Grandes decepções - Ordem dos Economistas do Brasil

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Grandes decepções
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29/11/2016 - 05:00
Grandes decepções
Por Antonio Delfim Netto
Foi surpreendente a eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA no quadriênio 2017-2020. O
seu programa, do ponto de vista econômico, remete ao pernicioso voluntarismo vulgar que tem
desgraçado países da América Latina. Do ponto de vista social, é de uma brutalidade só imaginada em
ditaduras da "direita" ou da "esquerda".
Ninguém sabe, muito menos o próprio Trump, qual a dimensão das consequências - não intencionais da simples ameaça de sua execução sobre as economias dos EUA e do resto do mundo. O que se sabe é
que aumentaram, e muito, as incertezas que já vinham inibindo os investimentos e reduzindo o nível de
comércio internacional, as duas fontes do desenvolvimento econômico, que até agora a política
monetária dos bancos centrais tem se mostrado incapaz de estimular.
A política monetária não é condição suficiente para que se realize o aumento da oferta potencial de bens
e serviços (aumento da capacidade produtiva). Mas, coordenada com a política fiscal, é condição
necessária para o pleno uso daquela capacidade. Uma questão da maior importância, portanto, é saber
quais os fundamentos e como se processam as decisões dos bancos centrais dos quais elas emergem.
Principalmente, do Federal Reserve dos EUA, cuja política influi sobre a dos seus congêneres do resto do
mundo.
Cresceram muito as incertezas, que já inibiam investimentos
Há poucos meses (27/7/2016), o "The Washington Post" publicou um artigo muito interessante da
arguta jornalista financeira Ylan Q. Mui ("Por que o Federal Reserve está repensando tudo"). Tão
interessante que mereceu do grande economista Ben Bernanke (chairman do Fed de 2006 a 2014), um
longo complemento em seu blog no Brookings ("A perspectiva, em mutação, do Fed sobre a economia e
suas implicações para a política monetária", em 8/8/2016.
O que disse Ylan? Em resumo, o seguinte: 1) o Fed está sendo forçado a reavaliar suas hipóteses básicas
acerca da economia, depois que trilhões de dólares de estímulos e anos de juros muito baixos não
conseguiram gerar uma recuperação robusta; 2) nos primeiros anos ele declarou que isso se devia a um
"persistente vento de proa" produzido pela recessão. Ela reduziu os gastos do governo, fez as famílias
reduzirem os seus débitos, aumentando a poupança, e reduziu a expansão do crédito. Superado esse
momento, o crescimento voltaria; 3) sete anos depois de terminada a recessão, muitos daqueles eventos
dissiparam-se e a normalidade não voltou; e 4) pelo contrário, em seu lugar instalou-se a preocupação
de que possamos ter entrado num regime de baixo crescimento que a política econômica parece ter
pouco poder para reverter. O artigo termina mostrando a enorme incerteza dos membros do Fed sobre o
nível e a evolução dos parâmetros básicos que orientam a sua política monetária.
http://www.valor.com.br/imprimir/noticia/4790451/brasil/4790451/grandes-decepcoes
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É disso que parte o professor. Bernanke. Analisando os três parâmetros básicos que guiam os membros
do Fomc (o comitê do Fed que determina a política monetária): os valores estimados de longo prazo do
PIB "potencial" (Y*), a taxa "natural" do desemprego (n*) e a taxa de juro real "neutra" (r*) que, quando
nos níveis certos, garantiriam o pleno emprego sem pressão inflacionária ou deflacionária, isto é, uma
taxa de inflação (p*) estável e adequada. Mergulhamos no mundo de ideias platônicas. É claro que eles
talvez existam. Que eles talvez sejam estáveis. Entretanto, sua estimação estatística é fugidia. Se
existirem, o modelo diz que guardarão relações entre eles: em particular entre Y* e n* (lei de Okun) e
entre n* e p* (curva de Phillips) para as quais há algum suporte empírico, sendo a primeira menos
instável do que a segunda.
O artigo do professor Bernanke parte da "estimativa" dos três parâmetros manifestados pelos membros
do Fomc de 2012 a 2016. Em 2012, por exemplo, elas variavam de 2,3% a 2,5% para o crescimento do
PIB "potencial"; de 5,2% a 6% para a taxa "natural" de desemprego e a estimativa mediana da taxa de
juro real "neutra" era de 4,25%.
Para 2016, as estimativas estão entre 1,8% e 2% para o PIB "potencial" (caiu, portanto, 0,5%). A taxa
"natural" de desemprego caiu de 5,6% para 4,9% (violando a lei de Okun). A taxa de juro "neutra" caiu
de 4,25% para 3%, com a redução da taxa de crescimento do PIB (violando as condições que explicam a
demanda efetiva). É claro que tudo isso pode ser "explicado" ad hoc, apelando para a condição ceteris
paribus (ou seja, tudo o mais deveria ter permanecido igual), o que não aconteceu.
Elas, explicam, por outro lado, porque o Fed tem adiado as suas decisões e aumentado a angústia dos
bancos centrais sobre os quais influi. E justificam a tese de Ylan Mui, que o Fed tem que repensar tudo,
inclusive seus modelos, e não apenas coordenar melhor as estimativas de seus parâmetros.
O que decepciona na análise de Bernanke, é que depois de ter torturado os números e visto que o
sistema não funciona, simplesmente sugere ajustar as estimativas e torná-las coerentes com as leis
conhecidas. Não explora a possibilidade de que é o modelo que não funciona.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda,
Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail: [email protected]
http://www.valor.com.br/imprimir/noticia/4790451/brasil/4790451/grandes-decepcoes
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