Ministério da Saúde de Moçambique Manual de Referência para Clínicos Avaliação e Manejo dos Doentes com HIV/SIDA Fevereiro 2013 Este material foi desenvolvido pela UW I-TECH, com financiamento do Acordo de Cooperação U91H06801 do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, a Administração dos Recursos e Serviços de Saúde (HRSA), no âmbito do Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da SIDA (PEPFAR). O seu conteúdo é da exclusiva responsabilidade dos seus autores e não representa necessariamente a opinião do CDC ou HRSA. Agradecimentos Este Programa de Tutoria Clínica é fruto da colaboração da I-TECH (International Training and Education Center on Health) com o MISAU (Ministério de Saúde da Republica de Moçambique) e outras Instituições e Organizações parceiras, para melhorar as capacidades clínicas dos clinicos especialmente relacionados ao HIV/SIDA e doenças crônicas, e dessa maneira contribuir ao combate a pandemia do HIV/SIDA em Moçambique. A formação e todos os materiais foram financiados pelo President’s Emergency Plan For AIDS Relief (PEPFAR). MISAU e o Combate a SIDA O aparecimento da SIDA em Moçambique veio a agravar a situação da saúde pública no país, que já se vê confrontado por outras doenças como malária, cólera e tuberculose, estima-se que 11.5% da população entre os 15 e 49 anos de idade esteja infectada pelo HIV 1. O Ministério da Saúde - MISAU, com o apoio de diversas organizações nacionais e estrangeiras, têm empreendido esforços para combater esta pandemia que atinge o país e prejudica a saúde e qualidade de vida da população. A alta taxa de prevalência de HIV/SIDA, aumenta o número de utentes e sobrecarrega os serviços de saúde, que demandam mais profissionais capazes de cuidar e tratar os doentes com SIDA. Para responder à essa demanda, o MISAU têm ampliado os seus esforços na formação e capacitação de profissionais de saúde. I-TECH A I-TECH (International Training & Education Center on Health), uma colaboração entre a Universidade de Washington e a Universidade da Califórnia, trabalha em parceria com os Ministérios da Saúde, universidades, organizações não governamentais (ONG), serviços de saúde e outras organizações, na melhora das capacidades técnicas dos profissionais de saúde e no fortalecimento dos Sistemas Nacionais de Saúde. As actividades da I-TECH são desenvolvidas nas seguintes áreas: Fortalecimento dos Sistemas de Saúde, formação de pessoal de saúde, pesquisas operacionais e avaliações, prevenção, cuidado e tratamento de doenças infecciosas. A I-TECH foi formada em 2002 pela HRSA (Human Services Health Resources and Services Agency) em colaboração com a CDC (Center for Disease Control) 1 Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e Sida em Moçambique. INSIDA 2009 • • • • • • • • • • • • Índice MÓDULO 1: INTRODUÇÃO AO HIV/SIDA • UNIDADE 1.1: Introdução e Epidemiologia do HIV/SIDA.......................................................1 • UNIDADE 1.2: Virologia e Imunologia do HIV........................................................................9 • UNIDADE 1.3: Aconselhamento, Testagem e Adesão..........................................................21 • UNIDADE 1.4: Prevenção Positiva ………………………………………………………………………………….37 MÓDULO 2: ABORDAGEM DO DOENTE HIV+ • UNIDADE 2.1: Abordagem Clínica do Doente HIV+: Anamnese e Exame Físico..................45 • UNIDADE 2.2: Interpretação de Testes Laboratoriais ……………………………………………….…… 70 • UNIDADE 2.3: Emergências: Doente HIV+ com Sinais de Perigo.........................................81 • UNIDADE 2.4: Estadiamento Clínico....................................................................................93 MÓDULO 3: MALÁRIA NO DOENTE HIV+.....................................................................................112 MÓDULO 4: PATOLOGIAS CONSTITUCIONAIS ASSOCIADAS AO HIV • UNIDADE 4.1: Febre no Doente HIV+.................................................................................128 • UNIDADE 4.2: Perda de Peso, Emagrecimento e Malnutrição no Doente HIV+................141 • UNIDADE 4.3: Anemia no Doente HIV+..............................................................................156 MÓDULO 5: DOENÇAS RESPIRATÓRIAS NO DOENTE HIV+..........................................................167 MÓDULO 6: CO-INFECÇÃO HIV-TB..............................................................................................177 MÓDULO 7: PATOLOGIA DA PELE, MUCOSAS E NÓDULOS LINFÁTICOS NO PACIENTE HIV+ • UNIDADE 7.1: Doenças que Afectam a Boca e Esófago no Doente HIV+...........................186 • UNIDADE 7.2: Doenças Dermatológicas do Doente HIV/SIDA..........................................201 • UNIDADE 7.3: Linfadenopatias..........................................................................................212 • UNIDADE 7.4: Sarcoma de Kaposi......................................................................................218 MÓDULO 8: PATOLOGIA DIGESTIVA ASSOCIADA AO HIV • UNIDADE 8.1: Diarreia do Doente HIV+.............................................................................224 • UNIDADE 8.2: Dor Abdominal do Doente HIV+..................................................................237 MÓDULO 9: MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS NO DOENTE HIV+ • UNIDADE 9.1: Problemas do SNC e Cefaleia......................................................................243 • UNIDADE 9.2: Neuropatia Periférica no Doente HIV+.......................................................262 MÓDULO 10: TRATAMENTO DO DOENTE HIV+ • UNIDADE 10.1: Prevenção das IOs e Profilaxia com Cotrimoxazol....................................269 • UNIDADE 10.2: Introdução ao Tratamento Anti-retroviral................................................282 • UNIDADE 10.3: Início do TARV...........................................................................................291 • UNIDADE 10.4: Seguimento do Doente em TARV e Falência Terapêutica........................304 • UNIDADE 10.5: Reacções Adversas à medicação...............................................................312 • UNIDADE 10.6: Síndrome de Imuno-restauração (SIR)......................................................329 • UNIDADE 10.7: Profilaxia Pós-Exposição............................................................................333 MÓDULO 11: INFECÇÃO PELO HIV NA PACIENTE GRÁVIDA........................................................344 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................................354 Abreviaturas: ABC Abacavir, droga anti-retroviral transcriptase reversa (INTR) do grupo dos inibidores da ALT Alanina Aminotransferase Transaminase que avalia função hepática, também conhecida por SGPTou GPT(Glutâmico Pirúvica Transaminase) ARV Anti-retrovirais AST Aspartato Aminotransferase Transaminase que avalia função hepática, também conhecida por SGOT ou GOT(Glutâmico Oxalacética Transaminase) ATS Aconselhamento e Testagem em saúde AZT Azidotimidina, também conhecida como Zidovudina, droga antiretroviral do grupo dos inibidores da transcriptase reversa BK Bacilo de Koch, bactéria causadora da Tuberculose CD4 É um receptor presente nos linfócitos T-auxiliares onde o HIV se liga para iniciar a infecção da célula. CMAM Central de Medicamentos de Maputo CMV Citomegalovirus CPP Consultas Pós-Parto CrAg Antigenio para criptococcose CTZ Cotrimoxazol Ddl Didanosina, droga anti-retroviral do grupo (INTR) dos inibidores da transcriptase reversa DIP Doença Inflamatória Pélvica DNA Ácido desoxi-ribonucleico d4T Estavudina ou Stavudina, droga anti-retroviral do grupo dos inibidores da transcriptase reversa EBV Vírus de Epstein Barr EFV Efavirenz, droga anti-retroviral do grupo dos Inibidores não nucleosidos da transcriptase reversa (INNTR) EPI Equipamento de proteccão individual FC Frequência cardíaca FESTA Febre, Emagrecimento, Suor, Tosse, Astenia (Sinais para suspeita de TB) FR Frequência respiratória FRIDA Folha de Registo Individual de Dispensa de ARVs HB Hemoglobina HHV Herpes vírus humano HIV Vírus da Imunodeficiência Humana IMC Índice de massa corporal INH Isoniazida INNTR Inibidores Não Nucleosidos da Transcriptase Reversa INTR Inibidores da Trascriptase Reversa IO Infecção Oportunista IP Inibidores de Proteasa I-TECH International Training and Educational Center for HIV ITS Infecção de transmissão sexual LCR Líquido cefalorraquideo LMP Leucoencefalopatia multi-focal progressiva LPG Linfadenopatia Generalizada Persistente MC Meningite Criptocócica MISAU Ministério da Saúde MMIA Mapa Mensal de Informação ARVs MRDMA Mapa de Registo Diário de Medicações Anti-retrovirais NID Número de Identificação do doente NVP Nevirapina, droga anti-retroviral do grupo 2 de inibidores não nucleosido anti-retroviral da transcriptase reversa (INNTR) OMS Organização Mundial da Saúde PCP Pneumonia por Pneumocistis carinii, agora denominado jirovecii PCR Reacção em cadeia da Polimerase PIL Pneumonia Intersticial Linfoide PLT Plaquetas PNCTL Plano Nacional de Controlo de Tuberculose e Lepra PPJ Pneumonia por Pneumocystis Jirovecii PTV Prevenção de Transmissão Vertical PVHS Pessoas vivendo com HIV/SIDA RAD Reacção Adversa a Drogas RAM Reacção Adversa a Medicamentos RBC Contagem de Linfócitos RPR Reagina Plasmática Rápida (Prova serológica para sífilis) Rx Radiografia SIDA Síndrome de Imunodeficiência Adquirida SIR Síndrome de Imuno-restauração SK Sarcoma de Kaposi SKP Sarcoma de Kaposi Pulmonar SMI Saúde Materno Infantil SNC Sistema Nervoso Central TA Tensão Arterial TARV Tratamento Anti-retroviral TB Tuberculose TDF Tenofovir TMG Técnico de Medicina Geral TS Trabalhador de Saude TP Tuberculose Pulmonar US Unidade sanitária VDRL Venereal Disease Research laboratory (Prova serológica de sífilis) VHS Vírus do Herpes Simples WBC Contagem leucócitos ZDV Zidovudina, droga anti- retroviral, também conhecida como Azidotimidina do grupo dos inibidores da transcriptase reversa 3TC Lamivudina, droga anti-retroviral do grupo dos inibidores da transcriptase reversa (INTR) Módulo 1 Introdução ao HIV/SIDA Introdução ao Módulo 1 A infecção pelo HIV é um dos grandes constrangimentos enfrentados pelo continente africano. As elevadas taxas de infecção e o seu contínuo crescimento fazem deste um verdadeiro problema de saúde pública. Por isso, todos os profissionais de saúde devem conhecer bem as características da infecção pelo HIV a todos os níveis. O teste do HIV e o conhecimento do seu resultado é imprescindível na hora de tomar decisões. O aconselhamento antes do teste de HIV e ao longo da doença constitui uma estratégia na prevenção e controlo da infecção pelo HIV. A adesão do doente ou das pessoas que vivem com o HIV/SIDA não se traduz apenas na toma de medicamentos anti-retrovirais se mas também no compromisso, determinação e conhecimentos sobre a doença. Este módulo está dividido em quatro unidades que serão apresentadas a seguir: • 1.1 Introdução e Epidemiologia do HIV/SIDA • 1.2 Virologia e Imunologia • 1.3 Testagem, Aconselhamento e Adesão • 1.4 Prevenção Positiva Manual de Referência do Clínico Introdução ao HIV/SIDA 3 Unidade 1.1 – Introdução e Epidemiologia do HIV/SIDA Introdução A infecção pelo HIV/SIDA é actualmente um dos constrangimentos que o continente africano enfrenta. O primeiro caso foi identificado em 1981 e, desde então, o índice de prevalência tem estado a aumentar em muitos países da região e, de entre eles, Moçambique. Embora a maioria dos países africanos conte actualmente com a possibilidade de diagnosticar e de tratar o HIV/SIDA, as elevadas taxas de infecção e o seu contínuo crescimento fazem deste um verdadeiro problema de saúde pública. Por estes motivos, todos os profissionais de saúde devem conhecer bem o comportamento da infecção pelo HIV, tanto a nível individual (no doente ou pessoa infectada) como a nível da comunidade (transmissão e disseminação da infecção). Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos: • Prevalência da infecção: O HIV e o SIDA no mundo, na África Sub-Sahariana e em Moçambique • Principais modos de transmissão e disseminação do HIV em Moçambique • Impacto do HIV em Moçambique Prevalência: O HIV/SIDA no Mundo e na África Sub-Sahariana O HIV/SIDA afectam muitas pessoas em todo mundo, contudo a situação é muito mais grave nos países da África Sub-Sahariana, onde Moçambique faz parte. Total: 33 milhões (30 – 36 milhões) Figura 1: Prevalência de HIV no Mundo (Número de Casos por Região) Fonte: UNAIDS: Global Summary of the AIDS Epidemic, December 2007; http://www.unaids.org Se estima que, em 2007, 1,9 milhões de pessoas foram infectadas com o HIV em África sub-sahariana, o que elevou à 22 milhões o número de pessoas que vivem com o HIV. Dois terços (67%) do total mundial de 32,9 milhões de pessoas infectadas com o HIV vivem nesta região e três quartos (75%) de todas as mortes por SIDA tem acontecido nesta parte. As epidemias, tanto na progressão como no alcance, variam de forma significativa de um país para outro de África sub-sahariana. A prevalência nacional em adultos é inferior à 2% em vários países de África ocidental e central, e também no Corno de África, mas no 2007 superou o 15% em sete países de Manual de Referência do Clínico Introdução ao HIV/SIDA 4 África meridional (Botswana, Lesotho, Namíbia, África do Sul, Swazilandia, Zâmbia y Zimbabwe) e o 5% em outros sete países, a maioria de África central e meridional (Camerún, República Centro-africana, Gabón, Malawi, Moçambique, Uganda e Tanzânia). No gráfico a seguir podemos apreciar a prevalência mediana do HIV entre mulheres na idade reprodutiva, dos 15 a 49 anos de idade, atendidas nas consultas pré-natais em países da África SubSahariana, a prevalência do HIV entre as mulheres da Suazilândia é superior à de outros países, seguida pela das mulheres de Botswana, África do Sul, Lesotho, Zimbábue e Namíbia. 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Bostwana Lesotho Namíbia África do Sul Suazilândia Zimbábue 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Figura 2: Prevalência Mediana do HIV entre Mulheres (15-49 anos) Atendidas em Consultas Pré-natais em Países da África Sub-Sahariana, 1998-2006 1 Fonte: Vários Inquéritos em Consultas Pré-natais A maior parte dos países envolvidos neste estudo mostra que a prevalência mais elevada ocorre entre os anos 2003-2004, chegando a ser superior a 40% em 2004 na Suazilândia e foi diminuindo nos anos 2005-2006 na Suazilândia, Botswana e Lesotho. A África do Sul mantém a mesma prevalência entre 2003 e 2006 apesar de ter apresentado uma diminuição em 2004. Zimbábue é o país que manteve um decréscimo progressivo da prevalência desde 2000 a 2006, chegando a ter uma prevalência do HIV mais baixa do que a da Namíbia. Entretanto, a Namíbia foi o país que registou a prevalência mais baixa até 2004. Prevalência: O HIV/SIDA em Moçambique No que respeita aos adultos, a taxa de prevalência é de 11.5%. A prevalência entre as mulheres é superior à dos homens (13.1 e 9.2% respectivamente) 2 Contudo, a prevalência do HIV em Moçambique não é uniforme para todas as regiões ou províncias. Algumas províncias apresentam níveis de infecção mais baixos do que outras. Às vezes, acontece que na mesma região observa-se grandes disparidades nos níveis de infecção entre províncias vizinhas. Observa-se também que, na mesma província, há distritos que, pelas suas características, apresentam níveis de infecção mais altos do que a média provincial ou em relação ao distrito vizinho. Situação do HIV/SIDA em Moçambique 2009 Prevalência em adultos (15-49 anos): 11,5% • • Mulheres: 13,1% Homens: 9,2% Prevalência em crianças (0-11 anos): 1,4% Até o ano 2009, a prevalência do HIV foi estimada através do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (RVE), um método que recolhe informação em mulheres grávidas de 1549 anos testadas em postos sentinelas no Sul, Centro e Norte do País; nesse ano um inquérito nacional (INSIDA) realizado em aglomerados familiares de todo o País e com uma metodologia diferente, revelou uma taxa de prevalência inferior a aquelas dadas pelas RVE. Prevalência em crianças (0-11 meses): 2,3% 1 2 Situação da Epidemiologia do SIDA na África Subsaariana. Resumo Regional. ONUSIDA-OMS 2007 Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e Sida em Moçambique. INSIDA 2009 Manual de Referência do Clínico 5 Introdução ao HIV/SIDA Figura 3: Estimativas de Prevalência Provincial de HIV nas Rondas de Vigilância Epidemiológica de 2002, 2004 e 3 2007 Estimativas de Prevalência do HIV: INSIDA – Rondas de Vigilância Epidemiológica: A estimativa de prevalência encontrada no INSIDA (11,5%) é mais baixa relativamente à estimativa de 15% obtida através da Ronda de Vigilância Epidemiológica do HIV e Sífilis no ano anterior (RVE 2009). A Prevalência estimada pelo INSIDA não significa uma redução na prevalência em Moçambique, mas que a metodologia usada para estimar o número de pessoas infectadas pelo HIV melhorou. Isso resulta numa estimativa mais fiel à realidade. Os dados de prevalência do INSIDA serão usados para calibrar as estimativas de prevalência obtidas através das Rondas de Vigilância. As RVE continuarão a servir para acompanhar as tendências da epidemia a curto prazo, e estimar o impacto da epidemia sobre a população moçambicana. Figura 4: Taxas Estimadas de Prevalência do HIV em Adultos por Província, Região e à Nível Nacional: 4 Taxas Estimadas de Prevalência do HIV em Adultos (15-49 anos) por Província, Região e Nacional, Moçambique, 2009 Taxa de Prevalência Taxa de Prevalência Província Região (urbana-rural) (mulheres-homens) Maputo Cidade 16,8% (20,5% - 12,3%) Maputo Província 19,8% (20,0% - 19,5%) Sul 17,8% (17,2% - 18,6,2%) 3 RELATÓRIO SOBRE A REVISÃO DOS DADOS DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA DO HIV - RONDA 2007 Autor: GRUPO TÉCNICO MULTISECTORIAL DE APOIO À LUTA CONTRA O HIV/SIDA EM MOÇAMBIQUE RONDA DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA DO HIV 2007 4 Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e Sida em Moçambique. INSIDA 2009 Manual de Referência do Clínico Introdução ao HIV/SIDA 6 25,1% (29,9% - 16,8%) Gaza Inhambane 8,6% (10,0% - 5,8%) Zambezia 12,6% (15,3% - 8,9 %) Sofala 15,5% (17,8% - 12,6%) Manica 15,3% (15,6% - 14,8%) Tete 7,0% (8,0% - 5,7%) Niassa 3,7% (3,3% - 4,3%) Nampula 4,6% (5,5% - 3,3%) Cabo Delgado 9,4% (9,5% - 9,2%) Nacional Centro 12,5% (19,7% - 10,3%) Norte 5,6% (9,9% - 4,0%) Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e Sida em Moçambique. INSIDA 2009 11,5% (15,9% - 9,2%) A Situação do HIV em Diferentes Grupos Populacionais A distribuição da infecção pelo HIV varia de acordo com determinados grupos populacionais. Por exemplo, em Moçambique, o HIV afecta mais as mulheres do que os homens. Determinadas profissões favorecem maior risco de infecção para as pessoas que as praticam, tornando-as mais vulneráveis do que outras pessoas, por exemplo: os mineiros que trabalham na África do Sul, os motoristas, as trabalhadoras do sexo, etc. No entanto, quando a epidemia do HIV atinge proporções tão elevadas como em Moçambique, toda a população passa a estar em risco de se infectar pelo HIV, independentemente da sua profissão ou sexo, bastando para isso manter relações sexuais desprotegidas. No gráfico a seguir, pode-se observar que a prevalência entre as mulheres é superior à dos homens em todas as províncias. Estas diferenças variam de província a província; em Gaza e na Zambézia, a prevalência entre mulheres é um 44% e um 40% respectivamente superior a prevalência entre os homens, frente as províncias de Cabo Delgado e Maputo onde a prevalência entre mulheres e homens é praticamente a mesma. Figura 5: Distribuição da Prevalência do HIV/SIDA por Sexo, INSIDA 2009, Moçambique 5 5 Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e Sida em Moçambique. INSIDA 2009 Manual de Referência do Clínico 7 Introdução ao HIV/SIDA Impacto do HIV em Moçambique O número de pessoas que vivem com HIV/SIDA depende do número das novas infecções pelo HIV e do tempo entre a infecção e a morte das pessoas infectadas. O impacto da infecção pelo HIV em Moçambique pode ser estimado através dos seguintes indicadores: • Diminuída sobrevivência infantil • Diminuída sobrevivência geral • Unidades Sanitárias sobrecarregadas (cerca de 370 mil pessoas necessitam de TARV) • 382.000 órfãos maternos entre as idades de 0 a 17 anos devido ao SIDA • 92.000 mortes por ano • 160.000 novas infecções por ano • Perda de trabalhadores (em geral) e especificamente de trabalhadores de saúde: 15% nos últimos dez anos (estimativa) • Estigma, discriminação • Aumentos na prevalência/incidência de outras infecções ligadas ao HIV (tuberculose, malária) Pontos-Chave • A epidemia de HIV é um problema de saúde pública no mundo, na África Sub-Sahariana e em Moçambique • O HIV tem uma alta taxa de prevalência na África Sub-Sahariana e em Moçambique • O impacto da epidemia em Moçambique é muito grande e o pessoal de saúde deve saber transmitir as informações epidemiológicas relacionadas com o HIV de forma simples e clara às suas comunidades Manual de Referência do Clínico Introdução ao HIV/SIDA 8 Unidade 1.2: Virologia e Imunologia do HIV/SIDA Introdução Esta unidade abordará o comportamento da infecção pelo HIV, tanto a nível individual (no doente ou pessoa infectada) como a nível da comunidade (transmissão e disseminação da infecção). Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos: • • • • • Definição e ciclo de vida do HIV Sistema imunológico História natural da infecção: Progressão da infecção pelo HIV para SIDA Principais modos de transmissão e disseminação do HIV em Moçambique Métodos para a prevenção da transmissão do HIV Definição e Ciclo de Vida do HIV Definição do HIV O HIV é o vírus que ataca o sistema imunológico e causa o SIDA. Numa pessoa infectada, o HIV pode ser encontrado no sangue, no leite, no sémen, nos fluidos vaginais e outros. O HIV é um retrovírus, ou vírus lento, que necessita de longos períodos de incubação e de uma célula hospedeira para se replicar. Existem dois tipos de HIV: HIV-1 e HIV-2. O HIV-1 é o mais frequente em Moçambique. A Figura 1 abaixo demonstra o vírus em maior detalhe. • H significa Humano, e quer dizer que este vírus só ataca os seres humanos; • I significa Imunodeficiência, o que quer dizer que o sistema de defesa do organismo não está a funcionar devidamente, está débil. • V significa Vírus Figura 1: Ilustração Esquemática do HIV 1 1 Fonte: Manual do Curso TARV para Técnicos de Medicina, Junho 2006 Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 9 Na Figura 1 na página anterior podemos observar que a estrutura do vírus tem três capas: 1. Capa interna ou nucleóide, que contém duas moléculas completas de Ácido Ribonucleico (ARN), além do núcleo proteína e as enzimas virais. 2. Uma capsida icosaédrica. 3. Um envelope que deriva da célula hospedeira, onde se inserem as glicoproteínas em projecções externas, de entre as quais se destacam as gp120 e gp41, e os antigénios de histocompatibilidade que derivam da célula hospedeira. As proteínas que cobrem o vírus são importantes porque permitem a fusão do vírus aos linfócitos T CD4 e a sua penetração nas células hospedeiras. O vírus vai incorporar uma série de materiais da célula hospedeira (antígenos HLA, microglobulinas) que vão-lhe permitir aproximar-se dela através de zonas de adesão, que posteriormente facilitarão a união da glicoproteína de superfície gp120 ao receptor CD4 e ao co-receptor da membrana celular. As proteínas do HIV são de vários tipos, umas são estruturais, como as que aparecem no esquema acima, nomeadamente as p10 (protease que processa proteínas), p17 (protease que favorece o ligamento na membrana), p24 (uma proteína da capside), gp120 (glicoproteína de superfície) e gp41 (glicoproteína de transmembrana). Outras proteínas são enzimas, como a transcriptase reversa (p64) que transforma o ARN do vírus em ADN proviral e a Integrase (p32) que actua para que o ADN viral recém-formado se integre no ADN da célula hospedeira. Ciclo de Vida do HIV É o período que compreende desde o momento que o vírus entra na célula hospedeira (linfócito T CD4) do sangue até a formação de novas cópias do vírus. O esquema abaixo (Figura 2) mostra as diferentes etapas do desenvolvimento do vírus, a saber: • • • • • Fusão Transcrição Integração dentro do núcleo da célula Tradução ou reprodução das componentes virais Formação de novos vírus Figura 2: Ciclo de Vida do HIV Fonte: Manual do curso TARV para Técnicos de Medicina Junho 2006 Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 10 Passos do ciclo de vida do HIV: Primeiro Passo: • Fusão: Depois de entrar no sangue, ocorre a fusão do envelope do vírus (entre gp41 e 120), com a membrana do linfócito T (receptor CD4) da célula hospedeira. • Transcrição: Ocorre dentro do citoplasma da célula hospedeira sob ação da enzima do vírus denominada transcriptase reversa, transformando o material genético ARN em ADN. Segundo Passo: • Integração: O ADN viral recém-formado integra-se no ADN da célula hospedeira por meio da enzima viral chamada integrase. Este processo vai permitir que o HIV ‘reprograme’ a célula humana para criar mais vírus e, para que isso aconteça, vai ocorrer uma transcrição e uma tradução do material genético: Na transcrição, as duas cadeias de ADN separam-se, formando uma nova cadeia de ARN viral, chamada ARN mensageiro; Na tradução, são formados blocos de proteínas virais a partir da informação do ARN. Terceiro Passo: • Formação viral da estrutura externa de novos vírus, que serão liberados pela célula hospedeira. Como o HIV Causa a Doença Uma vez que penetra no organismo, o HIV enfraquece o sistema imunológico, atacando os linfócitos do tipo CD4, que desempenham um papel importante na resposta imunitária e, consequentemente, o organismo fica desprotegido contra as doenças, levando ao desenvolvimento de infecções oportunistas. O HIV ataca directamente sistemas vitais do organismo, como: • Sistema nervoso • Sistema respiratório • Sistema gastrointestinal • Sistema endócrino • Sistema cardiovascular Sistema Imunológico O sistema imunológico é responsável pela defesa do organismo humano, produzindo anticorpos (imunoglobulinas) específicos para cada agente invasor. É formado por órgãos e tecidos linfoides, que são: medula óssea, timo, gânglios linfáticos, baço, amígdalas, adenóides, apêndice, sangue e vasos linfáticos, que se localizam segundo a Figura 3 abaixo: Figura 3: Órgãos e tecidos linfoides Fonte: Fonte: Manual do curso TARV para ´Técnicos de Medicina Junho 2006 Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 11 Glóbulos Brancos ou Leucócitos O corpo humano é formado por células de vários tipos. Um grupo de células, os glóbulos brancos ou leucócitos, têm a função de defender o organismo de agentes patogénicos como o vírus, as bactérias, os fungos e diferentes parasitas. Existem cinco tipos de glóbulos brancos: neutrófilos, linfócitos, monócitos, basófilos e eosinófilos. Quando somos atacados por agentes patogénicos, o sistema de defesa entra em acção para impedir que esses agentes prejudiquem o organismo. As células CD4+ ou linfócitos CD4+ são um subtipo de linfócitos considerados os “soldados” do nosso corpo e actuam na defesa contra as doenças. Além de linfócitos CD4, existem outras células leucocitárias que participam da defesa contra o HIV, chamadas linfócitos CD8 (que são células citotóxicas capazes de destruir células estranhas ou infectadas) e os macrófagos (tipo de glóbulos brancos responsáveis pela fagocitose de substâncias ou partículas estranhas). Todas estas células estão inter-relacionadas e são imprescindíveis para o funcionamento do sistema imunitário. A disfunção dos linfócitos CD4 enfraquece quase todo o sistema imunológico, porque a produção de anticorpos pelos linfócitos B e células plasmáticas fica comprometida e o sistema imune fica descontrolado. Desta forma, nem as imunoglobulinas funcionam porque não são bem orientadas e os linfócitos CD8 não conseguem levar a cabo a sua missão citotóxica e os mecanismos de fagocitose também não funcionam. Definições Relacionadas com o HIV O HIV, uma vez que entra no corpo, ataca os linfócitos CD4+. • • Diariamente, os linfócitos de uma pessoa que vive com HIV produzem bilhões de partículas virais, chamada carga viral. S = Síndrome Também, diariamente, milhões de linfócitos do corpo morrem. Depois de alguns anos, o número de linfócitos I = Imuno CD4+ no sangue diminui e o sistema imunológico não D = Deficiência consegue proteger o corpo. A = Adquirida Nos pacientes infectados pelo HIV, depois de algum tempo (que é variável entre as pessoas infectadas), o sistema imune se debilita e não é capaz de enfrentar as infecções comuns (aquelas que podem afectar a qualquer pessoa, não só os seropositivos) e as não comuns (chamadas infecções oportunistas). As infecções oportunistas são aquelas que, em condições normais, não conseguem afectar as pessoas. Apenas em casos de fraqueza extrema do sistema imune é que estas infecções são capazes de produzir doença na pessoa infectada. É o caso da pneumonia por Pneumocistis, da toxoplasmose cerebral ou das infecções por micobactérias atípicas. O SIDA é o nome que recebe o grupo de doenças que afectam as pessoas infectadas pelo HIV. São doenças que aparecem ou se manifestam quando o organismo da pessoa infectada com o vírus do HIV já não é capaz de se defender das infecções devido ao enfraquecimento do sistema imunológico. História Natural da Infecção: Progressão da Infecção pelo HIV para SIDA A progressão da infecção pelo HIV para SIDA varia de 8 a 10 anos e consiste do tempo que passa desde a infecção pelo vírus até ao momento em que a pessoa com o HIV desenvolve o SIDA. A progressão da infecção pelo HIV até o SIDA ocorre segundo as fases apresentadas no esquema abaixo, e a duração destas varia de pessoa para pessoa, dependendo das circunstâncias individuais e do ambiente ou contexto em que a pessoa vive. Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 12 Figura 4: História Natural da Infecção pelo HIV Fonte: Manual do curso TARV para ´Técnicos de Medicina Junho 2006 Fases: 1. Fase Aguda • • • Síndrome retroviral agudo (Infecção pelo HIV): Resulta da transmissão do HIV. Acontece quando o HIV entra no organismo humano e começa a multiplicar-se e a disseminar-se. Período de Janela: É o período que transcorre desde a entrada do vírus no corpo até que este desenvolve anticorpos para lutar contra o vírus. Esta fase tem uma duração variável, mas geralmente não ultrapassa três meses. Durante esse período, chamado período janela, os testes rápidos usados para o diagnóstico não reagem e portanto não diagnosticam a infecção ainda que presente e darão falsos negativos. Sero-conversão: É o processo pelo qual o organismo da pessoa infectada desenvolve anticorpos contra o vírus. A partir desse momento, os testes rápidos sorológicos para o diagnóstico do HIV são positivos. 2. Fase Assintomática Crónica: Dura em média de 8 a 10 anos. 3. Fase sintomática: Caracterizada pelo aparecimento de tumores e das infecções oportunistas, sendo o SIDA a etapa final deste processo Possibilidade de Mudar a História Natural da Infecção pelo HIV através do Tratamento e Seguimento Actualmente, esta progressão pode ser modificada dependendo dos cuidados que os doentes recebem. Estes cuidados são: • Informação e apoio: O fornecimento de informação sobre a infecção, sua origem e seus efeitos no corpo humano são necessários para as pessoas infectadas poderem enfrentar a situação. Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 13 • • • Neste sentido, o conhecimento da possibilidade de tratar a infecção e controlar os sintomas é muito importante na hora de conseguir o compromisso dos doentes para o seu tratamento. Atenção e vigilância médica continuada: O seguimento dos doentes ao longo do tempo permite a detecção atempada de sinais/sintomas de progressão da doença e, portanto, oferece a possibilidade de dar resposta adequada em cada momento. Tratamento e prevenção de infecções oportunistas: A profilaxia para as infecções oportunistas permite reduzir o sofrimento dos doentes em relação à frequência dos episódios das infecções como diarreias, toxoplasmose ou pneumonia, melhorando a qualidade de vida. Tratamento anti-retroviral (TARV): As combinações de fármacos anti-retrovirais presentemente disponíveis, quando administrados e tomados correctamente, conseguem suprimir a multiplicação do vírus no sangue dos pacientes, permitindo a recuperação do sistema imunológico. O TARV transforma em muitos casos a infecção pelo HIV numa doença crónica com a qual os pacientes podem conviver durante muitos anos. Principais Modos de Transmissão e Disseminação do HIV em Moçambique A transmissão do HIV consiste no processo de propagação (ou a passagem do HIV de uma pessoa para outra) através de diversos mecanismos de transmissão que podem ser: relações sexuais não protegidas com uma pessoa infectada, transmissão vertical que ocorre de mãe para o filho, pelo sangue contaminado (durante a transfusão sanguínea ou feridas abertas), ou ainda através de objectos perfurantes contaminados, entre outros. Infecção pelo HIV: É o resultado da transmissão do HIV. Acontece quando o HIV entra no organismo humano e começa a multiplicar-se e disseminar-se. Modos de Transmissão do HIV 1. Relações Sexuais Não Protegidas (Sem o Uso de Preservativo): As relações sexuais não protegidas acontecem quando não se usa o preservativo e constituem a forma mais comum de transmissão do HIV em Moçambique. O HIV pode transmitir-se durante as relações sexuais sem preservativo quando estas são mantidas entre uma pessoa já infectada pelo HIV e uma pessoa ainda não infectada. Essa transmissão acontece porque ocorre o contacto entre os fluidos contaminados (o sangue, o sémen, os fluidos vaginais e cervicais) da pessoa infectada com os da pessoa não infectada. O HIV pode ser transmitido sexualmente através do sexo com penetração vaginal, sexo anal e sexo oral. Cabe salientar que a presença de uma Infecção de Transmissão Sexual (ITS) não tratada aumenta as probabilidades da transmissão do HIV. 2. Transmissão Sanguínea: Ocorre quando o sangue infectado entra no organismo de uma pessoa não infectada através da transfusão sanguínea, ou através de objectos cortantes tais como seringas, lâminas ou máquinas de barbear, lâminas usadas nos salões de beleza, curandeiros, que são compartilhadas entre uma pessoa infectada e uma pessoa não infectada, ou quando o sangue contaminado pelo HIV entra no corpo de uma pessoa não infectada através de feridas abertas. 3. Transmissão Vertical (Transmissão de mãe para filho): As mulheres grávidas e seropositivas podem passar o vírus para o filho. A passagem acontece fundamentalmente durante o parto, através da placenta durante a gravidez e depois do parto e através do aleitamento. A probabilidade de uma mulher HIV+ transmitir o vírus para o filho diminui se forem tomadas determinadas medidas preventivas, tais como tomar medicamentos anti-retrovirais durante a gravidez e pós-parto, opção do aleitamento artificial através do leite de fórmula, ou aleitamento materno exclusivo durante 6 meses seguido de desmame imediato após este período. Como se pode constatar, o vírus do HIV requer um “meio de transporte” para entrar no organismo humano. Os meios de transporte são os líquidos corporais: • • • • Sangue; Esperma; Fluido vaginal; Leite materno; Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 14 • Líquido pleural, ascítico, LCR, pericárdico. Modos através dos quais NÃO é Possível a Transmissão do HIV Apesar do drama que o HIV impõe às sociedades, há diversas maneiras através das quais o HIV não se transmite. O HIV fora dos fluidos humanos não sobrevive por muito tempo e, portanto, o contacto normal com as pessoas infectadas não implica em risco de transmissão sempre que sejam observadas as medidas preventivas básicas. Os insectos que sugam o sangue (mosquitos, pulgas, percevejos, etc.) também não têm a capacidade de transmitir o HIV, uma vez que o vírus não sobrevive nos seus organismos. Factores que Aumentam o Risco de Infecção pelo HIV O risco é comportamentos, condutas ou actividades que, devido à sua prática, Modos que não transmitem o HIV aumentam a probabilidade de uma pessoa ser infectada pelo HIV. Contacto social: abraços, aperto de mãos, beijos, respirar o mesmo ar, contacto com o suor (por Os riscos que aumentam a possibilidade de exemplo na prática desportiva), lágrimas, e o consolo infecção pelo HIV são: a uma pessoa triste. Compartilhando: assentos tanto da casa de banho 1. Relações sexuais desprotegidas: como da casa em geral, utensílios de mesa ou • Todas as relações sexuais domésticos, roupa, casas de banho públicas ou realizadas sem o uso do piscinas, sabonete/sabão. preservativo, sejam elas sexo oral, Picadas de insectos: picada de mosquito, de pulgas, sexo anal ou sexo vaginal percevejos, picada ou mordedura de qualquer outro aumentam o risco de infecção pelo insecto ou animal. HIV. • O contacto com úlceras nos órgãos genitais causadas pelas ITS aumenta o risco de infecção pelo HIV durante as relações sexuais não protegidas. 2. Múltiplos parceiros sexuais e/ou a prática de relações sexuais ocasionais • O desconhecimento do próprio estado, ou o do parceiro/a em relação ao HIV aumenta o risco de infecção pelo HIV. • As pessoas que mantêm relações sexuais com múltiplos parceiros/as ou frequentemente estabelecem relações sexuais ocasionais enfrentam maior risco de infecção pelo HIV. • Quando ambos ou um dos parceiros não é fiel e estabelece relações sexuais ocasionais frequentemente e sem o uso do preservativo aumenta o risco de ambas partes contraírem o HIV. 3. Uso do Álcool e/ou de Drogas: • O álcool e outras drogas aumentam a prática de comportamentos de risco que contribuem para a infecção pelo HIV, tais como relações sexuais ocasionais, e diminui as possibilidades do uso do preservativo. • A partilha de seringas ou objectos cortantes contaminados entre diferentes pessoas aumenta o risco de infecção pelo HIV. Factores que Aumentam a Vulnerabilidade para a Infecção pelo HIV A vulnerabilidade consiste em situações que influem naquilo que somos e/ou fazemos e que pode ter um impacto em relação ao risco de infecção pelo HIV. Devido à vulnerabilidade, algumas pessoas podem ter limitações nas opções sobre aquilo que fazem ou a maneira como o fazem, o que pode dificultar na observação de medidas que protegem contra a infecção pelo HIV. Exemplo: Um trabalhador migrante na África do Sul está longe da sua parceira e tem muitas possibilidades de manter relações sexuais ocasionais com trabalhadoras de sexo ou outras, e assim corre maior risco de infecção pelo HIV. Uma vez regressado à sua comunidade, pode transmitir o HIV ao manter relações sexuais sem preservativo com a sua esposa. Portanto, a condição da mulher de Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 15 trabalhador emigrante está associada ao risco de infecção pelo HIV e este representa um grupo vulnerável para infecção pelo HIV. Os factores que aumentam a vulnerabilidade para infecção pelo HIV são: 1. Mobilidades Sociais: • O HIV com frequência distribui-se seguindo as rotas de comércios, corredores de camionistas, cruzamento de estradas importantes, etc. • As populações que se movem frequentemente são propensas a mudar de parceiras/os sexuais, o que as/os coloca em elevado risco de infecção pelo HIV. 2. Estigma e Negação: • Devido ao estigma e a negação, as pessoas podem ser impedidas de fazer uso dos recursos e meios disponíveis para a prevenção do HIV. Por exemplo, não fazer o teste, não aceitar a condição de HIV+ e, em consequência disso, assumir um comportamento inadequado, que pode implicar tanto a deterioração da saúde e até mesmo a propagação do HIV. 3. Factores Sócio-Culturais: • A cultura que inclui as tradições, as crenças e as práticas influi na maneira como as pessoas pensam e se comportam, e esse comportamento ou prática pode em alguns casos favorecer a infecção pelo HIV. • Práticas tradicionais tais como a herança das esposas de familiares falecidos, ritos de purificação que envolvem relações sexuais, ou a poligamia podem aumentar o risco de infecção pelo HIV. • As concepções culturais podem favorecer ou reforçar o estigma e a negação do HIV. 4. Género: • As iniquidades de género aumentam a vulnerabilidade das mulheres para infecção pelo HIV. A habilidade da mulher negociar a segurança das relações sexuais (por exemplo, através do uso do preservativo) pode ser limitada se existir algum factor de dependência, seja ela económica ou social. Às vezes as mulheres são obrigadas a manter relações sexuais com homens muito mais velhos por dinheiro. 5. Pobreza: • A pobreza reduz a capacidade de as pessoas estarem devidamente informadas sobre o HIV e sobre as formas de se protegerem. • A pobreza pode levar as mulheres a praticarem relações sexuais em troca de dinheiro ou bens materiais básicos. • As pessoas que vivem em condições de pobreza extrema muitas vezes não têm acesso a serviços de saúde. Entender a Transmissão do HIV na Nossa Comunidade Para além de compreender os mecanismos de transmissão do HIV e os factores que aumentam o risco de transmissão, o Clínico deve conhecer e compreender os factores que condicionam as pessoas a adoptar condutas de risco ou a não se protegerem contra o HIV na própria comunidade. Estes factores são: 1. Conhecimentos: Nem todas as pessoas têm informação sobre o HIV. Há numerosos mitos que circulam no seio das comunidades que não são correctos. Portanto, as pessoas não aprendem sobre o HIV através de fontes correctas, mas sim a partir de diversas fontes de informação, incluindo os mitos e os boatos. 2. Crenças sobre o próprio risco de infecção pelo HIV: Algumas pessoas pensam que o HIV afecta apenas as prostitutas, os camionistas, os mineiros ou jovens. As pessoas não gostam de pensar que elas mesmas e todos nós podemos estar infectados pelo HIV de nossos/as parceiros/as ou das nossas esposas/os e ou namorados. As pessoas negam estarem em risco de se infectar pelo HIV tanto seja porque a pessoas de quem gostam aparentam um perfeito estado de saúde ou porque Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 16 durante o relacionamento as pessoas tentam convencer as outras de modo a criar segurança usando, por exemplo, o seguinte discurso: «Tenho poucas namoradas ou namorados, são raras as vezes que mantenho relações sexuais sem o preservativo, ou com gente desconhecida, etc.». 3. Algumas pessoas têm dificuldades para obter o preservativo, por um lado devido a factores relacionados com crenças e hábitos sexuais e, por outro, devido a fraca condição sócio-económica, fraco grau de escolaridade e conhecimento sobre o assunto. 4. Habilidades: algumas pessoas não sabem usar correctamente o preservativo, e têm dificuldades para perguntar a outras para que as possam explicar. Algumas não são capazes de ser assertivas e exigir do parceiro/a práticas sexuais seguras, outras têm o hábito de manter relações sexuais principalmente depois de consumirem álcool e, consequentemente, não podem seguir as normas básicas de prevenção contra o HIV. 5. Poder: Não são todas as pessoas que têm o controlo das situações em que se encontram envolvidas. Algumas mulheres não têm o poder de exigir e insistir ao parceiro no uso do preservativo, no caso de este recusar. As trabalhadoras de sexo podem ter dificuldades de exigir que seus clientes usem o preservativo. As pessoas embriagadas e que gostam de manter relações sexuais depois de terem consumido álcool podem ter maiores dificuldades de tomar decisões adequadas que as protejam a si mesmas e aos seus parceiras/os sexuais. Métodos para a Prevenção da Transmissão do HIV Uma vez conhecidos os modos de transmissão do HIV, a seguir são apresentados os factores que diminuem o risco de transmissão do HIV. Relações Sexuais Seguras • • • • • • • Uso correcto e consistente dos preservativos masculino para os homens e feminino para as mulheres. Abstinência sexual. Demora no início das relações sexuais nas populações jovens (adolescentes), uma vez que os jovens podem não estar devidamente preparados para negociar e controlar as circunstâncias e a maneira em que acontecem as relações sexuais. Relações sexuais que se mantêm num relacionamento com um único parceiro baseado na fidelidade. Evitar ter parceiros sexuais múltiplos ou evitar relações sexuais ocasionais. Estar informado e ciente sobre o status do seu parceiro/a em relação ao HIV e tomar as precauções necessárias. Relações sexuais não penetrativas que implicam intercâmbio de fluidos (masturbação mútua, beijos etc.) Prevenção da Transmissão de Mãe para o Filho (Prevenção da Transmissão Vertical – PTV) A Prevenção da Transmissão Vertical envolve diferentes métodos que contribuem para que uma mulher grávida não transmita o HIV para o seu filho durante a gravidez, parto e aleitamento. O papel dos Clínico na PTV consiste em: • Informar tanto aos homens como as próprias mulheres de que as mulheres podem transmitir o HIV para o filho durante a gravidez, o parto e aleitamento; • Educar a ambos os pais em relação às opções de escolha que têm e as implicações para saúde da mãe e do bebé; • Prevenir gravidez não desejada em mulheres HIV+ quando os serviços de planeamento familiar não estão disponíveis; ou se apenas um dos cônjuge é HIV+; • Reforçar a importância do uso do preservativo como medida de prevenção; • Lembrar a todas as pessoas de que infectar-se pelo HIV durante a gravidez aumenta as possibilidades da criança ser infectada pelo HIV. Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 17 O Clínico pode igualmente desempenhar um papel importante na prevenção da transmissão vertical do HIV através do fornecimento de informação adequada sobre o planeamento familiar. Uma maneira de avaliar a situação específica de cada caso ou doente é perguntar se a mulher está usando métodos anticonceptivos, a data da última menstruação e fazer uma avaliação sobre possível gravidez em cada visita das doentes. Planeamento Familiar: • Encaminhar as doentes aos serviços onde elas podem ter acesso ao aconselhamento sobre planeamento familiar; • Encorajar os doentes/utentes a usar o preservativo para se protegerem das doenças de transmissão sexual e do HIV, para evitar gravidez indesejada, e nas pessoas já infectadas, para evitar as reinfecções; • Fazer demonstrações sobre o uso do preservativo; • Oferecer os preservativos; • Recomendar outros métodos anticonceptivos para além do uso do preservativo. Se a mulher tem a intenção de engravidar: • • Discutir e explicar as intervenções disponíveis nos serviços de PTV. Recomendar o uso de preservativo durante a gravidez, durante o aleitamento e em todas as relações sexuais. Se a mulher já estiver grávida, aconselhe-a em relação: • • • • Aos riscos de transmissão do HIV ao filho; À existência de medicamentos anti-retrovirais que, quando tomados, diminuem o risco da transmissão do HIV de mãe para o filho. Os ARV devem ser tomados tal como são prescritos pelos clínicos. A criança também deve tomar os ARVs após o nascimento; A continuidade no uso do preservativo; A realização do parto nas Unidades Sanitárias onde pode ter ajuda de pessoas devidamente especializadas. Se a mulher está amamentando, informe sobre: • • • Os riscos de infecção do filho através do aleitamento (o vírus do HIV está presente no leite materno de uma mulher infectada); A existência de diversas opções para a alimentação infantil (recomende que fale sobre o assunto com enfermeira que lhe atende e analise as possibilidades económicas); A necessidade de continuar a usar o preservativo. Redução de Prejuízos A redução de prejuízos é um termo utilizado para descrever as actividades que têm por objectivo a prevenção ou redução dos efeitos negativos para a saúde derivados de determinados comportamentos. No entanto, o profissional de saúde deve saber que a redução de prejuízos não trata de apoiar ou oporse aos comportamentos que implicam maior risco, mas sim de encontrar a maneira de diminuir o risco naquelas pessoas que, por determinadas razões, não têm muitas possibilidades de evitar comportamentos de risco. Esta estratégia usa-se para as trabalhadoras de sexo. Neste grupo, a redução de prejuízo pretende explicar os mecanismos de transmissão e de disseminação do HIV. Ao lidar com as trabalhadoras de sexo, é importante: • • • • • • Garantir a privacidade e a confidencialidade; Não criar nenhum tipo de juízos morais; Criar um ambiente de confiança; Fornecer informação e aconselhamento sobre a prevenção contra o HIV; Explicar os riscos que as trabalhadoras de sexo correm na infecção pelo HIV; Encorajar para que a pessoa possa adoptar medidas que a ajudem a reduzir os riscos de infecção. Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 18 Precauções Contra a Infecção pelo HIV para os Trabalhadores de Saúde (Biossegurança) No exercício das suas actividades, o trabalhador de saúde deve tomar sempre precauções que evite ter contacto directo com o sangue e outros fluidos corporais. Deve manter os equipamentos médicos limpos e esterilizados. As medidas de precauções não apenas evitam a infecção pelo HIV, mas também são efectivas para outras doenças infecciosas: • • • • • • Não compartilhe agulhas, escovas de dentes, lâminas de afeitar ou quaisquer outros objectos cortantes para uso pessoal; Cubra todas as feridas abertas que você tenha, ou que veja em todos os pacientes que atende; Limpe todo vestígio de sangue ou de outros fluidos biológicos usando um desinfectante suave; Use sempre luvas; Lave as roupas com manchas de sangue ou outros fluidos do corpo separadamente; Descarte os materiais usados ou lixo de maneira segura. Profilaxia Pós-Exposição PPE: É realizada mediante o uso dos medicamentos anti-retrovirais que devem ser tomados imediatamente após a exposição ao HIV através do sangue ou outros fluidos biológicos procedentes de uma pessoa infectada. Os medicamentos devem ser tomados dentro de 72 horas após a exposição. Este conteúdo será explicado mais detalhadamente numa outra unidade do manual. Pontos-Chave • • • Os profissionais de saúde devem ter claros os conceitos básicos sobre o vírus, sua progressão para doença (SIDA) e sua transmissão. Os Clínico devem ser capazes de transmitir as informações de forma simples e clara sobre a transmissão do HIV. Os Clínico devem conhecer e compreender os factores que levam as pessoas a adoptar condutas de risco ou não se proteger contra o HIV na própria comunidade. Manual de Referência do Clínico Virologia e Imunologia do HIV/SIDA 19 Unidade 1.3 – Aconselhamento, Testagem e Adesão Introdução Em Moçambique qualquer utente ou doente pode realizar o teste do HIV. O conhecimento do resultado do teste é imprescindível para a tomada de decisões do utente ou doente, assim como para o profissional de saúde. Os profissionais de saúde, por estarem em maior contacto com o sistema de saúde e conhecerem a magnitude desta epidemia, são na sua maioria os que melhor entendem a dificuldade que as pessoas passam na hora de fazer o teste para HIV, devido a implicações pessoais, familiares e/ou profissionais que o resultado pode acarretar. O teste de HIV é precedido de uma sessão de aconselhamento por parte do pessoal da Unidade Sanitária (conselheiro/psicólogo ou outra pessoa formada em aconselhamento). O aconselhamento é uma estratégia de prevenção e controlo da infecção pelo HIV. Diferentes estudos demonstram a eficiência do aconselhamento na qualidade de vida dos doentes, no acesso à saúde e na adesão ao tratamento. Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos: • • • • • • • • Definição de aconselhamento e testagem para o HIV Benefícios e barreiras para o aconselhamento Confidencialidade Tipos de testes para HIV Aconselhamento e testagem de HIV: tipos e passos Aconselhamento para adesão Passos no aconselhamento para a adesão Monitoria e avaliação da adesão Aconselhamento e Testagem para HIV O aconselhamento é um diálogo confidencial que envolve uma relação entre pessoas ou grupos de pessoas que buscam apoio e alguém que ajuda a resolver ou a encarar o problema. • • • • • • • • O que é aconselhamento Estabelecimento de relações de apoio. Manter conversas com um objectivo claro. Escutar atentamente o que o utente tem a dizer. Dar informações correctas e apropriadas. Ajudar os utentes a falar de si. Ajudar os utentes a reconhecer e a construir as suas fortalezas. Ajudar os utentes a desenvolver uma atitude positiva. Ajudar as pessoas a tomar decisões baseadas na informação. • • • • • • • • O que não é aconselhamento Dizer aos utentes aquilo que devem fazer. Decidir pelos utentes. Julgar ou culpar os utentes. Interrogar e/ou buscar falhas. Ensinar os utentes. Fazer promessas aos utentes que não é capaz de cumprir. Impor aos utentes suas próprias crenças. Discutir com os utentes. O aconselhamento e a testagem (AT) podem ser assumidos a partir de três vertentes: 1. Iniciado pelo Provedor (Trabalhador de Saúde) É iniciado pelo provedor e realizado como parte de um pacote de cuidados dos serviços de saúde. O AT é oferecido a todos os utentes ou doentes que procuram os serviços de saúde. Este tipo de teste chama-se “teste rotineiro”, sendo assim o teste oferecido nas consultas pré-natais, PNCTL, etc. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 21 Teste diagnóstico ocorre quando solicitado pelo profissional de saúde como parte da avaliação diagnóstica a doentes que apresentam sintomas ou sinais atribuíveis a doenças relacionadas com o HIV. Na presença destes sintomas ou sinais, deve-se realizar o teste diagnóstico de HIV a fim de prestar cuidados médicos apropriados. A principal finalidade da testagem diagnóstica é, portanto, rastrear o HIV nos pacientes para que possam receber quanto antes os cuidados que sejam adequados à sua situação de saúde. Os princípios da testagem diagnóstica do HIV devem ser aplicados também a doentes internados com sinais ou sintomas relacionados com a infecção pelo HIV. Nos serviços de testagem iniciados pelo provedor, o doente pode optar por não aceitar (Opt Out) e não ser testado para o HIV. 2. Iniciado pelo Utente Isto acontece quando o utente procura pelos serviços de aconselhamento e testagem onde pode ser testado para o HIV. O teste realizado por iniciativa do utente chama-se Aconselhamento e Testagem para a Saúde. Os serviços de aconselhamento e testagem não devem ser restritos apenas ao HIV, já que em Moçambique estes serviços estendem-se a todas as questões de saúde e, portanto, recebem o nome de ATS (Aconselhamento e Testagem em Saúde) e os locais vocacionados para estes serviços são o UATS (em substituição ao GATV). Contudo, deve ter-se sempre em conta que todo aconselhamento e testagem para o HIV devem ser desenvolvidos sob uma base voluntária ou pela escolha do utente que vai ser testado. O aconselhamento e testagem para o HIV deveriam ser sempre além de voluntário, também confidencial, o que quer dizer que os resultados derivados desse teste não devem ser compartilhados com ninguém para além do próprio utente. 3. Aconselhamento e Testagem em Saúde na Comunidade Esta modalidade de aconselhamento e testagem é uma estratégia do Ministério da Saúde (MISAU), Conselho Nacional do Combate ao HIV/SIDA (CNCS) e Parceiros, com o objectivo de ampliar o acesso às informações sobre situações de saúde como Malária, TB, HIV, Diarreia, ITS, Saúde Reprodutiva, Hipertensão, Epilepsia, Doenças de Pele, Nutrição e Higiene Pessoal e Ambiental, fazer o encaminhamento aos serviços de saúde quando necessário, e oferecer oportunidade para que as populações, principalmente das zonas mais recônditas do país, conheçam o seu estado serológico e possam tomar as devidas medidas. Disponibilidade dos Serviços de Aconselhamento e Testagem Os Serviços de Aconselhamento e Testagem podem ser oferecidos: • • • No recinto das Unidades Sanitárias (Centros de Saúde, Posto de Saúde, Hospitais Rurais, Hospitais Provinciais e Hospitais Centrais); Nas UATS (Unidades de Aconselhamento e Testagem em Saúde); Nas Unidades Móveis que se deslocam a centros periféricos como escolas, centros de trabalhos, empresas ou directamente às comunidades. Nos contextos em que a prevalência do HIV é elevada como em Moçambique, é imprescindível que os serviços de aconselhamento e testagem estejam disponíveis e acessíveis a todas as populações. Os profissionais de saúde devem sempre encorajar os utentes a realizarem o teste para o HIV e outras doenças, evocando os benefícios que derivam do conhecimento do seu estado serológico. Benefícios e Barreiras para o Aconselhamento e Testagem para o HIV Por que é Importante o Aconselhamento para o HIV? Para além da necessidade de tratamento e do manejo de sintomas da doença, as pessoas com HIV e SIDA também têm necessidades de apoio psicológico e social. Se uma pessoa não se sente bem nesses aspectos, ou se não tem habilidade para tomar decisões importantes sobre a sua própria saúde Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 22 e a de outras pessoas, há escassas possibilidades de que ela procure os serviços de tratamento (TARV) que poderá precisar. Quando as pessoas têm problemas, elas geralmente falam para as pessoas próximas: amigos, familiares, etc. O HIV e o SIDA criam um leque de problemas cuja complexidade faz com que as soluções habituais não sejam efectivas: os amigos podem não ser capazes de prestar as informações que as ajude a resolver ou a enfrentar o problema; às vezes o estigma e a discriminação podem dificultar que as pessoas falem abertamente sobre os seus problemas. Essas são as razões que fazem com que o aconselhamento seja muito importante. Durante a evolução da doença, os doentes podem ter diferentes tipos de necessidades de aconselhamento. Objectivos do Aconselhamento no Sector da Saúde 1. Pré e Pós-teste: Fortalece os utentes/doentes e a comunidade em geral a aderirem ao teste e no processo de tomada de decisões sobre a sua vida após o conhecimento do resultado serológico. 2. Relacionamento: O HIV pode ser fonte de problemas nos relacionamentos entre as pessoas que se amam, familiares, etc. As pessoas com HIV/SIDA podem precisar de aconselhamento para lidar com essas situações. 3. Viver na incerteza: Saber que uma pessoa é HIV+ levanta uma série de dúvidas. As pessoas com HIV podem ter necessidades de aconselhamento para obter mais informações acerca do HIV/SIDA e como viver positivamente. 4. Descriminação e rejeição: Quando as pessoas com HIV são vítimas de descriminação e rejeição nas suas comunidades, podem também necessitar de apoio psicossocial. 5. Opções de cuidados: O aconselhamento pode ajudar as pessoas a saberem quais opções estão disponíveis que as possam ajudar. 6. Adesão ao TARV: Uma vez iniciado o tratamento anti-retroviral, as pessoas que vivem com o HIV e o SIDA podem precisar de aconselhamento para poderem superar numerosas barreiras e manter adesão aos tratamentos. 7. Gravidez: Uma pessoa que vive com o HIV e o SIDA pode ter necessidades de discutir muitas questões sensíveis sobre a gravidez, incluindo as probabilidades de transmissão do HIV para o bebé, havendo neste caso necessidade de mais informações para melhor enfrentar essas inquietações. 8. Alimentação infantil: Uma mãe HIV+ vai precisar de aconselhamento sobre a melhor opção de alimentação para o bebé que não implique na transmissão do HIV. 9. Sexo e sexualidade: O facto de uma pessoa ser HIV+ não significa que ela renuncie a uma vida sexual saudável. Ela vai precisar de um aconselhamento sobre as melhores maneiras de manter uma vida sexual sadia. Finalidade do Aconselhamento no Contexto do HIV e do TARV • • • • Apoio Psicossocial: Ajuda as pessoas a lidarem com os desafios do diagnóstico e o futuro da sua saúde. Preparação para o TARV (Apoio para Adesão): Para apoiar utentes/doentes que vão começar com o TARV e motivá-los a serem aderentes ao tratamento. Apoio para a Prevenção: Ajuda as pessoas a tomarem decisões complexas como a prevenção positiva que evita as reinfecções por estirpes de HIV e evita a infecção a outras pessoas. Ajuda à Vida Positiva: Ajuda as pessoas a viverem com o HIV e a compreenderem que o HIV não é uma sentença a morte. Factores que Afectam o Aconselhamento a. A relação profissional de saúde / utente: A relação que se estabelece entre o conselheiroprofissional de saúde e a pessoa que solicita aconselhamento é crucial na hora de obter resultados. Deste modo, o conselheiro deve: Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 23 • • • • • Demonstrar respeito para com o utente. Se não houver respeito, não haverá conversa aberta e franca entre ambos. Não adoptar posições nos conflitos; o conselheiro deve ser neutro e imparcial. Garantir a confidencialidade: o utente deve sempre sentir que existe confidencialidade. Ter em conta as diferenças entre poder e status. A relação entre o conselheiro e o utente deve ser uma relação de igualdade. Nunca faça com que o utente se sinta reduzido. Dar poder aos utentes. Em vez de torná-los dependentes a si, faça com que eles ganhem autonomia e consolidem as suas relações com outras pessoas. b. Os valores pessoais, as crenças e as atitudes Todos temos nossos valores e crenças. Não devemos impor os nossos próprios valores aos doentes/utentes. c. Cultura • Sobre a cultura, é necessário ter sempre em conta que ela é dinâmica, que os valores culturais mudam ao longo do tempo. Algumas práticas que agora são vistas como prejudiciais ou fora de moda, seguramente tiveram uma função no passado. • Não compete ao conselheiro/profissional de saúde dizer ao utente as coisas erradas dentro da sua cultura, mas sim ajudá-lo a compreender o papel que determinadas práticas culturais podem ter no benefício ou prejuízo da sua saúde. d. Religião As crenças religiosas do conselheiro não devem interferir no aconselhamento do utente. É importante lembrar e aceitar sempre que diferentes religiões têm diferentes visões sobre questões tais como: o A contracepção; o Os matrimónios arranjados; o O uso do preservativo; o Os tratamentos médicos; o A testagem para o HIV; o O aborto; o A circuncisão masculina, etc. e. Género O conselheiro/profissional de saúde deve ter em conta que o género do utente pode afectar o acto do aconselhamento. Homens e mulheres desempenham diferentes papéis nas comunidades, e isso pode ajudar ou dificultar na discussão de certos temas com um determinado género. Por exemplo: A mulher pode ter dificuldades para falar de aspectos ligados a abusos sexuais com homens. Se o conselheiro/profissional de saúde percebe que a questão de género do utente afecta o aconselhamento, recomenda-se que transfira o utente para outro conselheiro com o qual se possa sentir mais à vontade. f. O ambiente em que decorre o aconselhamento Todo local de Aconselhamento e Testagem deve ter privacidade, isto é, deve ser um local em que o utente/doente se sinta à vontade. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 24 Tabela 1: Qualidades do Conselheiro Qualidades do Conselheiro: Escuta activa Não interrompa o utente quando estiver a falar, permita que haja silêncio, não fale antes de escutar, faça com que as pessoas tenham certeza de que as escuta (apoiando a conversa, mantendo um contacto visual e, de vez em quando, fazendo algumas perguntas). Ser uma pessoa amigável Calorosa, acolhedora, prestável e que escuta os sentimentos. Mostrar interesse Fazer perguntas abertas, o que significa não transformar a interação numa interrogação. Escutar, lembrar-se de fazer comentários relevantes, proporcionar informações fundamentais. Lembrar que entender é tão importante quanto aconselhar. Estar bem informado Ter boas informações, proporcionar informações correctas, fazer consultas em caso de incerteza e transferir quando não saber dar respostas às inquietações do utente. Não julgar Não deve dar por assumido alguma coisa, não deve estabelecer categorias de pessoas, não deve avaliar as pessoas, deve tratar todas as pessoas de igual modo. Empatia Coloque-se de vez em quando no lugar do utente e aí compreenderá como é a situação para os utentes. Podem ser de muita ajuda usar frases tais como conta-me como isso te faz sentir. Tratar de entender a situação desde o ponto de vista de outra pessoa. Isso fará com que os utentes percebam que você entende a situação deles. Por que fazer o teste para o HIV? O aconselhamento e testagem para o HIV constituem uma forma de prevenção contra a infecção pelo HIV. 1. O aconselhamento e testagem ajudam as pessoas a conhecerem o seu estado com respeito ao HIV, tanto seja positivo como negativo. Este facto ajuda na prevenção da doença, evitando a disseminação do HIV. 2. Se o teste for negativo, as pessoas têm a oportunidade de aprender as diversas maneiras de protegerem a si mesmas contra a infecção pelo HIV. 3. Se o teste for positivo, as pessoas têm a oportunidade de aprender a viver positivamente, o qual também inclui a não transmissão para a/o parceira/o e não reinfecção com o HIV. 4. As mulheres grávidas podem obter aconselhamento nas Unidades Sanitárias sobre as formas de reduzir o risco de transmitir o HIV para o filho. O aconselhamento e testagem para o HIV constituem a porta de entrada para o programa de cuidados e tratamento 1. Sabendo o estado em relação ao HIV, as pessoas podem começar com o tratamento mais cedo, em caso deste ser indicado. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 25 2. Sabendo o estado serológico em relação ao HIV, as pessoas podem adoptar estilos de vida mais adequados, antes que elas fiquem doentes de SIDA. 3. Com o incremento da disponibilidade dos medicamentos para o tratamento do HIV, o facto de conhecer o estado serológico em relação ao HIV já não significa a morte, uma vez que constituem benefícios os medicamentos e o conhecimento sobre como manter-se saudável vivendo com o HIV. 4. O aconselhamento e testagem podem servir de ponte para outros serviços, tais como grupos de apoio, programas de apoio alimentar, e o acesso aos medicamentos. Confidencialidade A confidencialidade significa que nenhuma pessoa (para além do próprio doente e do profissional de saúde) deve saber sobre o resultado do teste do HIV a não ser que haja um consentimento informado. Confidencialidade compartilhada: Significa que as informações sobre o estado serológico com respeito ao HIV de uma pessoa não serão conhecidas por mais ninguém excepto pela pessoa e a equipa clínica que a atende. Estas pessoas devem ser aquelas que estão directamente envolvidas nos cuidados do paciente. A confidencialidade (entre o utente e o conselheiro/doente e profissional de saúde) é um elemento fundamental no contexto do HIV. Devido ao estigma e ao medo a discriminação, as pessoas precisam de confiança e de pessoas com conhecimentos para poderem falar sem receio nem medo. Tipos de Testes de HIV Os testes para o diagnóstico de HIV em Moçambique são de dois tipos: testes serológicos (Determine e Unigold) que detectam anticorpos contra o vírus no sangue do paciente; e testes virológicos (PCR) que detectam o próprio vírus no sangue do paciente. 1. Testes Serológicos: o Os Testes Rápidos são os mais usados devido à sua capacidade de dar o resultado rapidamente (em poucos minutos) e de não precisar de equipamentos de laboratório complexos. o Os resultados dos Testes Rápidos de HIV, no geral, precisam de apenas entre 5 a 30 minutos para estarem prontos. o Devido a essas características, os Testes Rápidos são considerados mais apropriados para os serviços de aconselhamento e testagem de HIV. Quando os dois testes são positivos, podemos falar de infecção por HIV confirmada. o Existem outros testes serológicos, nomeadamente o teste de Elisa e o teste Western Blot. Estes testes são mais complexos de realizar e só estão disponíveis nos grandes hospitais do país. 2. Teste Virológico (PCR): o Este teste permite a detecção de restos do vírus no sangue dos pacientes. É usado no diagnóstico da infecção pelo HIV nas crianças de até 9 meses. o Nas crianças, os testes serológicos não são úteis porque todas as crianças nascidas de mães positivas têm anticorpos maternos que chegam no corpo através da placenta e, portanto, os testes sempre são positivos. o Só a partir dos 9-18 meses de idade estes anticorpos desaparecem do sangue. Se a partir dessa idade os testes rápidos ou serológicos são positivos, pode-se afirmar que a criança está infectada pelo HIV. Aconselhamento e Testagem: Tipos e Passos Devido a más concepções e a diversos receios, é provável que algumas pessoas não queiram fazer uso dos serviços de aconselhamento e testagem para o HIV. De maneira resumida, o processo de aconselhamento e testagem consiste dos seguintes passos: Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 26 Aconselham ento Pré Teste Recolha de amostras de sangue Resultados e Aconselhamen to Pós teste Conhecimento do seu estado sobre o HIV Apoio na revelação Aconselhamento Pré-Teste O Aconselhamento Pré-teste deve estar essencialmente focalizado nos seguintes aspectos: • Explicações sobre o HIV e o SIDA: O profissional de saúde deve falar com o utente sobre o que é o HIV, e sobre o significado do resultado do teste. • Explicações sobre a confidencialidade: O profissional de saúde deve falar com o utente sozinho, ou com o utente acompanhado por alguém de sua confiança. O utente deve ser informado que depende da sua decisão a participação ou não de uma outra pessoa para além do profissional de saúde durante a sessão de aconselhamento. Se após o aconselhamento préteste o utente ainda tiver dúvidas sobre continuar com a sessão, ou se há aspectos sobre os quais ele deseja explicações adicionais, deve receber mais sessões de aconselhamento. Em Moçambique, o teste de HIV não é obrigatório e o utente pode recusar-se a fazê-lo em qualquer momento. • Obtenção de consentimento informado: Para a realização do teste, o utente deve confirmar que de facto aceita fazer o teste. O consentimento informado quer dizer que o utente foi devidamente informado sobre a natureza do teste, o significado dos resultados e está de acordo a fazê-lo. No momento de fazer o teste, o utente ainda pode desistir. Recolha de Amostras de Sangue Se o utente opta por continuar com o processo e realizar o teste, uma pequena amostra de sangue é recolhida de maneira segura, em privado num gabinete separado. De acordo com o tipo de teste que for usado, a pessoa poderá esperar pelo resultado do teste. Normalmente, o resultado demora entre 5 a 30 minutos. Aconselhamento Pós-Teste Uma vez realizado o teste, o profissional de saúde deve conversar em privado com o utente sobre o resultado do teste. Vai depender do utente se deseja ou não partilhar o resultado do teste com outras pessoas ou com o profissional de saúde. • Se o resultado for positivo e tiver sido confirmado, para estes casos, o conselheiro ou pessoal de saúde deve: o Explicar que o resultado positivo significa que a pessoa tem o vírus do HIV. Referir o paciente para os serviços de cuidados e tratamento de HIV. o Aconselhar sobre as relações sexuais seguras ou protegidas (com o uso do preservativo), com a finalidade de não infectar a outras pessoas e não se reinfectar, bem como evitar outras ITS. o Em caso de necessidade, o paciente pode ser encaminhado aos serviços de apoio (cuidados domiciliários, serviços de acção social, apoio nutricional, etc.). • Se o resultado for negativo, para estes casos, o conselheiro ou pessoal de saúde deve: o Compartilhar e falar sobre a sensação de alívio que o utente experimenta nesse momento. o Aconselhar o utente sobre a importância de se manter negativo para o teste de HIV e a importância de relações sexuais seguras (protegidas com o uso do preservativo). o Explicar o significado do Período de Janela, durante o qual os anticorpos do HIV ainda não são detectados através dos testes mais comummente usados, e deve encorajar o utente a repetir o teste um mês após a realização do teste e de novo, três meses após achar ter se exposto ao HIV recentemente. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 27 • Se o utente não quiser saber o resultado do teste Para estes casos, o conselheiro ou pessoal de saúde deve: o Garantir que todos os resultados sejam confidenciais. o Explicar a importância de saber o resultado do teste. o Tentar averiguar e identificar as barreiras que impedem o utente de conhecer o resultado do teste. o Reforçar o que foi falado no aconselhamento pré-teste em relação as vantagens de conhecer o seu estado serológico. o Respeitar o desejo do utente, mesmo se, apesar do aconselhamento, ele recusa conhecer o resultado. Conhecer o seu Estado com Respeito ao HIV O mais importante do aconselhamento e testagem sobre HIV é conhecer o seu estado sobre o HIV. Tanto sejam positivo ou negativo, o facto de saber o estado permite que as pessoas possam tomar decisões importantes sobre a sua saúde e o seu futuro. Os utentes podem adoptar melhor as medidas que os ajudam a evitar a transmissão do HIV, permitindo-lhes saber mais sobre os serviços de saúde disponíveis. O Aconselhamento de seguimento está sempre disponível para as pessoas que vivem positivamente. Desta maneira, as pessoas sabem que não estão sozinhas, e têm a oportunidade de compartilhar ideias, dúvidas, incertezas e preocupações. Apoio na Revelação A revelação é o processo mediante o qual uma pessoa que vive com o HIV decide revelar a outras pessoas sobre o seu estado. Esta revelação pode ser feita a pessoas próximas (parceiro/a, membro da família, amigos, colegas e membros da comunidade). Após a realização do teste de HIV e o conhecimento do resultado, o conselheiro/profissional de saúde deve falar com o utente sobre as vantagens de revelar o seu estado com vista a prevenção do HIV ou adesão ao tratamento e apoio psicossocial. Se o utente/paciente não se sentir preparado para revelar o seu estado, o conselheiro deve garantir-lhe que o seu resultado será confidencial. Aconselhamento e Testagem: Casos Especiais Testagem do HIV na Criança A testagem do HIV na criança é um assunto importante e delicado e, portanto, deve ser realizado com certas precauções. Os aspectos de maior importância que o profissional de saúde precisa saber sobre o aconselhamento e testagem do HIV na criança são os seguintes: • Que os pais devem ser testados antes das crianças; • Deve haver uma comunicação prévia aos profissionais de saúde por parte dos responsáveis da criança a ser testada; • Os adolescentes dos 13 a 18 anos representam a faixa etária com elevado risco de infecção pelo HIV. Esta população deve ser incentivada a frequentar os serviços de aconselhamento e testagem do HIV. Pares Discordantes Pares discordantes é o termo usado para descrever a situação em que só um dos parceiros tem HIV. Esta é uma situação que pode ser embaraçosa para qualquer par. O aconselhamento e testagem para o HIV é extremamente importante nestes casos. Recomenda-se que os parceiros realizem o teste de HIV juntos. Deste modo, cada membro vai conhecer a condição do outro permitindo que certos aspectos importantes relacionados com a prevenção e cuidados possam ser debatidos durante o aconselhamento. Teste com Falso Negativo: Período de Janela O Período de Janela é o intervalo imediatamente após a infecção pelo HIV, quando os anticorpos contra o HIV ainda não estão presentes no sangue da pessoa e, portanto, é frequente que durante este período pessoas infectadas pelo HIV tenham um resultado negativo ao teste rápido de HIV. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 28 Para os casos em que o teste é negativo, nas sessões de aconselhamento o pessoal de saúde deve sempre recomendar que um novo teste seja realizado num intervalo de um mês e deve ser repetido após três meses. Promoção do Aconselhamento e Testagem Os profissionais de saúde desempenham um papel muito importante na divulgação e na sensibilização para o uso dos serviços de HIV na comunidade, portanto, estes devem fornecer informações correctas e oportunas aos utentes/doentes. Aconselhamento para a Adesão Definição Aderir significa estar apegado ou ter uma devoção a alguma coisa. Adesão ao TARV significa tomar os medicamentos nas doses correctas, nas horas certas, e de forma correcta como o clínico prescreve e orienta e também a seguir as instruções médicas, o que implica um compromisso, determinação e conhecimentos sobre a doença por parte das pessoas que vivem com o HIV. A adesão é uma parceria entre o doente em TARV, os amigos ou família e o Serviço Nacional de Saúde que devem prestar ajuda ao doente. A falta de adesão pode ser caracterizada como abandono ao TARV, nos casos em que o doente fica sem levantar e/ou sem tomar os medicamentos por um período de dois ou mais meses. Durante este período, o doente pode ser chamado por estar: • • Atrasado: Se, num período de duas semanas, o doente não levanta ou não toma os medicamentos, nestes casos o clínico deve esperar; Faltoso: Se, num período de duas semanas a dois meses, o doente não toma ou não levanta os medicamentos, nestes casos o clínico deve fazer a busca activa do doente. Algumas Considerações sobre a Adesão • Tomar todos os medicamentos que fazem parte do regime do tratamento do doente. Estes podem incluir os medicamentos anti-retrovirais, anti-tuberculostáticos e o Cotrimoxazol. • Tomar os medicamentos no momento certo. • Acompanhar os medicamentos com alimentos e bebidas apropriadas. • Ter noções sobre as interacções medicamentosas dos ARVs com outros medicamentos, uma vez que alguns medicamentos podem alterar a forma como os ARVs funcionam. • Frequentar as consultas e outros serviços propostos pelo pessoal das Unidades Sanitárias. Papel do Conselheiro/Profissional de Saúde na Adesão aos Anti-retrovirais • Apoiar os doentes em TARV e seus confidentes a entender a importância da adesão; • Ajudar o doente a criar uma estratégia para a sua adesão; • Ajudar o doente a identificar potenciais factores para a não adesão e encontrar soluções; • Ajudar na monitorização e apoio para a adesão. O Confidente: desempenha um papel muito importante no êxito do tratamento do paciente. Ajuda o doente a tomar os seus medicamentos e encoraja-o nos momentos difíceis, quando o doente se sente cansado, desmoralizado ou verdadeiramente doente. Os doentes que vivem em condições difíceis, tais como crianças ou adolescentes com um escasso entendimento sobre o HIV, pessoas que vivem longe das Unidades Sanitárias, pessoas que têm problemas com o álcool, e outros problemas psicossociais podem se beneficiar grandemente do facto de terem um confidente. Factores que Afectam a Adesão 1. Factores relacionados com a pessoa que vive com o HIV • Nível de preparação do doente para o início do TARV; • Conhecimento do regime de medicamentos; • Confiança de que o tratamento dá resultado; • Entendimento sobre a resistência e a falha terapêutica; Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 29 • • • • • Modo ou estilo de vida; Estado mental: depressão ou outros problemas psicológicos; Revelação da condição; Pobreza; Apoio social. 2. Regime dos medicamentos • Peso dos medicamentos: O número de medicamentos a tomar por dia, associados ao facto de ter que os tomar com certos alimentos, alterando os hábitos de vida, etc; • Efeitos secundários: Os anti-retrovirais estão associados a vários efeitos adversos que podem contrariar a vontade de os tomar; • Interacções medicamentosas: Os doentes podem ter necessidade de tomar medicamentos para outras doenças associadas ao HIV e SIDA. Estes medicamentos podem complicar os horários, os efeitos secundários etc. 3. Relação com o provedor de cuidados e acesso aos cuidados de saúde: A relação entre o doente e o profissional de saúde e com outras pessoas que constituem bases de apoio podem afectar a adesão. Alguns dos factores que determinam a adesão ao tratamento são: • O acolhimento ou carácter amigável do provedor (pessoal da saúde); • A habilidade do doente para marcar consultas em dias que lhe convém ou tem maior possibilidade de comparecer; • A distância até a Unidade Sanitária; • A confidencialidade: Ter garantias de que nenhuma informação sobre a sua saúde será conhecida por pessoas que ela não deseja revelar. 4. Experiência com o HIV: O número de doenças oportunistas e a sua severidade motivam o doente para a adesão aos anti-retrovirais. 5. Presença de Infecções Oportunistas: Se o paciente está tendo doenças oportunistas tem maior probabilidade em tomar os medicamentos com o rigor necessário. 6. Efeitos Adversos: A existência de antecedentes de efeitos adversos pode levar à redução da adesão aos anti-retrovirais. 7. Adesão ao Tratamento da Tuberculose A tuberculose merece uma atenção especial antes do início do TARV. Se a decisão de iniciar o TARV for tomada enquanto o doente estiver a fazer o tratamento da tuberculose, a adesão pode ficar comprometida devido a grande quantidade de comprimidos que o doente deve tomar por dia. Alguns aspectos a ter em conta são: • O tratamento da tuberculose pode afectar a adesão ao TARV se o doente não for adequadamente aconselhado sobre a forma de tomar os medicamentos. • O doente deve ser devidamente advertido sobre possíveis interacções medicamentosas e quais efeitos secundários pode-se esperar. • O doente deve ser adequadamente informado/explicado sobre a importância de realizar bem o tratamento da tuberculose para que o Tratamento Anti-retroviral possa dar bons resultados. A informação relacionada com a co-infecção TB-HIV será abordada numa outra unidade. Não Adesão: O que é? A não adesão ao TARV da maneira como ele é prescrito pelo clínico constitui a principal causa da falência do tratamento anti-retroviral. A não adesão pode ser: • Deliberada: Quando a pessoa sabe que não está tomando devidamente ou completamente os medicamentos; • Acidental: Quando a pessoa não sabe que não está tomando devidamente os medicamentos por falta de informações. Portanto, é preciso garantir que o doente entenda efectivamente como deve tomar os medicamentos. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 30 A não adesão significa: • Saltar as doses (dias sem tomar os medicamentos, ou saltar o horário da toma dos medicamentos); • Não tomar os medicamentos nas quantidades recomendadas; • Tomar alguns comprimidos e não tomar outros; • Não fazer as consultas clínicas de seguimento. Factores que Determinam a Não Adesão: 1. Problemas de comunicação: O doente não entende claramente a explicação sobre a maneira como deve tomar os medicamentos • Barreiras linguísticas: Quando o pessoal de saúde não fala a mesma língua do doente. • Diferenças culturais: O doente pode não ter coragem de manifestar abertamente as suas preocupações devido a diferenças culturais. • Instrução ou grau de escolaridade: Quando o doente não entende a língua usada para descrever os medicamentos, tanto seja verbal como escrita. 2. Conhecimento e entendimento sobre o HIV e SIDA Se o doente não sabe como o HIV afecta ao organismo e a forma como a doença progride quando não tratada, pode também não entender a importância do tratamento anti-retroviral. Os aspectos que os doentes podem não conhecer e compreender devidamente sobre o HIV e SIDA são: • A diferença entre o HIV e SIDA; • Como o HIV afecta o organismo (contagem de CD4, a Carga Viral e as Infecções Oportunistas); • A progressão do HIV para SIDA quando não se faz o tratamento; • O funcionamento dos anti-retrovirais (o tratamento não cura a infecção, só consegue controlar o vírus. Está é a razão pela qual o TARV, uma vez iniciado, é um tratamento para toda a vida); • A resistência aos anti-retrovirais causada pela má adesão e os problemas dela derivados como as alternativas limitadas a primeira linha. 3. Atitudes e Crenças: As atitudes e as crenças pessoais sobre a doença, ou sobre o uso dos anti-retrovirais podem influenciar grandemente a adesão ao tratamento. • Percepções individuais sobre a doença: uma pessoa que não tem experiência de Infecções Oportunistas recentes pode pensar que ela não vai ficar doente caso não tome os medicamentos. • Acreditar nos benefícios das recomendações que lhe são dadas sobre os medicamentos. • Reconhecer as barreiras que as pessoas enfrentam em relação à observância da adesão ao tratamento. 4. Falta de Apoio Social: Se o doente não sente que os outros entendem a situação que enfrenta e sente-se socialmente isolado, pode estar pouco motivado a tomar os medicamentos antiretrovirais. O apoio social pode vir de diversos lugares: • • • • Grupos de apoio: formados por pessoas que vivem com o HIV e SIDA e no seio dos quais as pessoas podem discutir e compartilhar de maneira fraterna as preocupações e os desafios que implicam viver com o HIV e SIDA; Aconselhamento para as pessoas que vivem com o HIV e o SIDA: pessoas em que os doentes podem confiar e revelar a sua condição e preocupações; Amigos, familiares, e grupos de pares: estes grupos providenciam ajudas às pessoas que vivem com o HIV e o SIDA; Envolvimento comunitário nas actividades: envolvimento de grupos religiosos, clubes, e outros interesses que não estejam ligadas ao HIV e o SIDA, nas quais as pessoas se sentem aceitas sem importar a sua condição de HIV+. 5. Estado Mental ou o Bem-estar Psicossocial: Problemas psicossociais em pessoas que vivem com o HIV e o SIDA estão associados a baixos níveis de adesão ao TARV. Portanto, é importante procurar sinais de ansiedade ou depressão em cada consulta. Os doentes podem Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 31 experimentar problemas psicossociais e, nesses casos, devem ser encaminhados para serviços e tratamentos apropriados. • • • • Depressão: sentir-se triste e sem esperanças. Ansiedade: sentimentos constantes de preocupação e de nervosismo. Fobias sociais: falta de desejo para interagir com outras pessoas, ou de ir a lugares públicos. Tendência a auto-isolamento. Incapacidade para lidar com as situações: Falta de senso e de controle das próprias vidas e tendência ao uso de drogas e de álcool para aliviar a pressão. 6. Complexidade dos Regimes de Medicamentos: A complexidade dos regimes de medicamentos anti-retrovirais pode afectar a adesão ao tratamento. Os factores que determinam a complexidade dos regimes do tratamento são: • • • • Número de comprimidos a tomar; Número de doses diárias; Restrições de comidas (alimentos e bebidas) com os ARVs; Uso de mecanismos para apoio à adesão. 7. Difíceis Condições de Vida: A não adesão acontece em todos os grupos de idade e em pessoas de todas as condições sociais. No entanto, quanto maiores são os desafios que as pessoas enfrentam nas suas vidas diárias, menores serão os recursos e meios que lhes permitam observar à risca o tratamento: • • Falta de recursos económicos financeiros: Pessoas sem trabalho ou uma fonte de recurso financeiro podem ter dificuldades em seguir o tratamento devido a dificuldades em obter produtos básicos de alimentação. Falta de alimentos: Quando as pessoas enfrentam problemas de alimentação podem ter dificuldades para seguir o tratamento. 8. Barreiras Relacionadas com o Serviço Nacional de Saúde: As barreiras relacionadas com o Serviço Nacional de Saúde variam desde a localização das Unidades Sanitárias (muitas vezes distantes do utente), o fluxograma nas Unidades Sanitárias, a falta de pessoal e longo tempo de espera, os serviços superlotados, as deficiências com a disponibilidade de medicamentos, etc. • Rotura de stock de medicamentos: irregularidades no fornecimento e/ou deficiência na gestão dos ARV faz com que o paciente se veja forçado a interromper o tratamento. • Escasso número de trabalhadores de saúde: Leva a sobrecarga do pessoal nas Unidades Sanitárias, a longas filas e muito tempo de espera, a má qualidade da atenção dada aos doentes e em tempo insuficiente para responder às principais necessidades e preocupações do doente, ao cansaço e desmotivação do pessoal de saúde. • Cobertura insuficiente dos serviços de saúde quando há pouca cobertura das Unidades Sanitárias: Muitas pessoas são forçadas a buscar atenção em Unidades Sanitárias que ficam muito longe das zonas onde moram. Isto dificulta os doentes a voltarem com regularidade à US. • Fraca divulgação a nível das comunidades sobre os benefícios do TARV. Passos no Aconselhamento para a Adesão Conhecimentos sobre os Anti-retrovirais e a Adesão Na altura em que os clínico começarem a falar sobre a adesão ao TARV ao doente, este já terá recebido um conjunto de informações orientadas para apoiar o início do TARV. Portanto, o clínico deverá usar expressões claras e concisas que mantenham o paciente à vontade, por exemplo: “Eu sei que você já recebeu informação sobre o HIV e o SIDA e sobre o tratamento anti-retroviral. Permita-me fazer-lhe algumas perguntas para saber se não tem dúvidas ou algo que não tenha compreendido com clareza.” Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 32 Tipos de perguntas que podem ser feitas: • Quais são as vantagens que pode-se obter do tratamento anti-retroviral? • Acha que os ARVs podem curar as doenças que têm? • Até quando você vai estar tomando os anti-retrovirais? • Quais são os efeitos dos anti-retrovirais para as defesas do seu corpo? • O que você sabe sobre os efeitos adversos causados pelos anti-retrovirais? • Qual é a importância de ir sempre ao hospital e tomar os medicamentos anti-retrovirais diariamente? • O que vai acontecer se você não tomar os medicamentos anti-retrovirais da maneira como lhe foi explicado? • Por que não é correcto misturar os anti-retrovirais com outros medicamentos sem antes falar com o clínico? Seis Passos para Aconselhar sobre a Adesão Os seguintes passos são destinados a preparar os doentes para a adesão aos anti-retrovirais. Passo 1: Rever cuidadosamente todos os aspectos sobre a primeira linha de tratamento. Esclareça aspectos ligados aos medicamentos, aos formulários e ao cartão do doente. Passo 2: Lembrar ao paciente que os ARVs são medicamentos que salvam a vida mas que, uma vez iniciado o tratamento, esses devem ser tomados ao longo de toda a vida, todos os dias e nos horários certos. As informações mais importantes que o clínico deve rever com o doente são: • Os ARVs devem ser tomados todos os dias e na hora certa ao longo de toda a vida (o horário estabelecido pelo doente segundo o seu estilo de vida e em conjunto com o clínico); • O horário para a toma dos medicamentos é estabelecido de modo a garantir as doses adequadas no sangue (plasma), por isso há necessidade de manter muito rigor na observância dos horários. Passo 3: Rever com o doente aspectos relacionados com as dietas recomendadas Explicar que, para alguns medicamentos, existem recomendações específicas em relação à dieta, que podem variar desde: • Tomar os comprimidos antes das refeições; • Evitar o consumo de álcool enquanto se tomam os medicamentos; • Tomar os medicamentos com o estômago vazio; • Evitar consumir certos alimentos com os anti-retrovirais; • Evitar a combinação dos ARVs com determinados medicamentos. O CLÍNICO deve explicar ao doente que a primeira linha de TARV pode ser tomada com as refeições sem problemas. Passo 4: Explicar sobre os limites no consumo de álcool e de drogas É importante que os doentes saibam que alguns medicamentos anti-retrovirais que estão a tomar não devem ser combinados com o álcool. Caso não respeitem a regra, os medicamentos podem não surtir o efeito desejado ou desencadear-se alguma reacção indesejada no organismo. Exemplo: O Efavirenz tem efeitos neurológicos que podem induzir ao sono ou tontura ou vertigem e que a sua combinação com o álcool pode incrementar estes efeitos. A Nevirapina e o Efavirenz são tóxicos para o fígado. O álcool também é tóxico para o fígado. Portanto, qualquer um destes medicamentos tomados junto com o álcool pode causar lesões hepáticas. É muito importante reduzir os níveis de consumo do álcool enquanto estiver a tomar estes ou outros medicamentos. O doente que consome o álcool em excesso pode esquecer a hora de tomar os medicamentos. Passo 5: Explicar ao doente sobre os efeitos adversos dos medicamentos Advertir sobre os efeitos adversos mais comuns dos anti-retrovirais e a maneira de lidar com essas situações, sobretudo ensinar a identificar aqueles efeitos que constituem urgência médica. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 33 Explicar quais entre os efeitos mais prováveis e comuns são os mais graves e requerem uma atenção urgente. Lembrar aos doentes que se eles manifestarem alguns sinais ou sintomas adversos com os quais não estão familiarizados devem dirigir-se à Unidade Sanitária. Passo 6: Fornecer informações sobre a prevenção do HIV. Lembre aos doentes que devem usar o preservativo nas suas relações sexuais para evitar a transmissão da infecção e a reinfecção. Garantir que os doentes entendam o conceito de reinfecção e as suas implicações. Se for um doente do sexo feminino, reforce as primordiais informações sobre os ARVs na mulher, que incluem no período da amamentação, da gravidez e dos cuidados às crianças. O CLINICO deve conseguir que o doente tenha informações claras de acordo com o nível de instrução para entender a importância da adesão. Só se o próprio doente participa no plano de tratamento e aceita os medicamentos podemos ter garantia da sua adesão. Monitoria e Avaliação da Adesão A melhor maneira de ajudar o doente é primeiro saber como está a tomar os medicamentos e saber qual é o regime de tratamento do doente (revisão regular do processo individual do doente). O regime de tratamento consiste na descrição do tratamento do doente que consta do seu cartão. Em cada consulta do doente, o clínico ou farmacêutico deverá monitorar a adesão em relação a: • • • Cotrimoxazol: Alguns doentes podem ter necessidade de fazer tratamento com Cotrimoxazol durante longos períodos como medida para a prevenção de infecções oportunistas; ARVs (anti-retrovirais): Informações sobre o regime dos anti-retrovirais, e a data de início do tratamento constam no cartão do doente. Há muitas alternativas de regimes de tratamento e essas mudanças também constam no cartão do doente. Em cada visita que o paciente realiza ao Centro de Saúde, deve-se anotar a informação sobre os medicamentos prescritos no cartão do doente; Outros medicamentos: Os doentes podem receber outros tratamentos para além dos ARVs, por exemplo para a malária e/ou febre, para lesões que tenham aparecido na boca, para doenças da pele, para a tuberculose ou para a diarreia. Estes deverão ser descritos como “outros medicamentos”. Avaliação da Adesão A avaliação da adesão implica saber se o doente tem ou não tomado os medicamentos da maneira como eles são prescritos pelo clínico. Muitos doentes com HIV e SIDA têm vários medicamentos para tomar cada dia e ao longo de toda a vida. Deste modo, às vezes é muito difícil lembrarem-se de tomar os medicamentos de acordo com o horário, o lugar e o tipo. Desta forma, o clínico poderá dirigir-se ao doente do seguinte modo: “Para mim (como clínico) é importante entender se você tem tido algum tipo de dificuldade com a toma dos medicamentos. Não se preocupe se tem que me dizer que às vezes não pode tomar alguns medicamentos, quero apenas saber, como realmente você enfrenta essa situação”. Métodos para Avaliar a Adesão aos Anti-retrovirais: • • • Saber se o doente toma os ARVs e/ou outros medicamentos nas doses certas e nos horários estabelecidos; Verificar assiduidade às consultas agendadas; Verificar se cumpre com as recomendações clínicas (redução do álcool, drogas, etc.). Não existe uma forma absolutamente correcta para avaliar a adesão aos medicamentos. Uma das razões para a necessidade de se desenvolver um bom plano de tratamento é precisamente para garantir não apenas o seguimento correcto do tratamento, mas também a sua monitorização. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 34 Ao seleccionar uma forma para avaliar a adesão, deve-se ter em conta os recursos disponíveis e o estilo de vida ou as características sócio-económicas e culturais dos doentes ou da comunidade. Método 1: Auto-Relato Pode ser feito no estilo de um diário em que o doente vai registando cada vez que toma os medicamentos. O doente vai dizer se está tomando os medicamentos correctamente ou não. Vantagens: • • • É barato, o próprio doente controla o cumprimento do seu tratamento; Permite o registo de qualquer dificuldade ou problema com o seguimento do tratamento na altura em que ele acontece; E é adequado para pessoas ou comunidades sem muitos recursos. Desvantagens: As pessoas podem sobrestimar o seu grau de adesão por temor a represálias do clínico quando este aperceber-se que o doente não cumpre com o tratamento. Nestes casos, é necessário que o doente seja encorajado a prestar as informações correctas, por exemplo, discutir com o doente de uma maneira amigável (sem nunca o repreender ou julgar); aproveitando as dificuldades que ele apresenta para manter a adesão e como uma oportunidade para apoiar o doente no seu tratamento. Método 2: Contagem de Comprimidos Implica a contagem do número de comprimidos que restam da última vez que o doente os levantou. Se o número de comprimidos for maior ou menor do que deveria, indica que há erros no modo de os tomar. Vantagens: • As pessoas implicadas no plano de tratamento do doente são também responsáveis por ajudá-lo a cumprir correctamente com o tratamento. Desvantagens: • • • • • O doente pode calcular o número de comprimidos e deitar aqueles que indicam que tomou; Pode dar a impressão de que o profissional de saúde actua como um polícia que o controla, mais do que alguém que apoia o doente; Não permite saber se o doente partilha os medicamentos com algum outro membro de família ou amigo; Não permite saber se os medicamentos são tomados nos horários e nas combinações adequadas; Falta de tempo para o profissional de saúde. Método 3: Registo da Farmácia – FRIDA O farmacêutico é fundamental na avaliação e apoio da adesão do doente. Na medida em que disponibilizam os medicamentos aos doentes, os farmacêuticos explicam-lhes sobre a maneira de os tomar (o horário, as combinações, as doses etc.) e sobre os possíveis efeitos secundários, bem como o modo de procederem, no caso em que esses efeitos se manifestem e também sobre o período que devem estar tomando e a data da próxima reposição de medicamentos. Devido ao facto do farmacêutico saber quando o doente deve comparecer para levantar mais medicamentos, o seu registo vai permitir fazer um seguimento ao doente. Vantagens: • • O registo da farmácia monitora a adesão ao tratamento através de um processo que é o levantamento de medicamentos, que sempre deve acontecer enquanto o doente estiver ainda em tratamento; É relativamente fácil. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 35 Desvantagens: • • • • Precisa de um sistema de registo que seja correcto, rigoroso e efectivo sobre os dias de levantamento; Monitora apenas o levantamento dos medicamentos portanto, não permite saber se de facto são tomados e como são tomados. Exige que o paciente continue a receber cuidados na mesma Unidade Sanitária, e em caso de necessidade de transferência, o processo pode se complicar ou correr risco de se perder. Disponibilidade do tempo para o farmacêutico. Método 4: Avaliação da Adesão Feita pelos Cuidadores (Equipa da US) Consiste em que a equipa da Unidade Sanitária que presta cuidados aos doentes realize, em conjunto, uma avaliação da adesão do doente tendo em conta as observações de cada um dos membros que o atende: clínico, apoio psicossocial, farmacêutico, etc. Vantagens: O doente sente-se apoiado na medida em que toda a equipa manifesta interesse pela maneira como decorre o seu tratamento. Desvantagens: Os provedores podem sobrestimar ou subestimar o nível de adesão. Na verdade, este constitui o pior método para avaliação da adesão do doente. NOTA: sempre que forem identificados problemas ou sempre que houver suspeita de problemas com a adesão ao tratamento, proceda do seguinte modo: a) Aconselhe pessoalmente ao doente como clínico b) Encaminhe o doente ao conselheiro ou ao farmacêutico c) Encaminhe o doente aos grupos de apoio Pontos-Chave • • • • • • O Aconselhamento e Testagem do HIV é um serviço disponível em muitas Unidades Sanitárias. Seus objectivos principais são: o Dar apoio psicossocial aos doentes infectados; o Preparar os doentes para o tratamento; o Dar apoio na prevenção da transmissão do HIV; o Ajudar a ter uma vida positiva aos doentes infectados. A confidencialidade entre o doente e o conselheiro é a base do êxito do aconselhamento. As vantagens de fazer o teste de HIV são diversas: o É uma forma de prevenção da transmissão; o É a porta de entrada para os programas de cuidados e tratamento. Existem vários tipos de testes de HIV, e o clínico deve conhecê-los bem. Uma vez iniciado o TARV, a adesão ao mesmo depende em parte da atitude do pessoal de saúde. O clínico deve ser capaz de aconselhar correctamente o paciente para a adesão. O seguimento dos pacientes em TARV requer da capacidade da parte dos clínicos para monitorar e avaliar a adesão ao tratamento. Manual de Referência do Clínico Aconselhamento, Testagem e Adesão 36 Unidade 1.4 – Prevenção Positiva Introdução Os profissionais de saúde, por estarem em maior contacto com o sistema de saúde e conhecerem a magnitude da epidemia, desempenham um papel importante no apoio às Pessoas Vivendo com HIV (PVHIV) para a prevenção de novas infecções pelo HIV, melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV (PVHIV) e promover uma atitude de respeito por elas nas Unidades Sanitárias e na comunidade Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos: • Conceito de Prevenção Positiva (PP) • Integração da PP nos cuidados e tratamento às PVHIV • As sete componentes de PP • • o Comportamento Sexual: o Revelação do seroestado e testagem do parceiro o Adesão ao TARV o ITS o Planeamento Familiar e PTV o Consumo do álcool e outras drogas o Referência aos serviços de apoio comunitário Comunicação interpessoal e, Violência Baseada no Género. Prevenção Positiva: Conceito Conjunto de acções integradas que visam melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas que sabem que estão infectadas pelo HIV; prevenir novas infecções pelo HIV e promover uma atitude de respeito pelas PVHIV nas Unidades Sanitárias e na comunidade. Integração da PP nos cuidados e tratamento às PVHIV Estudos feitos em vários países mostram que uma boa integração da Prevenção Positiva ajuda a prevenir novas infecções e melhorar o estado de saúde e bem-estar das PVHIV. As intervenções de prevenção com pessoas HIV+ têm impacto sobre a epidemia, quer a nível de custos, recursos e tempo. (King-Spooner 1999; Vernazza et al. 1999) Intervenções de prevenção com Pessoas HIV+, Uma pessoa em TARV tem muito menos probabilidade de transmitir o HIV (devido à redução na carga viral), portanto, o tratamento antiretroviral é também prevenção da doença já que o início precoce do TARV contribui para a redução da transmissão do HIV em 96%, de acordo com um estudo conduzido pela Rede de Ensaios para a Prevenção do HIV. O maior acesso ao teste de HIV permite que as pessoas positivas e os casais serodiscordantes sejam identificados e recebam apoio necessário. Os serviços de cuidados em relação ao HIV apresentam uma oportunidade para prestar apoio de prevenção às PVHIV. Todos os provedores de saúde que prestam cuidados e tratamento às PVHIV (Clínicos e de Apoio Psicossocial) devem fazer intervenções de PP e referir sempre que necessário. Manual de Referência do Clínico Prevenção Positiva 37 Componentes de Prevenção Positiva São sete as componentes de PP: 1. Comportamento Sexual: 2. Revelação do seroestado e testagem do parceiro 3. Adesão ao TARV 4. ITS 5. Planeamento Familiar e PTV 6. Consumo do álcool e outras drogas 7. Referência aos serviços de apoio comunitário 1. Comportamento Sexual: Esta componente de PP consiste em fornecer serviços e mensagens relevantes sobre riscos que advém do comportamento sexual e oferecer preservativos; Os parceiros sexuais das PVHIV que praticam sexo sem protecção, têm riscos de infecção ou reinfecção pelo HIV, de ITS, de gravidez indesejada e os filhos de transmissão sexual do HIV. Por isso, é importante dar a conhecer os factores que influenciam a transmissão do HIV como é o caso de: • • • • • • Uso incorrecto/inconsistente do preservativo Presença duma ITS Carga viral (quantidade de vírus presente nos fluidos) o Infecção recente pelo HIV o Fraca adesão ao TARV Irritação do tracto genital (p. ex. devido ao trauma ou falta de lubrificação durante a relação sexual) Frequência de relações sexuais Relações sexuais sem preservativo Transmitir o vírus versus Adquirir o vírus do HIV: Manual de Referência do Clínico Prevenção Positiva 38 Neste esquema podemos observar a diferença entre transmitir e adquirir a infecção pelo vírus HIV. Estes conceitos são especialmente importantes na compreensão dos benefícios da circuncisão masculina. Um homem seronegativo que é circuncidado irá reduzir o seu risco de apanhar o HIV, mas a circuncisão não vai reduzir a probabilidade de um homem HIV positivo circuncidado transmitir o HIV. Note que a maioria dos comportamentos para prevenir a transmissão e aquisição (ou infecção) são os mesmos. As principais mensagens que o pessoal de saúde deve transmitir à PVHIV para a redução do risco de transmissão sexual do HIV são: • Usar preservativos em todas as relações sexuais; • Fazer o tratamento antiretroviral de acordo com as recomendações da US; • Tratar as ITS; • Reduzir o número de parceiros sexuais; • Praticar tipos de relações sexuais mais seguros. Como apoiar o utente a realizar mudanças em relação ao seu comportamento sexual? • Depois de oferecer as mensagens, tente ajudar o/a utente a ver que passo poderia dar a seguir. Se identificar algum, será que ele está disposto a seguir nesse momento? • Trabalhe com o/a utente usando as ferramentas de comunicação interpessoal sobre “como” atingir esta mudança, identificando as barreiras e oferecendo ideias sobre como superar essas barreiras. • Volte a abordar o comportamento sexual do utente nas consultas subsequentes, pois as mudanças levam tempo. 2. Revelação do seroestado e testagem do parceiro O primeiro passo para a revelação do seroestado é a aceitação do resultado pelo utente. O provedor deve apoiar o utente a aceitar o seu seroestado da seguinte forma: • Ajude-o a encarar o futuro com esperança • Encoraje-o a viver positivamente • Reforce o seu conhecimento sobre HIV/SIDA e como combater as crenças negativas • Ajude-o a encontrar apoio adicional (parceiro, família, Unidade Sanitária e comunidade) Vantagens da Revelação do seroestado: • Pode ajudá-lo a negociar o sexo seguro; • Pode ajudá-lo a seguir as recomendações da U.S (p. ex. pré -TARV, TRAV PTV, consultas de controlo); • Pode incentivar o parceiro a fazer o teste; • Pode receber apoio moral para ajudar a aceitar o seu seroestado e não se sentir sozinho ou isolado; Manual de Referência do Clínico Prevenção Positiva 39 • Pode reduzir o stress de ter que guardar um segredo; • A família pode planificar o futuro em conjunto, incluindo a decisão de ter (mais) filhos. Testar o parceiro tem vantagens tanto se o resultado do teste for negativo como positivo. • Se o resultado for negativo: o Informar-se sobre como evitar a infecção o Fazer o teste anualmente, para verificar o seu seroestado • Se o resultado for positivo: o Receber cuidados médicos e apoio necessário para viver com o HIV o Informar-se sobre como não transmitir o vírus a outras pessoas (parceiros sexuais ou transmissão de mãe para filho). o Ajudar um ao outro a manter-se saudável o Construir um relacionamento baseado na honestidade e confiança mútua. Em situações de sero-discordância, onde um parceiro sexual é seropositivo e o outro seronegativo, este último tem alto risco de ficar infectado. Para estes casos de serodiscordância, devemos transmitir as seguintes mensagens de PP: • A serodiscordância é comum, mas ninguém é imune à infecção pelo HIV; • Parceiros seronegativos em casais serodiscordantes correm um risco elevado de infecção, mesmo que estejam há muito tempo na relação sem se infectarem; • A transmissão do HIV entre casais serodiscordantes pode ser prevenida através de práticas de sexo seguro; • A serodiscordância não é um sinónimo de infidelidade. 3. Adesão ao TARV: É um processo colaborativo que facilita a aceitação e a integração de determinado regime terapêutico no quotidiano das pessoas em tratamento, pressupondo a sua activa participação nas decisões sobre o mesmo. Consiste na toma de medicamentos antiretrovirais todos os dias à mesma hora. Considerase uma boa adesão quando > 95% de comprimidos tomados correctamente É importante a adesão ao TARV porque: • Melhora o estado de saúde do/a utente; • Prolonga o tempo de vida; • Diminui a probabilidade de infectar outras pessoas durante as relações sexuais; • Diminui a probabilidade de transmitir o HIV ao bebé. Tratamento = Prevenção por isso é um aspecto extremamente importante para a Prevenção Positiva, porque contribui para a boa saúde de uma PVHIV e pode impedir essa pessoa de transmitir o HIV. 4. Infecções de Transmissão Sexual (ITS): As ITS são também uma componente fundamental da PP pois a maioria das ITS facilitam a transmissão do HIV. Manual de Referência do Clínico Prevenção Positiva 40 A presença do HIV torna as pessoas mais susceptíveis a contraírem ITS e aumenta a gravidade da ITS e a sua resistência ao tratamento. Uma ITS pode ser um sinal de que o/a utente tem tido relações sexuais que podem facilitar a transmissão do HIV. (As ITS foram estudadas em detalhe em outra disciplina) 5. Planeamento Familiar (PF) e Prevenção da Transmissão Vertical (PTV) É de extrema importância evitar a transmissão vertical através da prevenção de gravidezes indesejadas nas PVHIV e permitir aos casais planear gravidezes mais seguras para: Reduzir o risco de transmissão sexual do HIV; Reduzir o risco do bebé nascer seropositivo; Preservar a saúde da mulher. (Estes tópicos serão tratados em detalhe na disciplina correspondente e em outra unidade deste MR) 6. Consumo do álcool e outras drogas: Para as PVHIV, o consumo do álcool e outras drogas pode: • • • • • Levar o utente a ter comportamentos sexuais de risco; Fazer com que o utente não cuide da sua saúde; Afectar a adesão ao TARV; Afectar o sistema imunológico; Reduzir os efeitos dos ARV ou aumentar a possibilidade de efeitos secundários. Manual de Referência do Clínico Prevenção Positiva 41 O provedor de saúde deve avaliar o consumo de álcool e outras drogas, assim como mostrar as vantagens de não consumi-las em excesso. O provedor de saúde não deve impor (“Deve beber menos” ou “Não pode beber”) mas sim apoiar o utente a entender os riscos de consumir álcool ou drogas. • 7. Alguns utentes, em particular os adolescentes, podem sofrer muita pressão social para consumir álcool e drogas. Referência aos serviços de apoio comunitário: Os serviços comunitários têm como papel: • Fortalecer a ligação entre a comunidade e a US’; • Fornecer cuidados domiciliários; • Prestar apoio psicossocial; • Promover o bem-estar geral da pessoa; • Apoiar na Adesão ao TARV; • Fornecer preservativos; Reforçar as mensagens de PTV e promover o cumprimento das recomendações da US Comunicação Interpessoal É a troca de informações ou sentimentos, de forma verbal ou não verbal, cara a cara, entre duas ou mais pessoas. É sempre um processo de duplo sentido, ou seja, um diálogo participativo usado para criar mútuo entendimento. Para que esta comunicação tenha lugar é necessário que existam determinadas habilidades básicas da comunicação consistentes em: • Saber escutar; • Saber perguntar; • Saber informar; • Saber responder às necessidades do utente; • Saber estimar a participação do utente; • Saber expressar emoções positivas. Para estas situações delicadas de comunicação com as PVHIV é fundamental que exista a empatia ou sentimento de respeito e de consideração pelo outro e pela situação em que este se encontra, fazendo com que a pessoa se coloque no lugar do outro e o compreenda; Para alcançar este objectivo: • Mostre respeito pelo utente, pelas suas decisões e opiniões; • Observe o tom de voz, os gestos e expressões faciais; • Coloque-se no lugar do utente; • Escute com atenção; • Use palavras simples e comuns; Manual de Referência do Clínico Prevenção Positiva 42 • Use o nome do utente e apresente-se pelo seu nome. Violência Baseada no Género Sendo a Violência Baseada no Género (VBG) um tema transversal, o provedor de saúde deve, também, abordá-la em cada consulta ou sessão de aconselhamento com o utente. O que é Violência Baseada no Género (VBG)? Qualquer acto ou tratamento, baseado na diferenciação de género, capaz de causar danos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos, incluindo ameaças de tais actos, ou imposição de restrição, ou a privação arbitraria das liberdades fundamentais na vida privada ou pública. A VBG é muitas vezes conhecida como violência contra a mulher porque, em parte, decorre da situação subordinada da mulher na sociedade. As mulheres são as principais vítimas da VBG. Implicações da VBG na saúde da mulher vivendo com HIV • Reinfecção e consequente aumento da carga viral; • Depressão e ansiedade, stress pós traumático, fobia/pânico ou consumo do tabaco, álcool e droga que pode levar a baixa ou não adesão; • ITS que pode agravar o seu estado de saúde; • Gravidez não planificada e consequente não adesão ao PTV. Papel do provedor de saúde no atendimento integrado às vítimas de violência • Fazer identificação e tratamento das lesões; • Aplicar o tratamento necessário (para prevenção da gravidez e ITS); • Dar orientação sobre como gerir o trauma e o relacionamento com o agressor; • Encaminhar para apoio psicossocial e jurídico. Alguns sintomas que podem ajudar a suspeitar e identificar vítimas de violência • Transtornos crónicos, vagos e repetitivos; • Início tardio no pré-natal; • Infecção urinária de repetição (sem causa secundária encontrada); • Dor pélvica crónica; • Depressão; • Ansiedade; • História de tentativa de suicídio; • Lesões físicas que não se explicam de forma adequada Aspectos a considerar no atendimento às vítimas de violência O provedor de saúde deve: • Garantir privacidade e segurança; • Garantir confidencialidade; • Manifestar sensibilidade à pessoa e ao problema; • Ouvir e validar, mostrando à utente que acredita no que ela está a contar; • Apoiar, isto é, não ser crítico, ser sensível e compreensivo; • Educar as vítimas para que denunciem a agressão/violação; • Documentar as respostas no processo clínico • Ser membro da equipa, ou seja, trabalhar com outro pessoal na Unidade • Sanitária que também está envolvido com a utente; • Testemunhar sempre que for chamado ao tribunal. Manual de Referência do Clínico Prevenção Positiva 43 Pontos-Chave • • • A Prevenção Positiva (PP) visa aumentar a auto-estima, confiança e capacidade das pessoas que vivem com HIV e que conhecem o seu seroestado, para protegerem a sua saúde e evitarem a transmissão de HIV para outras pessoas. As sete componentes de PP são: comportamento sexual, Revelação do seroestado e testagem do parceiro, Adesão ao TARV, ITS, Planeamento Familiar e PTV, Consumo do álcool e outras drogas e Referência aos serviços de apoio comunitário. Para o sucesso das intervenções de PP o provedor de saúde deverá fazer uso das habilidades de comunicação interpessoal e demosntrar empatia para com a situação do utente. Manual de Referência do Clínico Prevenção Positiva 44 Módulo 2 Abordagem do Doente HIV+ Introdução ao Módulo 2 Uma boa avaliação clínica (anamnese e exploração física) do doente, assim como o registo correcto dos dados nos respectivos formulários, vai permitir a tomada de decisões clínicas correctas e fazer um bom seguimento do doente, evitando erros clínicos. Como complemento da anamnese e da exploração física estão os testes de laboratório. O cumprimento do calendário estabelecido pelo MISAU para o seguimento de rotina do doente HIV+ vai permitir uma avaliação mais adequada do doente por parte do clínico e vai apoiar nas decisões clínicas para o início do TARV e a eleição da linha de tratamento para cada caso. É muito importante o estadiamento clínico correcto para os doentes HIV+ conforme a classificação estabelecida pela OMS, pois muitas decisões sobre o início do TARV e de Cotrimoxazol estão baseadas no estadio do doente e, quando este não é bem feito, pode causar erros na decisão de prescrever ou não estes tratamentos. O primeiro passo a ser realizado para a avaliação do doente é a identificação das emergências ou sinais de perigo. Este módulo está dividido em quatro unidades que serão apresentadas a seguir: • 2.1 Abordagem Clínica do Doente HIV+: Anamnese e Exame Físico • 2.2 Interpretação de Testes Laboratoriais • 2.3 Emergências no Doente HIV+ • 2.4 Estadiamento Clínico Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 45 Unidade 2.1 – Abordagem Clínica do Doente HIV+: Anamnese e Exame Físico Introdução Esta unidade aborda a avaliação do doente seropositivo desde a sua primeira consulta na Unidade Sanitária. A tomada de decisões clínicas correctas só é possível quando o doente é bem avaliado. Se o doente for mal avaliado, ou os dados forem incorrectamente registados, ocorrerão muitos erros clínicos. Nesta formação, os participantes irão aprender os passos necessários para atender a primeira consulta do doente HIV + e fazer o respectivo seguimento. Alguns dos tópicos serão apenas introduzidos nesta unidade e abordados mais profundamente em outras unidades desta formação. A semiologia é um tópico muito importante que será tratado nesta unidade, que consiste na obtenção dos dados relevantes da evolução temporal das queixas, obtidos através da anamnese e do exame físico. Este conteúdo é a base para a compreensão do estado de saúde do doente, o seu domínio é muito complexo e necessita de manejo de várias componentes, nomeadamente: • • • Conhecimento da fisiologia normal e dos múltiplos mecanismos da doença; Conhecimento dos métodos e técnicas de recolha de dados, sejam eles a história clínica, a observação psicológica ou o exame físico; Capacidade de interpretação dos dados recolhidos. A aplicação correcta da semiologia médica vai ser muito importante para um bom diagnóstico e ajudará os clínico na toma de decisões sobre o doente. Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos: • • Sistema de seguimento na atenção do doente HIV+ durante a primeira consulta Passos importantes na primeira e consultas seguintes do doente HIV+: Recepção, Aconselhamento, Clínicos Sistema de Seguimento na Atenção do Doente HIV+ durante a Primeira Consulta Na primeira consulta do doente HIV+ é muito importante para fazer uma avaliação completa e, com base nisso, ser capaz de fazer decisões clínicas correctas. É importante conhecer o sistema de seguimento do doente quando ele chega à Unidade Sanitária, já que os cuidados para uma pessoa seropositiva não são feitos apenas por um profissional, é um trabalho de equipa. Esta formação está focalizada nas responsabilidades clínicas do profissional de saude mas compreende-se que a qualidade do seu desempenho depende também da organização dos serviços de TARV em geral. O fluxograma abaixo representa um modelo de seguimento dos doentes HIV+. O fluxograma varia um pouco de uma Unidade Sanitária para outra. Essa variação ocorre porque a equipa nas diferentes Unidades Sanitárias não é sempre a mesma, apesar das responsabilidades serem parecidas em todas as Unidades que fazem o acompanhamento dos doentes em TARV. Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 46 Figura 1: Fluxograma de Atendimento ao Doente HIV+ Clínica Adjunto Responsável da farmácia Aviamento Gestão Adesão Comité TARV Planificação Controle de stocks, etc. Informação Recolha e registo dos dados Referência EC Responsável do Serviço TARV Responsável de aconselhamento Funcionamento Planificação Informação Prestação de contas Responsável de enfermagem Aconselhamento Clínica Aconselhamento Preparação TARV Acons. TARV Grupos Enfermagem IEC Apresentação início TARV Adesão Liderar planos reforço Gestão Comité TARV Cotas Qualidade uso medicamentos Gestão Qualidade Comité TARV Apoio Social Conselheiros Materiais Informação Apresentação início TARV Referências para: •Assistência social •Cuidados domiciliários Adesão Gestão Triagem Consulta enfermagem Enfermaria de dia Biossegurança Gestão med/mat Referência Pessoal Estrutura/Material Informação Apresentação Comité TARV problemas6 aderência Fonte: “Organização do Serviço TARV e Fluxograma” [mudança das siglas HDD por Serviço de TARV]), Abril 2005) Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 47 Passos Importantes na Primeira e Seguintes Consultas do Doente HIV+ Todos os passos importantes a dar na primeira consulta e nas consultas seguintes do doente HIV+ serão introduzidos nesta unidade, mas nem todos serão estudados detalhadamente. Alguns dos tópicos serão apresentados de forma mais detalhada em Passos Importantes da Consulta: outras unidades deste manual. É importante compreender que todos os passos devem ser realizados, mas não necessariamente na ordem apresentada. Alguns destes passos são administrativos e outros clínicos. 1. Recepção a) Preenchimento do Cartão de Identificação do Doente: Entregue pelo recepcionista com o Número de Identificação do Doente (NID). O cartão deve ser preenchido no primeiro dia em que o doente comparece na Unidade Sanitária (US). O NID serve para: 1.- Recepção Preenchimento do Cartão de identificação do paciente Preenchimento do livro de registo na recepção Abertura do processo clínico 2.- Aconselhamento Confirmação do diagnóstico do HIV + 3.- Clinicos Identificação de sinais de perigo e início do tratamento, se necessário Identificar o doente sem utilizar o seu nome; Preenchimento do processo clínico Amostras de exames; Aconselhamento A numeração do NID permite conhecer a procedência do doente, e é um código individual para cada um deles. São 8 dígitos predefinidos e fixos, e 3 a 7 dígitos variáveis. Anamnese Exame Físico Exames laboratoriais Os dígitos predefinidos e fixos são: Decisões Importantes Dois números – PROVÍNCIA - Nampula- 03 Dois números – DISTRITO – Nampula – 01 Plano de Seguimento Estadiamento Clínico Dois números – UNIDADE SANITÁRIA – 00 Dois números – SERVIÇO TARV - 01 Os dígitos variáveis são: Dois números – ANO – 06 Um a cinco números – ENTRADA DO DOENTE 01 Exemplo: Primeiro doente de Janeiro de 2006: 03-01-00-01 / 06/01 Saber a data em que ele utilizou os serviços de saúde Localizar o processo clínico A coordenação nacional; sistematizar informações Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 48 Figura 2: Cartão de Identificação do Doente b) Preenchimento do Livro de Registo na Recepção Utilizado para registar o número de doentes inscritos nos Serviços TARV: • Deve ser legível, com os dados completos correctos; • Todas as informações solicitadas no livro devem ser preenchidas. e Os dados recolhidos são úteis para monitorar o movimento das consultas: • A recepção preenche a primeira folha (cabeçalho) do Processo Clínico, onde constam: – Os dados de identificação do doente; – Outros dados não confidenciais do doente; – Atribuição do NID (O NID tem uma numeração crescente ao longo do ano e, portanto, cada novo ano inicia com um novo número). Outros Registos Relevantes: Além do processo clínico individual, na consulta clínica existem outros registos e solicitações a serem preenchidos, nomeadamente: • Ficha de seguimento do doente; • Ficha de rastreio de TB; • Ficha de consentimento informado; • Ficha de apoio psicossocial; • Solicitação de exames laboratoriais; • Solicitação de medicamentos na farmácia; • Solicitação de medicamentos anti-retrovirais; • Referência para outros serviços ou internamento. 2. Aconselhamento Confirmação do Diagnóstico HIV+ Depois de receber o cartão de identificação, preencher o registo da recepção e, antes de abrir o processo, o primeiro passo clínico é a confirmação do diagnóstico do HIV comprovando que os dois testes rápidos para HIV foram positivos. Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 49 3. Clínicos a) Preenchimento do Livro de Registo de Consulta: O Clinico e o médico são responsáveis pelo correcto preenchimento de todos os campos do livro de registo de consultas. b) Identificação de Sinais de Perigo e/o seu Manejo Avaliar se o doente apresenta algum problema que põe em risco a sua vida, e iniciar o tratamento, se necessário (por exemplo, insuficiência respiratória). Um clínico deve saber dar prioridade ao estado crítico de um doente antes de ser avaliado como qualquer outro utente. Decisões: Internar ou Referir Imediatamente • Prioridade I: Paciente que apresenta uma situação que ameaça a vida se não receber atenção médica imediata; também se inclui nesta categoria o paciente com dor extrema. Internar; • Prioridade II: Paciente com problemas ventilatórios, hemodinâmicos, neurológicos, ou de qualquer outro tipo que não ameace a vida. Internar ou encaminhar. (Depende do contexto); • Prioridade III: Paciente sem risco evidente de instabilidade ou complicação. Continuar a avaliação sem referência ou encaminhar. (Depende do contexto). O problema que o doente apresenta pode ou não estar relacionado com o HIV e, inclusivamente, é comum que os doentes com SIDA apresentem vários problemas ao mesmo tempo. O clínico deve saber priorizar os problemas. As emergências e a abordagem do doente severamente doente serão ensinadas em outra unidade específica. c) Preenchimento do Processo Clínico O processo clínico individual é um instrumento que recolhe informações necessárias para a assistência do doente. O processo deve ser preenchido sempre que o doente aparece na consulta dos serviços de TARV e deve ser guardado no arquivo da Unidade Sanitária. Para garantir a qualidade e a monitoria e avaliação, todos os intervenientes (recepcionista, enfermeiro, Clinico, conselheiro, farmacêutico e médico) devem preencher correctamente o processo clínico (Veja em anexo a esta unidade a ficha de processo clínico). d) Reforço do Aconselhamento O técnico deve perguntar ao doente o que é que ele/ela compreende sobre o significado de ser seropositivo e em seguida fazer o aconselhamento inicial. Por vezes, a Unidade Sanitária poderá ter um conselheiro que pode ajudar o clínico nesta tarefa, outras vezes não. Todo o clínico deve ser capaz de fazer um aconselhamento de boa qualidade; e onde há conselheiro, o técnico deve certificar-se que o doente já foi aconselhado e que compreendeu a sua situação. Se o doente não compreende bem a sua situação, é pouco provável que entenda o motivo de dever voltar para as consultas de seguimento, ou a razão pela qual é importante usar o preservativo, ou porque deverá tomar os medicamentos todos os dias. e) Anamnese Definição: Parte da história clínica em que se reúnem os dados pessoais e familiares do doente anteriores à doença actual e os motivos da consulta. 1 É importante compreender a necessidade de se fazer uma anamnese completa, pois cada sinal ou sintoma do doente HIV+ pode ter mais de uma causa (não se pode assumir que a febre é sempre causada por malária, ou que a tosse é sempre causada por pneumonia). O diagnóstico diferencial do 11 Adaptado do Dicionário de Termos Médicos. Manuel Freitas e Costa, p. 57 Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 50 doente HIV+ é muito mais complicado que o de doentes seronegativos, especialmente se o doente estiver em tratamento de tuberculose ou em TARV. Veja na Tabela 1 abaixo as perguntas que devem ser feitas numa anamnese completa: Tabela 1: Perguntas a serem Feitas durante a Anamnese (Quando não é possível fazer as perguntas ao doente, terão que ser feitas ao acompanhante) Pergunte ao doente pelo seus antecedentes: No caso de ser mulher, antecedentes ginecológicos e obstétricos; está grávida neste momento? Uso de medicamentos (nos últimos três meses)? Alergia a medicamentos (pergunte especificamente sobre alergia a Cotrimoxazol, Fansidar e anti-retrovirais) Antecedentes de internamento: Já foi internado com alguma IO ou com alguma doença que poderia ter sido IO? Ontem à noite usou rede mosquiteira? Tem família que lhe ajuda? Alguma vez teve TB? Alguma vez teve Herpes Zóster (lume da noite)? Alguma vez teve candidíase oral (pracas brancas na boca que podem produzir dor)? Alguma vez teve candidíase esofágica (Alguma vez teve dificuldade e dor para passar alimentos)? Alguma vez teve sarcoma de Kaposi (manchas vermelhas na boca ou na pele)? ITS (Alguma vez teve feridas no sexo ou corrimento)? Diarreia crónica (diária por mais de um mês?) Perda de peso mais do 10% (perguntar se sabe quantos quilogramas perdeu ou se a perda de peso foi grande)? Febre prolongada (diária por mais de 3 semanas)? Pergunte ao doente pelos sinais e sintomas, motivo de consulta hoje: Perda de peso? Tosse (com sangue?) Dispneia (piora com exercício?) Suores (nocturnos?) Tem prurido no corpo (comichão) ou erupções cutâneas ou orais? Dificuldade para engolir? Dor abdominal? Náuseas, vômitos? Diarreia (com sangue)? Sintomas genitais ou genitourinais? Tem cefaleia (dor de cabeça) constante? Convulsões? Tem dor ou dormência, formigueiro ou fraqueza nos pés ou nas pernas? Dificuldade para pensar ou dormir? Mudanças de comportamento (pergunte à família)? Pode trabalhar? Está acamado? Tem apetite? Consegue beber? Consegue comer? Determinados sinais e sintomas têm um significado e relação importante com distintos aspecto clínicos do doente com HIV, assim: • • • • • Febre: Pode indicar malária, IO ou outra complicação de SIDA; Febre, tosse, suores nocturnos, perda de peso: Podem indicar tuberculose ou outra complicação de SIDA; Tosse, dispneia: Podem indicar TB, pneumonia, ou outra complicação de SIDA; Cefaleia, convulsões, mudanças de pensamento ou comportamento, fraqueza: Podem indicar IO neurológico ou outra complicação; Dor abdominal, diarreia, erupções cutâneas ou orais, dificuldade para engolir: Podem indicar IO. Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 51 Em caso de qualquer sinal e/ou sintoma que possa indicar uma Infecção Oportunista (IO) ou outra doença, muitas vezes serão necessárias mais avaliações, e os resultados das avaliações podem influenciar o estadiamento e as decisões de iniciar ou não iniciar, de continuar ou suspender o tratamento para as IOs, o TARV, a profilaxia com Cotrimoxazol, a profilaxia com Isoniazida. Em unidades posteriores deste manual iremos apresentar mais detalhadamente o diagnóstico diferencial destes sinais e sintomas e também o algoritmo para a avaliação detalhada dos mesmos em doentes seropositivos. Inspecção Geral Na Inspecção geral é importante verificar se o doente apresenta: Dificuldade para respirar Dificuldades para falar (se fala normalmente, se responde normalmente às perguntas Dificuldade para caminhar normalmente (ou se pode camninhar sem ajuda Fraqueza visível (localizada ou generalizada) Icterícia ou palidez Erupção cutânea generalizada Caquexia Fazer medição de: Temperatura, tensão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, peso, altura. Compare o peso actual ao peso anterior, se for possível; calcule o Índice de Massa Corporal (IMC) (Veja a tabela da OMS do peso e altura pax X) f) Exame Físico O Clínico sempre deve fazer uma avaliação completa dos doentes e, em particular, dos seropositivos. Nesta unidade vamos descrever as componentes chaves do exame físico do doente HIV+. O exame físico deve ser direccionado especificamente para detectar sinais de IOs, reacções a medicamentos e outras complicações de HIV. O Clinico deverá procurar por estes sinais activamente em cada consulta através do exame físico. Veja na tabela abaixo como se faz um exame físico completo. Tabela 2: Exame Físico Inspecção geral Na inspecção geral é importante verificar se o doente apresenta: Dificuldade para respirar; Dificuldade para falar (se fala normalmente, se responde normalmente às perguntas); Dificuldade para caminhar normalmente (ou se pode caminhar sem ajuda); Fraqueza visível (localizada ou generalizada); Icterícia ou palidez; Erupção cutânea generalizada; Caquexia. Fazer medição de: Temperatura, tensão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, peso, altura. Compare o peso actual com o peso anterior, se for possível calcule o IMC (veja a tabela da OMS do peso e altura na página 149). Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 52 Exames Específicos por Aparelhos ou Sistemas- Verificar se o doente apresenta: Na cabeça (inclusive boca): Tem movimentos completos dos dois olhos A face é simétrica Lesões orais ou das gengivas No pescoço: Nos genitais (só no doente com sintomas): Ulceração, corrimento, condilomas, outros. No sistema neurológico (além dos elementos já apresentados): Linfoadenopatia Rigidez de nuca Na pele e nas mucosas: Força do aperto normal/simétrico nas Erupções cutâneas Linfoadenopatia axilar, inguinal Estado de hidratação Outras lesões. De que tipo? Sinais de anemia duas mãos Paresias (perda de força nos membros superiores ou inferiores) ou parálises Pode levantar ambos os braços acima dos ombros Nos pulmões: Sensação normal em ambos os pés Ausência de sons normais Forma de pensar normal Crepitações, fervores, sibilos, tiragem Depressão No coração: Sopros, arritmias, evidência de insuficiência cardíaca ou tamponamento cardíaco Nas articulações: Tumefações Rigidez No abdómen: Dor Sons Hepatomegalia, esplenomegalia, tumoração, ascites, meteorismo, globoso Gravidez Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 53 A Importância do Exame Físico Um exame físico completo é muito importante para diagnosticar correctamente e iniciar o tratamento adequado para aquele paciente. Quando um exame físico completo não é realizado, corre-se o risco de diagnosticar o paciente incorrectamente e causar danos a sua saúde ao invés de melhorá-la. Por exemplo, se sinais ou sintomas de TB activa não são detectados durante a avaliação inicial, e o doente inicia o TARV, ele pode adoecer gravemente ou até falecer de uma TB não tratada ou mesmo da Síndrome de Imuno-Reconstituição (SIR) Qualquer anormalidade que sugira uma IO ou outra doença necessita de outras avaliações, e pode influenciar no estadiamento e nas decisões para iniciar ou não o TARV, profilaxia com Cotrimoxazol, profilaxia com Isoniazida ou tratamento para infecções oportunistas. g) Exames Laboratoriais Os exames de rotina para cada doente na primeira consulta são o CD4 e hemograma. Às vezes, o teste de CD4 pode ser feito antes da primeira consulta a pedido do ATS, no hospital ou na consulta de PTV. Se o CD4 <350 cels/mm3, estadio clínico III ou IV ou outra indicação para o TARV, o clínico deve pedir todos os outros exames indicados para o doente que vai possivelmente iniciar o TARV (veja quadro abaixo). Os exames laboratoriais recomendáveis para o diagnóstico, introdução e monitoria do tratamento antiretroviral incluem os seguintes: • • • • • • • • • • • Hemograma completo; CD4+; Carga viral do HIV (quando disponível); Transaminases: AST (SGOT) + ALT (SGPT); Glucose e Creatinina (depende do regime de TARV); Colesterol e Triglicerídeos (depende do regime do TARV); Amilase (depende do regime de TARV); Teste de gravidez (essencial se o regime de TARV inclui EFV); RPR; Urina II; Hepatite B e C (quando disponível). Veja a Tabela 3 abaixo para a frequência da realização dos exames laboratoriais. Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 54 Tabela 3: Calendário de Exames Laboratoriais de Rotina: Doente a Iniciar ou em TARV Meses Exame 0 0,5 1,5 6 6/6 12 Hemograma X X X X ALT X X X X Contagem CD4 X X X Amilase X Colesterol X Triglicerídios X Glicemia X Creatininemia X X X Ureia X X X 2 2 3 4 X 2 X 1 X 1 1 Carga viral 2 X 1 X X 1 X 12/12 M X 1 X 2 1 1 1 X 1: Nos esquemas com IPs, 2: nos esquemas com d4T e/ou DDI (Fonte: Adaptação do Guião TARV e IO do MISAU) No doente que ainda não tem indicações para iniciar o TARV, no calendário de Exames Laboratoriais de Rotina o teste CD4 (com hemograma) deve ser repetido de cada três a seis meses. A periodicidade do teste CD4 depende do valor inicial das contagens: • • CD4 >350 cels/mm3 : repetir de 6 em 6 meses; CD4 <350 cels/mm3: indicação para iniciar. Observação: Se aparecerem infecções intercorrentes, o valor dos CD4 deve ser avaliado antes do período acima estimado, porque o valor dos CD4 pode diminuir com uma IO e subir depois do tratamento. h) Decisões Importantes Uma vez feita a avaliação completa do doente, o clínico terá várias hipóteses de diagnóstico em relação ao que o doente apresenta: o Sinais de perigo; o Infecções oportunistas; o Outras infecções; o Reacções adversas a medicamentos; o Outras complicações de tratamento; o Outros problemas. Essas hipóteses de diagnóstico às vezes podem ser confirmadas, naqueles casos que o clínico já não tem dúvida, e outras vezes, são mesmo suspeitas. Portanto, o clínico deverá seguir investigando sobre elas porque são as que vão permitir ao técnico pensar no tratamento e no seguimento do doente. Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 55 Uma vez identificados os problemas do doente, nessa consulta é muito importante priorizar os mais importantes dentre todos e fazer uma lista onde o problema mais grave seja o primeiro a aparecer na lista e o menos importante o último. Por exemplo: Se um doente tem uma reação cutânea aguda com eritema intensa, cefaleia que dura vários anos de forma intermitente e tosse com expectoração há uma semana, liste os problemas da seguinte forma: 1º PROBLEMA 2º PROBLEMA 3º PROBLEMA LISTA DE PROBLEMAS Eritema cutâneo intenso e agudo Tosse com expectoração há uma semana Cefaleia que dura vários anos Portanto, depois de avaliar os sinais, sintomas e os resultados laboratoriais do doente, o clínico deve determinar as prioridades clínicas e recomendar uma ou mais das seguintes intervenções: Internamento do doente; Encaminhamento para um nível superior de atendimento em saúde; Mais testes e exames para diagnosticar IO ou outra doença; Tratamento das IO confirmadas; Inicio do tratamento duma IO muito provável, mas que não pode ser confirmada com os recursos disponíveis; Iniciação da profilaxia com Cotrimoxazol; Iniciação da profilaxia com Isoniazida; Encaminhamento para apoio nutricional; Começar a preparação do TARV (o Clinico NUNCA deve iniciar o TARV num doente que ainda não esteja preparado, e NUNCA deve iniciar o TARV num doente que esteja ainda em vias de diagnóstico de alguma suspeita de IO) i) Estadiamento Clínico conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) O estadiamento do doente deve ser feito com base nos quatro estádios clínicos de imunodeficiência, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). O estadiamento vai ajudar a definir o plano terapêutico mais adequado para aquele doente. Nem sempre é possível estadiar o doente na primeira consulta. Algumas vezes, em caso de uma IO é necessário fazer mais exames (laboratoriais e/ou radiografia), ou fazer uma prova terapêutica de algum medicamento antes de confirmar o diagnóstico. A confirmação ou não da IO pode alterar o estadio clínico. Quando existe uma IO, a contagem de linfócitos CD4 geralmente diminui durante a infecção. Uma vez tratada a infecção, as células CD4 voltam a aumentar e, portanto, o estadio imunológico do doente pode parecer diferente. Este tópico será abordado mais detalhadamente na unidade sobre o estadiamento clínico. j) Plano de Seguimento O plano de seguimento tem sempre aspectos em comum entre um doente e outro. Contudo, às vezes tem algumas variações que dependem por um lado da primera consulta e, por outro, se é um doente em seguimento e que já compareceu várias vezes à consulta. O plano também varia se o doente ainda não está em TARV ou se já está em TARV. Plano de Seguimento para a primeira consulta: • Ver o resultado da contagem de CD4 (ou solicitar se ainda não estiver disponível), e/ou de outros exames (se aplicável); • Estudar a possibilidade de inciar um tratamento profiláctico ou de preparar o doente para o inicio do TARV; • A próxima consulta deverá ser marcada para 7 a 15 dias depois (dependendo dos resultados dos testes e do estado físico do doente), mas o doente deverá voltar antes se tiver qualquer problema; • Fazer o encaminhamento para o aconselhamento e para grupos de apoio; Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 56 • Explicar ao doente como será a próxima consulta. Plano de Seguimento do doente que não vai pela primeira vez à consulta mas que não está em TARV: • Avaliar a resposta clínica para qualquer tratamento indicado nas consultas anteriores • Procurar sinais e sintomas de IO e/ou TB e/ou outra doença; • Rever qualquer problema apresentado pelo doente nas visitas anteriores e ver se está a melhorar; • Procurar sinais e sintomas de reacção adversa a Cotrimoxazol e se está a tomá-lo. • Avaliar se o doente precisa de Cotrimozazol se não estiver a tomar; • Reavaliar as CD4 e o estadio clínico para ver se o doente deve iniciar o TARV ou ainda não; • Seguir o calendário de exames laboratoriais de rotina. O teste de CD4 com hemograma deverá ser repetido dentro de três a seis meses, dependendo da contagem inicial dos CD4. • Marcar as consultas de rotina; • Explicar ao doente como será a próxima consulta; • Explicar ao doente que deverá voltar à consulta antes da data marcada se tiver qualquer problema. Plano de Seguimento do doente que está em TARV: • Os princípios básicos de seguimento do doente em TARV são quase os mesmos, mas existem muitos aspectos específicos para cada doente e, dada a sua importância, vamos tratar este aspecto na unidade sobre seguimento do doente em TARV. Pontos-Chave • • • • • Abrir correctamente o processo clínico do doente HIV+ e manter o processo actualizado para que qualquer clínico possa saber o que deve fazer com o doente e quando será a próxima consulta. Realizar todos os passos na primeira consulta e consultas seguintes do doente HIV+ para garantir que ele seja avaliado correctamente e minimizados os erros no seu tratamento. A anamnese e o exame físico completo devem ser realizados em cada consulta do doente para fazer o diagnóstico precoce de qualquer problema que possa surgir na evolução do doente. Avaliar e dar prioridade aos problemas do doente e tomar as decisões importantes segundo o caso. O clínico deverá elaborar um plano de seguimento e explicar ao doente como será a próxima consulta. Anexos Em anexo a esta unidade encontram-se os seguintes documentos: • Questionário de Rotina para o Rastreio da Tuberculose nos doentes Infectados pelo Vírus do HIV • Processo Clínico dos Serviços TARV • Instrumento de observação clínica usada para a formação dos Clínicos Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 57 República de Moçambique Ministério da Saúde Direção Nacional de Assistência Médica Programa Nacional de Controlo das ITS/HIV/SIDA Questionário de Rotina para Rastreio da Tuberculose nos Pacientes Infectados pelo Vírus do HIV O questionário deve ser utilizado para o Rastreio Activo da TB a todos os pacientes HIV positivos nas Consultas de Medicina e nas Enfermarias de Medicina. NOME: - SE RESPONDER ‘SIM’ AS PERGUNTAS 1 OU 2: Pedir a baciloscopia da expectoração e continuar o diagnóstico da TB. - SE RESPONDER ‘SIM’ A PELO MENOS UMA DAS PERGUNTAS 3, 4, 5, 6: Continuar com a avaliação da TB segundo os critérios clínicos (eventuais gânglios aumentados, ascite, etc.), pedir o RX se disponível, e referir se necessário para avaliação Médica. -SE RESPONDER ‘NÃO’ AS PERGUNTAS 1, 2, 3, 4, 5: Terminar com a avaliação da TB e repetir o questionário na consulta seguinte (pelo menos a cada três meses); encaminhar ao clínico para avaliar a eligibilidade para o tratamento preventivo com a Isoniazida (TPI). Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 58 Data de preenchimento do questionário: Data: __/__/__ Data: __/__/__ Data: __/__/__ Data: __/__/__ Data: __/__/__ 1. Tosse há mais de 3 semanas? 2. Tosse com sangue? 3. Suores há noite há mais de 3 semanas? 4. Febre há mais de 3 semanas? 5. Perda de peso (mais de 3 kg no ultimo mês)? 6. Alguém em casa está em tratamento da TB? Exames pedidos e resultados Data do pedido Baciloscopia Data do resultado Resultado (+ / - ) Data do pedido Radiografia Data do resultado Resultado (+ / - / ND) ** Data do pedido Outros* Data do resultado Resultado (+ / - / ND) ** Diagnóstico de TB: Pulmonar (P) ou Extrapulmonar (EP), BK+ ou BKData do diagnóstico: ___/___/___ Início Fim Tratamento da TB Data: __/__/__ Data: __/__/__ Profilaxia com Cotrimoxazol Data: __/__/__ Data: __/__/__ Tratamento preventivo com Isoniazida (TPI) Data: __/__/__ Data: __/__/__ Serviço onde recebe os medicamentos? * Ecografia; Punção de gânglios; Paracentese; Toracentese; etc. ** ND = não disponivel Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) Versão Novembro 2008 59 Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 60 Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 61 Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 62 Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 63 Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 64 ANAMNESE NA PRIMEIRA CONSULTA: Investigue o doente. Depois preencha o processo clínico com as respostas dadas Pergunte ao doente: Pergunte ao doente se tem ou teve algum dos seguintes sinais/sintomas: No caso de ser mulher, antecedentes ginecológicos e obstétricos; está grávida neste momento? Uso de medicamentos (nos últimos três meses até agora) Alergia a medicamentos (pergunte especificam ente sobre alergia à Cotrimoxazol, Fansidar, e Anti-retrovirais Antecedentes de internamento: Já foi internado com alguma IO ou com alguma doença que poderia ter sido IO? Antecedentes terapêuticos com TARV ou tratamento para TB Ontem à noite usou rede mosquiteira? Tem família que lhe ajuda? Perda de peso? Tosse (com sangue)? Dispneia (piora com exercício)? Suores (nocturnos)? Cefaleia? Convulsões? Dor, fraqueza, dormência? Sensação alterada nos pés? Dor abdominal? Diarreia? Erupções cutâneas ou orais? Dificuldade em engolir? Sintomas genitais ou genitourinais? Dificuldade em pensar ou dormir? Mudanças de comportamento (pergunte à família)? Pode trabalhar? Está acamado? Tem apetite? Consegue beber? Consegue comer? ANAMNESE NOS DOENTES EM TARV: Pergunte o seguinte ao doente: • • • • • • • • Fadiga, mal-estar, fraqueza? Erupção cutânea, feridas na boca? Dor abdominal, diarreia, náusea? Dispneia, cansaço? Insónia, cefaleia? Dor ou formigueiro dos pés? Perguntas de rastreio de tuberculose (tosse, febre, suores nocturnos, emagrecimento)? Outro sintoma? Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 65 Exame Físico: Avalie e inspeccione. Depois preencha o processo clínico com os achados. Exames Gerais Fazer medição de: Temperatura, tensão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, peso, altura. Compare o peso actual ao peso anterior, se for possível; calcule o Índice de Massa Corporal (IMC). Na Inspecção-geral, é importante verificar se o doente apresenta: Dificuldade em respirar Fala normalmente, responde normalmente às perguntas Pode caminhar normalmente, sem ajuda Tem fraqueza visível (unilateral?) dos braço(s), perna(s), face Há icterícia Há erupção cutânea generalizada Caquexia ou palidez Exame específico: Examine o seguinte no doente. Depois preencha o processo clínico com os achados Cabeça (inclusive boca): Tem movimentos completos dos dois olhos A face é simétrica Lesões orais ou das gengivas Pescoço: Linfoadenopatia Pulmões: Ausência de sons normais Crepitantes, fervores, sibilos, tiragem Coração: Sopros, arritmias, evidência de insuficiência cardíaca ou tamponamento cardíaco Genitais (só no paciente com sintomas): Ulceração, corrimento Pele: Erupções cutâneas Linfoadenopatia axilar, inguinal Neurológico (além dos elementos já apresentados): Força do aperto normal/simétrico nas duas mãos Pode levantar ambos os braços acima dos ombros Sensação normal em ambos os pés Forma de pensar normal Depressão Abdómen: Dor Sons Hepatomegalia, esplenomegalia, tumoração, ascites, linfadenopatia Gravidez Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 66 Hipóteses de Diagnóstico: a partir da informação recolhida na anamnese e exame físico, responda o seguinte. O paciente tem sinais ou sintomas de: Se sim, descreva Sinais de perigo Sim Não Infecções oportunistas Sim Não Outras infecções Sim Não Reacções adversas a medicamentos Sim Não Outras complicações de tratamento (SIR, falência terapêutica, falha na adesão?) Sim Não Outros problemas Sim Não Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 67 Prioridade: Ordene os possíveis diagnósticos do doente segundo a prioridade ou gravidade hoje. Depois preencha o processo clínico com as respostas. 1: 2: 3: 4: 5: Estadiamento: é possível confirmar o estádio clínico deste doente hoje? Sim Não Se sim: Qual é? □ I □ II □ III □ IV Qual é a justificação para a decisão de estadiamento? _________________ Se não: O que quer fazer para confirmar o estádio? _____________________________ _________________________________________________________________ Conduta Terapêutica: Segundo os diagnósticos feitos, tome a conduta terapêutica. Depois preencha o processo clínico com as respostas. Decisão (o que quer fazer) Dar tratamento de emergência para algum sinal de perigo? □ Sim Internar o doente? □ Sim Descreva e justifique □ Não □ Não Encaminhar o doente? □ Sim Pedir mais testes? □ Sim □ Não □ Não Dar tratamento para alguma IO confirmada? Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) □ Sim □ Não 68 Dar tratamento para alguma IO não confirmada mas provável? □ Sim Encaminhar para apoio nutricional? □ Sim Outra decisão □ Sim □ Não □ Não □ Não Conduta terapêutica em relação ao Cotrimoxazol, à Isoniazida, e ao TARV Conduta: Profilaxia com Cotrimoxazol: Justificação: Profilaxia com Isoniazida Conduta: Justificação: TARV Conduta: Justificação: Manual de Referência do Clínico Abordagem do Doente HIV(+) 69 Unidade 2.2 – Interpretação de Testes Laboratoriais Introdução O MISAU estabelece claramente quais são os exames laboratoriais de rotina que devem ser realizados nos doentes que fazem seguimento nos serviços de TARV. O cumprimento deste calendário vai permitir ao clínico uma avaliação mais adequada do doente e vai apoiar nas decisões clínicas para o início do TARV e na escolha da linha de tratamento para cada caso. Além do seguimento de rotina, os exames laboratoriais são importantes no diagnóstico e seguimento das infecções oportunistas, reacções adversas e falência terapêutica. Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos: • • • • • • Importância da interpretação correcta de testes laboratoriais Relação entre o teste e o sistema orgânico ou doença Quando pedir testes laboratoriais Identificação e interpretação de resultados anormais dos testes laboratoriais Nomes diferentes para o mesmo teste laboratorial O que fazer em caso de um resultado anormal Importância da Interpretação Correcta de Testes Laboratoriais A interpretação correcta dos testes laboratoriais ajudará o Clinico a: a. Confirmar o diagnóstico do HIV através dos seguintes testes: • Testes Unigold e Determine para diagnosticar o HIV nos adultos; • Teste PCR para diagnosticar o HIV nas crianças menores de 18 meses. b. Avaliar o estadio imunológico do HIV: • CD4 (cels/mm³); • CD4% (nas crianças menores de 5 anos). c. Determinar o estadio clínico do doente: • Testes para confirmar as condições de estadio III e IV (por exemplo, hemograma). d. Reconhecer contra-indicações para medicamentos: • Bioquímica, hemograma. e. Reconhecer sinais de IO e de reacções adversas a medicamentos: • Por exemplo, BK para confirmar tuberculose pulmonar, tinta-da-china para confirmar meningite causada por cryptococco; • Bioquímica, hemograma para reconhecer hepatite ou anemia causadas por medicamentos. f. Avaliar a resposta do doente em relação ao tratamento ARV ou a IO: • CD4; • BK; • Outros. Relação entre o Teste e o Sistema Orgânico ou Doença Para solicitar o teste certo e interpretar correctamente os resultados, é preciso entender qual é o órgão, sistema orgânico ou doença avaliado por cada teste laboratorial. Nas tabelas abaixo descrevemos a correspondência entre testes, sistemas orgânicos e possíveis doenças: Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 70 Testes O que mede ou avalia o teste Função de qual sistema orgânico Interpretação dos resultados Uso nos cuidados do SIDA Disponível em Moçambique HIV (teste rápido – Determine e Unigold) Presença de anticorpos ao HIV Se Determine e Unigold ambos são positivos e o paciente tiver Diagóstico de infecção causada pelo HIV em mais de 18 meses de idade, ele está infectado pelo HIV. Veja o adultos e crianças maiores protocolo de testagem do MISAU. Sim PCR Presença de HIV (qualquer quantidade) no sangue Se positivo, o paciente está infectado pelo HIV. Em algumas Unidades Sanitárias Carga viral Quantidade de vírus HIV circulando no sangue Se elevado: Risco maior de complicações de SIDA, risco Principalmente usado para detectar falência maior de transmissão de SIDA. terapêutica do TARV. Usado para detectar infecção de HIV nas crianças pequenas. Em algumas Unidades Sanitárias Se diminuído: Boa resposta ao TARV. CD4 (contagem) Número de células CD4 Imune (uma classe de linfócitos, ou seja, de células brancas) no sangue A diminuição significa que há imunossupressão causada Se baixo, é uma indicação para TARV. pelo HIV, e que o paciente corre maior risco de ter infecções oportunistas e outras complicações da SIDA. Pode ser provocado por nova IO ou falência terapêutica. Sim A elevação (depois de iniciar o TARV) significa uma boa resposta ao tratamento. CD4 % % de linfócitos que são da classe CD4 Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais Imune Com sucesso do tratamento anti-retroviral, a contagem de CD4 (no adulto ou criança maior) deverá aumentar. Na criança pequena, a percentagem de CD4 deve subir com o TARV. 71 Sim Hemograma Testes O que mede ou avalia Função de o teste qual sistema orgânico Interpretação dos resultados Uso nos cuidados do SIDA Disponível em Moçambique Hemoglobina Células vermelhas do Sistema sangue (componente que hematológico transporta o oxigénio no organismo) Se reduzida , significa anemia (causada por má produção de células vermelhas na medula óssea e/ou destruição de células vermelhas) Detectar infecções que causam anemia; Detectar anemia de estadio III de SIDA; Determinar elegibilidade para primeira linha de TARV; Determinar resposta ao TARV; detectar reacções adversas a medicamentos Sim Células brancas (total) no Sistema sangue hematológico Elevação da contagem: resposta a infecção e inflamação. Detectar neutropenia causada por Sim estadio III de SIDA; Detectar reacções adversas a medicamentos Contagem de eritrócitos Contagem total de células brancas no sangue (Leucócitos) Diminuição da contagem (“leucopenia”): imunossupressão, redução da produção das células brancas na medula óssea Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 72 Testes O que mede ou avalia o teste Função de qual sistema orgânico Interpretação dos resultados Uso nos cuidados do SIDA Disponível em Moçambique ALT Enzima usada pelo fígado Hepática Elevação na presença de doenças (oportunistas ou outras) do fígado ou de reacções adversas aos medicamentos Confirmar elegibilidade para 1ª linha de TARV; detectar doenças e reacções adversas que afectam o fígado Sim AST Enzima usada pelo fígado Hepática Elevação na presença de doenças (oportunistas ou outras) do fígado ou de reacções adversas aos medicamentos Confirmar elegibilidade para 1ª linha TARV; detectar doenças e reacções adversas que afectam o fígado Sim Bilirrubina Substância produzida pelo fígado Hepática Elevação na presença de doenças (oportunistas ou outras) do fígado ou de reacções adversas a medicamentos Detectar doenças e reacções adversas que afectam o fígado e/ou o tracto biliar (a bilirrubina e a causa de icterícia) Sim Creatinina Substância Renal normalmente eliminada do corpo pelos rins Elevação na presença de doenças dos rins Determinar elegibilidade para 1ª linha de TARV ; detectar infecções, doenças, e reacções adversas que podem afectar os rins Sim Ureia Substância Renal normalmente eliminada do corpo pelos rins Elevação na presença de doenças dos rins (ou de desidratação) Determinar elegibilidade para 1ª linha de TARV ; detectar infecções, doenças, e reacções adversas que podem afectar os rins Sim Amilase Enzima produzida pelo Pancreática pâncreas Elevação na presença de doenças do pâncreas ou de reacções adversas a medicamentos Detectar infecções ou reacções adversas que podem afectar o pâncreas Sim Lipase Enzima produzida pelo Pancreática pâncreas Elevação na presença de doenças do pâncreas ou de reacções adversas a medicamentos Detectar infecções ou reacções adversas que podem afectar o pâncreas Sim Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 73 A Depuração de creatinina: A creatinina é um produto da degradação resultante do metabolismo dos músculos esqueléticos, é filtrada pelos rins e excretada na urina. O teste da depuração da creatinina é utilizado para conhecer se existe dano renal para o uso do Tenofovir (TDF), um ARV utilizado na primeira linha de tratamento A função renal é derivada ou relacionada com a medição da depuração de alguma substância pelos rins. A depuração de uma substância é definida como a quantidade de sangue ou plasma completamente liberada desta substância, por unidade de tempo, através da filtração renal. O teste de depuração da creatinina é realizado com medição da creatinina em uma amostra de urina colhida em um tempo estabelecido e também em uma amostra de sangue colhida no período de colheita da amostra de urina. Existem varias Fórmulas para o calculo da Depuração da Creatinina, uma das mais usadas é a “Creatinine clearance (Cockroft Gault)” a seguir, e umas tabelas para poder consultar com mais facilidade: Sexo masculino: (140 – idade em anos) x (peso em kgs) 72 x serum creatinine em mg/dl Sexo feminino: (140 – idade em anos) x (peso em kgs) x 0.85 72 x serum creatinine em mg/dl * Em Moçambique, a unidade de referência da creatinina sérica é µmol/L, que corresponde a Unidade do Sistema Internacional. Entretanto, para fins de cálculo da depuração estimada da creatinina, é preciso converter o valor da creatinina sérica do doente (que é dado em µmol/L) para mg/dl, antes de se aplicar a fórmula acima. Para isso, basta dividir o valor da creatinina sérica do doente (em µmol/L) por 88,4. O resultado corresponderá a medida da creatinina sérica do doente em mg/dl. Para cada doente em uso de TDF, a depuração da Creatinina deve ser calculada, a cada 6 meses. Sempre que houver sinais de nefrotoxicidade após a introdução do TDF, este deve ser suspenso imediatamente, pois a toxicidade relacionada com o TDF não é reversível. É uma contra-indicação absoluta para o uso de TDF uma depuração de creatinina <30 ml/min. Não é recomendado administrar TDF aos pacientes com depuração de creatinina <60 ml/min Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 74 Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 75 Quando Pedir Testes Laboratoriais Nos cuidados da pessoa seropositiva, os testes laboratoriais são indicados para as seguintes circunstâncias: Testes de rotina em todos os doentes: 1. Confirmar a infecção pelo HIV; 2. Estadiamento clínico e imunológico: a. Estadiamento clínico: hemograma; b. Estadiamento imunológico: contagem de CD4; 3. Determinar a elegibilidade para primeira linha de TARV (hemograma, bioquímica, CD4); 4. Detectar reacções adversas a medicamentos (hemograma, bioquímica); 5. Avaliar resposta ao TARV (está a subir o CD4?). NOTA: Para conhecer melhor o calendário dos testes de rotina ao longo do seguimento do doente, consulte a tabela de exames laboratoriais na unidade de seguimento de TARV. Testes usados quando há sinais ou sintomas de infecção ou doença oportunista, ou outra doença, ou reacção adversa a medicamentos: 1. Diagnosticar as infecções oportunistas e comuns (confirmação de diagnóstico antes de tratar): BK, testes para malária, tinta-da-china, outros (depende dos sinais e sintomas do doente). 2. Detectar as reacções adversas a medicamentos (anti-retrovirais, Cotrimoxazol, medicamentos para TB, outros) na presença de sinais e sintomas; 3. Avaliar a resposta ao tratamento das infecções oportunistas e comuns (BK ainda é positivo ou já voltou a ser negativo? O plasmódio ainda aparece no hematozoário ou já não?). Identificação e Interpretação dos Resultados Anormais dos Testes Laboratoriais Uma correcta interpretação dos resultados dos testes só é possível se o clínico conhece: • Qual é a relação entre o teste e o SIDA, as infecções oportunistas, as reacções adversas aos medicamentos, e outras doenças? • O que mede ou detecta cada teste? • Como deve ser um resultado normal? (Quais os limites?) Qual é a unidade de medição (especialmente para os testes de bioquímica)? • Os diferentes nomes usados pelos diferentes laboratórios para indicar o mesmo teste. Limites dos Resultados Normais 1. Testes com resultado “positivo” ou “negativo” (alternativa: “reactivo” ou não “reactivo”): a. “Positivo” ou “reactivo” normalmente significa que uma doença (ou anticorpo) provavelmente está presente. b. Às vezes, “positivo” pode ser indicado pelo símbolo “+”. Neste caso, + significa que a doença está presente, mas o número de micróbios ou parasitas detectados é baixo, e ++++ significa que a doença está presente e que são muitos os micróbios ou parasitas. c. “Negativo” ou “não reactivo” normalmente significa que uma doença (ou anticorpo) provavelmente não está presente. d. Usamos a palavra “provavelmente” porque existem falsos positivos e falsos negativos para cada teste. 2. Testes com resultado numérico a. Normalmente, não há um só valor normal. Por exemplo, uma hemoglobina de 12,1 g/dl uma hemoglobina de 14,2 g/dl pode ser normal. Os “limites” dos valores normais são números mais baixos e mais altos que são aceites como normais. É preciso saber se valores são normais para o seu laboratório. Às vezes, os valores normais aparecem relatório do laboratório e às vezes não. Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 76 ou os os no b. O uso de diferentes sistemas de medição dos resultados pode provocar confusão na interpretação dos resultados numéricos. As unidades usadas para medir e reportar o resultado podem ser diferentes em laboratórios que usam aparelhos diferentes. Por exemplo, uma ALT normal pode ser 20 (limites dos resultados normais: 0-40 IU/L) ou 0,20 (limites dos resultados normais 0,12-0,88 μmol/l). c. Dependendo do sistema de medição usado pelo aparelho, por exemplo, um doente que pesa 50 quilogramas ou 110 libras; o peso é igual, mas as unidades de medição são diferentes. Às vezes, o mesmo laboratório pode usar dois ou mais sistemas para medir os resultados do mesmo teste. O clínico deve conhecer as unidades usadas no laboratório local. Quando o técnico compara os resultados de dois testes, deve certificar-se que os dois testes usam as mesmas unidades de medição. A tabela abaixo descreve algumas das unidades de medição que agora são usadas em Moçambique. Tabela 1: Unidades de Medicação Alternativas Teste (nome simples) Algumas Unidades de Medição Alternativas. NOTA: Os valores normais podem variar um pouco entre laboratórios; conheça as normas locais! Unidade (1) Normal usando Unidade 1 HIV (teste rápido) Sem unidades específicas Não reactivo, ou negativo CD4 (contagem) cels/µL (Cels por microlitro) % u/L (unidades por litro) u/L (unidades por litro) u/L mg/dL (miligramas por decilitro) mg/dL (miligramas por decilitro) 410 - 1590 mg/dL (miligramas por decilitro) mg/dL (miligramas por decilitro) cels x 103/ µL (mil de cels por microlitro) 0,7-1,4 cels x 106/ µL (milhões de cels por microlitro) g/dL (gramas por decilitro) cels x 103/ µL (mil cels por microlitro) 3,8-5,7 CD4 (%) AST ALT Amilase Bilirrubina, total Bilirrubina, conjugada (ou direita) Creatinina Glucose Leucócitos (contagem) Eritrócitos (contagem) Hemoglobina Plaquetas Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 31-60 0-38 0-40 27-131 0,1-1 0,1-0,2 60-110 4,5-11,0 Unidade (2) Normal usando Unidade 2 µmol/L (micromoles/litro) µmol/L (micromoles/litro) μmol/L µmol/L (micromoles/litro) µmol/L (micromoles/litro) 0,18-0,78 µmol/L (micromoles/litro) mmol/L (milimoles/litro) Mil de cels/mm3 44,2-134 Milhões de cels/mm3 3,8-5,7 0,12-0,88 0,46-2,23 3,4-21 0- 8,2 3,05-6,05 4,5-11,0 12,0 – 17,5 150-450 77 d. No diagnóstico das reacções adversas a medicamentos, deve-se comparar o resultado obtido num certo teste com o limite superior dos resultados normais usando múltiplos de ALN (Acima do Limite Normal). O grau de elevação do teste (referido como número de vezes acima do limite normal ou ALN) determina o grau da reacção adversa. Por exemplo, se o limite normal da creatinina é de 1,4 mg/dL, uma creatinina de 2,1 mg/dL seria 1,5x ALN, uma creatinina de 2,8mg/dL seria 2x ALN, uma creatinina de 7,0 mg/dL seria 5x ALN, etc. (Veja capítulo das reacções adversas para mais informação.) Nomes Diferentes para o Mesmo Teste Laboratorial Laboratórios diferentes podem usar nomes diferentes para indicar o mesmo teste. a. Em alguns laboratórios, os resultados aparecem com nomes em outras línguas (por exemplo, em inglês). O clínico deve conhecer os nomes usados no laboratório local. Na tabela a seguir estão indicados alguns exemplos de nomes diferentes usados para o mesmo teste: Tabela 2: Nomes Alternativos usados para Diferentes Testes Teste (nome mais comum) CD4 (contagem) CD4 (%) AST ALT Bilirrubina Bilirrubina direita Glucose Leucócitos (contagem) Eritrócitos (contagem) Hemoglobina Plaquetas Alguns Nomes Alternativos CD3+CD4+ abs cnt CD3+CD4+ % lymphs SGOT SGPT Bilirrubina total Bilirrubina conjugada Glicemia WBC RBC HGB PLT T Helper Lymphs (CD3+CD4+) Abs Cnt T Helper % of Lymphs (CD3+CD4+/CD45+) GOT GPT Bil Cbil Glic “Perigosamente” anormal: Existem definições diferentes para testes diferentes. Por exemplo, uma creatinina muito elevada pode ser perigosamente anormal, mas uma creatinina baixa (0,15 mg/dL) é pouco comum mas não é anormal. Mas, uma hemoglobina muito baixa (por exemplo, 3,0 g/dL) é perigosamente anormal, e as hemoglobinas muito elevadas (por exemplo, 27 g/dL) não ocorrem na realidade! Às vezes, dois testes diferentes têm nomes muito similares. Por exemplo: “Bilirrubina total” e “Bilirrubina directa” não são o mesmo teste; Contagem de CD4 não é a mesma coisa que a percentagem de CD4. O Clínico não deve comparar o resultado de um teste de bilirrubina total ao resultado de bilirrubina directa (ou “conjugada”), e não deve comparar a contagem à percentagem de CD4. Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 78 b. Às vezes, o relatório do laboratório terá um erro e o clínico deve ser capaz de suspeitar e investigar tais erros. Por exemplo: Se o resultado reportado da hemoglobina é 0,2 g/dL, ou 200 g/dL, o clinico deve suspeitar haver um erro. Nestes casos, deve repetir o teste e informar ao laboratório. Estes valores são fisiologicamente impossíveis; Se o CD4 realmente foi de 19 há três meses, e o doente ainda não iniciou TARV, um resultado de 842 hoje não é possível. Relação entre o Resultado do Teste e o Contexto Clínico • O clínico deve saber o que avalia cada teste (veja os exemplos acima dados para alguns testes comuns). • O clínico deve poder identificar um resultado perigosamente anormal (este tema será tratado na unidade sobre reacções adversas). • Muitas vezes é preciso conhecer o resultado do teste anterior para interpretar o resultado actual. Por exemplo: Se o CD4 hoje é de 211 cels/mm3, o resultado é preocupante se o último CD4 foi de 462 cels/mm3, mas não é preocupante se o último resultado de CD4 foi de 29 cels/mm3. Se a hemoglobina hoje é 7,2 g/dL, o resultado é preocupante se a última hemoglobina foi de 9,5 g/dl, mas não é preocupante se a última hemoglobina foi de 5,1 g/dl. Se o ALT hoje é de 211 u/L, o resultado é preocupante se o doente acaba de iniciar Nevirapina e tinha ALT normal antes; mas é uma boa notícia se o doente tinha ALT de 355 u/L há duas semanas e a elevação foi causada por Nevirapina que já foi suspensa. O técnico que não souber interpretar o resultado dum teste laboratorial deve consultar o médico. O que Fazer em Caso de um Teste Anormal A resposta ao resultado anormal depende do contexto. As possibilidades incluem: a. Iniciar o tratamento para infecção ou doença oportunista ou comum. Exemplos: Se BK positivo, iniciar o tratamento para tuberculose; se resultado do hematozoário for positivo para malária, iniciar o tratamento. b. Mudar o regime para tratar uma infecção ou doença oportunista ou comum. Exemplo: Um doente com hematozoário para malária positiva (Pf +++) inicia o tratamento com primeira linha de tratamento para malária. Se voltar seis dias depois e ainda apresentar-se com febre alta, e a lâmina ainda mostrar Pf ++++, o técnico deve iniciar a segunda linha de tratamento para malária. c. Iniciar investigação para determinar a causa de uma anormalidade. Exemplos: Se a hemoglobina é 7,9 g/dL, usar algoritmo de anemia para avaliar. d. Determinar a linha de anti-retroviral que vai ser prescrita. Exemplo: Se a hemoglobina de uma grávida é de 7,1 g/dL, o técnico vai iniciar d4T em vez de AZT. e. Suspender um medicamento que causa reacção adversa (ver unidade sobre reacções adversas). Exemplo: Se as transamínases (ALT, AST) são normais antes de iniciar TARV, mas os valores sobem até 7 vezes do limite superior dos limites normais um mês depois de iniciar Nevirapina, o clínico deve consultar o médico para ver a possibilidade de suspender Nevirapina e trocar por outro medicamento. f. Encaminhar o doente ao médico para avaliar a possibilidade de falência terapêutica. Por exemplo, se o CD4 está a baixar muito (por exemplo, de 190 a 75 cels/mm3, e a seguir de 75 a 60 cels/mm3) no doente que toma anti-retrovirais e tem boa adesão, é provável que o doente tenha um vírus com resistência ao tratamento de primeira linha, portanto, devia mudar para a segunda linha (Este tema será abordado na unidade sobre seguimento de TARV). g. Na ausência de sinais de perigo, no doente estável às vezes é aconselhável continuar sem mudanças no tratamento e repetir o teste após uma ou duas semanas. Por exemplo, na presença de uma reacção hepática de grau I, seria uma estratégia recomendável. Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 79 Pontos-Chave • • • • • Os testes de laboratório são uma ferramenta de apoio para o diagnóstico, tratamento e seguimento dos doentes seropositivos. O clínico deve conhecer o calendário de rotina do MISAU para testes de laboratório e a sua interpretação. Os nomes dos testes e os valores de referência dos mesmos podem variar de um laboratório para outro; o clínico deve conhecer as normas locais e as diferenças (se tiver) entre laboratórios locais. É preciso ter conhecimento do significado dos resultados dos testes para agir de forma adequada perante resultados anormais. O clínico deve saber interpretar o resultado de um teste, caso tenha dificuldade, consultar o médico. Manual de Referência do Clínico Interpretação de Testes Laboratoriais 80 Unidade 2.3 – Emergências: Doente HIV+ com Sinais de Perigo Introdução A identificação das emergências ou sinais de perigo no doente HIV+ é o primeiro passo a ser realizado na avaliação do doente. Em outras unidades desta formação, vamos introduzir guiões ou directrizes clínicos chamados algoritmos que vão descrever os passos a seguir na avaliação de sinais e sintomas comuns no doente seropositivo. Os algoritmos sempre começam com a procura de sinais de perigo, porque o doente grave deve ser identificado e tratado rapidamente. Esta unidade irá abordar o passo importante que é a identificação e gestão de emergências clínicas em doentes HIV+. Para isso, será necessário aplicar os princípios básicos dos cuidados médicos que são utilizados em todos os doentes e os princípios específicos para doentes HIV+. Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos: • • • Princípios gerais dos cuidados do doente HIV+ com sinais de perigo e com complicações Reconhecimentos dos sinais de perigo Considerações específicas na gestão clínica de sinais e sintomas comuns no doente grave seropositivo: Febre Desnutrição severa Problemas respiratórios Patologia neurológica Lesões oroesofágicas Urgência gastrointestinal Lesões cutâneas Lesões linfáticas complicadas Emergência hematológica Considerações particulares do doente HIV+ com malária Considerações particulares da mulher HIV+ grávida Princípios Gerais dos Cuidados do Doente HIV+ com Sinais de Perigo e com Complicações Todos os princípios básicos da atenção médica ou cirúrgica aos doentes criticamente doentes ou hospitalizados não infectados pelo HIV também são aplicados aos doentes HIV+. Além desses princípios básicos, certos princípios adicionais aplicáveis aos doentes HIV+ serão resumidos nesta unidade. O diagnóstico diferencial é mais complexo nos doentes seropositivos porque podem adoecer por qualquer outra condição que afecta também a população seronegativa, mas outros diagnósticos (infecções oportunistas, reacções adversas a medicamentos, falência terapêutica, e complicações próprias do HIV) devem ser considerados além dos diagnósticos típicos. Os princípios gerais e adicionais dos cuidados do doente HIV+ com complicações graves são: Não discriminacão Condições tratáveis ou curáveis devem ser consideradas da mesma maneira em doentes seronegativos como em doentes HIV+ (além de tomar medidas para evitar as reacções adversas a medicamentos e para evitar interacções medicamentosas que envolvem anti-retrovirais), o tratamento não deve ser negado devido ao seroestatus positivo do doente. Respeitar a confidencialidade Respeite a confidencialidade do doente. Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 81 Apoiar a adesão Continuar sempre com o regime terapêutico do tratamento anti-retroviral, a não ser que exista uma razão comprovada e consistente para suspendê-lo ou modificá-lo. Em geral, os ARVs não devem ser interrompidos a não ser em caso de suspeita de reacção adversa severa aos medicamentos no doente, ou um caso grave de SIR (Síndrome de Imuno-Reconstituição). Neste caso, perante uma suspeita por parte do clínico , este deverá consultar o médico antes de tomar qualquer iniciativa e de mudar o regime. Doentes que não conseguem engolir os comprimidos devem tomar xaropes pediátricos (em doses adequadas para adultos) via sonda nasogástrica, se esta opção estiver disponível. Se o doente for ser transferido, deve-se verificar o regime terapêutico dos anti-retrovirais que está descrito no guia de transferência e se o doente tem quantidade suficiente de medicamento. Continuar sempre com o regime de tratamento para a TB, a não ser que exista uma razão comprovada e consistente (tal como uma reacção adversa severa aos medicamentos) para suspendê-lo ou modificálo. Neste caso, o clínico deverá consultar o médico antes de tomar essa decisão. Se o doente será transferido, confirmar se o regime terapêutico da TB está descrito no guia de transferência e que o doente tenha quantidade suficiente de medicamento. Os doentes seropositivos são mais complicados – sempre procure sinais e sintomas de doenças múltiplas No doente com HIV ou SIDA, o mesmo sinal ou sintoma pode ter causas múltiplas. É preciso fazer sempre uma avaliação completa. Exemplos: Anemia causada por malária e reacção adversa à Zidovudina e TB Febre causada por pneumonia e pelo próprio vírus HIV Perda de peso causada por TB, pelo HIV, e depressão com perda de apetite Manter a alimentacão O doente infectado pelo HIV precisa de mais calorias em relação aos doentes não infectados. Coordene com a Unidade Sanitária e com a família do doente para assegurar que ele tenha uma dieta adequada durante os internamentos. Prevenir a transmissão de infecções dentro da Unidade Sanitária Siga sempre recomendações básicas para o controlo da infecção, para proteger a si próprio, a outros trabalhadores de saúde e a outros doentes ou membros da família. As políticas para um bom controlo da infecção devem visar a proteção contra exposições ao sangue e outros fluidos corporais potencialmente contaminantes, e a transmissão nosocomial da tuberculose. Internar o doente e pedir ajuda do médico O diagnóstico diferencial das emergências médicas e cirúrgicas no doente seropositivo é difícil. O doente seropositivo é mais vulnerável a complicações graves. O CLÍNICO normalmente vai precisar da ajuda do médico e às vezes do cirurgião ou anestesiologista. Por exemplo, se é preciso interpretar uma radiografia do tórax, fazer punção lumbar ou toracentese ou paracentese, fazer biopsia, avaliar indicações para quimioterapia, ou internar na unidade de cuidados intensivos, o técnico deverá consultar o médico da sua Unidade Sanitária urgentemente e/ou encaminhar ou referir o doente grave. Se houver necessidade de encaminhar, o técnico deve iniciar as possíveis intervenções necessárias para estabilizar o doente enquanto espera pela transferência. Organizar o seguimento cuidadosamente Quando é dada alta a um doente que entrou com sinais de perigo, assegure que o doente tenha medicamentos anti-retrovirais suficientes pelo menos até a próxima consulta de seguimento marcada na unidade de TARV, e que o doente saiba onde ir para os cuidados de seguimento. Reconhecimento dos Sinais de Perigo Chamamos de sinal de perigo uma anormalidade clínica que indica que o doente precisa de tratamento de emergência para evitar mortalidade/morbilidade. Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 82 Quando o doente chega à Unidade Sanitária, é importante avaliar o seu estado inicial e identificar qualquer sinal de perigo que represente risco para a sua saúde ou para a sua vida. Na presença de sinais de perigo, o clínico deverá iniciar imediatamente as avaliações e tratamentos necessários para estabilizar o doente e para pedir ajuda do médico ou organizar internamento, referência, ou encaminhamento. Tabela 1: Sinais de Perigo no Doente Seropositivo Gerais, constitucionais: • Febre muito alta (>=38,5oC ou 39oC) • Desidratação severa • Incapacidade para comer, beber, e/ou caminhar • Desnutrição severa e IMC <16,0 kg/m2 Cardio-respiratório • Shock (T/A baixa, FC> 120 b/m) • Dispneia ou taquipneia severa (FR> 30 r/m) • Cianose Neurológico • Coma ou alteração do nível de consciência • Convulsões • Rigidez do pescoço • Nova fraqueza ou paresia focal • Mudanças de comportamento • Cefaleia intensa e persistente Boca e esófago • Dor ou incapacidade para engolir Gastrointestinal, genitourinaria • Dor abdominal severa (abdómen cirúrgico) • Hemorragia (gastrointestinal, vaginal, etc) • Ictericia e hepatite • Diarreia severa Dermatológico • Descamação mucocutanea por Síndrome de Stevens-Johnson Linfonodos • Lesões nas extremidades associadas com necrose ou edema extensiva, ou que alterem a função locomotora Hematológicas • Palidez intensa, dispneia, Hb<ou=5g/dl Nas secções seguintes serão apresentadas algumas categorias comuns de emergências relacionadas com o HIV/SIDA e com recomendacões para avaliação e tratamento, além das indicações padrão para a população geral. Considerações Específicas na Gestão Clínica de Sinais e Sintomas Comuns no Doente Grave Seropositivo 1. Febre Causas e Gestão Clínica de Emergências Relacionadas à Febre no Doente HIV+: Além do diagnóstico diferencial usual do doente com febre e sinais de perigo, que consiste em ter sempre em consideração a malária, a pneumonia, e a meningite, avalie também as reacções adversas a medicamentos, Síndrome de Imuno-Reconstituição (SIR) e tuberculose (pulmonar ou extrapulmonar). Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 83 Tabela 2: Emergências relativas à Febre em Doentes HIV+ Entidade clínica ou sinal de perigo Qualquer febre com sinais de perigo Reacções adversas aos medicamentos que se apresentam como febre Síndrome de Imunoreconstituição (SIR) que se apresenta como febre Diagnóstico, Sinais de Perigo Gestão Febre documentada, com qualquer outro sinal de perigo, ou febre muito alta sem causa aparente. Internar; Administrar antipiréticos, identificar causa(s) da febre e tratar (veja algoritmo de febre); reidratação endovenosa. Na ausência de uma causa identificada, iniciar tratamento para malária severa e infecção bacteriana. Avalie indicações para punção lombar e, se for necessário, referir ao médico. Procure sinais e sintomas de tuberculose. Lembrese: A febre persistente sem fonte pode ser uma condição de estadio III. Causa infecciosa da febre não encontrada. A febre começou depois do início do tratamento. (Veja tabelas de reacções adversas). Veja a classificação da OMS para a febre causada por reacções adversas. Tratar reacção adversa de grau I e II e consultar o médico se possível para a reacção adversa de grau III ou IV. Nova ocorrência ou Siga o tratamento de IO se presente. Perante a agravamento repentino da suspeita de SIR, consultar o médico ou referir o TB, Criptococcus, ou doente. outras IOs depois de iniciar o TARV (veja guião de SIR), ou nova ocorrência ou agravemento repentino da febre sem outra fonte (com ou sem linfadenopatia) depois de iniciar o TARV. 2. Desnutrição Severa, Perda de Peso, Caquexia A desnutrição severa é um risco para a vida não somente nas crianças, mas também nos adultos. Pode ser uma complicação de estádio III ou IV de SIDA, ou uma complicação de IO. Sobre a desnutrição severa no doente seropositivo, lembre-se: • O doente malnutrido com IMC<16 kg/m2 que não pode comer nem beber é uma emergência médica e, portanto, assim como uma criança, também precisa de internamento e reanimação nutricional. • Não confunda a perda severa de tecido subcutâneo (emagrecimento) com desidratação. Tenha cuidado para não sobre-hidratar. Inicialmente, limitar a quantidade de fluidos a 1 litro/dia, e acrescentar as quantidades perdidas se houver vómitos ou diarreia. • Se possível, meça o nível de electrólitos no sangue e corrija as perdas o mais cedo possível ao longo do tratamento. • Alimente o doente de maneira gradual. Começe com quantidades pequenas e frequentes de comida ou soluções de reidratação oral. • Dê suplementos com multivitaminas e minerais (especialmente magnésio, potássio e fósforo), se disponíveis. • Procure evidência de infecção aguda ou crónica (especialmente bacteriemia e TB) e trate-a como indicado. Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 84 • A caquexia, quando acompanhada de diarreia, febre ou suores nocturnos prolongados, e quando não existir evidência de TB ou outra infecção oportunista, pode ser um sinal de Síndrome de Caquexia do SIDA (condição do estádio IV) Depois do internamento, peça o pacote alimentar para o doente HIV+ com desnutrição. Tabela 3: Emergências relativas à Desnutrição em Doentes HIV+ Entidade clínica ou sinal de perigo Diagnóstico, Sinais de Perigo Gestão IMC<16,0 kg/m2 em - Se não pode comer, não está clinicamente bem ou doente que não pode não está em situação de alerta, internar sempre, e em qualquer caso iniciar reabilitação nutricional e Desnutrição severa comer nem beber. correção das perdas de electrólitos (como nas (qualquer causa) crianças). Se for possível, por via oral (com sonda nasogástrica, se preciso). Se for via endovenosa, deve ser lentamente para evitar falência cardíaca e/ou sobre-hidratação (+/- 1000 cc/dia inicialmente). Também deve repor as perdas por diarreia ou vómitos. Iniciar a alimentação gradualmente (pequenas e frequentes quantidades de comida ou soluções de reidratação oral); Suplementar com vitaminas e minerais. Dar dose única de Vitamina A (para estimar a quantidade mínima ver tabela 2 na unidade de Emagrecimento). - Procurar e tratar hipoglicemia. - Tratar infecções bacterianas (ou suspeita de bacteriemia). - Procurar e tratar IO e outras doenças e especialmente procurar sinais e sintomas de TB e diagnosticar e tratar condições que possam causar desconforto ao comer (dores na boca, estômago, e/ou esófago). Caquexia relativa a IMC<18,5 kg/m2 ,BK+ TB com diagnóstico de extrapulmonar pulmonar mas negativo). (ou Iniciar tratamento de TB, apoio nutricional (veja TB acima), avalie para o TARV depois de estabilizar. ou BK IMC<18,5 kg/m2 sem Avaliar para TARV, reabilitação nutricional (veja infecção (além do HIV) acima). identificada, com febre, Síndrome de diarreia ou suores caquexia do SIDA nocturnos (sem outra explicação) por mais de um mês (veja algoritmo de estadiamento). Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 85 3. Problemas Respiratórios Princípios Gerais: Nos doentes infectados pelo HIV que apresentam insuficiência respiratória, é necessário administrar sempre o oxigénio, proteger as vias aéreas e apoiar a circulação, igual ao que é feito nos doentes não infectados pelo HIV. Lembre-se que: • • • • • • A pneumonia bacteriana é a infecção respiratória mais comum com qualquer nível de contagem de CD4. Nos doentes HIV+ com infecção respiratória severa, deve-se administrar sempre antibióticos endovenosos enquanto se aguarda pela confirmação diagnóstica de outra doença suspeita. Considerar sempre a TB, particularmente se as questões de rastreio da TB são positivas. Pedir sempre um exame de BK e raios X de tórax (peça ajuda do médico para interpretar as radiografias). Procurar também evidência clínica de TB extrapulmonar (particularmente adenite tuberculosa) e, se suspeitar, encaminhar ao médico. Lembre-se que a TB-SIR podem acontecer em doentes que já iniciaram o tratamento anti-tuberculoso, ou em doentes onde a TB não tenha sido diagnosticada na altura que iniciaram o TARV. Perante esta suspeita deverá também consultar o médico. Se suspeitar o diagnóstico de Pneumonia por Pneumocystis (PCP) nos doentes com dispneia significativa e progresiva (especialmente dispneia durante o exercício), baixa contagem de CD4 (CD4<200 cels/mm3), não responde a antibióticos, e não há sinais de TB, deverá internar o doente e este deve ser visto pelo médico com urgência. O doente pode precisar de tratamento prolongado com doses altas de Cotrimoxazol (às vezes com prednisona e internamento na unidade de cuidados intensivos), porque a PCP não responde a antibióticos em doses usuais. Nos doentes em tratamento com d4T, considerar a acidose láctica se tiver dispneia, dor abdominal, fraqueza, outros sintomas sugestivos, e sem sinais de infecção no exame. A malária severa também pode causar acidose láctica. Perante estas suspeitas, o clínico deverá internar o doente e este deve ser visto pelo médico com urgência. O sarcoma de Kaposi e o Criptococcus podem afectar também os pulmões. Considere S. de Kaposi se existirem lesões de Kaposi orais ou na pele; se o doente não responde ao tratamento para a pneumonia, se tem meningite criptocococica, se tem erupções sugestivas na pele, ou se o teste do Criptococcus está disponível e o resultado for positivo, considere Criptococcus. Perante a suspeita destes possíveis diagnósticos, o clínico deverá internar o doente e este deve ser visto pelo médico com urgência. A dispneia pode ser também causada por anemia severa. Nestes caso faça sempre um exame de hemoglobina ou um hemograma completo. Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 86 Tabela 4: Emergências Respiratórias no Doente HIV+ Entidade clínica ou sinal de perigo Diagnóstico, Sinais de Perigo Gestão BK, RX de tórax toracocentese se necessário (o clínico pode precisar de ajuda do médico para completar a avaliação indicada). Avaliação clínica completa. Avaliar resposta aos antibióticos. (Veja guião de infecções respiratórias). – Oxigénio. – Hidratação endovenosa (na ausência de Insuficiência cardíaca). – Antibióticos endovenosos (penicilina e gentamicina ou similares) para a infecção bacteriana enquanto aguarda pelos resultados do diagnóstico. – Tratamento para a TB (pulmonar, pleural, pericardiaca) se indicado. – Drenagem cirúrgica do empiema, se indicado. – Se a contagem de CD4 for baixa, não há resposta aos antibióticos, BK-, referir ao médico para ele considerar o tratamento com uma dose elevada de CTZ para Pneumociste. Se suspeita de SK pulmonar, referir para avaliação do médico e consideração de quimioterapia. Hemorragia pulmonar (hemoptise profusa) Procurar TB e, perante a suspeita de Kaposi pulmonar, encaminhar para a sua confirmação. Oxigénio. Terapia endovenosa, considerar transfusão, referir para o cirurgião se necessário. Malária severa com sintomas respiratórios Teste rápido e/ou lâmina Oxigénio. Glucosa ou dextrosa. Antimaláricos. Furosemida se existe edema pulmonar. No doente que está em TARV ou medicamentos para TB, evite antimaláricos que podem causar interacções medicamentosas (Ver unidade de malária) Anemia severa (causando dispneia) Hemoglobina, hemograma Pode ter causas múltiplas no doente HIV+ FR> 30 c/m; FC> 120 b/m; Temp> 38,5 0 C ou 390C axilar (dispneia, cianose) 4. Problemas Neurológicos Princípios Gerais: Nos doentes que apresentam febre e rigidez de pescoço, é necessário fazer uma punção lombar urgente, com testes especiais para detectar IO neurológicas. Normalmente o clínico terá que pedir a ajuda ao médico. Se a punção lombar não puder ser feita imediatamente, ou se o LCR não pode ser analisado imediatamente, iniciar o tratamento com antibióticos endovenosos para a meningite bacteriana. Os doentes com febre e sinais meníngeos devem também ser avaliados para malária e tratar conforme o resultado. Em doentes com convulsões, coma, ou com alteração do nível de consciência, fazer sempre um exame neurológico e considerar infecções oportunistas (particularmente toxoplasmose, criptococose, e tuberculose) do sistema nervoso central, além da malária e da meningite bacteriana. Para este caso, pode ser necessáro uma punção lombar. Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 87 Tabela 5: Emergências Neurológicas em Doentes HIV+ Entidade clínica ou sinal de perigo Meningite Diagnóstico, Sinais de Perigo Gestão Se está indicada a punção lombar, a amostra deve ser enviada para coloração de gram, contagem diferencial de células, BK, VDRL ou RPR, tinta da China, Ag Criptocococico (se disponível). Se a punção lombar não puder ser feita imediatamente, iniciar antibióticos endovenosos para meningite bacteriana Procurar pulmonar. sinais Fazer VDRL sangue. ou de TB RPR do Avaliação neurológica. Convulsões Teste de malária. Veja guião de neurologia. -Controlar as convulsões com Diazepam (ou Sulfato de magnésio se grávida). Administrar Glucosa ou Dextrosa. Valorização da indicação da punção lombar se qualquer -Iniciar tratamento para malária se o exame de sinal ou sintoma de meningite. malária é positivo ou se não há confirmação de outro diagnóstico. Avaliar uma possível eclampsia caso a doente -Em caso de suspeita de meningite, diagnosticar e tratar como no quadro acima. esteja grávida. -Em caso de eclampsia, referir à maternidade para administração de Sulfato de magnésio, controlo da pressão arterial, e cesariana (não indução ao parto). -Em caso de convulsões isoladas +/- défice neurológico focal sem outro sinal de infecção pode ser preciso tratar por toxoplasmose; consulte o médico. Sinais de focalidade que não existiam previamente Exame neurológico. Procurar sinais de pressão arterial elevada. Procure sinais de meningite (veja acima). Coma Exame neurológico. Teste de Glucosa ou dextrosa. Quinina ou outros antimalária. Observar sinais de maláricos, e antibióticos EV. Referir à traumatismo. Avaliar maternidade se há suspeita de eclampsia. indicações para punção lombar. Avaliar possível eclampsia na grávida. Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo Se sinais de meningite, veja acima. Se défice focal isolado, e não há sinal de meningite pode ser preciso tratar por toxoplasmose. Consultar o médico. 88 5. Lesões Orais e Esofágicas Qualquer lesão oroesofágica que obstrui a deglutição ou a respiração é uma emergência médica (ou cirúrgica). O SIR pode-se apresentar com uma obstrução da via aérea ou esofágica causada pelo efeito da reconstituição imune no sarcoma de Kaposi ou outras infecções oportunistas; se suspeitar esse problema, deve consultar o médico. As infecções oportunistas visíveis na boca (ex. sarcoma de Kaposi, candidíase, herpes simplex) podem também afectar o esófago, pulmões, estômago ou intestinos. O sarcoma de Kaposi disseminado ou visceral é muito mais comum nos doentes que têm sarcoma de Kaposi oral. O síndrome de Stevens-Johnson pode apresentar-se através de lesões orais severas. É preciso considerar sempre a NVP, o EFV, o CTZ, e o Fansidar como possíveis causas. Na presença de síndrome de Stevens-Johnson, o medicamento que provavelmente causou o problema deveria ser suspenso imediatamente. O clínico deverá consultar o médico neste caso. A dificuldade para engolir também pode ser causada por tumoração ou abcesso torácico. Perante esta suspeita, o CLÍNICO deverá pedir radiografias do tórax e consultar o médico. Tabela 6: Emergências na Boca ou Esófago em Doentes HIV+ Entidade clínica ou sinal de perigo Diagnóstico, Sinais de Perigo Gestão Uma esofagite ou lesões Examinar a boca para na boca com problemas procurar evidência de para engolir candidíase, sarcoma de Kaposi ou outras infecções oportunistas. Se não consegue engolir, hidratação endovenosa. Em caso de esofagite por candidíase, tratar com Fluconazol. Em caso de sarcoma de Kaposi, encaminhar ao médico para confirmar o diagnóstico e para possível tratamento com quimioterapia. (Lembre-se: esofagite de candidíase e sarcoma de Kaposi são condições de estadio IV; avalie para TARV) Descamação na mucosa Examinar a pele oral por Síndrome de membranas mucosas. Stevens-Johnson e Hidratação endovenosa. Se há descamação, cuidar das feridas (usar o mesmo método que para queimaduras). Consultar o médico. Suspender NVP, EFV, CTZ, e/ou Fansidar, se necessário. 6. Problemas Gastrointestinais Hemorragia gastrointestinal: Pode ser causada por uma úlcera péptica ou qualquer outra doença que afecta também a população seronegativa. Pode ser também causada pelo sarcoma de Kaposi, linfoma, ou lesões provocadas por outra infecção oportunista. Obstrução intestinal: Pode ser causada por um câncer de cólon, vermes, ou qualquer outra causa que pode afectar também a população seronegativa. Nos casos de SIDA avançados, pode ser devido a TB, sarcoma de Kaposi, ou linfoma. Perante estas suspeitas, o clínico deverá encaminar o doente para ser visto pelo médico ou cirurgião. Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 89 Dor abdominal: Para além do acima mencionado, considerar uma reacção adversa aos medicamentos (pancreatite, acidose láctica, hepatite), e complicações de múltiplas infecções oportunistas (diarreia infecciosa, tuberculose, etc.). E em caso de dor abdominal severa com suspeita de reacção adversa, pode ser preciso suspender o TARV. Neste caso, é preciso consultar o médico antes de tomar esta decisão. Tabela 7: Emergências Gastrointestinais em Doentes HIV+ Entidade clínica ou sinal de perigo Dor abdominal severa, hemorragia gastrointestinal, e/ou hepatite Diagnóstico, Sinais de Perigo Gestão Avaliação clínica completa, hemograma, transamínases, amílase, bilirrubina. Se ascites, o médico deve considerar a possibilidade de paracentese e/ou ultrasom do abdómen +/biópsia de linfonodos abdominais. Em caso de abdómen cirúrgico ou hemorragia severa, referir ao cirurgião, iniciar hidratação endovenosa, iniciar antibióticos, suspender alimentação via oral. Transfusão se indicada. Em caso de suspeita de reacção adversa grau III ou IV a medicamentos (pancreatite ou lactoacidose por d4T, ou hepatite por NVP) consulte o médico antes de suspender os medicamentos responsáveis (veja guião reacções adversas). Tratar as IOs e outras condições conforme os Na mulher, considerar DIP guiões correspondentes. e fazer teste de gravidez se indicado. Procure sinais e sintomas de infecção oportunista, reacções adversas aos anti-retrovirais e SIR. Diarreia severa Avaliação clínica completa, exame de fezes para identificar ovos e parasitas. Reidratação conforme os guiões. Tratar as IOs e outras condições conforme os guiões. Lembre-se de considerar o diagnóstico da Síndrome Caquexia de SIDA. 7.Lesões na Pele O síndrome de Stevens-Johnson pode apresentar-se através de lesões cutâneas severas. É preciso considerar sempre a NVP, o EFV, o CTZ, e o Fansidar como possíveis causas. O medicamento que causa o síndrome deve ser suspenso imediatamente depois de confirmar o diagnóstico. Recomenda-se que o clínico consulte urgentemente o médico e suspenda todos esses medicamentos. Se observar uma lesão compatível com sarcoma de Kaposi, é importante realizar um exame completo da pele, da boca e dos nódulos linfáticos, e o doente deve ser encaminhado para a confirmação do diagnóstico pelo médico, este deve analisar a possibilidade e enviá-lo para uma biópsia e/ou para considerar o início da quimioterapia. Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 90 Tabela 8: Emergências relativas à Pele e Nódulos Linfáticos em Doentes HIV+ Entidade clínica ou sinal de perigo Diagnóstico, Sinais de Perigo Gestão Lesões de descamação Examinar a pele e Hidratação endovenosa. Se há descamação, cutânea por Síndrome membranas mucosas. cuidar das feridas (usar o mesmo método que de Stevens-Johnson para queimaduras). Consultar o médico. Supender NVP, EFV, CTZ, e/ou Fansidar, se necessário (se são a causa). 8. Linfoadenopatias A linfoadenopatia severa, com necrose ou edema importante, pode ser causada por sarcoma de Kaposi, TB, ou outra IO. Muitas vezes a incisão e a drenagem não são indicados, porque o problema não está relacionado com infecção bacteriana. Quando há necrose, é preciso limpar a ferida e pôr penso. Quando há suspeita de tumor ou IO, é preciso encaminhar o doente para biopsia se o diagnóstico não é claro. O agravamento repentino da doença ou a aparição de linfoadenopatias num doente que iniciou recentemente o TARV pode ser um sinal de SIR (especialmente TB-SIR ou SK-SIR). Perante esta suspeita, o clínico deve encaminhar o doente ao médico. Tabela 9: Emergências relativas à Pele e Nódulos Linfáticos em Doentes HIV+ Entidade clínica ou sinal de perigo Linfedema severa extremidades Diagnóstico, Sinais de Perigo Gestão nas Avaliação completa de TB e sarcoma de Kaposi. Referir para considerar Biópsia (dos linfónodos e/ou tecido inchado), se estiver indicado. Tratar a TB, se indicado. Se sarcoma de Kaposi, considerar quimioterapia (referir ao centro especializado). Iniciar TARV só se estiver indicado pelo nível de CD4 ou na presença de sarcoma de Kaposi ou tuberculose confirmada. Necrose estendida dos Exame completo para nódulos linfáticos sarcoma de Kaposi, TB, SIR-TB, e infecção bacteriana Antibióticos se sobre-infecção. Cuidar das feridas. Encaminhar ao médico ou cirurgião se achar que precisa de drenagem cirúrgica dos nódulos e para confirmação diagnóstica da suspeita de SIR e de sarcoma de Kaposi Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 91 9. Alterações Hematológicas Princípios Gerais: Anemia, neutropenia, trombocitopenia: Considerar no diagnóstico diferencial das reacções adversas aos medicamentos o próprio HIV, e as infecções por micobactérias atípicas (veja guiões de anemia e de reacções adversas). É comum que a anemia tenha causas múltiplas no doente seropositivo, mas a deficiência de ferro é menos provável que as outras causas. Sempre procure hemorragia, causas infecciosas (HIV, IO, TB, malária, ancylostoma, etc), causas nutricionais, e reacções adversas a medicamentos. A identificação de uma causa (por exemplo, malária) não exclui outras causas (Ver unidade de anemia). 10. Malária Nos doentes HIV+ com malária, lembre-se de prescrever os medicamentos antimaláricos compatíveis com os anti-retrovirais e/ou com os medicamentos antituberculosos (Ver o guião malária e unidade de malária) 11. Gravidez da Mulher HIV+ Para além do que já foi mencionado nesta unidade sobre mulheres grávidas, lembre-se que: • • Se o tratamento anti-retroviral é indicado, é crucial iniciá-lo antes da data prevista do parto, para prevenir a transmissão vertical; No caso de complicações obstétricas, é importante evitar intervenções que possam aumentar o risco de transmissão da mãe para o filho: Reduzir os exames vaginais, não induzir ou acelerar o trabalho de parto com oxitocina, não fazer episiotomias e evitar o parto com fórceps. Pontos-Chave • • • As possíveis causas de sinais de perigo e emergências médicas são diferentes no doente seropositivo. No doente grave, procure sempre evidência de condições comuns presentes nos outros doentes (derrame cerebral, apendicite, etc), além de IO, reacções adversas aos medicamentos, e outras complicações do HIV. Sempre inicie a avaliação do doente procurando sinais de perigo; se presentes, actue imediatamente. Manual de Referência do Clínico Emergências: Doentes HIV+ com Sinais de Perigo 92 Unidade 2.4 – Estadiamento Clínico Introdução Esta unidade aborda como fazer o estadiamento clínico correcto num doente HIV+, de acordo com os estadios clínicos da Organização Mundial da Saúde (OMS). O estadiamento correcto é muito importante, pois muitas decisões sobre o início do TARV e Cotrimoxazol estão baseadas no estadio do doente. Quando este não é bem feito, pode causar erros na decisão de prescrever ou não estes tratamentos. A identificação correcta do estadio clínico do doente HIV+ é um dos primeiros passos no tratamento do doente. Existem dois métodos para classificar a fase ou estadio da doença do HIV/SIDA: • • Estadios Clínicos - definidos por sinais e sintomas, ou pelo diagnóstico laboratorial de infecções oportunistas específicas; Classificação imunológica - Permite classificar os doentes segundo a contagem de CD4. O tratamento correcto do doente depende do estadio clínico e também da contagem de CD4. É preciso avaliar correctamente os dois parâmetros, já que muitas decisões sobre o início do TARV ou Cotrimoxazol estão baseadas no estadiamento dos doentes. Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos: • • O processo de estadiamento: • Passos para o processo de estadiamento clínico • Progressão dos estadios: estadios I,II,III e IV Erros comuns no estadiamento O Processo de Estadiamento Para fazer um estadiamento adequado, existem critérios de diagnóstico ou definições clínicas específicas que são usadas e que aparecem na Tabela II em anexo ao final desta unidade. Esta tabela é mais completa do que aquelas que são frequentemente utilizadas, como por exemplo a Tabela I, também em anexo no final desta unidade. A Tabela I é um resumo do processo de estadiamento que não define completamente as condições e, portanto, as informações nela contida não são suficientes para definir correctamente o estadio clínico para muitos casos. O Processo de Estadiamento • O clínico tem de avaliar detalhadamente o doente para definir correctamente o estadio clínico. • Muitas vezes, antes de determinar o estadio, é preciso fazer exames de laboratório para confirmar a presença de infecções oportunistas, ou prescrever antibióticos (ou outro tratamento) e avaliar a resposta do doente. O estadiamento clínico muitas vezes vai precisar de duas ou mais consultas médicas para ser confirmado. • Passos para o Processo de Estadiamento Clínico 1. Os doentes deverão ser estadiados sempre com base nas queixas e no exame físico, independentemente de terem ou não todos os resultados laboratoriais disponíveis. Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 93 2. Pergunte por hospitalizações recentes, e reveja os documentos, se possível. Se o doente esteve hospitalizado com confirmação de estadio IV, estadie com base no diagnóstico da alta. 3. Procure sinais e sintomas do estadio IV e III que possam ser diagnosticados com os meios disponíveis em Moçambique. Para isso, estão disponíveis dois algoritmos de estadiamento que vão ajudar o técnico para que, uma vez revista a História Clínica, faça uma série de perguntas ao doente, e se ele responde afirmativamente (“sim”), terá de fazer outras perguntas. Assim, algumas vezes algumas caixas do algoritmo darão respostas certas indicando um determinado estadio clínico e, outras vezes, vai indicar que é prematuro estadiar e aconselha o técnico a consultar outro algoritmo (por exemplo: o de febre, o de doenças respiratórias, etc.), ou a fazer os testes de laboratório para completar os estudos e comprovações clínicas. Portanto, em muitos casos, a confirmação diagnóstica do estadio III e IV vai precisar de várias consultas de seguimento, para rever resultados de testes laboratoriais e radiografias, e/ou resposta a provas terapêuticas. 4. Os dois algoritmos de Estadiamento Clínico I e II ajudam o clínico a completar o diagnóstico investigando os seguintes aspectos: • Internamentos anteriores para investigar IO; • Perguntas sobre sinais e sintomas de tuberculose; • Cefaleia e alterações do estado de vigília; • Exame da pele e da boca para procurar sinais de sarcoma de Kaposi, candidíase oral ou esofágica e leucoplasia pilosa e confirmar o diagnóstico; • Investigação sobre sinais e sintomas de febre, anemia, diarreia ou baixo peso; • Investigação sobre sinais e sintomas de infecção bacteriana severa, infecção pulmonar severa e problemas neurológicos severos; • Se o doente está clinicamente estável e não se detecta nenhum sinal ou sintoma acima mencionado, é pouco provável que o doente esteja no estadio III ou IV. Procure sinais e sintomas de linfadenopatia generalizada ou condições de estadio II. Progressão dos Estadios • O doente só pode avançar do estadio I aos estadios mais avançados (II a IV); • Quando um doente apresenta critérios compatíveis com determinado estadio, nunca pode voltar a um estadio anterior (por ex. de IV para III ou de III para II ou II para I). No entanto, poderá avançar para estadios seguintes porque a doença é progressiva. Por exemplo: Um doente com tuberculose pulmonar permanece no estadio III até o início do estadio IV. Se a tuberculose é tratada com êxito, e o doente melhora, permanece ainda no estadio III – não volta ao estadio I ou II. Cada estadio clínico tem a sua definição exacta. Veja abaixo a descrição de cada estadio de acordo com a OMS: Estadios Clínicos da Organização Mundial da Saúde (OMS) Estadio Clínico I: Assintomático Doente infectado pelo HIV (confirmado seropositivo) e assintomático ou com linfoadenopatia generalizada persistente (LGP), mas sem critérios para estadio II, III, ou IV. Duração do Estadio I em Adultos: O intervalo médio entre a infecção pelo HIV e o aparecimento dos primeiros sintomas/sinais de estadio II é de 25,4 meses, de acordo com a pesquisa feita na Uganda 1. Dependendo do nível de vida da população, este intervalo é variável, por exemplo: em países com 1 De acordo com um estudo feito na Uganda. Morgan et al Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico Estadios Clínicos da Organização Mundial da Saúde (OMS): O sistema desenvolvido pela OMS classifica a infecção pelo HIV em adultos e adolescentes em quatro estadios clínicos: • Estadio I: Assintomático • Estadio II: Sintomas menores (imunodeficiência leve) • Estadio III: Sintomático para HIV (imunodeficiência moderada/severa) • Estadio IV: SIDA (imunodeficiência severa) 94 melhores condições de vida, este período pode ser mais longo. Definição de “assintomático” no âmbito dos estadios do HIV: • Doente que não apresenta nenhum sintoma relacionado ao HIV ou complicações (algumas vezes apresenta linfoadenopatia); • O exame físico não revela nenhum sinal de HIV nem das suas complicações (algumas vezes apresenta linfadenopatia); • Doente em estadio I pode ter sinais ou sintomas de doenças não relacionadas com o HIV, por exemplo, pode ter sinais ou sintomas de cólera, ou esquistossomíase, ou pressão alta, que são doenças sem relação conhecida com o HIV. De acordo com a definição da OMS a “linfoadenopatia generalizada persistente” é uma inflamação crónica dos nódulos linfáticos que apresenta as seguintes características: • Sem dor; • Nódulos maiores que 1cm; • Dois ou mais grupos de nódulos não contíguos (excluindo a cadeia inguinal); • Persistentes por três meses ou mais; • Sem outra explicação além de infecção pelo HIV. Lembre-se que: • Paciente assintomático (estadio I) pode transmitir o vírus a seu parceiro ou ao feto. • Assintomático não significa “não contagioso”. Estadio Clínico II: Sintomas Menores (Infecção pelo HIV, sem SIDA) De acordo com a definição da OMS, o estadio II é caracterizado pela infecção pelo HIV, confirmada com testes de laboratório e uma das condições abaixo: 1. 2. 3. 4. Perda de Peso Moderada (<10%, sem outra causa identificada); Infecções Respiratórias Recorrentes ; Herpes zóster; Manifestações muco-cutâneas menores: • Úlceras Orais Recorrentes • Erupção máculo-papular (Prurigo) • Dermatite Seborréica • Onicomicose • Queilite angular 5. Sem outros critérios para estadio III ou estadio IV. Portanto, a maioria das condições do estadio II são infecções leves que desaparecem sozinhas ou depois do tratamento, sem precisar internamento e que, apesar de serem mais frequentes nos doentes HIV+, podem aparecer em qualquer doente. Definições Estadio II Específicas das Condições do 1. Perda de Peso Moderada Perda de peso comprovada <10%, sem outra explicação além da infecção pelo HIV. Exemplo: Mulher grávida seropositiva que pesa 65 kg no último mês de gravidez. Depois do parto, pesa 58 kg. Ela sofreu uma perda de peso de> 10%, mas a causa da perda de peso foi o parto e não o SIDA. 2. Infecções Respiratórias Recorrentes Num período de 6 meses, verificam-se dois ou mais episódios de: Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico Exemplo de Perda de Peso Moderada Pessoa que pesava 71 kg antes do início da doença, mas logo perdeu peso. • • 7,1 kg = 10% de 71 kg. 71 kg – 7,1 kg = 63,9 kg. Se o doente agora pesa mais do que 63,9 kg, a sua perda de peso é “moderada”. Se agora pesa 63,9 kg ou menos, a sua perda de peso é ”grave” não “moderada”. A perda de peso moderada não é suficiente para satisfazer a definição de estadio III. 95 • • • Sinusite (dor unilateral do rosto com corrimento do nariz); Otite (dor e inflamação do tímpano); Faringite bacteriana (inflamação da faringe e/ou das amígdalas faríngeas, sem evidência de infecção viral). 3. Herpes zóster (zona ou lume de noite) • Erupção de vesículas e bolhas, normalmente ocorre só de um lado (unilateral), muitas vezes associada a dor local intensa e distribuição ao longo do trajecto dum nervo cutâneo: • É comum no peito, mas também ocorre nas pernas, nos braços ou no rosto; • As vesículas podem transformar-se em lesões e, mais tarde, em crostas causadas pelo vírus varicella zoster. 4. Úlceras Orais Recorrentes • Dois ou mais episódios de úlceras (aftas) na boca num período de 6 meses. 5. Prurigo • Dermatose caracterizada por erupção de pápulas ou nódulos, centrados por vesícula ou crosta, localizados simetricamente nos membros e, por vezes, na face, que provocam muita coceira. 6. Dermatite Seborréica • Erupção cutânea, com formação de escamas na linha entre o rosto e o couro cabeludo, partes laterais do nariz, peito e pregas profundas. 7. Onicomicose • Infecção fúngica das unhas. 8. Queilite Angular • Processo inflamatório localizado no ângulo da boca, uni ou bilateral, caracterizado por discreto edema, eritema, descamação, erosão e fissuras. Duração do Estadio II em Adultos: De acordo com o estudo feito na Uganda 2, o intervalo médio entre o início do estadio II e o início do estadio III é de 20,1 meses, mas em países com melhores condições de vida este período pode ser mais longo. Estadio Clínico III: Sintomas Moderados e Severos (infecção pelo HIV, sem SIDA) De acordo com a definição da OMS, o estadio III é caracterizado pela infecção pelo HIV, confirmada com testes de laboratório e uma das condições abaixo: 1. 2. 3. 4. 5. Perda de peso superior a 10% do peso corporal total; Diarreia crónica; Febre persistente; Anemia, neutropenia ou plaquetopenia crónicas; Doenças específicas como: o Candidíase oral o Leucoplasia Pilosa Oral o Tuberculose Pulmonar o Infecções bacterianas severas (como pneumonia) o Gengivite ou Periodontite com Necrose 6. Sem outros critérios para o estadio IV. 2 De acordo com um estudo feito na Uganda. Morgan et al Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 96 Definições Específicas das Condições do Estadio III: 1. Perda de Peso> 10% • Perda de peso comprovada> 10% do peso corporal total sem outra explicação além da infecção pelo HIV ou • História de perda de peso> 10%, sem documentação, sem outra explicação, com caquexia visível ou IMC<18,5 kg/m2 Exemplos de mal estadiamento por perda de peso: 1. Homem obeso com pressão alta e diabetes, HIV+. O seu médico explica que deve fazer exercício físico e mudar a sua dieta para evitar complicações das diabetes e da alta pressão. O homem começa a caminhar todos os dias, e já não come tanto e come alimentos fervidos em vez de fritos; o seu peso baixa de 80 a 71 kg. Ele e o seu médico estão satisfeitos com o resultado. A perda de peso foi maior do que 10%, mas não é condição do estadio III. 2. Jovem com diarreia causada por cólera. Tem desidratação importante (precisa de reidratação endovenosa). A sua perda de peso é aguda, causada pela desidratação, mas não é uma condição de estadio III. 2. Diarreia Crónica • Diarreia (fezes líquidas ou não moldadas> =3 vezes por dia) por mais de um mês, sem outra explicação e sem resposta ao tratamento médico habitual. 3. Febre Persistente • Febre ou suores nocturnos por mais de um mês, intermitentes ou constantes, sem resposta ao tratamento com antibióticos ou antimaláricos, sem outra explicação além da infecção pelo HIV. 4. Anemia, Neutropenia ou Plaquetopenia Crónicas • Hemoglobina <8.0 g/dL persistente por mais de um mês, que não responde ao tratamento com sulfato ferroso, ácido fólico, Albendazol/Mebendazol, ou antimaláricos e não tem outra explicação (além de HIV); • Neutropenia de <500 cels/mm3 por mais de um mês sem explicação; • Plaquetopenia <50.000 cels/mm3 por mais de um mês sem explicação. 5. Doenças Específicas Candidíase Oral (persistente ou recorrente) • Cândida oral que não responde ao tratamento com antifúngicos, ou que reaparece depois de um tratamento efectivo. Leucoplasia Pilosa Oral • Placas brancas menos densas, em linhas brancas, lados laterais da língua que não podem ser descamadas. Tuberculose Pulmonar • Actual ou nos últimos dois anos, segundo o MISAU para Moçambique Infecção Bacteriana Severa • Pneumonia, meningite, empiema, miosite, infecção dos ossos ou articulações, bacteriemia e doença inflamatória pélvica severa. Gengivite ou Periodontite com Necrose • Dor severa, ulceração e necrose da gengiva, sangramento, perda de tecido ósseo ou peridental, perda de dentes. Duração do Estadio III em Adultos: De acordo com um estudo realizado na Uganda 3, o intervalo médio entre o início do estadio III e o início do estadio IV é de cinco anos, mas em países com melhores condições de vida este período pode ser mais longo. 3 De acordo com um estudo feito na Uganda. Morgan et al. Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 97 Estadio Clínico IV: Sintomas Gravíssimos (SIDA) O estadio IV é caracterizado pela presença de infecções oportunistas (IO) e neste estadio é necessário o acompanhamento constante da saúde do doente. As Infecções Oportunistas são causadas por micróbios que normalmente não provocam doença em indivíduos saudáveis, mas que podem afectar severamente a saúde de uma pessoa com um sistema imunológico já deficiente ou fraco. No estadio IV, o doente pode apresentar uma ou mais das condições abaixo: 1. Síndrome de caquexia; 2. Infecções pulmonares; 3. Infecções e condições dermatológicas; 4. Condições neurológicas; 5. Doenças sistémicas; 6. Infecções gastrointestinais; 7. Cardiomiopatia de HIV; 8. Nefropatia de HIV; 9. Carcinoma invasiva do cerviz; 10. Retinite causada por citomegalovirus (CMV); 11. Sarcoma de Kaposi (às vezes lesões a nível da cavidade oral que nem sempre são associadas a lesões cutâneas). 12. A Fístula rectovaginal É importante reconhecer que a maioria das doenças do estadio IV não podem ser diagnosticadas em Moçambique com os recursos que estão actualmente disponíveis. Definições Específicas das Condições do Estadio IV: Definições mais detalhadas das condições do estadio IV apresentar-se-ão em outras unidades deste manual. Este símbolo indica condições nas quais é difícil fazer o diagnóstico definitivo ou que não podem ser tratadas em Moçambique. 1. Síndrome de Caquexia Tem duas definições alternativas: A. Perda de peso de > 10% de peso com emagrecimento visível, ou IMC<18,5 kg/m2, e diarreia três vezes ao dia por mais de um mês, sem outra explicação além do HIV (a diarreia não responde ao tratamento com antibióticos) OU B. Perda de peso de > 10% de peso com emagrecimento, ou IMC<18,5 kg/m2 , e febre ou suores nocturnos por mais de um mês, sem outra explicação além do HIV (a febre não responde ao tratamento com antibióticos nem com antimaláricos). Importante: “Síndrome de Caquexia de SIDA” é uma doença específica do estadio IV; não é qualquer caso de caquexia. A pessoa com caquexia causada por câncer ou tuberculose não reúne os critérios para “síndrome de caquexia”. A pessoa seropositiva com IMC baixo mas sem febre, suores nocturnos, ou diarreia crónica não reúne os critérios para “síndrome de caquexia de SIDA”. 2. Infecções Pulmonares • Pneumonia bacteriana severa e recorrente (>= 2 episódios em 6 meses) • Pneumonia causada por Pneumocystis jiroveci (IO) Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 98 3. Infecções e Condições Dermatológicas • Herpes simplex crónica persistente orolabial, genital ou anorectal por mais de um mês ou visceral de qualquer duração • Candidíase esofágica • Sarcoma de Kaposi 4.Condições Neurológicas • Encefalopatia progressiva multifocal • Criptococcose cerebral • Toxoplasmose cerebral • Encefalopatia causada pelo HIV • Linfoma cerebral 5. Doenças Sistémicas • • Tuberculose extrapulmonar Tuberculose disseminada • Infecção por micobactérias atípicas, disseminada • Infecção com fungos disseminada (histoplasmose, coccidiomicose, entre outras) • Bacteriemia recorrente (excluindo tifóides) • Leishmaniose visceral 6. Infecções Gastrointestinais • Diarreia crónica por mais dum mês, causada por Cryptosporidium, Microsporidium, Cyclospora, ou Isospora Outras Condições do Estadio IV 7. Cardiomiopatia de HIV 8. Nefropatia de HIV 9. Carcinoma invasivo do colo uterino 10. Retinite causada por citomegalovirus (CMV) Duração de Estadio IV em Adultos Os doentes passam em média 9,2 meses no estadio IV antes de morrer, de acordo com um estudo realizado na Uganda 4 onde os doentes estudados não estavam a receber TARV. O estadio IV é um estadio perigoso para um doente que não está a receber tratamento adequado. Mas com um bom tratamento para monitoria das infecções oportunistas, os doentes podem viver por muito tempo depois do início do estadio IV. Erros Comuns no Processo de Estadiamento O feito de não investigar bem o doente através da história clínica e do exame físico, de não fazer os testes de laboratório precisos ou de não utilizar adequadamente as tabelas para definir as condições clínicas que permitem estadiar correctamente o doente, dão lugar a múltiplos erros que podem ser fatais para as decisões a tomar com o doente. 4 De acordo com um estudo feito na Uganda. Morgan et al Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 99 Erros Comuns no Processo de Estadiamento • Confundir qualquer episódio de diarreia (por exemplo, uma diarreia de 10 dias que responde totalmente a metronidazol) com diarreia crónica do estadio III. • Confundir qualquer episódio de febre (por exemplo, um caso de malária que responde totalmente a primeira linha de antimaláricos) com febre do estadio III. • Confundir qualquer anemia (por exemplo, anemia causada por parasitose intestinal ou hemorragia pós-parto) com anemia do estadio III. • Confundir qualquer perda de peso (por exemplo, perda de 1 kg numa pessoa que acaba de iniciar um programa de exercício físico) com perda de peso do estadio III ou IV. • Não reconhecer que anemia ou outro sinal ou sintoma pode ser relacionado ao SIDA. • Não fazer as perguntas de rastreio para tuberculose, ou não interpretar bem as respostas. • Identificar o estadio antes de investigar todos os sinais e sintomas apresentados pelo doente. • Confundir doenças não relacionadas com HIV com doenças do estadio III ou IV. Pontos-Chave • • • • Perceber a diferença e aplicação do estadiamento clínico e imunológico Aprender a fazer o estadiamento com base nos critérios clínicos da OMS Compreender que muitas vezes não é possível realizar o estadiamento na primeira consulta, necessitando um adiamento Compreender a importância do uso de vários algoritmos para estadiar Anexos Em anexo a esta unidade encontram-se os seguintes documentos: • Tabelas de classificação de estadiamento clínico da OMS-Resumo 5 • Algoritmos de estadiamento I e II • Tabela de classificação da OMS 2006, com as condições especificadas 5 Adaptação das tabelas de estadiamento da OMS (2006) Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 100 6 Tabela 1: Classificação dos Estadios Clínicos da OMS – Resumo (Veja tabelas completas nas próximas páginas) ESTADIO I • Assintomático • Linfoadenopatia persistente generalizada, mas sem critérios para estadio II, III, ou IV. ESTADIO II • • • • • • • • 6 Perda de peso inexplicada e moderada (< 10% do peso corporal total) Infecções recorrentes das vias respiratórias superiores (episódio actual +1 ou mais nos últimos 6 meses) Herpes Zóster Queilite angular Ulcerações orais recorrentes (dois ou mais episódios em 6 meses) Erupção papulo-pruriginosa (Prurigo) Dermatite seborreica Infecções fúngicas do leito ungueal ESTADIO III ESTADIO IV • • • Perda de peso >10% do peso corporal Diarreia crónica há mais de um mês Febre intermitente ou não explicada há mais de um mês • • • • • Candidíase oral • Leucoplasia oral pilosa • Tuberculose pulmonar actual ou nos últimos dois anos (para Moçambique) Infecções bacterianas severas (piomiosistes, abcessos, pneumonias, etc.) Gengivite aguda ulcerativa necrotizante ou periodontite necrotizante Anemia inexplicada (< 8 g/dl), neutropenia 9 (< 0,5 x 10 /litro ) ou plaquetopenia 9 crónica (< 50 x 10 /litro) por mais de 1 mês • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Síndrome de Caquexia Pneumonia por Pneumocistis jirovecii Pneumonia bacteriana severa e recorrente Infecção crónica por herpes simplex (oro labial, genital ou ano rectal) de> 1 mês ou infecção visceral de qualquer duração Toxoplasmose do SNC Demência/encefalopatia por HIV Sarcoma de Kaposi Citomegalovirose Encefalopatia por HIV Micobacteriose atípica Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva Isosporiose crónica Micose disseminada (coccidiomicose, histoplasmose, peniciliose) Bacteriemia recorrente por Salmonella não typhi Carcinoma invasivo do colo do útero Leishmaniose visceral Nefropatia associada ao HIV Cardiomiopatia associada ao HIV Candidíase esofágica Tuberculose extrapulmonar Herpes simplex mais de um mês ou visceral Fístula rectovaginal Fonte: Adaptação TARV - Formação para Técnicos de Medicina Junho 2006 Manual de Referência do Clinico Estadiamento Clínico 101 Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 102 Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 103 Estadio I Manifestação Clínica Assintomático Diagnóstico Clínico Diagnóstico Definitivo Sem queixas de sintomas e ausência Não se aplica. de sinais clínicos relacionados ao HIV e ao exame físico. Linfadenopatia Aumento de linfónodos (>1 cm) em 2 Histologia (biópsia). generalizada persistente ou mais cadeias ganglionares não (LGP) contíguas (excluída cadeia inguinal) persistente por 3 meses ou mais, sem dor, sem causa conhecida. Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 104 Estadio II Manifestação Clínica Diagnóstico Clínico Diagnóstico Definitivo Perda de peso História de perda de peso Perda de peso documentada < inexplicada e moderada involuntária e inexplicada. Durante 10%. (<10% do peso corporal a gravidez, não ganho de peso. total) Infecções recorrentes das vias respiratórias superiores (episódio actual +1ou mais nos últimos 6 meses) Diagnóstico sintomático: dor facial unilateral com rinorreia (sinusite); membrana timpânica inflamada e dolorosa (otite media); faringoamigdalite sem sinais de infecção viral (por exemplo, tosse ou rinorreia). Estudos de laboratório quando disponíveis, como cultura de amostras de fluidos (normalmente não disponível em Moçambique). Herpes zóster Rash cutâneo doloroso com Diagnóstico clínico. vesículas de conteúdo líquido e distribuição por dermátomos. Não ultrapassam a linha média Queilite angular Rachaduras no ângulo da boca Diagnóstico clínico. com despigmentação, não relacionadas com deficiência de ferro ou vitaminas e que usualmente responde ao tratamento antifúngico. Ulcerações orais Ulceração aftosa, tipicamente Diagnóstico clínico. recorrentes (2 ou mais dolorosa e com um halo de episódios em 6 meses) inflamação e pseudomembrana amarelo-acinzentada. Erupção papulo- Lesões papulo-pruriginosas que Diagnóstico clínico. pruriginosa (Prurigo) geralmente deixam pigmentação posterior. Dermatite seborreica Infecções fúngicas leito ungueal Dermatite pruriginosa e Diagnóstico clínico. descamativa que afecta a zonas pilosas como coro cabeludo, axilas, parte superior do tronco e virilha. do Paroníquia fúngica (leito ungueal Cultura para fungos de material doloroso, eritematoso e do leito ungueal (normalmente edemaciado) ou onicólise não disponível em Moçambique) (separação não dolorosa da unha do leito ungueal). Coloração branca na porção proximal das unhas com engrossamento e separação da unha do leito ungueal. Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 105 Estadio III Manifestação Clínica Perda de peso severa e inexplicada (> 10% do peso corporal total) Diagnóstico Clínico Diagnóstico Definitivo História de perda de peso involuntária e Perda documentada de> 10% do inexplicada, >10% com emagrecimento peso corporal, sem outra visível da cara, cintura e membros com explicação. caquexia visível ou IMC < 18,5 kg/m2; durante a gravidez a perda de peso pode não ser evidente. Diarreia crónica História de fezes amolecidas ou inexplicada por mais aquosas, 3 ou mais vezes ao dia de 1 mês durante mais de 1 mês, sem resposta ao tratamento sindrómico com antibióticos. 3 ou mais deposições de consistência reduzida documentadas e dois ou mais amostras de fezes analisadas sem evidência do patógeno (precisa de culturas de fezes, que geralmente não são disponíveis em Moçambique). Febre persistente e inexplicada (intermitente ou constante) por mais de 1 mês Febre ou suores nocturnos (intermitentes ou constantes) por mais de um mês, sem resposta a antibióticos nem a antimaláricos, sem foco de doença evidente no exame físico. Febre> 37,5°C com hemocultura negativa (exame normalmente não disponível em Moçambique), tenção de Ziehl-Nielsen (BK) negativa, lâmina para malária negativa, Rx de tórax normal e sem outro foco de febre evidente. Candidíase oral Placas esbranquiçadas. Podem ser Diagnóstico clínico. pequenas, cremosas, que podem ser descamadas (pseudomembranosas), ou manchas vermelhas em língua, palato ou assoalho da boca, geralmente dolorosas ou sensíveis (forma eritematosa). Leucoplasia pilosa Tb Pulmonar oral Pequenas lesões lineares nas bordas Diagnóstico clínico. laterais da língua, geralmente bilaterais, que não podem ser descamadas. Sintomas crónicos (> 2-3 semanas) como: tosse, hemoptise, dispneia, dor torácica, perda de peso, febre, suores nocturnos, sem evidência de doença extrapulmonar (além de TB ganglionar, que é considerada uma manifestação menos severa de TB extrapulmonar). Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico Isolamento do M. tuberculosis na tinção de Ziehl-Nielsen (BK) ou na cultura de escarro, e/ou Rx tórax com mudanças típicas de TB. 106 Estadio III Manifestação Clínica Diagnóstico Clínico Diagnóstico Definitivo Infecções bacterianas severas (por exemplo: pneumonia, meningite, empiema, pio miosite, infecções dos ossos ou articulações, bacteriemia e doença inflamatória pélvica severa). Febre acompanhada de sinais e sintomas específicos de infecção localizada e que respondem aos antibióticos apropriados. Isolamento de bactérias de locais específicos (geralmente esterilizados) [teste normalmente não disponível em Moçambique]. Gengivite aguda ulcerativa Dor intensa, ulceração das Diagnóstico clínico. necrotizante ou periodontite papilas gengivais, perda dos necrotizante dentes, sangramento espontâneo, mau cheiro e perda rápida de tecido ósseo e/ou partes moles. Anemia inexplicada (< 8 g/dl), Sem diagnóstico clínico; é Diagnóstico a partir de neutropenia (< 500 cels/mm3) preciso fazer hemograma ou hemograma. Sem explicação por ou plaquetopenia crónica (< hemoglobina. outra doença não relacionada 3 50.000 cels/mm ) por mais com HIV. Sem resposta a suplementação com ferro e de 1 mês vitaminas, antimaláricos e antiparasitários (segundo protocolos nas guias nacionais e outros). Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 107 Estadio IV Manifestação Clínica Diagnóstico Clínico Diagnóstico Definitivo Perda de peso involuntária e inexplicada (> 10% do peso corporal basal) com emagrecimento evidente ou IMC <18,5 kg/m 2 COM diarreia crónica inexplicada (fezes amolecidas ou aquosas, 3 ou mais vezes ao dia) durante mais de 1 mês OU febre ou suores nocturnos por mais de 1 mês sem outras causas e sem resposta a antibióticos e antimaláricos. Nas áreas endémicas, a malária deve ser excluída. Perda de peso documentada de >10% do peso corporal COM Duas ou mais amostras de fezes analisadas sem evidência do patógeno OU Febre>37,5°C com hemocultura negativa, tinção de Ziehl-Nielsen (BK) negativa, lâmina para malária negativa, Rx de tórax normal e sem outro foco de febre evidente. por Dispneia com exercício ou tosse seca jirovecii de início nos últimos 3 meses, taquipnéia e febre COM Rx tórax com infiltrado intersticial bilateral E sem evidência de pneumonia bacteriana; (crepitações bilaterais na auscultação com ou sem diminuição do murmuro vesicular). Citologia ou imunofluorescência de amostra de escarro induzido ou lavagem bronco alveolar, ou histologia de tecido pulmonar. (Testes normalmente não disponíveis em Moçambique) Pneumonia bacteriana Episódio actual mais um ou mais severa e recorrente episódios nos 6 meses anteriores; início agudo (< de 2 semanas) de sintomas severos (como febre, tosse, dispneia ou dor torácica) COM consolidação pulmonar nova no exame físico ou Rx tórax; resposta aos antibióticos. Cultura positiva ou teste anticorpos positivo para germe compatível (testes normalmente não disponíveis em Moçambique) Infecção crónica por Ulceração progressiva e dolorosa oro herpes simplex (oro labial ou ano-genital; lesões causadas labial, genital ou ano por infecção recorrente por herpes rectal) de>1 mês ou presente>1 mês. História de episódios infecção visceral de prévios. A infecção visceral por qualquer duração herpes não pode ser diagnosticada clinicamente; requer diagnóstico definitivo. PCR para DNA de VHS ou citologia/histologia compatíveis. (testes normalmente não disponíveis em Moçambique). Síndrome de caquexia Pneumonia Pneumocistis (PPJ) Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 108 Estadio IV Manifestação Clínica Diagnóstico Clínico Diagnóstico Definitivo Candidíase esofágica Início recente de dor retro Aspecto macroscópico na endoscopia esternal ou dificuldade para ou broncoscopia, microscopia de engolir (sólidos e líquidos) junto espécime ou histologia. (testes com candidíase oral. normalmente não disponíveis em Moçambique). Tuberculose extrapulmonar Doença sistémica (por exemplo, com febre, suores nocturnas, fraqueza ou astenia, perda de peso); Outra evidência de TB extrapulmonar ou disseminada dependeria do sítio da infecção (pleura, pericárdio, meninges, abdómen). A TB ganglionar (especialmente nos gânglios cervicais) e considerada uma forma menos severa de TB extrapulmonar. Sarcoma de Kaposi Aspecto típico na pele ou Aspecto macroscópico na endoscopia orofaringe de lesões ou broncoscopia ou histologia. persistentes, inicialmente planas de coloração rósea ou arroxeada que geralmente evoluem para placas ou nódulos. Infecção por citomegalovirus (diferente da infecção no fígado, baço ou gânglios linfáticos) Retinite é a única manifestação de citomegalovirus que pode ser diagnosticada clinicamente: pode ser diagnosticada por clínicos experientes: lesões oculares típicas ao exame fundoscópico; áreas esbranquiçadas com bordas definidas na retina, expandindose centrifugamente, geralmente seguindo vasos sanguíneos, associadas a vasculite retiniana, hemorragia e necrose. Histologia ou demonstração do CMV no líquor por cultura ou PCR-DNA. (teste normalmente não disponível em Moçambique). Toxoplasmose em Sinais neurológicos focais de Sistema Nervoso início recente ou diminuição do grau de vigília COM resposta a Central terapêutica específica para toxoplasmose em <=10 dias. Serologia positiva para toxoplasma E lesões de massas únicas/ múltiplas visíveis em Tomografia ou Ressonância Nuclear Magnética (quando disponível) (testes normalmente não disponíveis em Moçambique). Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico Isolamento de M. tuberculosis ou histologia compatível de amostra correspondente ou evidência radiológica de TB miliar (Rx tórax com infiltrado uniforme e difuso de tipo miliar ou micronódulos). 109 Estadio IV Manifestação Clínica Encefalopatia pelo HIV Criptococose extrapulmonar meningite Diagnóstico Clínico Diagnóstico Definitivo Perda de habilidades Diagnóstico de exclusão e (se intelectuais e/ou défice motor disponível) Tomografia ou Ressonância que interfere com as Nuclear Magnética actividades diárias; progressivo em semanas ou meses; sem evidência e outra condição que explique a doença. Meningite: geralmente incluindo subaguda, febre com cefaleia progressivamente mais intensa, meningismo, confusão, alterações de comportamento que respondem a tratamento específico para criptococo. Isolamento do Cryptococcus neoformans de sítios extrapulmonares (por exemplo, teste de tinta da China do LCR positivo) ou teste de antígeno criptococo no líquor ou sangue. Infecção disseminada por O diagnóstico clínico não é Microbiologia por cultura de Mycobacterias não possível. microbactérias atípicas em amostra de tuberculosas fezes, sangue, fluidos corporais ou outros tecidos corpóreos, excluindo o pulmão. (Testes normalmente não disponíveis em Moçambique). Leucoencefalopatia Sem diagnóstico multifocal progressiva presuntivo (LMP) clínico Alteração neurológica progressiva (cognitiva, linguagem, modo de andar, debilidade dos membros, perdas visuais e paresias dos nervos cranianos) associada a lesões em substância branca na neuroimagem ou PCR positivo para poliomavirus JC no liquor. Criptosporidiose crónica Sem diagnóstico (com diarreia por mais de presuntivo. 1 mês) clínico Cistos identificados na coloração de Ziehl-Nielsen modificada. (Teste normalmente não disponível em Moçambique). Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 110 Estadio IV Manifestação Clínica Diagnóstico Clínico Diagnóstico Definitivo Isosporiose crónica Sem diagnóstico presuntivo clínico Identificação de Isospora nas fezes (teste normalmente não disponível em Moçambique) Micose disseminada (coccidiomicose, histoplasmose peniciliose) Sem diagnóstico presuntivo clínico Histologia; Detecção de antígenos no tecido afectado; cultura ou microscopia de espécime clínico ou hemocultura. (Testes normalmente não disponíveis em Moçambique) Bacteriemia recorrente por Salmonella não typhi Sem diagnóstico presuntivo clínico Hemocultura Linfoma não-Hodgkin cerebral ou de células B Sem diagnóstico presuntivo clínico Neuroimagem compatível; histologia; (testes normalmente não disponíveis em Moçambique) Carcinoma do colo do útero invasivo Sem diagnóstico presuntivo clínico Citologia ou histologia Leishmaniose visceral Sem diagnóstico presuntivo clínico Histologia (amastigotes visíveis) cultura de amostra correspondente Nefropatia ao HIV Sem diagnóstico presuntivo clínico Biópsia renal Cardiomiopatia associada ao HIV Sem diagnóstico presuntivo clínico Cardiomegalia e evidência de disfunção ventricular esquerda confirmada por ecocardiograma Fístula rectovaginal associada ao HIV Diagnóstico clínico associada Diagnóstico clínico Em Africa, a Fístula rectovaginal associada ao HIV é considerada pela OMS uma condição do estadio IV Manual de Referência do Clínico Estadiamento Clínico 111 ou Módulo 3 Malária no Doente HIV+ Unidade 3 - Malária no Doente HIV+ Introdução Os doentes infectados pelo HIV têm maior risco de contrair malária e, às vezes, um risco aumentado de desenvolver malária grave. A malária é endémica em Moçambique, afectando grande parte da população. Todos os clínicos moçambicanos que trabalham com doentes seropositivos terão a oportunidade de observar muitos doentes co-infectados com malária e HIV, ou suspeitos de ter as duas infecções em simultâneo. É preciso que o clínico tenha uma abordagem sistemática do diagnóstico, do diagnóstico diferencial e do tratamento da malária no doente HIV (+), e que evite misturas desnecessárias e possivelmente tóxicas de antimaláricos e anti-retrovirais (e outros medicamentos) nesta população. Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos: • • • • • A importância da malária na população geral em Moçambique Interacções entre HIV e malária Interacções medicamentosas e efeitos adversos aos fármacos Tratamento da malária segundo as normas do Programa Nacional de Controlo da Malária Prevenção da malária no doente seropositivo Importância da Malária na População Geral em Moçambique A malária e o HIV existem em todo o país. Em outros capítulos já foram apresentados dados sobre a prevalência do HIV. Uma pesquisa feita pelo Dr. Samuel Mabunda, do Programa Nacional de Controlo da Malária, descreveu a prevalência da parasitemia da malária em crianças ao nível nacional em 2002-3 1, e constatou que a malária foi comum nas crianças em todo o país, e a prevalência mais baixa foi de 42% na província de Gaza e a mais alta foi de 88% em Cabo Delgado. Neste capítulo vamos reforçar as diferenças entre a abordagem da malária em pessoas seronegativas e a abordagem da malária no doente infectado pelo HIV. Em Moçambique, nem tudo que parece malária é realmente malária. Numa pesquisa realizada no distrito de Manhiça, somente 37,2% das crianças com febre tinham malária confirmada no laboratório 2. No gráfico abaixo, retirado do mesmo artigo, pode-se observar a percentagem de casos de malária nestas crianças, por faixa etária, comparando com outras doenças. Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 112 Figura 1: Idade da Criança Doente x Prevalência da Malária Relação entre a idade da criança doente e a prevalência de malária, na pesquisa realizada na Manhiça. Por exemplo, nas crianças com <1 mês de idade, a malária quase não causou doença; nas crianças de 1 a 6 meses de idade, a malária causou mais ou menos 15% das doenças; nas crianças de 4 a 15 anos, a prevalência foi quase de 40%. A malária é uma das principais causas da mortalidade materna no país. Numa pesquisa realizada no Hospital Central de Maputo, a malária causou 23,0% dos óbitos maternos, mais que qualquer outra causa, incluindo hemorragia e endometrite. A morte materna causada pela malária foi ainda mais comum (quase duas vezes mais frequente) na época de chuva. 3 As informações mais recentes sobre as causas da mortalidade materna mostram que a malária é responsável por 39,6% das mortes maternas e causas indirectas. 4 Não existem muitos dados sobre a prevalência ou incidência da malária nas pessoas seropositivas em Moçambique, mas é provável que a malária seja ainda mais comum nesta população que na população geral, pelas razões que serão a seguir apresentadas. Interacções entre HIV e Malária As principais interacções que podem ser observadas entre malária e HIV são: 1. Mudanças da carga viral na presença da malária sintomática; 2. Incidência elevada da malária no doente HIV+; 3. Prevalência elevada da malária na mulher grávida seropositiva e implicações na transmissão vertical; 4. Incidência elevada da malária severa e HIV; 5. Malária e anemia na pessoa seropositiva; 6. Falência terapêutica do tratamento anti-malárico no doente HIV+; 7. Alterações das contagens de CD4 com malária sintomática; 8. Malária e desafios no diagnóstico diferencial e estadiamento dos doentes seropositivos; 9. Interacções medicamentosas. 1. Carga Viral (de HIV) e Malária Na presença da infecção sintomática por Plasmódio falciparum, a carga viral sobe no doente seropositivo, podendo manter-se alta por 6 semanas ou mais, mesmo depois do tratamento e, seguidamente, baixar. Numa pesquisa realizada em Malawi (veja o quadro abaixo), a carga viral duplicou-se durante um episódio de malária sintomática, e logo voltou ao seu nível original 5. Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 113 Carga Viral e Episódios de Malária 180000 160000 140000 120000 100000 80000 Carga Viral 60000 40000 20000 0 Antes de malária Com malária Depois de malária A importância deste efeito da malária na subida da carga viral é que a pessoa seropositiva provavelmente pode infectar o seu parceiro e/ou seu bebé mais facilmente neste período. 2. Incidência da Malária no Doente HIV+ As pessoas seropositivas correm mais risco de contrair uma malária sintomática. As pessoas com risco aumentado para contrair malária são as que têm a contagem CD4 mais baixa. Em dois estudos realizados no Uganda (o gráfico abaixo amostra os resultados do estudo de Whitworth), foi observado que as pessoas com CD4 < 200 cels/mm3 tinham malária sintomática mais frequentemente do que as pessoas com CD4 200-499 cels/mm3, e ambos grupos tinham malária mais frequentemente do que as pessoas com CD4>=500 cels/mm3. 6,7 (Nas duas pesquisas, as pessoas seropositivas ainda não tomavam CTZ nem TARV). Casos de Malária/100 pessoas/ano (pesquisa de Whitworth) 25 20 15 Casos de malária/100 pessoas/ano (pesquisa de Whitworth) 10 5 0 CD4 >=500 Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ CD4 200-499 CD4<200 114 O aumento na incidência da malária nas pessoas com CD4 baixo não implica que todo o caso de febre nesta população seja um caso de malária, porque também há aumento na incidência das IOs de estadio III e IV. O aumento na incidência das IOs nas pessoas com CD4 baixo é maior do que o aumento na incidência da malária. As implicações são: As pessoas seropositivas com contagem de CD4 baixa que não tomam medidas para prevenir a malária vão padecer mais de malária e suas consequências (febre, anemia, etc.); O diagnóstico diferencial da febre nas pessoas com contagem de CD4 baixa é mais difícil (veja o capítulo da febre). 3. Prevalência da Malária na Mulher Grávida HIV+ e Implicações para a Transmissão Vertical Nas mulheres grávidas, o risco de ter malária (doença sintomática e/ou parasitemia assintomática) é maior. O risco mais alto verifica-se na primigesta. O gráfico abaixo mostra a prevalência da malária em mulheres grávidas, num estudo realizado em Moçambique em dois distritos das províncias de Sofala e Manica, no período de alta transmissão da malária, 2003 - 2004 8. 80 70 60 50 40 Prevalência de malária, mulheres sem HIV 30 Prevalência de malária, mulheres HIV+ 20 10 0 Grávida >=3 Segundagesta Primigesta Nesta pesquisa, foi observada que a prevalência da malária é mais alta nas mulheres seropositivas, e nas mulheres na primeira e segunda gravidez. Apesar da alta prevalência da malária, quase todas as mulheres no estudo foram assintomáticas. Quando há malária na gravidez, a mãe corre mais risco de morrer, quer seja directamente de uma malária grave, quer indirectamente de anemia severa relacionada com a malária. Além disso, a malária da mãe pode resultar numa série de consequências graves, incluindo aborto espontâneo, morte neonatal e prematuridade ou baixo peso à nascença. O HIV/SIDA reduz a resistência da mulher à malária e, por isso, as mulheres infectadas com HIV são mais vulneráveis à malária antes e durante a gravidez. Por outro lado, durante os episódios da malária na mãe, o feto corre maior risco de ser infectado pelo HIV porque a presença da malária provoca um aumento na carga viral na placenta. Porém, esta relação entre malária materna e transmissão vertical do HIV ainda não foi confirmada. 4. Malária Grave e HIV Onde a transmissão da malária é instável (não permanente), ela é mais grave na pessoa seropositiva. Uma pesquisa realizada num hospital na África do Sul, quase todos os sinais e sintomas de malária grave, incluindo insuficiência renal, coma, anemia severa, convulsões, icterícia, e edema pulmonar, foram mais frequentes nos doentes seropositivos. 9 Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 115 5. Malária e Anemia no Doente Seropositivo A malária provoca anemia em doentes tanto seropositivos como nos seronegativos. Mas, no doente seropositivo, a hemoglobina abaixa mais depois de um episódio de malária, e demora mais a subir. 10 14,5 14 13,5 13 12,5 Hemoglobina, HIV Neg 12 Hemoglobina, HIV+ 11,5 11 10,5 Dia do tratamento da malária 14 dias depois 45 dias depois 6. Malária e Falência Terapêutica no Doente Seropositivo É provável que o doente seropositivo não responda devidamente ao tratamento com antimaláricos. Por exemplo, numa pesquisa realizada em Quénia, os resultados de tratamento para malária sintomática foram 11: 100,00% 90,00% 80,00% 70,00% 60,00% 50,00% Successo 40,00% Não melhoria (recrudescência) 30,00% Melhoria, logo re-infecção 20,00% 10,00% 0,00% HIV Neg HIV Pos, CD4>=200 HIV Pos, CD4 < 200 Em geral, os doentes seronegativos responderam melhor ao tratamento que os seropositivos. Como se pode verificar no gráfico, estes tiveram menor taxa de sucesso ao tratamento. Quanto mais baixa for a contagem dos CD4, menor é a capacidade de resposta ao tratamento antimalárico. Por isso, em doentes com CD4< 200 cels/mm3, ocorre com mais frequência a falência terapêutica. 7. Alterações na Contagem de CD4 na Presença da Malária Sintomática Durante um episódio de malária com sintomas, a contagem de CD4 baixa e só volta a subir depois do tratamento antimalárico 12. Num estudo realizado na Zâmbia, a média do valor de CD4 dos participantes Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 116 foi de 150 cels/mm3 mais baixo durante um episódio de malária (de 447 para 297) e a percentagem de doentes com CD4<200 cels/mm3 foi maior durante o episódio comparado ao CD4 45 dias depois do tratamento (28% para 13%). Dados da Zâmbia (Van Geertruyden, 2006): Com malária 28-45 dias tratamento depois CD4 (valor médio ) 297 do 447 CD4<200 cels/mm3 28,7% 13,2% Durante um episódio de malária, é possível que uma pessoa venha a ter um CD4 <200 cels/mm3. Uma consequência de avaliar os pacientes para TARV durante um episódio de malária ou durante o período de incubação ou depois da doença poderá levar ao início prematuro do TARV. 8. Estadiamento do SIDA e Malária Onde a malária é comum, corre-se mais risco de se fazer erros de estadiamento clínico e imunológico. • Possíveis erros de estadiamento imunológico: Se medimos o CD4 durante ou imediatamente depois de um episódio de malária, podemos pensar que o doente está num estadio imunológico mais avançado do que no seu verdadeiro estadio, porque o CD4 pode baixar muito durante o episódio de malária. A mesma situação pode também provocar um diagnóstico erróneo de falência terapêutica ao TARV. • Possíveis erros de estadiamento clínico: A pessoa que vive numa área onde há transmissão constante da malária e não utiliza rede mosquiteira nem toma Cotrimoxazol pode ter febres repetidas devido aos repetidos episódios de malária. A pessoa que tem febres repetidas sem explicação fica no estadio III de OMS. No entanto, a febre causada por malária não é “febre sem explicação”. É importante diferenciar: “Febre persistente” ou “febre repetida” causada por malária e febre sem causa identificável. A pessoa com febre repetida causada pela malária, com CD4 de 650 (por exemplo), não precisa de anti-retrovirais, mas precisa de uma rede mosquiteira e/ou pulverização domiciliar. A pessoa com febre persistente sem foco identificável, apesar do tratamento com antimaláricos e antibióticos, e com teste rápido e lâmina que não confirma a presença do parasita da malária, pode estar no estadio III. A anemia causada por malária ou anemia crónica causada pelo HIV A presença da anemia crónica pode provocar a mesma confusão no estadiamento: A pessoa constantemente exposta à malária pode ter anemia crónica causada pela malária. A anemia crónica causada pelo HIV é definida como hemoglobina menos de 8 g/dl, sem resposta à antimaláricos, à sulfato ferroso, ao ácido fólico e ao albendazol, e sem outra causa identificada. Esta anemia crónica é um critério do estadio III. Mas, a pessoa que não toma Cotrimoxazol, não utiliza rede mosquiteira, não vive numa casa pulverizada, e tem CD4 baixo, pode ter anemia causada por episódios repetidos de malária. Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 117 Interacções Medicamentosas e Efeitos Adversos a Fármacos Alguns medicamentos usados para tratar a malária têm interacções importantes com anti-retrovirais, assim como com outros medicamentos usados nos pacientes com HIV-SIDA. Outros medicamentos usados para tratar a malária têm efeitos adversos muito parecidos aos causados pelos anti-retrovirais e outros medicamentos importantes. O tratamento da malária na pessoa seropositiva que está em TARV, Cotrimoxazol ou medicamentos para tuberculose muitas vezes não deve ser o mesmo tratamento dado à qualquer pessoa. Importante: A malária mata. Normalmente, o risco de não tratar malária confirmada é maior do que o risco de misturar antimaláricos com outros medicamentos. Quando o antimalárico «ideal» não está disponível ou não existe, deve-se usar o antimalárico mais eficaz e mais seguro que estiver disponível. Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 118 Interacções e Efeitos Adversos Comuns entre Antimaláricos e outros Medicamentos usados no Tratamento de Pacientes com HIV/SIDA: Princípios para Selecção de Antimaláricos onde Existe mais de uma Opção para Tratar a Malária Antimalárico Anti-retroviral medicamento ou Sulfadoxina-pirimetamina (Fansidar) Cotrimoxazol Recomendação. LEMBRE-SE: onde não existe o antimalárico ideal, é outro Interacção ou efeito adverso comuns ou outro preciso prescrever o melhor antimalárico que há na farmácia. O risco de não tratar a malária é maior que o risco de misturar antimalárico problema com outros medicamentos. A malária do paciente resistente ao Evitar sulfadoxina-pirimetamina para tratar malária na pessoa que esteja Cotrimoxazol pode ser resistente à sulfadoxinaa tomar profilaxia de cotrimoxazol. pirimetamina. A pessoa que toma sulfadoxina-pirimetamina e Usar só cotrimoxazol para a prevenção da malária na grávida HIV+ com cotrimoxazol corre um risco mais alto de critérios para iniciar CTZ – não misturar sulfadoxina-pirimetamina síndrome Stevens-Johnson e outras reacções preventiva e CTZ. adversas. Sulfadoxina-pirimetamina (Fansidar) Nevirapina (tomada diariamente) Sulfadoxina-pirimetamina (Fansidar) Zidovudina Amodiaquina Zidovudina, Cotrimoxazol Os 2 medicamentos podem causar síndrome Evitar sulfadoxina-pirimetamina para tratar malária na pessoa que está a Stevens-Johnson, que pode ocorrer semanas tomar nevirapina diária. Excepção: Não há problema se a nevirapina for depois da 1ª dose de SP ou NVP. dose única para prevenção da transmissão vertical. Evitar sulfadoxina-pirimetamina para tratar malária na pessoa que esta a Os 2 medicamentos podem causar anemia, que tomar zidovudina. Na gravidez, é melhor dar profilaxia com cotrimoxazol pode ser mais grave no paciente que os toma (em lugar de TIP com sulfadoxina-pirimetamina) a mulher que está a em simultâneo. tomar TARV. A mistura pode provocar leucopenia severa em Evitar amodiaquina na pessoa que está a tomar zidivudina e/ou crianças. cotrimoxazol. Amodiaquina+artesunato Efavirenz A mistura pode provocar toxicidade no fígado. Quinina Rifampicina A mistura pode causar uma baixa no nível de quinina, com falência terapêutica do Evitar quinina na pessoa que está a tomar rifampicina. tratamento antimalárico. Quinina Nevirapina, efavirenz, inibidores de proteases Risco de toxicidade cardíaca e/ou falência terapêutica do TARV com a mistura (sobe o Evitar quinina na pessoa que está a fazer TARV. nível de quinina, e pode baixar o nível de antiretroviral). Lumefantrina (componente de Coartem) Nevirapina, efavirenz, inibidores de proteases Risco de toxicidade e/ou falência terapêutica Evitar lumefantrina na pessoa que está a fazer o TARV. com a mistura. Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ Evitar amodiaquina na pessoa que está a tomar efavirenz. 119 Tratamento da Malária Segundo as Normas do Programa Nacional de Controlo da Malária em Moçambique Mesmo que existam certas interacções e efeitos adversos comuns entre antimaláricos e outros medicamentos usados no tratamento de pacientes com HIV-SIDA, acima descritos, o Programa Nacional de Controlo da Malária considera que, até o momento, não existem dados suficientes que justifiquem a mudança nas recomendações gerais do tratamento da malária nos pacientes com HIV/SIDA. As recomendações actuais da OMS/UNAIDS de profilaxia para as infecções oportunistas com CTZ permanecem inalteradas. O tratamento com Fansidar (Sulfadoxina-Piremitamina) não deve ser administrado aos doentes que estejam a fazer CTZ* tanto pela possibilidade de aumento no risco de efeitos adversos às sulfamidas como pelas possíveis resistências criadas entre ambos tratamentos. O tratamento de malária segundo as Normas de Manejo de casos de Malária em Moçambique, já disponíveis em todas as Unidades Sanitárias do SNS, consiste de três linhas terapêuticas, sendo a primeira e segunda usadas na malária não complicada: 1ª Linha de tratamento - Artemeter + Lumefantrina (AL) • • • Esta combinação deve ser usada em todos os casos de malária não complicada, sempre e quando não haja contra-indicação para o seu uso. A primeira toma deve ser feita na consulta sob a observação do profissional de saúde. Se vomitar em menos de 30 minutos, deve repetir a dose. Nos casos de malária não complicada em que haja contra-indicação ao uso da 1ª linha, deve-se fazer o tratamento com a 2ª linha. Apresentação: O AL apresenta-se em comprimidos contendo 20 mg de Arteméter e 120 mg de Lumefantrina. Posologia: Via administração: Oral Dose: 1.7mg/kg de artemeter e 12mg /kg de lumefantrina (4 comprimidos) Dosagem: 12/12 Horas Posologia: 3 dias (total de 6 doses) Contra-Indicações do AL: O AL está contra-indicado nas seguintes situações: No primeiro trimestre da gravidez; Hipersensibilidade conhecida ao artemeter ou a lumefantrine; Malária grave (não recomendado); Crianças com peso inferior a 5 kg; História familiar de morte súbita ou prolongamento congénito do intervalo QT do electrocardiograma devido ao risco de paragem cardíaca. Na presença de contra-indicações, deve-se passar para 1a alternativa ou a tratamento de malária grave e/ou complicada. Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 120 1ª Linha de tratamento alternativa- Artesunato + Amodiaquina (AS + AQ) Apresentação: Comprimidos de 100mg de Artesunato e 270 mg de Amodiaquina-base Via administração: Oral Dose: 4mg/kg de artesunato e 10mg /kg de amodiaquina (2 comprimidos) Dosagem: 24/24 horas Posologia: 3 dias (total de 3 doses) Contra-indicações: A Amodiaquina (AQ) está contra-indicada nas seguintes situações: Malária grave (não recomendado); Retinopatia; Insuficiência hepática; Distúrbios hematológicos; Antecedentes de epilepsia; Hipersensibilidade conhecida à amodiaquina; O Artesunato (AS) está contra-indicado nas seguintes situações: Malária grave (não recomendado); Primeiro trimestre da gravidez; Crianças com peso inferior a 5 kg; Hipersensibilidade ao artesunato ou outro derivado de artemisinina. 1. Tratamento da Malária Complicada/grave a) 2ª linha de tratamento de eleição (Artesunato): Apresentação: ampolas contendo 60mg de ácido artesúnico anídrico (pó) e uma ampola separada contendo solução de bicarbonato sódico Via administração: EV ou IM (na porção anterior da coxa) Dose: 2.4mg/kg Preparação: Misturar o ácido artesúnico com a solução de bicarbonato sódico, depois diluir em 5ml de dextrose a 5% Dosagem: De 12/12 horas no dia 1 (de 24/24 horas nos dias subsequentes se o paciente ainda não tolera a via oral) Posologia: 24h mínimo logo que o paciente tolere a medicação oral 1. Iniciar a 1 linha (Artemeter +Lumefantrina ou Artesunato + Amodiaquina) ou 2. Passar para tratamento oral com comprimido de quinino (10mg/kg de 8 em 8 horas) para completar 21 doses para o quinino. b) 2ª linha de tratamento alternativo (quinino): Apresentação: comprimidos de 300mg de sulfato de quinino ampolas de 300mg/ml ou 600mg/2ml de diclorato de quinino Via administração: EV (por infusão) ou Oral (logo que o paciente tolere a medicação oral) Dose de ataque: A ser utilizada excepcionalmente 20 mg/kg diluído em 10 ml/kg de dextrose a 5% por via intravenosa, durante 4 horas (não ultrapassar a dose máxima de 1200 mg) Dose de manutenção: 10 mg/kg (máximo de 600 mg) diluído em 10 ml/kg de dextrose a 5% durante 4 horas, a iniciar 8 horas depois da dose de ataque e repetida de 8 em 8 horas até o paciente tomar a medicação por via oral. Se o tratamento continuar por mais de 48 horas, deve-se reduzir a dose de quinina para 5 a 7 mg/kg, para evitar toxicidade. Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 121 Logo que o paciente possa tomar medicação por via oral, complete o tratamento com medicamento de 1ª linha de eleição ou alternativo. Se houver, contra-indicação aos medicamentos de 1ª linha (de eleição ou alternativo), passe para quinino oral, na dose de 10 mg/kg de 8 em 8 horas, até completar 7 dias de tratamento (21 doses). 2. Tratamento pré referência O risco de morte por malária grave é mais elevado nas primeiras 24 horas. O tempo entre a transferência e a chegada a US de referência é geralmente longo atrasando o início do tratamento. Recomenda-se portanto como medida pré-referencia a) Artesunato EV ou IM (1ª dose da 2ª Linha de tratamento eleição) ou b) Artesunato rectal (supositório) Apresentação: Supositório de 400mg Via administração: Rectal Dose: 10mg/kg de peso corporal (40-59 kg 1 supositório, 60-79 Kg 2 supositórios, >80 kg 3 supositórios) ou c) Quinino EV Infusão ou IM (1ª dose da 2ª Linha alternativo). Para injecção intramuscular de hidrocloridato de quinino é preciso diluir o medicamento em dextrose a 5% (ou NaCl 0.9%) de forma a se obter concentrações de 60-100 mg/ml. Dividir em 2 doses para administração profunda nas partes anteriores de cada coxa Em caso da impossibilidade de referência continuar o tratamento por via rectal IM ou EV até o paciente tolerar a medicação oral. Logo que o paciente possa tomar medicação por via oral, complete o tratamento com medicamento de 1ª linha de eleição ou alternativo. Tratamento da Malária na Gravidez: Tipo de malária Idade gestacional Medicamento Posologia Não complicada 1º Trimestre Quinino oral 2º e 3º trimestre Arteméter + Lumefantrina (Coartem) Quinino EV 10mg/kg (2 comprimidos de 300 mg) de 8 em 8 horas por 7 dias Semelhante ao do tratamento da malária não complicada no adulto Semelhante ao descrito no quinino EV. Deve acrescentarse 30 ml de dextrose a 30% Complicada/grave 1º Trimestre 2º e 3º trimestre 2ª Linha Eleição Artesunato EV/IM Semelhante ao do tratamento de malária grave do adulto 2ª Linha Alternativa Quinino EV Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 122 Prevenção da Malária na Pessoa Seropositiva A profilaxia com Cotrimoxazol serve para reduzir a incidência da malária nos adultos seropositivos. O uso de redes mosquiteiras contribui para a prevenção da malária. Num estudo realizado na Uganda, comparase a incidência da malária (casos por 100 pessoas/ano) antes e depois de iniciar intervenções diferentes para a prevenção da malária 13: Incidência de Malária 60 50 40 30 20 Incidência de malária 10 0 Nenhuma Só intervenção cotrimoxazol CTZ + TARV CTZ + TARV + redes mosquiteiras Importância da Prevenção da Malária na Pessoa Seropositiva: Com a promoção de medidas para a prevenção da malária, pode-se evitar as múltiplas complicações da malária na pessoa infectada pelo HIV. Em cada consulta médica, é importante avaliar a elegibilidade para Cotrimoxazol, e perguntar ao doente se tem e se está a usar devidamente a rede mosquiteira. Se o doente com febre (ou outro sinal ou sintoma de malária) estiver a tomar Cotrimoxazol diário e estiver a usar correctamente a rede mosquiteira todas as noites, o risco de ter malária é muito mais baixo. Neste caso, o clínico deve procurar outra causa dos sintomas apresentados, ou confirmar a presença da malária com o teste rápido ou hematozoário antes de prescrever qualquer tratamento antimalárico. Pontos-Chave • • • • • • A malária é mais frequente na pessoa seropositiva e pode ser mais grave. As relações entre malária, febre, anemia, variação do nível de CD4, e outros sinais e sintomas podem complicar o estadiamento e o diagnóstico diferencial. Para evitar erros e confusão, o clínico que trabalha onde a taxa de transmissão da malária é muito elevada deve conhecer bem estas interacções e complicações. É importante evitar interacções medicamentosas na pessoa HIV+ que toma TARV, Cotrimoxazol, e/ou medicamentos para tuberculose e precisa também de antimaláricos. Porém, como a malária pode matar, sempre é necessário tratar a malária confirmada com o antimalárico mais seguro e eficaz que estiver disponível, quer seja ou não o antimalárico “ideal”. É preciso evitar o tratamento com antimaláricos no doente com teste negativo de malária. A política nacional sobre tratamento da malária na pessoa seropositiva pode sofrer alterações no futuro; o clínico deve conhecer as mudanças nas normas nacionais. As pessoas HIV+ devem usar rede mosquiteira e CTZ, se indicado, para reduzir as complicações da malária. Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 123 Anexos Anexos a esta unidade encontram-se os seguintes documentos: Algoritmo de diagnóstico e tratamento de malária e Algoritmo de diagnóstico e tratamento de malária na gravidez segundo o tratamento proposto pelo Programa Nacional de Controlo da Malária. Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 124 1. Algoritmo de diagnóstico e tratamento de malária Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 125 2. Algoritmo de diagnóstico e tratamento de malária na gravidez Manual de Referência do Clínico Malária no Doente HIV+ 126 Referências Bibliográficas 1 Mabunda S et al. A country-wide malaria survey in Mozambique. 1. Plasmodium falciparum infection in children in different epidemiological settings. Malaria Journal 2008;7:216 doi:10.1186/1475-2875-7-216 2 Guinovart C et al. Malaria in rural Mozambique. Part I: Children attending the outpatient clinic. Malaria Journal 2008;7:36. 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