I Universidade de São Paulo Instituto de Física de São Carlos Licenciatura em Ciências Exatas Carolina Lia Cerne – Nº USP: 9005975 De onde vem o medo? São Carlos, 2015 II Carolina Lia Cerne De onde vem o medo? Monografia da disciplina SLC0631 – Psicologia da Educação II, apresentada ao curso de Licenciatura em Ciências Exatas do Instituto de Física de São Carlos – USP, para fins avaliativos da disciplina e para divulgação científica do Instituto. Docente: Prof.º Dr. José Fernando Fontanari Física Computacional, IFSC - USP São Carlos, 2015 III Resumo Todos os seres humanos, como animais sociais que são, tendem a sentir medo. Alguns em maior escala, outros em menor, alguns medos são saudáveis para a auto-preservação e segurança, pois este protege de situações reais de perigo e risco. Outros medos, são patológicos, irreais, normalmente herdados ou causados por experiências ruins de vida. Esses medos podem se transformam em fobias. Estudaremos como o medo afeta o indivíduo ou um grupo, como ele é causado e se pode ser vencido. Palavras-chave: medo, auto-preservação, risco de vida, perigo, insegurança. Abstract All humans, as social animals that are, tend to be afraid. Some on a larger scale, others less, some fears are healthy for self-preservation and security because it protects real situations of danger and risk. Other fears are pathological, unrealistic, usually inherited or caused by bad life experiences. These fears may become phobias. We’ll study how fear affects the individual or group, how it is caused and can be overcome. Keywords: fear, self-preservation, life-threatening danger, insecurity. IV Sumário CAPÍTULO 1 – Introdução_____________________________________vi CAPÍTULO 2 – A biologia do medo______________________________vii CAPÍTULO 3 – A ciência do medo_______________________________x 3.1. – Laboratório de Phelps – Nova Yorque_______________________x 3.2. – A experiência da broca____________________________________xi 3.3. – A experiência do quadrado azul____________________________xii CAPÍTULO 4 – O medo na infância_____________________________xiv CAPÍTULO 5 – Comunicação social do medo_____________________xvi 5.1. – A memória associada ao medo____________________________xviii CAPÍTULO 6 – Conclusão_____________________________________xix Referências__________________________________________________xxi V “Podemos escolher recuar em direção à segurança ou avançar em direção ao crescimento. A opção pelo crescimento tem que ser feita repetidas vezes. E o medo tem que ser superado a cada momento”. (Abraham Maslow) VI CAPÍTULO 1 1. Introdução Todos os seres humanos sentem medo, em menor ou maior proporção. Todos sabemos que o medo é uma reação protetora do ser humano. O medo considerado normal vem de estímulos reais de ameaça à vida, pois a cada situação nova, inesperada, que representa um perigo, surge o medo. Todo mundo teme algo, mas claro que o grau do medo é intensificado pelo histórico de vida de cada um e de acordo com suas lembranças. Portanto, diantes de todos esses pavores, só restam duas alternativas: luta e fuga. Em princípio, lutar pode ser uma reação positiva. Isso não quer dizer que fugir seja uma reação negativa. Tudo depende da situação e é preciso reconhecer os próprios limites. Quando há uma situação de ameaça real à vida, o medo não é uma reação patológica, mas de proteção e autopreservação. O mesmo não acontece quando estamos sob o domínio do pânico e o medo começa a tomar conta de nossa consciência, pois ele passa da situação de controle. Neste caso, deve-se buscar a origem do problema para a pessoa conseguir agir, pois ela nem foge, nem enfrente, mas fica paralisada. Para Erich Fromm, psicanalista e autor do livro “O medo à liberdade”, há basicamente dois caráteres de fuga: o caráter autoritário (passivo), que mostra através do autoritarismo, pessoas que buscam se identificar com alguém, como seus ídolos, algo do mundo exterior, ou então se submetem a um chefe. Tanto o desejo de se submeter a outros quanto o de dominar vem do sentimento de insegurança provocada pelo isolamento, insignificância e impotência diante da sociedade, assim, as pessoas evitam a tortura da dúvida de ter que tomar decisões. O outro mecanismo é o caráter autômato, adotado pela maioria das pessoas na sociedade de hoje, em que deixam de ser elas mesmas, de ter opiniões próprias, de pensar e se tornam iguais aos outros e essa é uma situação cômoda, pois as pessoas não precisam enfrentar a angústia do compromisso de liberdade. Na sociedade moderna, o indíviduo sempre se mostra disposto a aceitar novas autoridades que lhe ofereçam alívio e segurança para suas dúvidas e angústias, pois a automatização agrava a segurança do indivíduo, contudo como Erich aponta em seu livro, esse processo do medo da liberdade, de insegurança, não é resolvido com nenhum VII desses caráteres, só “elimina o sofrimento visível, mas não resolve o conflito escondido que traz uma infelicidade silenciosa”. Nas situações reais de perigo, é necessário discernimento com o uso do medo racional, mas o medo irracional, sem uma causa real, deve ser enfrentado, pois o inconsciente do nosso cérebro não diferencia fantasia da realidade. Então, ao pensar que não conseguiu algo ou que nem adianta começar, baseando-se em antigas experiências negativas, fará com que a mente reaja de acordo com esse pensamento, pois o medo nasce da associação que nossa mente estabelece com nossas experiências de vida, sem discernir se ocorrerão mais ou não. A mente é atemporal, ou seja, não sabe distinguir o que é presente e passado, realidade e fantasia e se o pensamento continuar presente, a mente passa a crer em tal como sendo real. O medo de que não vai conseguir é muito comum e acaba interferindo diretamente na auto-estima, no amor-próprio e na autoconfiança. Uma pessoa que não age por medo de não conseguir, não acredita em sua capacidade e, assim, está perdendo também a oportunidade de reverter todo esse quadro. Logo, assuntos mais aprofundados sobre o medo, a causa do medo e suas consequências serão estudados nos tópicos a seguir. CAPÍTULO 2 2. A biologia do medo O hipocampo é uma estrutura localizada nos lobos temporais do nosso cérebro, sendo a principal sede da memória e importante componente do sistema límbico, seu nome deriva do seu formato curvo, em secções coronais do cérebro humano (do Grego: hippos = cavalo, campi = curva). Localização do hipocampo VIII Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c9/Hippocampus-mri.jpg O hipocampo, basicamente, é responsável pela parte racional de nosso cérebro. Ele nos faz perguntas, como: “O meu agressor é mais rápido do que eu?”, “Sei como combatê-lo?”, “será que serei morta?”. Infelizmente o hipocampo nem sempre faz o seu trabalho, pois amígdala reage emocionalmente e instantaneamente e o hipocampo leva mais tempo, às vezes até demais, e isso pode prejudicar. Localização da Amígdala Fonte: https://meditacionycrianza.files.wordpress.com/2011/10/copia-de-amc3adgdala1.jpg A amígdala é o nosso cérebro da Idade da Pedra, tensa e sempre a espera do próximo ataque. Foi projetada para gerar duas reações: combater o medo ou fugir. Esse tipo de resposta é uma reação física e espontânea a ameaça, ou seja, uma reação primitiva. Entretanto, alguns de nossos temores mais profundos são reminiscências de uma era mais primitiva, esses medos que “herdamos” estão entranhados. Cartum do homem das cavernas Fonte: https://robertascheibe.files.wordpress.com/2011/04/homemcaverna-full.jpg IX Diante de uma situação de pressão, medo ou risco, uma região do hipotálamo, manda imediatamente um sinal para a glândula localizada no nosso cérebro, chamada de glândula pituitária, que por sua vez, estimula a glândula adrenal, localizadada sobre nossos rins, liberando rapidamente no nosso corpo, adrenalina, noroadrenalina e cortisol, poderosos hormônios que nos fazem agir instintivamente para nos proteger das ameaças, além disso, cai os níveis de serotonina e endorfina. Esse mecanismo neurohormonal é de fundamental importância para a sobrevivência humana diante de situações reais de risco e perigo. Os batimentos cardíacos aumentam, há maior fluxo sanguíneo para os músculos, as pupilas se dilatam para podermos enxergar melhor rotas de fuga, pois no medo, nossos olhos se limitam a visibilidade e o tempo de reação e os reflexos são ampliados. Localização do hipotálamo e da glândula pituitária no cérebro Fonte: http://www.ogrupo.org.br/imagens/mensagens/glandula_hipofise_pituitaria.jpg Localização das glândulas adrenais nos rins Fonte: http://www.clinicasivieri.com.br/site/wp-content/uploads/2012/08/tratamentos11.jpg X Quadro ilustrativo sobre o funcionamento do corpo em reações de luta/fuga Fonte: http://4.bp.blogspot.com/cJxzwG0EAys/UFZMWr8I6XI/AAAAAAAABoQ/Htj4GoIeE1E/s1600/fear-8.gif CAPÍTULO 3 3. A ciência do medo Parece que estamos geneticamente pré-dispostos ao medo. O medo é uma das emoções adaptáveis mais importantes que temos, porque nos avisa do perigo, e todas as espécies tem a habilidade de aprender a evitar coisas que ameaçam a sobrevivência, então estamos sempre alerta. 3.1. Laboratório de Phelps – Nova Yorque http://www.psych.nyu.edu/phelpslab/ Esse teste visa avaliar como os estímulos emocionais conseguem empreender a atenção humana. O experimento baseou-se em mostrar para a pessoa duas fotos, uma de um animal inofensível e a outra foto de uma aranha ou cobra, então a pessoa reagiu a um ponto que fica entre as duas fotos, e deve tentar ignorá-las. XI Centenas de pessoas fizeram esse teste, e o resultado foi sempre o mesmo: todos indicaram o ponto mais rápido ao ver a imagem da aranha ou da cobra no mesmo local. Isso foi um forte indício de que alguns dos nossos medos são evolucionários, herdados de um passado distante. O medo é uma das coisas mais fáceis de aprender, isso faz sentido porque não temos uma segunda chance quando algo de fato ameaça a nossa vida, e aprendemos a reagir ao medo de primeira, ao sermos vítimas de algo. Quando uma nova experiência nos faz sentir medo, nosso cérebro registra todas as informações que consegue através dos cinco sentidos (audição, visão, paladar, olfato, tato), sendo o mais poderoso a visão. Um exemplo clássico de uma reação adquirida ao medo é a broca do dentista, antes de irmos ao dentista, aquele som, talvez não signifique muita coisa, mas se você vai ao dentista e encara coisas desagradáveis como a cutucada nos dentes, você o associa a dor e ao desconforto em potencial ao som. 3.2. A experiência da broca Mas, afinal, o que deflagra uma memória sensorial do medo? Foi realizado um teste com pessoas que passaram por experiências dentárias dolorosas na infância vedadas em um consultório de dentista, sendo que essas pessoas não sabiam onde estavam. Mesmo que a mente consciente dessas pessoas não saiba aonde estavam, em uma situação desconhecida e de perigo, os cinco sentidos delas despertaram ardualmente. Então, até a jornada deles à broca, os sinais vitais foram checados continuamente. XII Fonte: http://odontoinfo.com.br/site/wp-content/uploads/2015/05/c5xcr5qd2jrxkzqsrx355u8k7.jpg Nos pacientes, a pressão e pulsação subiu de 5 a 10 pontos quando esperaram no consultório, pois seu centro de ameaça subconsciente percebeu o perigo. Nessa situação, foi necessária a aplicação de um pouco de anestesia. Um dos cobaias, com a pulsação acelerada de 90, passou a sentir incerteza, confusão e curiosidade. Com a pressão sanguínea e pulsação bem altas, o “paciente” se lembrou de um momento doloroso vivido na infância, como a extração do dente do sizo, e o som da broca fez a pessoa se lembrar dessa dor. Alguns dos sintomas no corpo são: maxilar rígido, boca seca, ânsia. Coisas que nos causaram muito estresse e dor, provavelmente evocarão sempre uma expressão de medo. Se a broca atinge o nervo da boca, a pessoa sempre terá pavor de dentista, ou seja, ela foi condicionada a temer a broca. E o ser humano pode ser condicionado a temer qualquer coisa. 3.3. A experiência do quadrado azul Esse experimento busca saber como o medo é adquirido, e normalmente, o ser humano não receia algo neutro como um quadrado azul, mas ele pode passar a temer o quadrado azul se levar um choque no pulso. Após algumas vezes, o paciente aprendeu que o quadrado azul significa o choque e demonstrou uma reação clássica de medo, encolhendo o corpo e mesmo depois que os choques acabam o corpo ainda reagia. Para descobrir o que ocorre dentro da mente humana, foi feito mais um teste e dessa vez, com o cérebro passando por uma ressonância magnética. Relacionamos um quadrado azul a um choque, usamos outro estímulo neutro, como um quadrado amarelo, mas sem relacioná-lo ao choque. Foi possível observar o interior do cérebro humano XIII quando vê o quadrado azul, e ver quais partes estão mais ativas. O cérebro em repouso tem a seguinte aparência: Cérebro em repouso Mas é assim que reage ao ver um quadrado azul: Os neurônios da amígdala, o centro de ameaça do cérebro, iluminaram-se quando o quadrado azul apareceu. A mesma parte diminuta do cérebro que guarda medos antigos, como medos de aranhas ou cobras, também guarda novos medos. Agora que o paciente foi condicionado, será que ele sempre se encolherá ao ver um quadrado azul? Ao continuar a mostrar um quadrado azul, e não lhe der um choque, o paciente aprendeu que aquela figura geométrica agora é segura e não exibirá uma reação de medo. XIV Em geral, nosso cérebro conserva medos necessários, como o temor de ser atropelado por um carro, e livra-se de coisas como o medo de quadrados azuis, mas às vezes, os medos irracionais persistem e se transformam em fobias, que são medos que fugiram ao controle. A amígdala tensa desencadeia uma reação de medo quando não deveria e o resto do cérebro é incapaz de contê-la. Há vários tipos de fobias, como de escadas rolantes, aviões, montanhas russas, rodas gigantes, altura, palhaços, falar em público, do fracasso, da negação. As fobias resultam da ação descontrolada do medo, mas elas não afetam todos. CAPÍTULO 4 4. O medo na infância Mas por que algumas pessoas são mais propensas ao medo que outras? Todos nascem com medos sem sentidos e as pessoas aprendem novos medos com as experiências menos agradáveis da vida, mas alguns são mais vulneráveis ao medo que outros. Um sujeito é capaz de saltar de um avião, enquanto outro tem medo de sair de casa. A ciência moderna mostra que há diferenças físicas e mentais significativas entre os temerosos e os destemidos. O Dr. Nathan Fox da Universidade de Maryland estuda como o medo evolui da infância até a idade adulta. Para achar seus pacientes, ele desenvolveu um teste que identifica os níveis de medo em crianças pequenas. Foi colocado em uma sala nunca vista antes, a mãe e uma criança de dois anos e após um ou dois minutos, foi introduzido um adulto estranho que ele se senta no chão sem estabelecer contato visual com a criança. Após cerca de um minuto, esse adulto pega um brinquedo interessante e começa a brincar com ele. O experimento foi realizado a fim de observar se a criança iria até o adulto ou se ficava perto da mãe. Em seguida, foi usado um robô que faz muito barulho e se desloca bem devagar, crianças medrosas costumam ser cautelosas com pessoas e também com objetos estranhos, particularmente, com os que fazem muito barulho. A criança correu para os braços da mãe quando isso aconteceu. Em seguida, outro adulto entra com uma caixa preta em mãos e foi observado se a criança colocaria a mão ou não dentro da caixa, pois o adulto disse que há um brinquedo bonito dentro dela. Como esperado, a criança fogiu para os braços da mãe. XV Depois o adulto passa a brincar com uma máscara de gorila, a criança não aparentou reações de medo da máscara. Concluímos esta ser uma criança corajosa. Ao testar com outra criança, irmão gêmeo da primeira, desde o princípio a criança demonstra medo enquanto se escora na parede e fica perto da mãe o tempo todo, não participando de nenhuma atividade. A maioria das crianças é como a primeira criança, ou seja, é mais cautelosa com algumas coisas e menos com outras. Para a segunda criança, houve mais consistência, apresentando-se cauteloso com todas as situações que lhe foram apresentadas. Crianças como do último caso, na fase adulta fazem com que o medo do incomum se transforme em ansiedade social. Crianças apavoradas em geral, tornam-se adolescentes desajeitados, mas isso nem sempre se confirma. Alguma coisa pode mudar e a criança se tornar um jovem confiante. Cerca de 50% das crianças que participaram desse teste, das extremamente medrosas, apresentaram um padrão estável de temor durante a infância. Os outros 50% moderam seu temor e elas não são exuberantes, nem vão se expor ou arriscar, mas na verdade não são assim tão medrosas. Então, por que algumas crianças aprendem a controlar seus medos, enquanto outras não? Acontece que as crianças medrosas que ficam em creches com os colegas têm mais chances de moderar seu medo que as crianças que ficam em casa. Outra coisa importante é que os pais têm certos comportamentos que exacerbam esse medo, ou seja, são extremamente protetores, porque o filho tem medo de sair e se confrontar com novidades. Há outros pais que são menos super protetores, e expõe o filho a uma gama maior de eventos e essas crianças mostram uma moderação maior de seu medo que aquelas que têm pais super protetores. Mas pais relaxados e exposição aos colegas nem sempre resultam em uma criança serena, pois as duas crianças que participaram dos testes do Dr. Nathan, são gêmeas e foram criadas no mesmo ambiente, o primeiro gêmeo faz parte dos 50% que modera seu medo à medida que cresce e a mudança não pode ser apenas emocional. XVI Localização do córtex pré-frontal Fonte: http://3.bp.blogspot.com/WUOOORklhUk/UKjVdaPI1RI/AAAAAAAAHRI/jvN4GVUIroQ/s1600/loboscerebrais_c%C3%B3rtex-pr%C3%A9frontal.png A pesquisa moderna revela que o cérebro costuma fazer mudanças físicas para controlar a expressão do medo. Os neurologistas descobriram que crianças ansiosas costumam desenvolver um córtex pré-frontal mais espesso que as crianças calmas. Esse córtex modera o sinal da amígdala, basicamente, funcionando como uma espécie de para-choque emocional. Se nascer com uma amígdala superativa, o corpo pode compensar isso fortalecendo o córtex, mas a ciência referente a isso ainda é inexperiente. Sabemos que os indivíduos mudam bastante, mas desconhecemos as verdadeiras razões, não sabemos se isso se deve a genética, aprendizagem, estrutura cerebral, se é só uma perspectiva assumida e que pode ser ensinada aos demais, no futuro isso será crítico para entendermos como funciona o medo em geral. CAPÍTULO 5 5. Comunicação social do medo Nosso centro primitivo do medo no cérebro, a amígdala, aciona nossa reação de correr ou encarar a ameaça: ameaças antigas transmitidas pela evolução, ou as que aprendemos a temer, como lidaremos com o medo e seremos afetados pelo nosso desenvolvimento físico e mental. Os humanos são animais sociáveis, quando estamos juntos influenciamos muito o comportamento do outro. Se pusermos uma pessoa apavorada com um grupo de pessoas calmas, teremos um “bando” de pessoas apavoradas, e isso pode ser feito sem querer ou intencionalmente, o “eu” pode contaminar o “outro” com o próprio medo. XVII Costumamos temer alguma coisa porque nossa mãe nos disse que era realmente perigoso, ou porque vimos alguém, ou uma situação ruim e agora queremos evitá-la. Essa é a comunicação social do medo, ela é muito adaptável, não precisando se ferir para saber o que evitar, é basicamente possível aprender através da linguagem e da observação. Em um experimento com quatro pessoas voluntárias, foi explorado uma fábrica abandonada, a “fábrica da morte”, um velho matadouro abandonado, cujo local foi usado durante muitos anos para abater os animais e desossa-los, abandonado desde os anos 80, que supostamente é assombrado ou assim lhes disseram. Uma das cobaias é altamente suscetível à ansiedade e ao medo, foi observado nesse teste como seus temores afetaram o resto do grupo. O lugar não tinha eletricidade, então a única fonte de luz que foi utilizada foi a de uma lanterna, assim, juntos verificaram o que tem nesse lugar. Racionalmente, o grupo sabe que é só uma construção antiga, mas as emoções primitivas logo afloraram: o medo do escuro e o que pode se ocultar nas trevas. Foi possível observar que algumas expressões corporais, como piadas e risos nervosos são usados como mecanismos típicos de defesa, mas o cobaia que era ansioso emitiu fortes sinais de alarme através de suas palavras e expressões faciais, e aos poucos, o riso do grupo cessou abrindo espaço ao estado de vigilância, pois o medo do integrante ansioso parece ter contagiado os demais do grupo. A medida que o medo aumentava, o grupo mostrava sinais de hiper vigilância, com os olhos sempre buscando o perigo e os outros sentidos mais apurados. Normalmente alertamos sobre o perigo com palavras, a pesquisa mostrou que o medo também se espalha através dos feromônios humanos, o cheiro de medo não se manifesta conscientemente, mas de forma subliminar provocando uma reação de medo no grupo. Virtualmente, todos os mamíferos gritam em extrema situação de perigo, sendo um grito de alerta para o resto do grupo ou manada, quanto mais agudo esse grito, mais eficiente é a comunicação do medo. O grupo no matadouro abandonado agora se reduziu a três, dados sensoriais foram passados de pessoa a pessoa, estimulando as amígdalas, ativando suas reações de luta ou fuga. Quando as pessoas em volta entram em pânico, a razão desaparece e a emoção assume o controle. Podemos dizer que o medo se “espalha como um XVIII vírus”, e hoje, com o mundo ligado pela comunicação de massa, pode infectar milhões rapidamente, bastando ver uma imagem impactante. Nossos inimigos conhecem o poder do medo, assim como nossos líderes: o medo é uma ferramenta política eficaz, civis apavorados fazem o que seus líderes lhes mandam fazer, pois as pessoas tomam decisões diferentes ao serem confrontadas com o medo, busca segurança, algo conhecido e confortável. Podemos incutir o medo nas pessoas através de um anúncio político e levá-las a tomar uma decisão no lugar de outra. A história revela que espalhar o medo entre as massas não é muito difícil, basta culpar o forasteiro pelos seus problemas, há inúmeros exemplos: a caça as bruxas de Salem, o genocídio dos judeus pelos nazistas e stalinistas, o jihad islâmico radical contra o ocidente e as campanhas após o onze de setembro contra os muçulmanos. Por que apesar das lições da história, ainda é tão fácil para os incitadores do medo, opor um grupo de pessoas contra o outro? De novo podemos culpar nosso “homem das cavernas” interior, acontece que ele é um extremista. 5.1. A memória associada ao medo Na cultura americana, uma das formas básicas de definir grupos é através da raça, quem é da sua raça pertence a um grupo e quem é de outra, pertence a outro. Claro que isso também é extremismo. Foi então realizado um outro teste em que os pacientes olharam imagens de dois homens similares, a de um negro e de um branco. Os pacientes deveriam pressionar a tecla sempre que a imagem mudar, mas ao fazer isso, eles recebiam um choque elétrico que induz ao medo. Qualquer ligeira hesitação para a resposta mostra que a reação ao medo se consolidou. Ao cessar o choque, a reação ao medo diminuiu, mas não desapareceu no mesmo ritmo. Os pacientes ainda batiam na tecla um pouco devagar quando olhavam para uma pessoa de outra raça. O cobaia logo perdia o medo ao ver uma pessoa da sua raça, mas mantinha ao ver pessoas de outras raças. Isso ocorreu com negros e brancos, mas diminuía se a pessoa namorava alguém de outra raça, porque ao namorar alguém de outro grupo, esse pessoa se torna parte de seu grupo. “Nós humanos somos pré-dispostos a ter medo um do outro, mas se temos consciência desses preconceitos latentes, podem eles superar a nossa carga emocional e cultural? Talvez, mas não é fácil. Muitas vezes quando as pessoas XIX ouvem falar de desvios psicológicos ou de fobia, acham que outras pessoas cometem esses erros, acham que o modo de pensar delas é preconceituoso, enquanto ela é uma pessoa culta, inteligente, não vulnerável aos mesmo erros, e isso está absolutamente incorreto, todos somos vulneráveis a esses erros. Ao perceber que você de fato é vulnerável, você se torna mais vulnerável e mais propenso a cometer esses erros.” - Dan Gardner, autor de “Risco: a ciência e a política do medo”. A reação ao medo é tão natural e impensada quanto respirar, pois quando está sob controle, pode salvar nossa vida, porém quando está fora de controle, pode nos destruir. Mas agora, a ciência parece ter descoberto um jeito de dominar o medo. Nos últimos vinte anos, muitas pesquisas foram realizadas a fim de identificar o medo, concentram-se na forma sobre como adquirimos esses medos, mas a maioria dos pesquisadores que estuda o medo agora dedica-se a uma segunda questão: como nos livrarmos dos medos? Medos considerados irracionais tais como as fobias, são tratados expondo gradualmente as pesssoas as coisas que elas temem, quem tem fobia também aprende a pensar na razão do seu medo de uma forma calma em um processo chamado de Regulação Emocional. O objetivo é trocar as antigas lembranças apavorantes por outras novas e seguras que não provocarão a reação ao medo. Por exemplo, digamos que ao enfrentar um vôo turbulento, a pessoa passs a ter medo de voar, se a obrigar a encarar mais vôos e eles forem tranquilos, então foi possível desenvolver lembranças novas e positivas, gradualmente sentirá menos medo. Isso se chama Extinção de Aprendizagem. Parece ótimo, mas há um problema: a extinção da aprendizagem que visa nos livrar de medos resulta em duas lembranças, uma delas nos diz que uma coisa é perigosa e a outra nos diz que ela é segura, essas duas lembranças tentam se impor no cérebro. Na passagem do tempo, pode restaurar uma reação de medo que estava extinta com a lembrança antiga de medo enterrada bem ao fundo da amígdala, um pouco de turbulência pode trazer de volta os gritos de terror. Percebendo isso, os pesquisadores procuraram um jeito de atacar fisicamente na origem medos incontroláveis, assim como as fobias, o grande avanço foi a descoberta de que as nossas lembranças não são assim tão sólidas quanto achamos que são. Geralmente a ideia que as pessoas fazem da memória, está basicamente errada, achamos que a memória é como uma coleção de fotografias numa caixa de sapatos, que são como XX imagens fortes e confiáveis, que não mudam. Mas memória não funciona desse jeito, a memória é um processo orgânico, nossas lembranças estão constantemente evoluindo e mudando, e fazem isso pra se adequarem as necessidades do presente. Os cientistas agora suspeitam que toda vez que resgatamos uma lembrança, ela se renova, e quando fica nesse estado, é vulnerável. Se for isso, talvez seja possível fazer algo para interromper essa reestocagem da memória que é chamado de Reconcilidação e nos livrarmos da lembrança. Na Universidade da Califórnia em Los Angeles, os pesquisadores realizaram esse processo e obtiveram sucesso. O cérebro do rato é muito parecido com o do ser humano, porém menor. Nós podemos fazer coisas com um rato, que não podemos fazer com uma pessoa, como dar drogas para regiões específicas do cérebro e ver se sofrem certos efeitos. Eis como o medo foi eliminado: primeiro, o rato é posto em uma gaiola com um fundo especial, ele é ensinado a temer esse lugar por meio de choques elétricos, e fica paralisado de pavor. Em seguida drogas experimentais são injetadas na amígdala do rato, depois ele é posto de volta na gaiola que aprendeu a temer, o rato deveria ficar paralisado, mas isso não acontece. A droga parece ter isolado a reação de medo do rato em relação a gaiola que emitia choques. Se pudermos selecionar os diversos medos anormais que nós conhecemos, teremos avançado significativamente. Esse tratamento ainda é experimental e só foi tentado em roedores. Se for bem sucedido em anos, ainda assim não apagará lembranças indesejáveis, pois elas estão guardadas em muitas áreas não rastreadas do cérebro, mas abrandaria as reações corporais involuntárias que as lembranças do medo desencadeiam. Se a pessoa foi atacada, ela ainda se lembraria do que aconteceu, mas talvez não tremesse descontroladamente toda vez que se lembrasse do crime. CAPÍTULO 6 6. Conclusão Logo, não podemor ir além e neutralizar de vez a nossa amígdala, nem tentar criar uma raça de humanos que não sentem medo, pois o medo se desenvolveu porque nos protege contra os perigos, nós não andamos no meio do trânsito porque XXI nossa amígdala percebe a situação, entra em ação e nos detém, ela detecta o perigo e nos diz para fazer coisas que nos protege nesses momentos. Sofrer pelos outros deve-se em parte ao fato de termos cedido esse mesmo sofrimento e ter uma certa dose de medo, na verdade, facilita o desenvolvimento da consciência. Então, sentir medo não é tão ruim assim, pelo contrário, pois somos todos em perigo pelas reações subconscientes diante das ameaças. O medo está enraizado em cada cérebro humano, alguns de nós nasce mais temerosos que outros, porém mesmo as pessoas supostamente destemidas são controladas pela mesma disputa entre o ansioso homem das cavernas oculto na amígdala e nossa mente consciente mais nova. As vezes a batalha é perdida e guardamos temores eternos, mas guardamos os nossos temores para nos protegermos das ameaças diárias da vida. Ao compreendermos a natureza do medo, podemos vê-lo como de fato é: uma parte essencial da criatura humana. 7. Referências Por que temos medo, Mente cérebro, Scientific American, 43 ed., Ediouro Duetto Editorial Ltda, 2013. Dan Gardner, Risco: a ciência e a política do medo, ODISSEIA. Erich Fromm, Medo à liberdade, Zahar, 1968. Disponível em: http://jovemnerd.com.br/nerdcast/nerdcast-473-a-ciencia-do-medo/ Data de acesso: 08/09/15 Disponível em: http://jovemnerd.com.br/nerdcast/nerdcast-339-disturbiosmentais/ Data de acesso: 09/09/15 Disponível em: http://jovemnerd.com.br/nerdcast/nerdcast-467-a-deturpadamente-dos-viloes/ Data de acesso: 09/09/15 Disponível em: http://pessoas.hsw.uol.com.br/medo.htm Data de acesso: 10/09/15