capítulo 1

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I Universidade de São Paulo
Instituto de Física de São Carlos
Licenciatura em Ciências Exatas
Carolina Lia Cerne – Nº USP: 9005975
De onde vem o medo?
São Carlos, 2015
II Carolina Lia Cerne
De onde vem o medo?
Monografia da disciplina SLC0631
– Psicologia da Educação II, apresentada
ao curso de Licenciatura em Ciências
Exatas do Instituto de Física de São
Carlos – USP, para fins avaliativos da
disciplina e para divulgação científica do
Instituto.
Docente: Prof.º Dr. José Fernando
Fontanari
Física Computacional, IFSC - USP
São Carlos, 2015
III Resumo
Todos os seres humanos, como animais sociais que são, tendem a sentir medo. Alguns
em maior escala, outros em menor, alguns medos são saudáveis para a auto-preservação
e segurança, pois este protege de situações reais de perigo e risco. Outros medos, são
patológicos, irreais, normalmente herdados ou causados por experiências ruins de vida.
Esses medos podem se transformam em fobias. Estudaremos como o medo afeta o
indivíduo ou um grupo, como ele é causado e se pode ser vencido.
Palavras-chave: medo, auto-preservação, risco de vida, perigo, insegurança.
Abstract
All humans, as social animals that are, tend to be afraid. Some on a larger scale, others
less, some fears are healthy for self-preservation and security because it protects real
situations of danger and risk. Other fears are pathological, unrealistic, usually inherited
or caused by bad life experiences. These fears may become phobias. We’ll study how
fear affects the individual or group, how it is caused and can be overcome.
Keywords: fear, self-preservation, life-threatening danger, insecurity.
IV Sumário
CAPÍTULO 1 – Introdução_____________________________________vi
CAPÍTULO 2 – A biologia do medo______________________________vii
CAPÍTULO 3 – A ciência do medo_______________________________x
3.1. – Laboratório de Phelps – Nova Yorque_______________________x
3.2. – A experiência da broca____________________________________xi
3.3. – A experiência do quadrado azul____________________________xii
CAPÍTULO 4 – O medo na infância_____________________________xiv
CAPÍTULO 5 – Comunicação social do medo_____________________xvi
5.1. – A memória associada ao medo____________________________xviii
CAPÍTULO 6 – Conclusão_____________________________________xix
Referências__________________________________________________xxi
V “Podemos escolher recuar em direção à
segurança ou avançar em direção ao
crescimento. A opção pelo crescimento
tem que ser feita repetidas vezes. E o
medo tem que ser superado a cada
momento”.
(Abraham
Maslow)
VI CAPÍTULO 1
1. Introdução
Todos os seres humanos sentem medo, em menor ou maior proporção. Todos
sabemos que o medo é uma reação protetora do ser humano. O medo considerado
normal vem de estímulos reais de ameaça à vida, pois a cada situação nova, inesperada,
que representa um perigo, surge o medo. Todo mundo teme algo, mas claro que o grau
do medo é intensificado pelo histórico de vida de cada um e de acordo com suas
lembranças. Portanto, diantes de todos esses pavores, só restam duas alternativas: luta e
fuga.
Em princípio, lutar pode ser uma reação positiva. Isso não quer dizer que fugir seja
uma reação negativa. Tudo depende da situação e é preciso reconhecer os próprios
limites. Quando há uma situação de ameaça real à vida, o medo não é uma reação
patológica, mas de proteção e autopreservação. O mesmo não acontece quando estamos
sob o domínio do pânico e o medo começa a tomar conta de nossa consciência, pois ele
passa da situação de controle. Neste caso, deve-se buscar a origem do problema para a
pessoa conseguir agir, pois ela nem foge, nem enfrente, mas fica paralisada.
Para Erich Fromm, psicanalista e autor do livro “O medo à liberdade”, há
basicamente dois caráteres de fuga: o caráter autoritário (passivo), que mostra através
do autoritarismo, pessoas que buscam se identificar com alguém, como seus ídolos, algo
do mundo exterior, ou então se submetem a um chefe. Tanto o desejo de se submeter a
outros quanto o de dominar vem do sentimento de insegurança provocada pelo
isolamento, insignificância e impotência diante da sociedade, assim, as pessoas evitam a
tortura da dúvida de ter que tomar decisões. O outro mecanismo é o caráter autômato,
adotado pela maioria das pessoas na sociedade de hoje, em que deixam de ser elas
mesmas, de ter opiniões próprias, de pensar e se tornam iguais aos outros e essa é uma
situação cômoda, pois as pessoas não precisam enfrentar a angústia do compromisso de
liberdade. Na sociedade moderna, o indíviduo sempre se mostra disposto a aceitar novas
autoridades que lhe ofereçam alívio e segurança para suas dúvidas e angústias, pois a
automatização agrava a segurança do indivíduo, contudo como Erich aponta em seu
livro, esse processo do medo da liberdade, de insegurança, não é resolvido com nenhum
VII desses caráteres, só “elimina o sofrimento visível, mas não resolve o conflito escondido
que traz uma infelicidade silenciosa”.
Nas situações reais de perigo, é necessário discernimento com o uso do medo racional,
mas o medo irracional, sem uma causa real, deve ser enfrentado, pois o inconsciente do
nosso cérebro não diferencia fantasia da realidade. Então, ao pensar que não conseguiu
algo ou que nem adianta começar, baseando-se em antigas experiências negativas, fará
com que a mente reaja de acordo com esse pensamento, pois o medo nasce da
associação que nossa mente estabelece com nossas experiências de vida, sem discernir
se ocorrerão mais ou não. A mente é atemporal, ou seja, não sabe distinguir o que é
presente e passado, realidade e fantasia e se o pensamento continuar presente, a mente
passa a crer em tal como sendo real. O medo de que não vai conseguir é muito comum e
acaba interferindo diretamente na auto-estima, no amor-próprio e na autoconfiança.
Uma pessoa que não age por medo de não conseguir, não acredita em sua capacidade e,
assim, está perdendo também a oportunidade de reverter todo esse quadro.
Logo, assuntos mais aprofundados sobre o medo, a causa do medo e suas
consequências serão estudados nos tópicos a seguir.
CAPÍTULO 2
2. A biologia do medo
O hipocampo é uma estrutura localizada nos lobos temporais do nosso cérebro,
sendo a principal sede da memória e importante componente do sistema límbico, seu
nome deriva do seu formato curvo, em secções coronais do cérebro humano (do Grego:
hippos = cavalo, campi = curva).
Localização do hipocampo
VIII Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c9/Hippocampus-mri.jpg
O hipocampo, basicamente, é responsável pela parte racional de nosso cérebro.
Ele nos faz perguntas, como: “O meu agressor é mais rápido do que eu?”, “Sei como
combatê-lo?”, “será que serei morta?”. Infelizmente o hipocampo nem sempre faz o seu
trabalho, pois amígdala reage emocionalmente e instantaneamente e o hipocampo leva
mais tempo, às vezes até demais, e isso pode prejudicar.
Localização da Amígdala
Fonte: https://meditacionycrianza.files.wordpress.com/2011/10/copia-de-amc3adgdala1.jpg
A amígdala é o nosso cérebro da Idade da Pedra, tensa e sempre a espera do
próximo ataque. Foi projetada para gerar duas reações: combater o medo ou fugir. Esse
tipo de resposta é uma reação física e espontânea a ameaça, ou seja, uma reação
primitiva. Entretanto, alguns de nossos temores mais profundos são reminiscências de
uma era mais primitiva, esses medos que “herdamos” estão entranhados.
Cartum do homem das cavernas
Fonte: https://robertascheibe.files.wordpress.com/2011/04/homemcaverna-full.jpg
IX Diante de uma situação de pressão, medo ou risco, uma região do hipotálamo,
manda imediatamente um sinal para a glândula localizada no nosso cérebro, chamada de
glândula pituitária, que por sua vez, estimula a glândula adrenal, localizadada sobre
nossos rins, liberando rapidamente no nosso corpo, adrenalina, noroadrenalina e
cortisol, poderosos hormônios que nos fazem agir instintivamente para nos proteger das
ameaças, além disso, cai os níveis de serotonina e endorfina. Esse mecanismo neurohormonal é de fundamental importância para a sobrevivência humana diante de
situações reais de risco e perigo. Os batimentos cardíacos aumentam, há maior fluxo
sanguíneo para os músculos, as pupilas se dilatam para podermos enxergar melhor
rotas de fuga, pois no medo, nossos olhos se limitam a visibilidade e o tempo de reação
e os reflexos são ampliados.
Localização do hipotálamo e da glândula pituitária no cérebro
Fonte: http://www.ogrupo.org.br/imagens/mensagens/glandula_hipofise_pituitaria.jpg
Localização das glândulas adrenais nos rins
Fonte: http://www.clinicasivieri.com.br/site/wp-content/uploads/2012/08/tratamentos11.jpg
X Quadro ilustrativo sobre o funcionamento do corpo em reações de luta/fuga
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/cJxzwG0EAys/UFZMWr8I6XI/AAAAAAAABoQ/Htj4GoIeE1E/s1600/fear-8.gif
CAPÍTULO 3
3. A ciência do medo
Parece que estamos geneticamente pré-dispostos ao medo. O medo é uma das
emoções adaptáveis mais importantes que temos, porque nos avisa do perigo, e todas as
espécies tem a habilidade de aprender a evitar coisas que ameaçam a sobrevivência,
então estamos sempre alerta.
3.1.
Laboratório de Phelps – Nova Yorque
http://www.psych.nyu.edu/phelpslab/
Esse teste visa avaliar como os estímulos emocionais conseguem empreender a
atenção humana. O experimento baseou-se em mostrar para a pessoa duas fotos,
uma de um animal inofensível e a outra foto de uma aranha ou cobra, então a pessoa
reagiu a um ponto que fica entre as duas fotos, e deve tentar ignorá-las.
XI Centenas de pessoas fizeram esse teste, e o resultado foi sempre o mesmo: todos
indicaram o ponto mais rápido ao ver a imagem da aranha ou da cobra no mesmo local.
Isso foi um forte indício de que alguns dos nossos medos são evolucionários, herdados
de um passado distante.
O medo é uma das coisas mais fáceis de aprender, isso faz sentido porque não temos
uma segunda chance quando algo de fato ameaça a nossa vida, e aprendemos a reagir ao
medo de primeira, ao sermos vítimas de algo. Quando uma nova experiência nos faz
sentir medo, nosso cérebro registra todas as informações que consegue através dos cinco
sentidos (audição, visão, paladar, olfato, tato), sendo o mais poderoso a visão.
Um exemplo clássico de uma reação adquirida ao medo é a broca do dentista, antes
de irmos ao dentista, aquele som, talvez não signifique muita coisa, mas se você vai ao
dentista e encara coisas desagradáveis como a cutucada nos dentes, você o associa a dor
e ao desconforto em potencial ao som.
3.2.
A experiência da broca
Mas, afinal, o que deflagra uma memória sensorial do medo? Foi realizado um teste
com pessoas que passaram por experiências dentárias dolorosas na infância vedadas em
um consultório de dentista, sendo que essas pessoas não sabiam onde estavam. Mesmo
que a mente consciente dessas pessoas não saiba aonde estavam, em uma situação
desconhecida e de perigo, os cinco sentidos delas despertaram ardualmente. Então, até a
jornada deles à broca, os sinais vitais foram checados continuamente.
XII Fonte: http://odontoinfo.com.br/site/wp-content/uploads/2015/05/c5xcr5qd2jrxkzqsrx355u8k7.jpg
Nos pacientes, a pressão e pulsação subiu de 5 a 10 pontos quando esperaram no
consultório, pois seu centro de ameaça subconsciente percebeu o perigo. Nessa situação,
foi necessária a aplicação de um pouco de anestesia.
Um dos cobaias, com a pulsação acelerada de 90, passou a sentir incerteza,
confusão e curiosidade. Com a pressão sanguínea e pulsação bem altas, o “paciente” se
lembrou de um momento doloroso vivido na infância, como a extração do dente do sizo,
e o som da broca fez a pessoa se lembrar dessa dor.
Alguns dos sintomas no corpo são: maxilar rígido, boca seca, ânsia. Coisas que nos
causaram muito estresse e dor, provavelmente evocarão sempre uma expressão de
medo. Se a broca atinge o nervo da boca, a pessoa sempre terá pavor de dentista, ou
seja, ela foi condicionada a temer a broca. E o ser humano pode ser condicionado a
temer qualquer coisa.
3.3.
A experiência do quadrado azul
Esse experimento busca saber como o medo é adquirido, e normalmente, o ser
humano não receia algo neutro como um quadrado azul, mas ele pode passar a temer o
quadrado azul se levar um choque no pulso. Após algumas vezes, o paciente aprendeu
que o quadrado azul significa o choque e demonstrou uma reação clássica de medo,
encolhendo o corpo e mesmo depois que os choques acabam o corpo ainda reagia.
Para descobrir o que ocorre dentro da mente humana, foi feito mais um teste e dessa
vez, com o cérebro passando por uma ressonância magnética. Relacionamos um
quadrado azul a um choque, usamos outro estímulo neutro, como um quadrado amarelo,
mas sem relacioná-lo ao choque. Foi possível observar o interior do cérebro humano
XIII quando vê o quadrado azul, e ver quais partes estão mais ativas. O cérebro em repouso
tem a seguinte aparência:
Cérebro em repouso
Mas é assim que reage ao ver um quadrado azul:
Os neurônios da amígdala, o centro de ameaça do cérebro, iluminaram-se
quando o quadrado azul apareceu. A mesma parte diminuta do cérebro que guarda
medos antigos, como medos de aranhas ou cobras, também guarda novos medos.
Agora que o paciente foi condicionado, será que ele sempre se encolherá ao ver
um quadrado azul? Ao continuar a mostrar um quadrado azul, e não lhe der um choque,
o paciente aprendeu que aquela figura geométrica agora é segura e não exibirá uma
reação de medo.
XIV Em geral, nosso cérebro conserva medos necessários, como o temor de ser
atropelado por um carro, e livra-se de coisas como o medo de quadrados azuis, mas às
vezes, os medos irracionais persistem e se transformam em fobias, que são medos que
fugiram ao controle. A amígdala tensa desencadeia uma reação de medo quando não
deveria e o resto do cérebro é incapaz de contê-la. Há vários tipos de fobias, como de
escadas rolantes, aviões, montanhas russas, rodas gigantes, altura, palhaços, falar em
público, do fracasso, da negação. As fobias resultam da ação descontrolada do medo,
mas elas não afetam todos.
CAPÍTULO 4
4. O medo na infância
Mas por que algumas pessoas são mais propensas ao medo que outras? Todos
nascem com medos sem sentidos e as pessoas aprendem novos medos com as
experiências menos agradáveis da vida, mas alguns são mais vulneráveis ao medo
que outros. Um sujeito é capaz de saltar de um avião, enquanto outro tem medo de
sair de casa. A ciência moderna mostra que há diferenças físicas e mentais
significativas entre os temerosos e os destemidos.
O Dr. Nathan Fox da Universidade de Maryland estuda como o medo evolui da
infância até a idade adulta. Para achar seus pacientes, ele desenvolveu um teste que
identifica os níveis de medo em crianças pequenas. Foi colocado em uma sala nunca
vista antes, a mãe e uma criança de dois anos e após um ou dois minutos, foi
introduzido um adulto estranho que ele se senta no chão sem estabelecer contato
visual com a criança. Após cerca de um minuto, esse adulto pega um brinquedo
interessante e começa a brincar com ele. O experimento foi realizado a fim de
observar se a criança iria até o adulto ou se ficava perto da mãe. Em seguida, foi
usado um robô que faz muito barulho e se desloca bem devagar, crianças medrosas
costumam ser cautelosas com pessoas e também com objetos estranhos,
particularmente, com os que fazem muito barulho. A criança correu para os braços
da mãe quando isso aconteceu.
Em seguida, outro adulto entra com uma caixa preta em mãos e foi observado se
a criança colocaria a mão ou não dentro da caixa, pois o adulto disse que há um
brinquedo bonito dentro dela. Como esperado, a criança fogiu para os braços da
mãe.
XV Depois o adulto passa a brincar com uma máscara de gorila, a criança não
aparentou reações de medo da máscara. Concluímos esta ser uma criança corajosa.
Ao testar com outra criança, irmão gêmeo da primeira, desde o princípio a
criança demonstra medo enquanto se escora na parede e fica perto da mãe o tempo
todo, não participando de nenhuma atividade.
A maioria das crianças é como a primeira criança, ou seja, é mais cautelosa com
algumas coisas e menos com outras. Para a segunda criança, houve mais
consistência, apresentando-se cauteloso com todas as situações que lhe foram
apresentadas. Crianças como do último caso, na fase adulta fazem com que o medo
do incomum se transforme em ansiedade social. Crianças apavoradas em geral,
tornam-se adolescentes desajeitados, mas isso nem sempre se confirma. Alguma
coisa pode mudar e a criança se tornar um jovem confiante.
Cerca de 50% das crianças que participaram desse teste, das extremamente
medrosas, apresentaram um padrão estável de temor durante a infância. Os outros
50% moderam seu temor e elas não são exuberantes, nem vão se expor ou arriscar,
mas na verdade não são assim tão medrosas. Então, por que algumas crianças
aprendem a controlar seus medos, enquanto outras não? Acontece que as crianças
medrosas que ficam em creches com os colegas têm mais chances de moderar seu
medo que as crianças que ficam em casa.
Outra coisa importante é que os pais têm certos comportamentos que exacerbam
esse medo, ou seja, são extremamente protetores, porque o filho tem medo de sair e
se confrontar com novidades. Há outros pais que são menos super protetores, e
expõe o filho a uma gama maior de eventos e essas crianças mostram uma
moderação maior de seu medo que aquelas que têm pais super protetores. Mas pais
relaxados e exposição aos colegas nem sempre resultam em uma criança serena,
pois as duas crianças que participaram dos testes do Dr. Nathan, são gêmeas e foram
criadas no mesmo ambiente, o primeiro gêmeo faz parte dos 50% que modera seu
medo à medida que cresce e a mudança não pode ser apenas emocional.
XVI Localização do córtex pré-frontal
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/WUOOORklhUk/UKjVdaPI1RI/AAAAAAAAHRI/jvN4GVUIroQ/s1600/loboscerebrais_c%C3%B3rtex-pr%C3%A9frontal.png
A pesquisa moderna revela que o cérebro costuma fazer mudanças físicas para
controlar a expressão do medo. Os neurologistas descobriram que crianças ansiosas
costumam desenvolver um córtex pré-frontal mais espesso que as crianças calmas.
Esse córtex modera o sinal da amígdala, basicamente, funcionando como uma
espécie de para-choque emocional. Se nascer com uma amígdala superativa, o corpo
pode compensar isso fortalecendo o córtex, mas a ciência referente a isso ainda é
inexperiente. Sabemos que os indivíduos mudam bastante, mas desconhecemos as
verdadeiras razões, não sabemos se isso se deve a genética, aprendizagem, estrutura
cerebral, se é só uma perspectiva assumida e que pode ser ensinada aos demais, no
futuro isso será crítico para entendermos como funciona o medo em geral.
CAPÍTULO 5
5. Comunicação social do medo
Nosso centro primitivo do medo no cérebro, a amígdala, aciona nossa reação de
correr ou encarar a ameaça: ameaças antigas transmitidas pela evolução, ou as que
aprendemos a temer, como lidaremos com o medo e seremos afetados pelo nosso
desenvolvimento físico e mental. Os humanos são animais sociáveis, quando
estamos juntos influenciamos muito o comportamento do outro. Se pusermos uma
pessoa apavorada com um grupo de pessoas calmas, teremos um “bando” de pessoas
apavoradas, e isso pode ser feito sem querer ou intencionalmente, o “eu” pode
contaminar o “outro” com o próprio medo.
XVII Costumamos temer alguma coisa porque nossa mãe nos disse que era realmente
perigoso, ou porque vimos alguém, ou uma situação ruim e agora queremos evitá-la.
Essa é a comunicação social do medo, ela é muito adaptável, não precisando se ferir
para saber o que evitar, é basicamente possível aprender através da linguagem e da
observação.
Em um experimento com quatro pessoas voluntárias, foi explorado uma fábrica
abandonada, a “fábrica da morte”, um velho matadouro abandonado, cujo local foi
usado durante muitos anos para abater os animais e desossa-los, abandonado desde
os anos 80, que supostamente é assombrado ou assim lhes disseram. Uma das
cobaias é altamente suscetível à ansiedade e ao medo, foi observado nesse teste
como seus temores afetaram o resto do grupo.
O lugar não tinha eletricidade, então a única fonte de luz que foi utilizada foi a
de uma lanterna, assim, juntos verificaram o que tem nesse lugar. Racionalmente, o
grupo sabe que é só uma construção antiga, mas as emoções primitivas logo
afloraram: o medo do escuro e o que pode se ocultar nas trevas. Foi possível
observar que algumas expressões corporais, como piadas e risos nervosos são
usados como mecanismos típicos de defesa, mas o cobaia que era ansioso emitiu
fortes sinais de alarme através de suas palavras e expressões faciais, e aos poucos, o
riso do grupo cessou abrindo espaço ao estado de vigilância, pois o medo do
integrante ansioso parece ter contagiado os demais do grupo.
A medida que o medo aumentava, o grupo mostrava sinais de hiper vigilância, com
os olhos sempre buscando o perigo e os outros sentidos mais apurados. Normalmente
alertamos sobre o perigo com palavras, a pesquisa mostrou que o medo também se
espalha através dos feromônios humanos, o cheiro de medo não se manifesta
conscientemente, mas de forma subliminar provocando uma reação de medo no grupo.
Virtualmente, todos os mamíferos gritam em extrema situação de perigo, sendo um
grito de alerta para o resto do grupo ou manada, quanto mais agudo esse grito, mais
eficiente é a comunicação do medo.
O grupo no matadouro abandonado agora se reduziu a três, dados sensoriais
foram passados de pessoa a pessoa, estimulando as amígdalas, ativando suas reações
de luta ou fuga. Quando as pessoas em volta entram em pânico, a razão desaparece e
a emoção assume o controle. Podemos dizer que o medo se “espalha como um
XVIII vírus”, e hoje, com o mundo ligado pela comunicação de massa, pode infectar
milhões rapidamente, bastando ver uma imagem impactante.
Nossos inimigos conhecem o poder do medo, assim como nossos líderes: o
medo é uma ferramenta política eficaz, civis apavorados fazem o que seus líderes
lhes mandam fazer, pois as pessoas tomam decisões diferentes ao serem
confrontadas com o medo, busca segurança, algo conhecido e confortável. Podemos
incutir o medo nas pessoas através de um anúncio político e levá-las a tomar uma
decisão no lugar de outra.
A história revela que espalhar o medo entre as massas não é muito difícil, basta
culpar o forasteiro pelos seus problemas, há inúmeros exemplos: a caça as bruxas de
Salem, o genocídio dos judeus pelos nazistas e stalinistas, o jihad islâmico radical
contra o ocidente e as campanhas após o onze de setembro contra os muçulmanos.
Por que apesar das lições da história, ainda é tão fácil para os incitadores do medo,
opor um grupo de pessoas contra o outro? De novo podemos culpar nosso “homem
das cavernas” interior, acontece que ele é um extremista.
5.1.
A memória associada ao medo
Na cultura americana, uma das formas básicas de definir grupos é através da
raça, quem é da sua raça pertence a um grupo e quem é de outra, pertence a outro.
Claro que isso também é extremismo. Foi então realizado um outro teste em que os
pacientes olharam imagens de dois homens similares, a de um negro e de um
branco. Os pacientes deveriam pressionar a tecla sempre que a imagem mudar, mas
ao fazer isso, eles recebiam um choque elétrico que induz ao medo. Qualquer ligeira
hesitação para a resposta mostra que a reação ao medo se consolidou. Ao cessar o
choque, a reação ao medo diminuiu, mas não desapareceu no mesmo ritmo. Os
pacientes ainda batiam na tecla um pouco devagar quando olhavam para uma pessoa
de outra raça. O cobaia logo perdia o medo ao ver uma pessoa da sua raça, mas
mantinha ao ver pessoas de outras raças. Isso ocorreu com negros e brancos, mas
diminuía se a pessoa namorava alguém de outra raça, porque ao namorar alguém de
outro grupo, esse pessoa se torna parte de seu grupo.
“Nós humanos somos pré-dispostos a ter medo um do outro, mas se temos
consciência desses preconceitos latentes, podem eles superar a nossa carga
emocional e cultural? Talvez, mas não é fácil. Muitas vezes quando as pessoas
XIX ouvem falar de desvios psicológicos ou de fobia, acham que outras pessoas
cometem esses erros, acham que o modo de pensar delas é preconceituoso, enquanto
ela é uma pessoa culta, inteligente, não vulnerável aos mesmo erros, e isso está
absolutamente incorreto, todos somos vulneráveis a esses erros. Ao perceber que
você de fato é vulnerável, você se torna mais vulnerável e mais propenso a cometer
esses erros.” - Dan Gardner, autor de “Risco: a ciência e a política do medo”.
A reação ao medo é tão natural e impensada quanto respirar, pois quando está
sob controle, pode salvar nossa vida, porém quando está fora de controle, pode nos
destruir. Mas agora, a ciência parece ter descoberto um jeito de dominar o medo.
Nos últimos vinte anos, muitas pesquisas foram realizadas a fim de identificar o
medo, concentram-se na forma sobre como adquirimos esses medos, mas a maioria
dos pesquisadores que estuda o medo agora dedica-se a uma segunda questão: como
nos livrarmos dos medos?
Medos considerados irracionais tais como as fobias, são tratados expondo
gradualmente as pesssoas as coisas que elas temem, quem tem fobia também
aprende a pensar na razão do seu medo de uma forma calma em um processo
chamado de Regulação Emocional. O objetivo é trocar as antigas lembranças
apavorantes por outras novas e seguras que não provocarão a reação ao medo. Por
exemplo, digamos que ao enfrentar um vôo turbulento, a pessoa passs a ter medo de
voar, se a obrigar a encarar mais vôos e eles forem tranquilos, então foi possível
desenvolver lembranças novas e positivas, gradualmente sentirá menos medo. Isso
se chama Extinção de Aprendizagem.
Parece ótimo, mas há um problema: a extinção da aprendizagem que visa nos
livrar de medos resulta em duas lembranças, uma delas nos diz que uma coisa é
perigosa e a outra nos diz que ela é segura, essas duas lembranças tentam se impor
no cérebro. Na passagem do tempo, pode restaurar uma reação de medo que estava
extinta com a lembrança antiga de medo enterrada bem ao fundo da amígdala, um
pouco de turbulência pode trazer de volta os gritos de terror. Percebendo isso, os
pesquisadores procuraram um jeito de atacar fisicamente na origem medos
incontroláveis, assim como as fobias, o grande avanço foi a descoberta de que as
nossas lembranças não são assim tão sólidas quanto achamos que são. Geralmente a
ideia que as pessoas fazem da memória, está basicamente errada, achamos que a
memória é como uma coleção de fotografias numa caixa de sapatos, que são como
XX imagens fortes e confiáveis, que não mudam. Mas memória não funciona desse
jeito, a memória é um processo orgânico, nossas lembranças estão constantemente
evoluindo e mudando, e fazem isso pra se adequarem as necessidades do presente.
Os cientistas agora suspeitam que toda vez que resgatamos uma lembrança, ela
se renova, e quando fica nesse estado, é vulnerável. Se for isso, talvez seja possível
fazer algo para interromper essa reestocagem da memória que é chamado de
Reconcilidação e nos livrarmos da lembrança.
Na Universidade da Califórnia em Los Angeles, os pesquisadores realizaram
esse processo e obtiveram sucesso. O cérebro do rato é muito parecido com o do ser
humano, porém menor. Nós podemos fazer coisas com um rato, que não podemos
fazer com uma pessoa, como dar drogas para regiões específicas do cérebro e ver se
sofrem certos efeitos.
Eis como o medo foi eliminado: primeiro, o rato é posto em uma gaiola com um
fundo especial, ele é ensinado a temer esse lugar por meio de choques elétricos, e
fica paralisado de pavor. Em seguida drogas experimentais são injetadas na
amígdala do rato, depois ele é posto de volta na gaiola que aprendeu a temer, o rato
deveria ficar paralisado, mas isso não acontece. A droga parece ter isolado a reação
de medo do rato em relação a gaiola que emitia choques.
Se pudermos selecionar os diversos medos anormais que nós conhecemos,
teremos avançado significativamente. Esse tratamento ainda é experimental e só foi
tentado em roedores. Se for bem sucedido em anos, ainda assim não apagará
lembranças indesejáveis, pois elas estão guardadas em muitas áreas não rastreadas
do cérebro, mas abrandaria as reações corporais involuntárias que as lembranças do
medo desencadeiam. Se a pessoa foi atacada, ela ainda se lembraria do que
aconteceu, mas talvez não tremesse descontroladamente toda vez que se lembrasse
do crime.
CAPÍTULO 6
6. Conclusão
Logo, não podemor ir além e neutralizar de vez a nossa amígdala, nem tentar
criar uma raça de humanos que não sentem medo, pois o medo se desenvolveu
porque nos protege contra os perigos, nós não andamos no meio do trânsito porque
XXI nossa amígdala percebe a situação, entra em ação e nos detém, ela detecta o perigo e
nos diz para fazer coisas que nos protege nesses momentos.
Sofrer pelos outros deve-se em parte ao fato de termos cedido esse mesmo
sofrimento e ter uma certa dose de medo, na verdade, facilita o desenvolvimento da
consciência. Então, sentir medo não é tão ruim assim, pelo contrário, pois somos
todos em perigo pelas reações subconscientes diante das ameaças. O medo está
enraizado em cada cérebro humano, alguns de nós nasce mais temerosos que outros,
porém mesmo as pessoas supostamente destemidas são controladas pela mesma
disputa entre o ansioso homem das cavernas oculto na amígdala e nossa mente
consciente mais nova. As vezes a batalha é perdida e guardamos temores eternos,
mas guardamos os nossos temores para nos protegermos das ameaças diárias da
vida. Ao compreendermos a natureza do medo, podemos vê-lo como de fato é: uma
parte essencial da criatura humana.
7. Referências
Por que temos medo, Mente cérebro, Scientific American, 43 ed., Ediouro Duetto
Editorial Ltda, 2013.
Dan Gardner, Risco: a ciência e a política do medo, ODISSEIA.
Erich Fromm, Medo à liberdade, Zahar, 1968.
Disponível em: http://jovemnerd.com.br/nerdcast/nerdcast-473-a-ciencia-do-medo/
Data de acesso: 08/09/15
Disponível em: http://jovemnerd.com.br/nerdcast/nerdcast-339-disturbiosmentais/ Data de acesso: 09/09/15
Disponível em: http://jovemnerd.com.br/nerdcast/nerdcast-467-a-deturpadamente-dos-viloes/ Data de acesso: 09/09/15
Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/medo.htm Data de acesso: 10/09/15
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