem
internacional. A transformação do papel do Estado entrou na agenda governamental, juntamente com a
aceleração do processo de privatização.
Num contexto de abertura econômica e de revalorização da democracia, o governo propôs substituir o
modelo de Estado Produtor (empresário) por um modelo Regulador (normatizador) de bens e serviços,
e provedor de políticas sociais. Entre as justificativas que serviram de base para a mudança do modelo
figuraram o enfrentamento da crise fiscal, os esforços para a retomada do crescimento econômico e a
legitimação de um novo arcabouço institucional para o Estado democrático.
Do ponto de vista da gestão do setor público, formou-se um consenso sobre a crise do modelo
burocrático consolidado a partir dos anos 30, que se traduziu nos argumentos de ineficiência e
ineficácia de procedimentos administrativos, hipertrofia das organizações, inadequação tecnológica,
incompatibilidade do modelo de administração vigente com o novo modelo de desenvolvimento
econômico e social. Este diagnóstico orientou propostas de alteração dos critérios tradicionais de
formação da burocracia estatal no sentido de uma ruptura com o monopólio administrativo estatal.
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado em 1995 pelo então Ministério da
Administração e Reforma do Estado, orientou-se: 1) no plano fiscal – pela busca de um novo padrão de
financiamento do setor público; 2) no plano organizacional - pela criação de novos modelos
organizacionais e institucionais, com ênfase na descentralização, publicização, privatização e
terceirização de serviços; e 3) no plano administrativo - pela flexibilização e orientação do
planejamento e da gestão para resultados, na utilização intensiva de tecnologias da informação e de
comunicação e na profissionalização de quadros, com foco nas carreiras estratégicas de Estado.
O referido plano ensejou princípios de responsabilização dos agentes públicos e de abertura do Estado
à participação e ao controle social. E neste sentido, comparado às ondas de modernização dos anos 30 e
dos 60 avançou no que diz respeito aos fundamentos políticos que orientaram a retórica da
modernização. O discurso sobre a reforma administrativa tornou-se menos tecnicista, em contraste com
a reforma da década de 60, quando a questão em foco era: “ por fim a uma situação de inexistência de
controle real, efetivo, da Administração Federal, problema que , por si, equivalia a romper com uma
VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003
tradição de 60 anos, enraizada em concepções jurídicas que relegavam a segundo plano as lições da
arte de administrar.” (DIAS, J.N.T., A Reforma Administrativa de 1967, Rio de Janeiro: FGV, p.17).
O contexto de desenvolvimento da democracia e as transformações econômicas favoreceram a abertura
ao debate mais amplo sobre a administração pública brasileira, modificando a retórica modernizadora,
antes primordialmente centrada nos aspectos técnicos e instrumentais e na transposição de ferramentas
de gestão do setor privado para o setor público. A definição de um novo marco institucional para o
Estado democrático demarca as principais diferenças programáticas entre os períodos.
De certo modo, o que ficou conhecido no Brasil como reforma gerencial re-introduziu a preocupação
com a eficiência e a eficácia das ações governamentais, buscando reorientar a preocupação do gestor
público para o desempenho das políticas públicas. Esta mentalidade foi incorporada por diversos
segmentos da burocracia, tendo influenciado a sistemática de planejamento por programas implantada a
partir de 2000.
Mas o deslocamento da preocupação clássica com os procedimentos administrativos antes muito
restrita aos aspectos da legalidade, para a preocupação com os resultados das políticas públicas, pode
ser interpretado como apenas mais uma adaptação de técnicas de gestão do setor privado para garantir
eficiência, se não estiver associado às expectativas por mudanças mais profundas tanto nas regras e
valores que pautam o funcionamento das organizações, quanto nas regras do processo decisório.
Note-se que o processo decisório compreende a formulação e implementação de políticas públicas
(Lindblom:1981: p. 60). Embora no campo da gestão pública seja freqüente estabelecer-se uma
separação entre formulação e implementação de política, a implementação diz respeito às ações
necessárias para que uma política seja colocada em prática e efetivamente funcione.
Cientistas políticos mostram como a partir da década de 70, o estudo das políticas públicas indica haver
um elo perdido entre a tomada da decisão e a avaliação de resultados, sendo este elo a implementação.
Esta separação é mais um recurso analítico do que um fato real no processo político (Rua & de
Carvalho:1998, p.251).
Na prática, a implementação está associada ao tradicional campo das funções administrativas, ou seja,
o campo da gestão pública, comumente considerado como de domínio técnico instrumental:
planejamento, orçamento, controle, gestão (recursos humanos, organizacionais, processos, tecnologias).
É curioso observar como, provavelmente devido à visão instrumental, o campo da gestão pública é
pouco analisado sob o prisma das estratégias de insulamento burocrático.
Indubitavelmente, a onda modernizadora dos anos 90 permitiu o alcance de uma perspectiva mais
complexa das reformas neste campo ao introduzir o conceito de governança. No entanto, a apropriação
do conceito pelos formuladores mostrou-se seletiva, abandonando-se os aspectos que subvertiam a
lógica do processo decisório. Em conseqüência, ao mesmo tempo em que foram realçados os princípios
da participação, transparência, accountability e controle social, manteve-se o padrão conservador de
formulação e implementação de políticas baseado na ação racional de indivíduos (Buchanan: 1970) ou
de uma elite (Mosca: 1966; Pareto: 1966) modernizadora.
Avaliando políticas de gestão pública numa perspectiva internacional, Pollitt & Bouckaert (2001)
mostram como a retórica comum sobre a boa governança, e outros adjetivos inerentes às reformas
administrativas, podem de fato mascarar realidades institucionais características dos diferentes países
que explicam o desfecho ou resultado da aplicação das políticas.
Neste sentido, considerando a realidade brasileira e concordando com Pollitt, é possível supor que a
retórica da participação, deste período, resultou mais de expectativas sociais difusas de democratização
das instituições e de policy transfer (Dolowitz & Marsh:1998; Common:1998), do que, propriamente,
da quebra de um paradigma da formulação e implementação de políticas públicas no Brasil. Neste
particular, os agentes financeiros internacionais tiveram um papel relevante ao contribuirem com
metodologias e na modelagem de programas e projetos de reforma.
Deste modo, podemos afirmar que, embora tenham se registrado avanços do ponto de vista da
utilização do conceito de governança, a evolução não foi suficiente para provocar mudanças no
2
VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003
paradigma de implementação de políticas neste campo.
2. Fragmentação como padrão da ação modernizadora
As diferentes ondas de modernização que se seguiram entre meados dos anos 30 e segunda metade dos
anos 90, no Brasil, apresentam um padrão homogêneo no que se refere à separação entre formulação e
implementação de política.
Um outro padrão pode ser identificado na importação de modelos oriundos de experiências de outros
países, não obstante a experiência internacional refutar as pretensões dos que advogam a existência de
uma tendência global à adoção de políticas de gestão pública dentro de padrões determinados
(Minogue: 1998, Pollitt & Bouckaert: 2000).
Ademais, apesar da possibilidade de que haja um condicionamento das estruturas econômicas, políticas
e tecnológicas e de que isto possa favorecer a formação de consensos sobre princípios gerais de
reforma, uma nova inflexão ocorre quando se verifica a assimetria entre as intenções dos formuladores
de políticas neste campo e o real alcance dos projetos executados (Pollitt & Bouckaert: 2000, p.27).
A assimetria entre intenções e resultados é decorrente de uma série de fatores, dentre eles, a
racionalidade burocrática, cuja lógica favorece a departamentalização das ações de governo. Esta lógica
remete à identificação de um terceiro padrão: a ação fragmentada no campo da gestão.
A experiência brasileira mostra como o campo da gestão pública tem se caracterizado pela
fragmentação das funções administrativas e das iniciativas de projetos ou programas de
“modernização” por setor, departamento, organização, processo, etc., sem que, necessariamente,
estabeleçam uma vinculação entre si.
Esta prática tem dificultado a percepção dos problemas tanto sob o prisma da complexidade quanto sob
o prisma da sua dimensão. Ainda, tem impossibilitado a definição de uma agenda comum da gestão
pública, seja no âmbito das distintas esferas de governo, seja no plano federativo.
A pulverização de projetos, e conseqüentemente de recursos, ocorre no nível da União, dos Estados e
dos Municípios. Normalmente, há escassez de recursos fiscais, sobretudo para fins de modernização ou
reforma, o que estimula os governos a procuram recursos nos mercados financeiros.
De acordo com dados da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, que analisa somente os pedidos de financiamento externo e integra a Comissão de
Financiamentos Externos - COFIEX, responsável pela autorização dos projetos, a situação é a seguinte
O Quadro 1 (Anexo) mostra a existência de 21 projetos e/ou programas em execução, e/ou em coexecução, somente no nível da União, referentes aos temas Reforma do Estado e Desenvolvimento
Institucional. Neste conjunto, não estão computados os projetos setoriais que contêm componentes de
modernização, a exemplo de quatro outros projetos existentes no setor de saúde e de mais quatro, no
setor de saneamento. Também não estão incluídos os projetos decorrentes de contratos de subempréstimo aos Estados no âmbito de programas denominados guarda-chuva, nem os projetos por
organização, na mesma modalidade.
Se analisarmos cada um destes projetos, vamos observar que contém pelo menos algum componente ou
sub-componente relativo a modernização de estruturas, processos, tecnologias de gestão e de
informação, capacitação de recursos humanos. Verificaremos, também, a diversidade de conceitos
subjacentes aos projetos e a sobreposição de soluções, em muitos casos, conflitantes, levando ao
desperdício de recursos.
Este fenômeno corresponde a um segundo nível de fragmentação, ou seja, a fragmentação conceitual, e
que pode ser exemplificada no caso de dois grandes programas: o Programa Nacional de Apoio à
Administração Fiscal dos Estados Brasileiros -PNAFE e o Programa de Modernização do Poder
Executivo Federal – PMPEF, ambos financiados com recursos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento -BID , tendo os correspondentes contratos sido assinados em 1997 e 1998,
respectivamente.
3
VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003
O PNAFE - Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal dos Estados Brasileiros foi criado
com o objetivo de fortalecer as administrações fiscais estaduais, mediante a reestruturação e
modernização das secretarias estaduais de fazenda, num contexto em que o Governo Federal vinha
desempenhando o importante papel de coordenador da política fiscal no âmbito da federação, com
vistas a garantir a estabilidade macroeconômica.
O Programa de Modernização do Poder Executivo Federal – PMPEF, por sua vez, apoiou a
implementação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado-PDRE, ao qual já nos referimos
no capítulo precedente. Mas no que se refere à questão federativa, o PDRE não foi muito além de
reafirmar os princípios da Constituição Federal de 1988. De certo modo, a problemática geral da crise
do Estado e o seu enfoque organizacional obscureceram a questão da coordenação e do equilíbrio
federativo, uma vez que a distribuição de competências e o compartilhamento de responsabilidades
entre União, Estados e Municípios, no que tange à implementação de políticas públicas, não foram
objeto da reflexão política.
Registra-se que o então Ministério da Administração e Reforma do Estado encaminhou em 1998, antes
da sua extinção, ao então Ministério do Planejamento, carta consulta com vistas à preparação de um
novo programa para os estados nos moldes do Programa do Modernização do Poder Executivo Federal,
cuja estrutura reflete a política do Plano Diretor. A iniciativa na época não prosperou.
Note-se que o papel dos agentes financeiros internacionais na reprodução desse padrão fragmentado de
formulação e implementação no campo da gestão pública não é desprezível. São múltiplos os
programas de modernização em negociação e em execução no país, nos diferentes níveis de governo, e
com diferentes enfoques sobre a gestão.
Não é razoável considerar que a soma de programas e projetos de modernização possa resultar em
reformas institucionais que guardem coerência entre si. A melhoria da gestão pública não é o resultado
de uma operação aritmética.
Experiências fragmentadas e isoladas por unidades da Federação reproduzem processos assimétricos de
modernização. Logo, é necessário que se coloque em evidência a necessidade de fortalecimento dos
mecanismos de coordenação política neste campo e a necessidade de se definir uma estratégia de
coordenação no plano inter-institucional.
A crise fiscal induziu o governo a que adotasse a perspectiva do federalismo fiscal e podemos dizer que
houve um avanço no que se refere ao fortalecimento dos instrumentos da gestão fiscal. Mas, o que
ocorre com a gestão das demais políticas públicas? Como definir fronteiras de responsabilidade pelos
resultados das políticas públicas e viabilizar a accountability, no plano federativo?. Quais os benefícios
de se aumentar a arrecadação fiscal sem eliminar os gargalos burocráticos por onde se desperdiçam os
recursos públicos? Estas são questões para reflexão, que ilustram a complexidade da problemática da
gestão pública, evidenciando a necessidade de uma ação mais integrada neste campo.
A definição de políticas de gestão pública - sobretudo que busquem superar a fragmentação
institucional - requer um processo amplo de concertação política envolvendo diferentes atores.
A concertação deve ocorrer no plano intra-governamental e inter-governamental, com a participação da
sociedade, mas também, no plano das relações com atores internacionais que atuam com policy
transfer.
3. Racionalidade do processo de decisão no campo da gestão pública
A análise de políticas de gestão pública requer que se leve em conta o exame do processo de
formulação e de implementação de políticas. A problemática da fragmentação e da formação de
consensos para reformas da gestão pública conduz à preocupação com a racionalidade subjacente ao
processo de formulação e de implementação de políticas.
Os temas que fazem parte da agenda da gestão_ recursos humanos, logística, planejamento e
orçamento, são tradicionalmente considerados como de domínios técnicos especializados e esta
especialização tem se reproduzido na definição de funções e na estrutura organizacional que apóia o
4
VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003
processo de decisão política neste campo.
Podemos afirmar que a especialização típica da burocracia e a prática de utilização de “modelos
tecnocráticos” neste campo têm como fundamento o princípio individualista da ação racional. O
individualismo metodológico (Weber: 1991) sustenta a idéia do comportamento racional.
Mas, se por um lado, a ação racional, seja de um funcionário público, de uma carreira técnica
especializada, de uma organização ou do Estado, pode ser considerada sob a lógica individual; por
outro, a racionalidade tem menos a ver com o conhecimento ou com a aquisição deste do que com a
forma com a qual os sujeitos fazem uso dele (Habermas: 1987).
Logo, a especialização do conhecimento não é obstáculo a uma ação articulada de diversos atores
individuais, portadores de conhecimentos especializados.
O processo de implementação de políticas envolve uma rede de atores e organizações. Sobretudo no
campo da gestão pública, tanto a definição de problemas como a aplicação de soluções resulta de uma
ação coletiva. Quanto maior o número de atores, maior a complexidade do processo político e maior o
desafio de coordenação das ações.
Alguns analistas têm desenvolvido modelos de análise que procuram dar conta da problemática da
coordenação no campo da gestão pública, partindo da perspectiva da teoria da ação coletiva de Olson
(1999).
Metcalfe (1999), por exemplo, utiliza esta teoria de uma forma crítica e apropriada aos problemas no
campo da gestão. Para o autor, a solução de problemas no âmbito da gestão pública não pode se dar no
nível da organização individual. Comparando a gestão em organizações públicas e privadas, afirma o
analista que, por definição, a gestão pública ocupa-se do comportamento de todo um sistema e isto
envolve uma rede de organizações.
Quanto mais interdependentes são as funções das organizações, maior é a probabilidade de que haja
problemas de ação coletiva que não podem ser solucionados na dimensão organizacional individual ou
da micro-gestão.
Metcalfe parte do pressuposto de que os problemas da ação coletiva podem ser abordados de tal
maneira que contribuam para impulsionar o interesse comum. E estabelecendo a diferença entre macro
e micro-gestão, postula que enquanto a micro-gestão está associada a cada organização,
individualmente, a macro-gestão está associada à direção de redes inter-institucionais.
Deste modo, é necessário um processo de macro-gestão para que se possa garantir a coordenação. Isto
significa que a macro-gestão deve superar a micro-gestão (METCALFE: 1999, 57).
A conclusão a que podemos chegar a partir da análise destes autores é que, até o momento, no Brasil,
o padrão de formulação e de implementação de políticas no campo da gestão pública repousa sobre
uma lógica que não superou a dimensão da micro-gestão. São grandes os desafios de coordenação
política, para que possamos ultrapassar o quadro de fragmentação da ação neste campo.
4. Qual a nova agenda da gestão pública no Brasil ?
O cenário brasileiro que tem como marco o ano de 2003, apresenta mudanças políticas significativas,
decorrentes da ascensão ao poder do Partido dos Trabalhadores.
No plano fiscal, o governo federal administra um orçamento apertado e se prepara para encaminhar ao
Congresso Nacional os projetos de reforma da previdência e tributária, enquanto constrói um novo
modelo de planejamento estratégico, de longo prazo, para o país. O novo plano deve responder à
problemática de como eliminar mecanismos que favorecem a concentração de renda e riqueza e de
como induzir a um modelo de consumo de massa, buscando ativar, deste modo, o crescimento da
economia.
Por sua vez, a melhoria do acesso aos serviços públicos é considerada como um fator de aumento da
renda e, por conseguinte, de geração de emprego.
Num contexto de fortes restrições orçamentárias e financeiras, o compromisso com o social, firmado
durante a campanha eleitoral, passa a condicionar a agenda das prioridades políticas. Os programas
5
VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003
sociais do governo são alvo de grandes expectativas e a constatação empírica de dificuldades na sua
implementação leva a considerar problemas na gestão de políticas.
No contexto da preocupação com a formulação e implementação de programas sociais, vislumbra-se a
necessidade de redesenhar processos de trabalho com o fim de reduzir custos administrativos e elevar a
qualidade do gasto público. Neste sentido, algumas ações de curto prazo visando aumentar a eficiência
de programas governamentais em diversos setores já estão em desenvolvimento, no âmbito do
Programa de Redução de Custos, gerenciado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e
realizado em parceria com o setor privado.
Mas, se por um lado pode ser considerada consensual a avaliação segundo a qual devem ser eliminados
os gargalos burocráticos responsáveis pela ineficiência da administração pública, o mesmo não pode
ser dito com respeito à forma de solucionar a questão. Pode-se até mesmo afirmar que não estão ainda
definidos os problemas que poderiam compor uma agenda de política de gestão pública para o país.
As razões são diversas e podem variar desde a concorrida pauta de prioridades do governo que apenas
se inicia, até a percepção ainda incompleta da dimensão dos problemas, dada a fragmentação
institucional existente neste campo.
Não se pode deixar de ter em conta, também, que o tema tem sido freqüentemente referenciado a um
histórico recente de projeto neoliberal de reformas para a transformação do papel do Estado.
No início da década de 90, no Brasil, a reforma do Estado acompanhou o processo de abertura da
economia e as mudanças políticas do período pós-Guerra Fria. No plano governamental, a
administração pública foi palco de ações inconseqüentes e ideologicamente motivadas, que resultaram
no desmonte da burocracia estatal.
A partir de 1995, conforme acima referido, surgiu um novo movimento, cujo enfoque foi a
reconstrução do Estado, partindo do pressuposto de uma crise do Estado caracterizada pela exaustão
dos modelos de financiamento do setor público, do modelo de intervenção e de administração
burocrática.
A partir de 2003, com o novo governo, observa-se o deslocamento da problemática da crise do Estado
para aquilo que se configura como falta de Estado. A idéia é central e serve como ponto de partida para
o debate no campo da gestão pública.
Construir uma percepção diferente dos problemas neste campo, e afastada de vieses primordialmente
ideológicos, dependerá em grande medida da capacidade do governo em transformar o processo de
formulação e de implementação
política no campo da gestão pública, subvertendo a lógica
tecnocrática e insular.
Neste sentido, a experiência em curso do planejamento para os próximos quatro anos - o Plano
Plurianual 2004-2007 - parece estar avançando. A nova forma explora as potencialidades das relações
de conflito típicas das sociedades democráticas e resgata o papel estatal de coordenação política do
planejamento das políticas públicas.
O plano, partindo das orientações estratégicas do Governo Federal, e das concertações políticas
setoriais, está sendo debatido nos diferentes níveis de governo, bem como com a sociedade civil,
através de seus representantes no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e de outras
organizações da sociedade civil, como entidades empresariais, sindicais, etc.
Embora a experiência possa ser percebida por alguns como fruto do desencontro de opiniões e de
cisões internas ao governo, a “aparência errática das decisões e a pouca nitidez do processo conflitivo
de construção “é ressaltada por outros como uma “novidade histórica” (José Luís Fiori. “Conflito de
Interesses”, Opinião, CB, 20 de julho de 2003, p.17).
Experiência de concertação semelhante é o que se vislumbra para o campo da gestão pública, do qual o
planejamento é apenas uma dimensão ou instrumento.
Após anos de retórica sobre a ineficiência do setor público, o governo federal finalmente prepara-se
para a realização de um grande diagnóstico da administração pública federal. A metodologia,
diferentemente da prática tecnocrática tradicional, parte da existência de conflitos neste campo,
6
VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003
enfatizando a importância do processo participativo de identificação dos problemas e das soluções.
Com esses primeiros sinais do novo governo, é possível admitir a possibilidade de que, num futuro
próximo, amplie-se o debate sobre a gestão pública no Brasil. E para que não se configure apenas como
mais uma onda modernizadora, é preciso que a agenda passe a integrar a revisão do processo de
formulação e implementação de política neste campo.
Conclusão
As seguidas ondas de modernização da gestão pública no Brasil, entre os anos 30 e 90, seguiram alguns
padrões, dentre eles a fragmentação institucional e a separação entre a formulação e a implementação
política.
A retórica da reforma dos anos 90 avançou do ponto de vista da utilização do conceito de governança e
dos princípios políticos que orientaram as propostas, quais sejam: participação, accountability, controle
social. E neste sentido, foi além do simples discurso de transposição de técnicas de gestão do setor
privado para o setor público, muito característico dos anos precedentes. Mas, ainda assim, a agenda
mostrou-se bastante restrita, uma vez que a lógica do processo decisório, que inclui formulação e
implementação, não foi objeto da reflexão política.
Por sua vez, a reforma foi idealizada e dirigida por uma elite que, pelo viés tecnocrático e pela
insuficiência de mecanismos de coordenação política, manteve a fragmentação de ações no campo da
gestão.
A partir de 2003, com a posse do novo Governo, surgem sinais de alteração dessa trajetória política. A
definição de um novo processo de planejamento com participação social, abre a possibilidade de que se
amplie a agenda no campo da gestão pública, pois a participação neste campo tem impacto sobre o
paradigma tradicional de separação entre formulação e implementação de política.
Bibliografia
BUCHANAN, James. “Uma teoria individualística do processo político”. Modalidades de
Análise Política. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
FRIEDMANN, John. Planning In The Public Domain: From Knowledge to Accion. New Jersey:
Princeton University Press, 1987.
LINDBLOM, Charles E. O Processo de Decisão Política. Trad. Sérgio Bath. Brasília: Ed. UnB,
1981.
MINOGUE, Martin. “Changing the state: concepts and practice in the reform of the public
sector”. Beyond the new public management: changing ideas and practices in governance. UK: Edward
Elgar, 1998.
DOLOWITZ, David. P& MARSH, David. “Policy transfer: a framework for comparative
analysis”. Beyond the new public management: changing ideas and practices in governance. UK:
Edward Elgar, 1998.
COMMON, Richard. “The new public management and policy tranfer: the role of international
organizations”. Beyond the new public management: changing ideas and practices in governance. UK:
Edward Elgar, 1998.
POLLITT, C. & BOUCKAERT, Geert. Public Management Reform: a comparative analysis.
Oxford: University Press, 2000.
----------------------------------------------. “Avaliando reformas da gestão pública: uma perspectiva
internacional”. In: RSP/ENAP, Ano 53, N. 3, jul-set. 2002.
METCALFE, Les. “La Gestión Publica: de la imitacion a la inovacion”.De Burocratas a
7
VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003
Gerentes? Las ciências de la gestión aplicadas a la administración del Estado. Editor: Carlos Losada y
Marrodán. Washington: BID, 1999.
MOSCA, Gaetano. “A classe dirigente” IN: Souza, Amaury de (org.). Sociologia Política. RJ:
Zahar, 1966.
PARETO, Vilfredo. “As elites e o uso da força na sociedade” IN:
OLSON, Mancur. A Lógica da Ação Coletiva. Trad. Fábio Fernandes. SP: Edusp, 1999.
RUA, M. das G. & Carvalho, M.I. Valladão. O Estudo da Política: tópicos selecionados. Brasília:
Paralelo 15, 1998.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol I. Trad.
Johannes Winckelmann. Brasília: Editora UnB, 1991.
HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa: racionalidad de la acción y racionalización
social. Tomo I. Madrid: Taurus, 1987.
Resenha Biográfica
Sheila Maria Reis Ribeiro é Mestre em Sociologia Política , graduada em Filosofia e em Serviço Social
pela Universidade de Brasília. Em 1991, especializou-se em “População e Desenvolvimento
Econômico” pelo CELADE/CEPAL das Nações Unidas, no Chile. Tendo ingressado na Administração
Pública em 1984, acompanhou a extinção do DASP- Departamento Administrativo do Serviço Público,
as sucessivas reestruturações da área de gestão, tendo participado de vários projetos. Foi Coordenadora
Geral de Estudos e Pesquisas na ENAP- Escola Nacional de Administração Pública. Em 1995, integrou
a equipe que elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Atualmente, é Assessora da
Secretaria Executiva do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Coordenadora do Programa
Nacional de Apoio à Modernização da Gestão e do Planejamento dos Estados – PNAGE e do
PROMOEX - Programa de Modernização do Controle Externo dos Estados e Municípios Brasileiros.
Endereço para contato: Esplanada dos Ministérios, Bloco K, 6º andar. Brasília-DF, CEP 70040-900.
Fone: 55061 4294021; Fax: 55061 2260807; e-mail: [email protected].
Anexo
Quadro 1
Programas/projetos com financiamento externo, na área de Reforma do Estado e/ou
Desenvolvimento Institucional - julho/1986 a julho/2003
União/
CEF
21
Em
Assinatura
02
Estados Em
Assinatura
05
Em
Negociação
01
Em
Negociação
Em
Execução
11
Em
Execução
01
Em
Concluído
Preparação saldo não
desembolsado
02
04
Concluído
saldo a
desembolsar
01
Concluído
sem saldo a
desembolsar
0
Em
Concluído
Preparação saldo não
desembolsado
01
Concluído
saldo a
desembolsar
Concluído
sem saldo a
desembolsar
03
Fonte: SEAIN/Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, julho de 2003.
Nota: Não estão incluídos projetos para prorrogação de contratos, sub-empréstimos, nem projetos específicos por
organização no âmbito dos programas guarda-chuva.
8
Download