a moda brasileira e a telenovela - coppead

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A MODA BRASILEIRA E A TELENOVELA:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
BEATRIZ ALVES VELHO
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa
em Administração - COPPEAD
Orientador: Professor Dr. Everardo Rocha
Rio de Janeiro
2000
ii
A MODA BRASILEIRA E A TELENOVELA:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
BEATRIZ ALVES VELHO
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de PósGraduação e Pesquisa em Administração, COPPEAD/UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências (M. Sc.).
APROVADA POR:
________________________________________
Prof. Dr. Everardo Rocha - Presidente da Banca
COPPEAD/UFRJ
______________________________________________
Profª. Drª. Angela da Rocha
COPPEAD/UFRJ
______________________________________________
Prof.ª Drª. Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca
FACC/UFRJ
Rio de Janeiro
2000
iii
Velho, Beatriz Alves
A Moda Brasileira e a Telenovela: um estudo
exploratório / Beatriz Alves Velho. Rio de Janeiro:
UFRJ/COPPEAD, 2000.
x, 121p. il.
Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro,
COPPEAD.
1. Marketing. 2. Etnografia. 3. Modas (vestuário) 4.
Telenovela. 5. Tese (Mestr. - UFRJ/COPPEAD). I. Título.
iv
Aos meus pais, pelo apoio e amor de agora e sempre.
v
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Everardo Rocha, pela orientação tão bem conduzida.
À Professora Heloísa Leite, pelo imprescindível apoio quando da
maturação do tema da dissertação.
Ao CNPQ, pelo suporte financeiro.
Ao tio Gilberto, pela orientação quanto à pesquisa etnográfica num
ambiente urbano.
Aos lojistas e demais funcionários do Shopping Santa Clara 33, pela
colaboração na pesquisa.
Aos Puga, que nesse período me acolheram como parte da família.
Ao meu marido Rodrigo, que mesmo de longe sempre me incentivou a
seguir em frente.
A minha vó Rosalia, pelo carinho e admiração.
A minha mãe - Maria Lucia -, meu pai – Otávio -, Pedro e Stela, pelas
discussões, idéias e incentivo ao longo da elaboração do trabalho.
vi
VELHO, Beatriz Alves. A moda brasileira e a telenovela: um estudo
exploratório.
Orientador:
Everardo
Rocha.
Rio
de
Janeiro:
COPPEAD/UFRJ, 2000. Diss.
Esta dissertação tem por objetivo explorar a questão da relação entre as
telenovelas e a difusão dos conceitos de moda no Brasil. Tal discussão visa
oferecer uma contribuição para o estudo do Comportamento do Consumidor da
indústria da moda, uma das mais importantes do país. O trabalho começa por
revisitar alguns importantes estudos tanto no campo da moda quanto no campo
da telenovela, estabelecendo uma articulação entre eles, além de procurar
explicar a forte relação entre estes campos no Brasil.
Foi realizada uma pesquisa etnográfica com lojistas de um tradicional
shopping de pronta-entrega do Rio de Janeiro, que funciona tanto como
consumidor quanto como ofertante de moda. O objetivo foi identificar a
percepção do grupo acerca do fenômeno da influência das novelas sobre a
moda brasileira. Além disso, ao fazer uso do método etnográfico - apropriado
da Antropologia -, procura-se demonstrar o potencial deste método para a
pesquisa e geração de conhecimentos na área de Marketing.
vii
VELHO, Beatriz Alves. A moda brasileira e a telenovela: um estudo
exploratório.
Orientador:
Everardo
Rocha.
Rio
de
Janeiro:
COPPEAD/UFRJ, 2000. Diss.
This dissertation intends to explore the relation between Brazilian soapoperas and the diffusion of fashion concepts in the country. The discussion
aims to offer a contribution to the study of Consumer Behaviour in the fashion
industry, one of the most important in Brazil. The dissertation starts by
reviewing some of the most important studies in the field of fashion and also
about soap-operas, establishing an articulation between them, besides trying to
explain the strong relation between these subjects in Brazil.
An etnographic research with shopkeepers from a traditional prompt
delivery shopping mall, who are fashion consumers and fashion producers at
the same time, was also accomplished. The purpose was to identify the
perception this group has of the influence of soap-operas on Brazilian fashion.
Further on, by making use of the etnographic method – borrowed from
Anthropology – the potential of this method to the research and production of
knowledge in the Marketing area is explored.
viii
"Somente
as
pessoas
superficiais
não
julgam pelas aparências. O mistério do
mundo está no visível, não no invisível."
Oscar Wilde
" A produção produz não só um objeto para
o sujeito, mas também um sujeito para o
objeto."
Karl Marx
"A vida é um folhetim."
Janete Clair
ix
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ………………………………………………………………. 1
2
A MODA COMO OBJETO DE ESTUDO ..………………………..……… 6
2.1
A moda como questão das Ciências Sociais ….…………………….... 6
2.2
A moda como espaço de reflexão ………………………………..…..... 12
2.3
Significado da moda para o Marketing ……………………………..…. 17
3
MODA E MARKETING DE MODA NO BRASIL ………………………..… 23
3.1 Os setores da cadeia de produção têxtil e sua relação com a moda. 23
3.2 O setor de vestuário brasileiro ………………………………………...…. 27
3.3 Perspectivas para a indústria têxtil no Brasil ………………………..… 32
3.4 Moda e Marketing de Moda no Brasil ………………………………….… 34
4
O PROCESSO DE DIFUSÃO DOS CONCEITOS DE MODA VIA
NOVELAS ……………………………………………………………………... 40
4.1 Comunicação na televisão ……………………………………………….... 40
4.2 A Rede Globo e o papel das novelas …………………………………….. 43
4.3 Impacto do figurinismo de novelas …………………………………….... 49
4.4 Lógica do impacto do figurinismo de novelas: a teoria da difusão de
inovações e outros estudos aplicáveis ………………………………….. 60
5 METODOLOGIA …………………………………………………….…………. 70
5.1 O método de pesquisa …………………..…………………………….……. 70
5.2 Os informantes e as questões de pesquisa …………..………………… 74
6 ETNOGRAFIA DO SANTA CLARA 33 …………………………………….. 78
6.1 O local …………………………………………………………………....……. 78
6.2 A percepção dos informantes ……………..…………………………..….. 83
6.2.1 O significado do Santa Clara 33 ……………..……………………..….… 83
6.2.2 O significado da moda ……………………………………………….…. 89
x
6.2.3 As influências sobre a moda brasileira ……………………………..… 91
6.2.4 A novela como influenciadora da moda no Brasil ……………...……. 95
7 CONCLUSÃO E SUGESTÕES DE PESQUISAS FUTURAS ………… 103
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……………………….…..……..…. 106
ANEXOS ……………………………………………………………………….... 111
Anexo 1: Fragmento de anúncio da Itaú Seguros ……………………..…..... 112
Anexo 2: Capa da Revista Domingo (JB)……………………………….…..… 114
Anexo 3: Capa da Revista Manequim ……………………………………...…. 116
Anexo 4: Foto do Shopping Santa Clara 33 ………………………………..… 118
Anexo 5: Foto do Mural do Santa Clara 33 …………………..…………....…. 120
1 INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é estudar a difusão de determinadas
peças de vestuário através de sua aparição nas personagens das
telenovelas brasileiras. Busco aqui compreender como se processa essa
intermediação, que irá, em última instância, representar uma forte influência
nos conceitos de moda no país.
A moda como objeto de estudo é algo que está situado na
intercessão de vários campos do saber. No Marketing, torna-se essencial
compreender esse fenômeno, uma vez que este impacta diretamente sobre
o comportamento do consumidor de vestuário, um dos setores mais
expressivos da economia no país. A Psicologia, por sua vez, procura
compreender as motivações dos indivíduos ao buscarem determinada roupa
ou acessório, com o objetivo de estar na moda. E a Sociologia e a
Antropologia procuram identificar os fatores determinantes, ou mesmo uma
lógica determinante, do surgimento, difusão e exaustão dos conceitos de
moda nas sociedades ao longo do tempo. Vale dizer ainda que há
geralmente uma troca de conceitos e descobertas acerca do fenômeno da
moda por parte das diversas áreas de estudo.
A indústria da moda movimenta muito dinheiro e possui uma
dinâmica bastante peculiar e complexa. É fato que, no Brasil, ao lado da
forte influência de padrões primeiro-mundistas e dos regionalismos
evidentes em um país de dimensão continental, as novelas representam um
papel de grandes ditadoras de moda - seja via merchandising explícito, seja
2
através da criação própria de novos estilos ou de alguma peça de vestuário
específica1 -, atingindo um público bastante amplo e assim gerando grande
repercussão no que diz respeito ao comportamento compratório de roupas e
acessórios e ao sucesso ou fracasso de lojas, marcas, estilistas, coleções.
Cabe ressaltar que a escolha das novelas especifica um fator
influenciador da moda, dentre uma série de outros, tais como: clima, coleções
de estilistas famosos, cinema, surgimento de novos materiais e técnicas têxteis,
campanhas publicitárias, etc. Ou seja, dada sua complexidade, a moda não
possui um determinante único e universal.
Por outro lado, dentre os muitos aspectos onde se vê a influência das
novelas e outros programas de televisão na vida das pessoas, limitei-me aqui à
análise de seu impacto no que tange às roupas e acessórios usados pelo
público (especialmente feminino, por ser aí onde se sente o maior impacto) e
que são inspirados em tais veículos de comunicação de massa. Mas vale
mencionar a consciência da autora de que muitos comportamentos, ideologias
e tabus também são influenciados pela mídia. Finalmente, cabe ainda destacar
que a análise concentra-se nas telenovelas da Rede Globo, devido ao papel
dessa emissora como consagradora do gênero novelístico e de líder absoluta
no mercado televisivo brasileiro.
Minha motivação para realizar esse estudo analisando a relação entre
moda brasileira e telenovela, antes de mais nada partiu do meu interesse e
1
Cabe dizer que chamaremos aqui, de um modo genérico, os dois casos de
merchandising, dado que em ambos acaba por ser difundido determinado tipo
de moda que vai favorecer determinadas lojas, empresas ou indústrias.
3
gosto pessoal pelos dois temas que, tomados em conjunto, me pareciam ter
muito a dizer. Considerei o impacto do fator específico que são as novelas
sobre a moda no Brasil interessante e merecedor de estudo, especialmente por
representar uma peculiaridade da cultura brasileira, posto que não é um
fenômeno global2.
Após revisitar os principais autores que trataram de moda e telenovelas,
realizei uma pesquisa etnográfica com lojistas do Shopping Santa Clara 33,
tradicional ponto de venda de roupas carioca, tanto para o consumidor final
quanto para atacadistas. O intuito de tal pesquisa, aqui retratada, foi o de
buscar, através da etnografia, detectar a percepção de tais pessoas sobre a
influência das roupas apresentadas nas telenovelas sobre a moda brasileira.
Considerei esse público interessante de ser analisado, por encontrar-se ele
numa posição intermediária na cadeia da indústria da moda, à medida que são
ao mesmo tempo demandantes – ao escolherem as roupas que vão expor em
suas lojas - e ofertantes de peças de vestuário para seus consumidores. Captar
a percepção do fenômeno por parte desse grupo particular foi considerado
importante portanto.
Quanto à revelância prática da presente pesquisa, esta está em
identificar como as novelas contribuem para a difusão da moda. Dessa forma, o
estudo interessa tanto à indústria da moda quanto àqueles responsáveis por
sua comunicação. Por sua vez, a relevância teórica reside no fato de que o
2
Não estou aqui ignorando o fato de haver telenovelas em outros países,
apenas destacando não ser este um fenômeno homogêneo ou generalizado.
4
trabalho busca realizar uma contribuição ao estudo do Comportamento do
Consumidor, mais especificamente do consumidor de vestuário.
No capítulo 2, é elaborada uma revisão bibliográfica dos principais textos
sobre moda no campo das ciências sociais. São expostas e analisadas teorias,
pensamentos e estudos de antropólogos, sociólogos, psicólogos, historiadores
e especialistas em Marketing.
O capítulo 3 apresenta uma investigação sobre como está configurada a
indústria da moda no Brasil. Para tal, é estudada a indústria têxtil e o setor de
vestuário mais especificamente. Por fim, é retratado um histórico da moda no
Brasil até se chegar aos dias de hoje.
O capítulo 4 é dividido em duas partes: a primeira volta-se para a análise
da mídia, discutindo a comunicação pela televisão e o papel da Rede Globo e
suas telenovelas. Busco aí compreender como se dá esse diálogo entre os
telespectadores e a tela, bem como as razões pelas quais a Globo
transformou-se em líder absoluta, tendo como maior instrumento de atração de
audiência as próprias novelas.
Na segunda parte do capítulo 4, o impacto dos figurinos das novelas
sobre a moda torna-se o foco das atenções. Primeiramente são retratadas
diversas comprovações da ocorrência deste fenômeno, através de relatos de
casos específicos. Posteriormente, procuro analisar teorias acadêmicas que
sirvam como instrumento para a análise do problema em questão.
5
Os capítulos 5 e 6 relacionam-se com a pesquisa de campo realizada
no Shopping Santa Clara 33. O capítulo 5 expõe uma pequena revisão
bibliográfica sobre o método utilizado, o etnográfico, sua adequação aos
objetivos desse trabalho e uma exposição inicial sobre como ocorreu a
experiência específica aqui retratada na prática, sendo apresentadas as
questões de base utilizadas nas entrevistas bem como o perfil dos
informantes. O capítulo 6 relata a etnografia dos lojistas do Santa Clara 33
propriamente dita.
Por fim, o capítulo 7 apresenta as principais conclusões acerca do
trabalho realizado. Ademais, são aí sugeridos temas correlatos para
pesquisas futuras.
A realização deste trabalhou me concedeu enorme satisfação. Moda
e telenovela brasileira são dois temas ricos e complexos que, colocados
juntos, deram margem a uma pesquisa bastante peculiar. A moda, por um
lado, representa um dos setores mais importantes da economia nacional,
inclusive em termos de geração de emprego. O campo da Administração
não pode portanto prescindir de trabalhos realizados sobre esse tema. Por
outro lado, as telenovelas brasileiras são fortes integrantes de nossa cultura
e através deste trabalho pôde ser visto o quanto também elas influenciam
no comportamento dos consumidores. Acredito que a presente pesquisa
abre perspectivas de estudos os mais variados, principalmente relacionando
a comunicação de massa com a difusão dos conceitos de moda em nosso
país.
6
2 A MODA COMO OBJETO DE ESTUDO
2.1 A moda como questão das Ciências Sociais
Antes de mais nada, é fundamental que o conceito de moda, tal qual
será aqui considerado, esteja bastante claro. Para tal, Hollander (1996, p. 22)
fornece uma definição bastante cabível:
“Ao
final
do
século
XX,
'moda'
ainda
significa
principalmente a variedade momentânea das roupas femininas,
percebida enquanto está sendo inventada e comercializada
exatamente como as variedades na indústria da diversão o são, e
algumas vezes com estas relacionadas. 'Moda' é o que aparece
nos meios de comunicação e nas coleções de estilistas nas lojas,
após ter sido mostrada primeiramente nas passarelas; e,
exatamente como na indústria do espetáculo, ela agora está ligada
a nomes famosos e suas associações características também
famosas.
As
estrelas
da
‘Moda’
aparecem,
brilham
e
desaparecem, novas posturas e temas florescem até murchar ou
serem suplantados por outros, tudo inserido em um contexto de
grande e excitante risco comercial corporativo.”
Assim, embora muitas vezes se extrapole o conceito de moda para
diversos outros setores da vida social – só para citar alguns exemplos: estilo de
música, móveis, tipo físico, etc. – conforme relata Hollander, a associação de
moda com vestuário, especialmente feminino, é ainda a mais recorrente e
expressiva. Interessante também para o nosso estudo é notar o paralelo que a
autora traça com a indústria do entretenimento. Mais do que isso, é admitida
uma relação entre a moda e a indústria do espetáculo, pelo fato de estar a
7
moda cada vez mais associada a personalidades, assim como no mundo do
entretenimento.
É importante também termos uma noção da origem histórica da moda, o
que obtemos através do breve sumário que Souza (1987, p. 20-1) apresenta,
antes de fixar-se no escopo de seu estudo, qual seja, a moda durante o século
dezenove. Tal autora argumenta que a moda não se apresenta configurada
como um fenômeno universal, estando relacionada com determinadas
sociedades e épocas. Os povos primitivos, de modo geral, a desconheciam,
talvez pelo fato de as roupas e enfeites daquela época carregarem um grande
simbolismo religioso e social e, dessa forma, a resistência a mudanças seria
muito elevada. Já entre os gregos e os romanos a moda estaria manifesta,
porém restrita a alguns aspectos, como as variações nos penteados. Na Idade
Média, no entanto, o fenômeno teria sido praticamente nulo.
Finalmente, com a expansão urbana a a organização da vida das cortes
durante o Renascimento, o ritmo das mudanças no vestuário começa a se
acentuar, conforme relata Souza:
“A aproximação em que vivem as pessoas na área urbana
desenvolve, efetivamente, o desejo de competir e o hábito de
imitar. Nas sociedades mais enfastiadas, por exemplo, o ambiente
torna-se propício às inovações que, lançadas por um indivíduo ou
um grupo de prestígio, logo se propagam de maneira mais ou
menos coercitiva pelos grupos imitadores, temerosos de sentiremse isolados. E se bem que a competição no início se efetue dentro
de um grupo fechado, pois as leis suntuárias controlam o
processo impedindo a participação nele das camadas inferiores
8
da sociedade, aos poucos, devido às especulações do comércio
ou da indústria, a riqueza e o nível social deixam de coincidir, os
éditos se abrandam e a moda se alastra por um público mais
vasto. "
Portanto, a partir daí, iniciam-se os ciclos da moda, fazendo com que o
modo de trajar de pessoas ou grupos influentes acabe por se difundir pelas
demais camadas sociais. Podemos deduzir que a partir daí cada época vai ter
determinado grupo de agentes que se configuram como líderes de moda, o que
na verdade é o objeto central do estudo aqui reproduzido. As explicações
quanto ao mecanismo da moda, contudo, não se restringem à questão da
imitação de um grupo por parte de outros, conforme veremos a seguir.
Bell (1976) considera haver quatro diferentes correntes dentro das quais
se encaixam as diversas teorias que procuram explicar o processo da moda. A
primeira corrente é a que procura explicar as mudanças na moda como
resultado das ações de um grupo seleto de pessoas. Na verdade são poucos
os pesquisadores que consideram determinados indivíduos como os únicos
responsáveis pela difusão dos conceitos de moda. Por outro lado, é inegável o
papel que certas figuras - da realeza, costureiros, artistas, etc. - tiveram e
continuam tendo, cada qual a seu tempo. Tais pessoas, admiradas por algum
ou alguns aspectos de seu perfil – beleza, simpatia, inteligência, popularidade,
dentre outros – despertariam a vontade nos demais indíviduos de se tornarem,
de alguma forma, mais parecidos com tais figuras, como uma forma de ganhar
status. Ou o processo pode se dar mais sutilmente também. Ou seja, as
9
pessoas podem não ter a consciência de estarem imitando os hábitos de
vestuário de determinado grupo ou indivíduo, mas sim apenas nele(s) se
inspirando para criarem seu próprio estilo, pessoal e “original”.
Por sua vez, a segunda corrente considera ser a moda um produto da
natureza humana. Tal corrente ressalta portanto aspectos, tais quais,
curiosidade, desejo de ser diferente, revolta contra as convenções e imitação,
como estimulantes às variações na moda. Contudo, se essa tese fosse
verdade absoluta, os movimentos de mudança na moda ocorreriam numa
velocidade muito maior e de forma universal e constante. Assim, Bell (1976)
defende que a moda não é resultante do caráter mutável da natureza humana,
ocorrendo apenas sob circunstâncias especiais. Estaria sim a natureza humana
sujeita a esses movimentos de mudança na moda.
A terceira corrente representa as teorias que consideram as mudanças
na moda como um reflexo de grandes eventos políticos ou espirituais. Dessa
forma, como tais eventos exercem influência sobre a sociedade, estes seriam a
causa, senão da moda em si, ao menos da direção que ela tomaria.
Defensores dessa corrente atentaram para exemplos como o fato da moda
feminina ter sofrido grandes mudanças durante e logo depois das guerras
napoleônicas. A inflação monetária também seria outro evento que exerceria
impacto sobre a moda, levando à adoção de modelos mais simples e joviais.
Assim como no caso das correntes anteriores, estas não conseguem explicar o
fenômeno por si só, embora seja certo que muitos desses eventos interfiram no
status quo, redirecionando muitas vezes de fato as tendências da moda.
10
Finalmente, há as teorias que supõem a intervenção de um "poder
maior". Segundo Bell, se aceitarmos esta última corrente, que concede uma
explicação teológica para as variações da moda, estaremos na verdade
abrindo mão de qualquer explicação mais fundamentada.
Assim, o autor conclui ser nenhuma dessas correntes suficiente para
explicar o fenômeno da moda completamente, tamanha sua complexidade.
Davis (1992) também concorda com essa visão, acreditando não haver
nenhum único motivo psicológico, propensão humana ou exigência social que
consiga promover uma teorização completa acerca de como ocorre o processo
da moda.
Algumas teorias elaboradas por pesquisadores com o objetivo de
compreender as causas, mecanismos e conseqüências do fenômeno da moda
merecem ser destacadas individualmente, devido a sua maior complexidade.
Davis (1992) expõe uma série de teorias sociológicas que visam explicar a
moda, dentre as quais destaca duas como sendo as mais bem articuladas.
A primeira é denominada "teoria da diferenciação de classe",
desenvolvida por pesquisadores como Veblen e Simmel. Tal teoria defende
que a moda é iniciada no topo da estrutura social e posteriormente vai se
espalhando pelas classes menos abastadas. Nesse processo, o que era
considerado altamente “na moda” vai deixando de o ser, na medida em que vai
se dando uma "vulgarização" do estilo ao se buscar atender às exigências
econômicas do mercado de massa. Dessa forma, ao passar da classe média
para a classe trabalhadora, já não é mais moda. Nesse momento, as classes
11
mais altas já são introduzidas a uma nova moda a fim de se diferenciar das
massas, reiniciando-se o ciclo acima descrito. Ou seja, segundo Lipovetsky
(1989), tal teoria defende que as roupas seriam consumidas não pelo seu valor
de uso, mas sim por seu “valor de troca signo”, devido ao prestígio, status,
posição social que conferiria.
O limite dessa teoria, conforme argumentado por Davis (1992), é, mais
uma vez, o fato de conceder a um elemento singular (embora relevante) a
causa de todo o fenômeno. Ora, há que se considerar uma série de outros
fatores, tais quais, sexo, sexualidade, identidades religiosa e étnica, que
também podem funcionar como características pessoais importantes na
escolha das roupas e acessórios.
A segunda teoria é desenvolvida por Blumer (Apud Davis, 1992) e é por
ele denominada "seleção coletiva". Elaborada como refutação à teoria da
diferenciação de classe, faz uso de idéias de comportamento coletivo para
defender que o principal objetivo da moda não é validar simbolicamente as
relações entre as classes. Blumer não nega a ocorrência do processo descrito
na primeira teoria, mas o considera secundário na avaliação do fenômeno da
moda. Ou seja, o mecanismo da moda não se daria, segundo ele, a fim de
validar a diferenciação de classes mas sim em resposta a um desejo coletivo
de estar na moda, de experimentar novidades num mundo em mudança
constante,
independente
da
sociedade
ser
mais
igualitária
ou
mais
hierarquizada. Nesse ponto, é forte a conexão entre moda e modernidade.
12
Ademais, Blumer considera a moda genérica, extrapolando a área de
vestimentas e atingindo mesmo áreas como ciência e tecnologia.
Assim, foi possível termos uma idéia da complexidade que o fenômeno
da moda possui, o que vem a dar margem à elaboração de uma série de
correntes por parte dos pesquisadores, bem como a várias linhas de
pensamento. A seguir, são destacados alguns importantes autores que
realizaram contribuições expressivas para o entendimento do processo da
moda e sua difusão.
2.2 A moda como espaço de reflexão
O antropólogo estruturalista Lévi-Strauss (1989, p.75) faz alusão a um
dos estudos pioneiros sobre moda no mundo acadêmico no início do século
XX. Tal estudo foi realizado por Kroeber - um dos grandes expoentes da
antropologia cultural norte-americana. Vejamos o comentário de Lévi-Strauss:
“Em seu estudo acerca da evolução do estilo do vestuário
feminino, Kroeber se dedicou à moda, isto é, um fenômeno social
intimamente ligado à atividade inconsciente do espírito. É raro
que saibamos claramente porque um certo estilo nos agrada, ou
porque sai da moda. Ora, Kroeber mostrou que esta evolução,
aparentemente arbitrária, obedece a leis. Estas não são
acessíveis à observação empírica, e menos ainda a uma
apreensão intuitiva dos fatos da moda. Elas se manifestam
somente quando se mede um certo número de diversos
13
elementos do vestuário. Estas relações são exprimíveis sob forma
de funções matemáticas, cujos valores calculados, num dado
momento, oferecem uma base para a previsão.
A moda - aspecto, poder-se-ia acreditar, mais arbitrário e
contingente das condutas sociais - é pois passível de um estudo
científico."
Assim, Lévi-Strauss acredita que o estudo de Kroeber teve grande
importância metodológica para o debate da Antropologia. Tal trabalho realizou
uma complexa investigação sobre o fenômeno da moda, o que particularmente
nos interessa e que portanto será sumarizado a seguir.
Kroeber (1919) fez uso dos seguintes elementos do vestuário em seus
estudos acerca das variações na moda: tamanho total da roupa, distância da
boca até a borda da saia, distância da boca até o diâmetro da cintura,
profundidade ou tamanho do decote, diâmetro da bainha ou base da saia,
diâmetro máximo da saia em qualquer ponto acima da base, diâmetro mínimo
na região da cintura e largura do decote ao longo dos ombros. Tais medidas
foram selecionadas após uma tentativa frustrada por parte do próprio Kroeber
de analisar cada detalhe das roupas ao longo do tempo, o que se mostrou
inviável. Assim, nesse novo estudo optou por escolher alguns elementos que
lhe pareceram ser mais relevantes, mais suscetíveis às variações provocadas
pela moda.
14
A seleção das peças de roupas de cada ano se deu aleatoriamente e
todas as restrições encontradas foram relatadas no estudo. Tais modelos se
referem ao período a partir de 1844 até 1919. Uma série de inferências gráficas
e estatísticas foram feitas a partir da amostra, sendo assim conferida grande
rigor quantitativo ao estudo. Kroeber (1919) também chega à conclusão de que
a moda é na verdade uma mudança gratuita, mudança simplesmente por amor
à mudança.
Outro grande pesquisador, o semiólogo Roland Barthes (1990), também
desenvolveu uma articulação detalhada acerca da moda, mais especificamente
dos sinais escritos que traduzem as fotografias de moda em frases de revistas
femininas. Assim, o autor elabora um estudo semiológico da moda baseado em
uma análise lingüística, buscando entender o que está implícito na linguagem
divulgada pelo complexo da moda. Para tal, após formalizar minuciosamente o
método empregado no estudo, procura analisar o código do vestuário, com
toda a sua estrutura de significados. Destaca também o papel da “mulher da
moda”, que seria simultaneamente a pessoa e o que ela sonha ser, sendo que
o que ela sonha ser estaria diretamente relacionado às influências que este
indivíduo receberia da cultura de massa e suas estrelas.
No campo da psicologia social, Stoetzel (1967), ao estudar os
fenômenos de massa, caracteriza a moda como “dentre os fenômenos
coletivos, o que nos traz mais imediatamente no próprio âmbito de nossa
experiência
vulgar,
a
revelação
da
presença
do social em
nossos
comportamentos” (p. 282). A moda, dessa maneira, guiaria as pessoas na
15
busca do comportamento e apresentação adequados, de forma a mostraremse antenadas com o “hoje”, e assim diferenciando-se do “ontem” e do
“amanhã”.
Por sua vez, o etnólogo Birket-Smith (195?, p. 176), ao falar sobre a
origem do vestuário e suas transformações ao longo da história faz uma
interessante colocação sobre moda, que merece aqui ser retratada:
"A força duma moda está no fato de valorizar ela seus
seguidores. A moda é para os pobres de espírito, o meio mais
eficaz de darem-se importância. Graças a ela, mostra-se que se
marcha com seu tempo até o momento fatal em que se torna ela a
propriedade de todos e se deve, de novo, modificá-la para que
realize sua finalidade. (…) É nisto que reside a grande significação
social do vestuário. Um vestuário pode ser o sinal distintivo de
toda uma tribo, como pode ser a marca de certa condição social."
O comentário acima destaca o quão complexo se apresenta o
fenômeno da moda. As pessoas buscam “marchar com seu tempo”, imitando
os líderes da moda que, por sua vez, ao notarem a disseminação de seu modo
de vestir, procuram novamente variar suas roupas, a fim de manter-se no papel
de originais e ao mesmo tempo de líderes de moda.
16
Em semelhante linha de raciocínio, o sociólogo brasileiro Durand (1988),
ressalta que o circuito de criação, produção e comercialização de roupas é,
com efeito, dotado de um caráter fugaz:
“Com o tempo, o homem ocidental mudou sua maneira de
encarar o corpo e a sexualidade. As relações entre grupos e
classes sociais se modificaram, alternando a importância da
roupa como fator de prestígio social. (…) Tudo isso sugere que a
indumentária é um domínio da cultura, rico de implicações para o
entendimento das incessantes transformações da sociedade
contemporânea.” (p. 15)
O mais importante de destacar nesse comentário é a associação feita
por Durand da moda com o campo da cultura. Assim sendo, o fenômeno da
moda seria um dos elementos fundamentais para se compreender as
constantes mudanças sociais ao longo do tempo.
Finalmente, o filósofo francês Lipovetsky (1989) considera que a
sociedade de consumo é caracterizada, em sua estrutura, exatamente pela
generalização do processo de moda. Ou seja, tal sociedade estaria centrada na
expansão das necessidades e reordenaria “a produção e o consumo de massa
sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquela que faz
passar o econômico para a órbita da forma moda” (p.159). Assim, Lipovetsky
realiza uma reflexão que vai além da lógica da diferenciação social, conferindo
à moda caráter libertário, um símbolo das transformações das sociedades
17
ocidentais modernas, e, neste ponto também se aproxima da análise de
Durand, anteriormente desenvolvida.
Este capítulo, até a presente parte, buscou nas ciências sociais
correntes, teorias e pensamentos que se mostrassem elucidativas do
fenômeno da moda. Mais do que retirarmos daí uma explicação única, melhor
ou mais completa, devemos aproveitar a contribuição de cada pesquisador, a
fim de atentar para a complexidade e riqueza de significados da moda. A
próxima seção relata o significado da moda do ponto de vista do Marketing.
2.3 Significado da Moda para o Marketing
Um dos principais estudiosos de Marketing da atualidade, Philip Kotler,
define moda como sendo um estilo aceito ou popular em determinado
momento. Como exemplo, pode-se citar o colorido psicodélico das roupas da
década de 70 e o preto da década de 80. Um estilo, por sua vez, seria um
modo básico e distinto de expressão, como por exemplo a existência de roupas
formais e de roupas esportivas, dentre outras classificações. Uma outra
definição que merece ser exposta é a de modismos, que seriam modas
extremamente passageiras, no sentido de surgirem, serem implantadas e
superadas rapidamente.
Kotler (1995) aborda o assunto da moda ao expor a teoria do ciclo de
vida do produto. Tal teoria defende que há cinco estágios distintos ao longo do
18
curso das vendas e dos lucros de um produto durante seu tempo de vida, quais
sejam: desenvolvimento, introdução, crescimento, maturidade e declínio do
produto.
Dessa forma, modas, assim como estilos e modismos, poderiam ser
analisadas sob o prisma do conceito de ciclo de vida do produto.
O estilo, uma vez criado, pode permanecer por vários anos ou entrar e
sair de moda várias vezes. Seu ciclo portanto seria dotado de vários períodos
de renovação. A moda propriamente dita passaria por vários estágios. Primeiro,
um pequeno grupo de consumidores se interessaria por algo novo a fim de se
diferenciar dos demais. A seguir, outros consumidores também se interessam
pela tendência previamente adotada pelos líderes da moda. Posteriormente
então, a moda se difunde amplamente, passando a ser utilizada pelo público
em geral. Por último, conforme vão surgindo novas modas (pela mesma lógica
descrita acima), essa moda vai declinando. Assim, conclui-se que a moda em
geral possui um crescimento lento, uma permanência como popular de tempo
variável (dependendo do ritmo de adoção de novas tendências) e um declínio
também lento. E nisso reside sua diferença para os modismos. Quanto a esses,
Kotler (1995) diz não sobreviverem por muito tempo pelo fato de não serem
capazes de satisfazer a uma necessidade importante ou por não fazê-lo de
modo adequado.
Reynolds (Apud Kotler, 1995) acrescenta que a duração de um ciclo
específico de moda está relacionada ao fato de ela suprir ou não uma
necessidade genuína, de acordo com outras tendências sociais, satisfazendo
19
normas e valores daquela sociedade e não se deparando com limites
tecnológicos que possam travar seu desenvolvimento.
Frings (1987), por sua vez, considera que a moda possui três
propriedades básicas: estilo, aceitação e mudança. O estilo aqui possui o
mesmo significado do já enunciado por Kotler. Já a aceitação da moda pelo
público representa um importante ponto a ser considerado ao se pensar em
estratégias de marketing.
As mudanças seriam as responsáveis pela evolução do mundo da moda
e, pelo fato de a moda ser um produto de tais transformações, o senso de
timing seria um importante atributo para todos os níveis dessa indústria.
Ademais, o ritmo das mudanças seria influenciado por avanços na produção de
massa,
aumento
na
renda
das
pessoas,
mudanças
climáticas
e,
principalmente, pela comunicação moderna e pelo marketing moderno.
As modas, dessa forma, se movem das idéias originais dos designers da
alta costura se difundindo através das fábricas a preços menores. Mas outras
modas podem fazer o caminho inverso também, inspirando-se os costureiros
nas roupas “de rua”, que, num momento posterior, passam a ganhar uma nova
imagem através da disseminação via marketing de massa. Um outro ponto
importante a ressaltar, que é exposto tanto por Frings (1987) quanto por Kotler,
(1995) são os motivos básicos que levam os consumidores a eleger suas
modas, quais sejam, a maior identificação de determinado estilo com seu grupo
de referência ou a busca de uma posição pretensamente individualista.
20
Diferentes consumidores se identificariam com diferentes estágios do
ciclo da moda, idéia essa que se assemelha à desenvolvida por Kotler. Os
“líderes da moda” representariam uma pequena percentagem da população e
seriam os que comprariam e vestiriam novas modas no início do ciclo, sendo a
seguir imitados por outros consumidores. O marketing de massa da moda
passaria a ser utilizado no momento em que a maioria do mercado consumidor
alvo adere à nova tendência.
Por fim, cabe retratar aqui um esquema exposto por Frings (p. 51)3,
procurando representar a interrelação entre o ciclo da moda e a teoria do ciclo
de vida do produto:
Inovação
Cobertura por
revistas para o
consumidor
3
Cobertura por
publicações de
comércio
Uso pelos
inovadores
Cobertura por
jornais locais
Uso pelos seguidores
da moda
Consumidores se
cansam da moda em
questão
Queima de
estoque
Tradução livre da autora.
Uso pelos líderes
da moda
Versões e Adaptações
manufaturadas a preços
menores
Versões baratas malacabadas; perda de
estilo
Inovadores e líderes já
mudaram para uma nova
moda
21
Desse modo, após surgida uma inovação, esta é primeiramente
difundida via mídia especializada, voltada para os comerciantes. Esta inovação,
ao ser ofertada, é então logo percebida e absorvida pelos líderes de moda. A
partir daí, o conceito de moda começa a ganhar força, sendo divulgado pelas
revistas de moda voltadas para o consumidor. Os inovadores serão os
primeiros a seguir a tendência que, a partir daí, começa a sofrer uma série de
adaptações e novas versões a preços inferiores. Acrescento, também, que
muitas adaptações são feitas no sentido de tornar a roupa menos extravagante,
mais assimilável pela massa. Este é o exemplo de uma das informantes da
pesquisa, que viu uma saia em determinada atriz, mas considerou-a
extravagante demais para ser aceita por seus consumidores. Tratou, então, de
fazer uma versão adaptada, mais discreta, a fim de efetivar a demanda pelo
produto.
Nesse momento, a moda em questão já passa a ser amplamente
divulgada pelos meios de comunicação, inclusive nos jornais, impulsionando a
compra por parte dos seguidores de moda. As adaptações vão cada vez
tornando-se mais grosseiras, com o intuito de expandir ainda mais o mercado,
atraindo consumidores de menor poder aquisitivo.
A determinada peça de vestuário, nesse ponto, já tornou-se “batida”,
vulgarizada, consideração essa pensada tanto pelos meios de comunicação
quanto pelos consumidores. As lojas promovem então "queima de estoque" a
fim de se verem livres das peças remanescentes e abrirem espaço para novas
22
modas, modas essas que, nesse instante, já estão chamando a atenção dos
líderes de moda e dos inovadores, dando-se início a um novo ciclo.
Dessa forma, percebemos que as teorias que tratam da moda muitas
vezes se interpenetram ou se complementam. Partimos a seguir para o estudo
do desenvolvimento da indústria da moda no Brasil.
23
3
MODA E MARKETING DE MODA NO BRASIL
3.1 Os setores da cadeia de produção têxtil e sua relação com a moda
Após a discussão sobre estudos acadêmicos sobre o fenômeno da
moda, buscamos agora relacionar a cadeia têxtil como um todo com o setor de
vestuário, onde se refletem mais visivelmente as tendências de moda.
Veremos, no entanto, que a moda surte impacto sobre todo o setor.
Prochnik (1991, p. 4) apresenta um esquema representando os setores
do complexo têxtil brasileiro bem como seus principais fornecedores,
destacando os fluxos de compra e venda entre eles. Uma versão adaptada
está exposta a seguir:
Agropecuária
nãoespecializada
Resinas, fibras
artificiais,
elastom
Couros, peles
Beneficiamento de
fibras têxteis
naturais
Fiação e
tecelagem de
têxteis naturais
Produtos
químicos
diversos
Abate
Fiação e
tecelagem de
têxteis artificiais
Calçados
Malharias
Outras
indústrias
têxteis
Vestuário
24
O esquema anterior representa então uma visão geral do complexo têxtil
e seus setores, quais sejam: beneficiamento de fibras naturais, fiação e
tecelagem de fibras sintéticas, fiação e tecelagem de fibras naturais, outras
indústrias têxteis, malharias e confecções (indústria do vestuário). Ademais,
são expostas as principais matérias-primas utilizadas pelo complexo têxtil: setor
de resinas, fibras artificiais e elastômeros – estas três provenientes do
complexo químico – e setor de agropecuária não-especializada – fonte das
matérias-primas agrícolas, dentre as quais se destaca o algodão.
Dessa maneira, podemos compreender a estrutura geral do complexo
têxtil. A principal indústria final do complexo é a do vestuário, para onde todos
os insumos das demais indústrias convergem. Vale destacar que outros dois
setores, malharias e outras indústrias têxteis, também destinam substancial
parte de sua produção para a demanda final.
Os setores de fiação e tecelagem, tanto de têxteis naturais quanto de
têxteis artificiais, bem como o setor de beneficiamento de fibras têxteis naturais
representam a base de todo o complexo. Suas ligações estreitas tanto com o
complexo agroindustrial quanto com o complexo químico, demonstram um
aspecto tecnológico do complexo: o fato de haver concorrência entre as
matérias-primas de origem natural com as matérias-primas de origem química.
Ou seja, por vezes ocorrem processos de substituição de uma pela outra,
sendo determinantes dessas decisões fatores como moda e preço relativo.
Durand (1988), por sua vez, realiza um outro estudo da cadeia de
produção têxtil, relacionando-a com a moda. O ramo de tecidos e confecções
25
não se apresenta concentrado como oligopólio: a concorrência é grande e as
posições de liderança difíceis de se assegurar. Um dos principais motivos para
tal é sua amplitude, refletida no esquema retratado na página anterior, onde se
vê a diversidade de setores que o complexo têxtil envolve. Os elos entre tais
unidades devem estar muito bem firmados a fim de se garantir um bom
dinamismo à cadeia como um todo.
É importante destacar que os responsáveis pela produção das matériasprimas que vão alimentar o resto do processo devem estar especialmente
informados
acerca
das
tendências
da
moda
antecipadamente,
mais
especificamente, com 2 ou 3 anos de antecedência. Só assim serão capazes
de realizar uma previsão de estoques correta, garantindo assim o fornecimento
na hora certa. Essa necessidade de antever a moda futura também é
demandada pelos outros setores, em menor escala. Ou seja, quanto mais
próximo ao setor de vestuário (vide esquema na página anterior), menor o
período de intervalo entre se ter que saber a moda e esta ser efetivada.
Portanto, acaba por se configurar um grande tráfego de informações, previsões
e conjecturas do que será a moda num futuro próximo por entre os elos da
cadeia têxtil:
“Com base em suas assessorias de estilo, cada empresa
em cada elo da cadeia elabora suas cartelas e mostruários,
oferecendo-os a seus clientes. Quando esse tráfego de influências
e propostas de trás para a frente chega ao fim, isto é, aos setores
de compra das lojas de departamento ou à rede de boutiques, ele
se concretiza em pedidos, que começam a percorrer o caminho
26
contrário (…) um processo que consome em torno de dois anos”.
(Durand, p. 51)
Contudo, não é incomum a falha dessas previsões, por uma enorme
gama de motivos tais quais: surpresas climáticas, surgimento rápido de novos
líderes de moda ou acontecimentos influenciadores do comportamento
compratório (tanto econômicos quanto sociais), etc. Acrescente-se a esses
potenciais motivos, o fato de que, por ser a indústria da moda fortemente
globalizada, alterações nas tendências internacionais dos grandes centros
difusores (Paris, Nova Iorque, etc.) também geralmente impactam sobre as
tendências na moda nacional.
Nesse caso, uma série de cancelamentos ao longo da cadeia ocorrem,
encalhando mercadorias, o que gera liquidações dos artigos ou mesmo
falências de empresas e/ou desestruturação da cadeia, pegando-se os dois
extremos do que pode ocorrer nesse caso, dependendo do impacto surtido.
Vale destacar que, nesse ponto, as empresas de menor porte – como as
pequenas lojas do Shopping Santa Clara 33 - possuem vantagem, por serem
dotadas de maior flexibilidade. Tal percepção é exposta por Durand (1988) e
também pôde ser comprovada na prática por mim, ao realizar um trabalho4
numa pequena rede de lojas de roupas. Aí, era possível oferecer aos
consumidores as novas modas em curto espaço de tempo, dado o baixo nível
de estoque com que empresas desse tipo operam. Ainda nesse caso, a dona
4
Trabalho realizado para a disciplina Novas Tecnologias de Marketing,
ministrado pelo Professor Armando Leite, durante o curso de Mestrado da
Coppead.
27
das lojas relatou que, por exemplo, se uma atriz (líder de moda) aparecia na
novela com determinada roupa no começo da semana, despertando a atenção
do público, com muita probabilidade na mesma semana este artigo poderia
estar exposto em suas vitrines, o que é muito mais difícil para firmas maiores,
em qualquer ponto da cadeia têxtil.
Portanto, é possível constatar que, quanto mais imprevisíveis forem os
fatores que agirão sobre os rumos da moda, maiores serão os impactos sobre
a cadeia têxtil, especialmente os setores que se localizam mais afastados do
setor de vestuário. De uma forma ou de outra, é inegável a interdependência
entre os diversos setores da cadeia têxtil. A seguir o setor de vestuário é
analisado, por estar este mais diretamente associado à questão da moda.
3.2 O setor de vestuário brasileiro
A Associação Brasileira de Vestuário (Abravest) desenvolveu um projeto
de política industrial que reúne dados significativos acerca do setor de
vestuário brasileiro, setor este que é o mais diretamente relacionado à moda e,
portanto, merecedor de destaque neste trabalho. Tais informações serão
retratadas a seguir.
Segundo a Abravest (2000), o setor de vestuário (excluindo-se os
demais elos da cadeia têxtil) é a maior força geradora de empregos da indústria
de transformação nacional, com 1.100.000 postos de trabalho diretos
(estilistas, costureiros, operários das fábricas, vendedores, lojistas, etc.) e ainda
28
um contingente de 4.500.000 pessoas que se relacionam indiretamente com o
setor. Em 1999, segundo essa associação, 4,1 bilhões de peças de roupas
foram produzidas, com um faturamento anual de 18 bilhões de dólares (o que
equivale à cerca de 3% do PIB brasileiro). Por tudo isso, o setor configura-se
como sendo de importância estratégica para o país. E a loja de pronta-entrega,
a ser exploradas no trabalho etnográfico, constitui-se como um dos importantes
agentes do mundo da moda/vestuário, integrando o grupo dos intermediários,
ao encontrar-se entre as confecções e o consumidor final e/ou o atacadista. Em
outras palavras, a relevância de lojas como as do Shopping Santa Clara 33
reside no fato de serem elas tanto consumidoras – ao comprarem peças nas
confeções e decidirem o que expor em suas vitrines - quanto ofertantes de
moda a seu público-alvo.
A pauta de produção do setor de vestuário é bastante diversificada,
atendendo à alta segmentação de seu mercado consumidor, em fatores como
sexo, faixa etária e nível de renda. E, como depende da moda, torna-se
fundamental variar-se padronagens, cores, texturas.
Além disso, as barreiras à entrada são tipicamente frágeis, tanto em
relação à tecnologia quanto ao valor do investimento. Segundo a Abravest,
“essas características contribuem para a existência de um grande número de
empresas de diferentes portes, que buscam conquistar espaços específicos
para atender à diversificação da demanda”. Assim, conforme Inácio (1999, p.
14) expõe em seu trabalho, o setor não é altamente concentrado, não havendo
um líder “impondo disciplina ao mercado ou exercendo um papel de
29
coordenador através de meios como liderança de preço”. Tal característica
permite portanto que pessoas de baixo potencial para investimentos vultosos
sejam capazes de se estabelecer em nichos condizentes com sua capacidade
financeira. Esse é o caso da maioria dos lojistas do Santa Clara 33, cujo local e
categoria de loja não demanda grandes somas de capital. Vale ressaltar que
essa característica de baixas barreiras à entrada reflete-se numa grande
flexibilidade do setor, adequada às mudanças muitas vezes freqüentes
determinadas pela dinâmica do fenômeno moda, o qual o setor de vestuário
não pode deixar de considerar em nenhum momento.
Quanto à estrutura produtiva do setor, a Abravest revela um crescimento
de 26% no número de empresas entre 1993 e 1998 e, com o objetivo de elevar
a competitividade, uma queda na idade média dos equipamentos de 6,4 em
1993 para 5,7 em 1999.
Ainda segundo a instituição, o setor de vestuário brasileiro tem se
mostrado competitivo, tanto em preço quanto em qualidade, em relação aos
produtos importados. Contudo, o mesmo não se pode dizer dos insumos. No
ramo da moda, segundo a Abravest, um dos maiores apelos da venda é a
variedade de padronagens, principalmente os originários de sintéticos ou
artificiais, adequados ao setor de moda feminina. A indústria têxtil brasileira
ainda não oferece insumos com a diversificação nem velocidade desejadas.
Também no que tange ao custo, vem ocorrendo uma certa demora dos
fornecedores em se adequar à concorrência internacional, o que desfavorece a
competitividade da indústria do vestuário brasileiro.
30
Por fim, são retratadas a seguir algumas importantes informações em
formato de tabelas sobre o setor de vestuário, também obtidas no projeto da
Abravest e que reflete a configuração atual do setor:
Números do Setor do Vestuário Setor do em 21/01/2000
Nº de empresas
18.248
Nº de empregos
1.100.000 (93% mulheres./7%
homens)
Faturamento
US$ 18 bilhões
Produção
4.100 bilhões de peças
Composição de Matérias-primas 60% tecidos de malha
utilizadas
40% tecidos planos
75% roupas de algodão
Composição de Matérias-primas
15% roupas tecidos artif. e
em
sintéticos
tipos de fibras
7% roupas seda, linho e outros
Composição da produção interna de roupas
Roupas de lazer
58,1%
Roupas formais
15,5%
Roupas esporte
8,0%
Trajes Noite
4,8%
Roupas íntimas
4,0%
Roupas de trabalho
3,8%
Roupas de Praia
1,5%
Outros
4,3%
31
Distribuição na comercialização
Lojas independentes
45%
Lojas informais e outras
23%
Lojas especializadas
17%
Lojas de departamentos
13%
Lojas de desconto
2%
A primeira tabela nos mostra que de fato o setor de vestuário não se
encontra concentrado nas mãos de poucas empresas. Comprovamos também
o enorme contingente de trabalhadores aí empregados - sendo a maioria
absoluta de mão-de-obra feminina - e o alto valor de faturamento do setor.
O fato de a maioria das roupas ser de malha e algodão parece
compatível com o dado retratado na segunda tabela, que mostra que a maioria
das roupas produzidas no país são roupas de lazer, que, em geral, de fato
fazem uso de tais materiais. Finalmente, a última tabela mostra a distribuição
do comércio de vestuário, estando quase metade representado por lojas
independentes.
Após a discussão acerca da estrutura do setor têxtil, e de vestuário
mais especificamente, partimos no próximo item para a análise das
perspectivas para esse tipo de negócio.
32
3.3 Perspectivas para a indústria têxtil no Brasil
Com a abertura da economia, a concorrência do setor elevou-se
bastante, especialmente com a oferta de produtos têxteis estrangeiros que,
quer por terem menor custo de fabricação e assim poderem ser vendidos por
um menor preço com lucro, quer por serem diferenciáveis aos olhos do
consumidor, tomaram uma fatia do mercado até então dominado pelas
empresas nacionais.
O impacto da acirrada concorrência internacional foram sentidos de
forma diferenciada ao longo do complexo têxtil: enquanto as empresas
exportadoras já vinham desenvolvendo processos de modernização, as
pequenas e médias empresas, atuantes apenas a nível nacional, se viram mais
fortemente abaladas. E de fato, uma característica do complexo têxtil é sua
heterogeneidade em relação ao porte das empresas, indo desde grandes
empresas integradas (especialmente nos ramos de fiação e acabamento) até
pequenas confecções.
Segundo Gorini e Siqueira (1999), observou-se uma queda no número
de empresas no setor entre 1989 e 1995, principalmente nos setores de fiação
e tecelagem (50% a 40%). No geral, observou-se um declínio na produção nos
últimos anos. Segundo as autoras, para atingir a competitividade desejada, o
processo de reestruturação do setor deve ter continuidade, o que atualmente
vem envolvendo um deslocamento da produção para regiões com maiores
incentivos fiscais e menores custos de mão-de-obra.
33
No que diz respeito ao complexo têxtil a nível mundial, seus vários
setores vêm passando por mudanças estruturais, incorporando os avanços da
automatização da produção em várias de suas etapas, o que pode conferir
altos ganhos de produtividade. Atualmente, os setores de fiação e tecelagem
encontram-se fortemente intensivos em capital, enquanto o ramo das
confecções permanece intensivo em mão-de-obra, pelo fato da automatização
aí ser mais complicada. Ademais, segundo Gorini e Siqueira (1999):
“Em nichos de maior valor agregado, que envolvem fatores
como desenvolvimento de design e moda, há uma tendência à
flexibilização dos processos de produção, de forma a atender
mais rapidamente às mudanças da moda, implicando, portanto,
maior cooperação/especialização entre fornecedores e clientes ao
longo da cadeia têxtil, o que não é muito comum no Brasil, com
exceção de algumas experiências isoladas”. (p. 2-3)
Pelo comentário anterior comprovamos o fato, já debatido, de que os
nichos que envolvem moda necessitam de maior flexibilidade a fim de se
adaptarem às contantes mudanças de padronagens, cores, estilos etc.
Segundo os autores citados, o Brasil ainda não vem conseguindo se adequar
de modo consistente a essas exigências.
Por fim, do ponto de vista do mercado de trabalho, Durand (1988)
considera que a necessidade de percepção das tendências futuras, acrescido
da nova realidade configurada com o acirramento da concorrência, passa a
34
demandar novas habilidades e especializações profissionais em diversos
pontos da cadeia de produção têxtil.
3.4 Moda e Marketing de Moda no Brasil
Partimos
agora
para
o
estudo
da
moda
brasileira
e
seu
desenvolvimento. Durand (1988) realiza um histórico da moda no país, o qual
será sumarizado a seguir.
À época colonial, havia quase que um código de vestuário relativamente
fixo, onde a moda tal como hoje não poderia ser pensada. As mulheres viviam
reclusas, apenas saíndo para procissões e festas religiosas, cobertas por xales
ou mantilhas.
Com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, ocorre uma aproximação
comercial e cultural com a Europa. A moda vinha especialmente de Paris, tanto
através de peças de roupas importadas quanto de revistas de moda. Tal
quadro persistiu na entrada do século XX, não sendo assim adequada a moda
ao clima e cultura brasileira.
Durante a crise da década de 30 e a Segunda Grande Guerra, as
importações de bens de consumo foram bloqueadas, o que impulsionou o
desenvolvimento da indústria têxtil e de confecções. Edições de revistas
francesas passaram a ser adaptadas em versões locais e, principalmente após
o final da guerra, os Estados Unidos passaram a representar um grande
irradiador de tendências, especialmente através das estrelas de Hollywood.
35
O algodão passou a ser valorizado, sendo ideal para o clima quente do
país. Nessa época, algumas tecelagens de maior porte, como a Matarazzo e a
Bangú, começavam a perceber a importância de se criar moda e, ademais, a
Cia. Brasileira Rhodiaceta, filial de um grande grupo multinacional, iniciava a
produção de fibra sintética. Nomes da alta costura internacional (e
posteriormente costureiros brasileiros) foram convidados a experimentar os
tecidos de fabricação brasileira.
O colunismo social começou a representar um forte canal para a difusão
das tendências de moda, relatando as visitas de personalidades internacionais
do mundo artístico e de negócios ao Brasil:
"No relato de tais visitas e viagens, os colunistas abriam
parênteses para descrever o vestido de cada senhora, indicando
a maison de procedência e até mesmo o preço pago.
Eventualmente, mencionavam-se as virtudes morais de algumas
dessas 'ditadoras da moda'. (…) Para quem duvidar da
importância dessas senhoras na educação do gosto em matéria
de moda, basta lembrar que elas eram presença obrigatória em
júris dos mais notáveis concursos de elegância e beleza. Ibrahim
Sued imaginava 'quantas e quantas pessoas já não copiaram das
revistas elegantes os vestidos que essas mulheres usam em
público'. Eis a razão de serem fotografadas de corpo inteiro, em
pé, com o vestido cuidadosamente arranjado e iluminado para ser
visto em pormenor. Às vezes apareciam sentadas no canapé da
sala de visitas, apoiadas nos cotovelos, com os quadris
levemente contorcidos e as pernas esticadas para melhor mostrar
o vestido. Uma tapeçaria fina ou móvel de estilo no fundo da foto
36
ajudava discretamente a certificar o bom gosto e o refinamento da
entrevistada." (Durand, p. 69)
Com isso, donos de jornais e revistas, bem como diretores de clubes de
elite, passaram a lucrar com a publicidade comercial.
Na ampla discussão anterior, é importante atentarmos para o papel que
o colunismo social possuia no passado, pois, conforme veremos, este se
assemelha ao papel das novelas nos últimos tempos. Os meios de
comunicação de massa já se configuravam como fortes influenciadores da
moda no Brasil. Àquela época, o colunismo tornou-se via de exaltação das
virtudes e estilo de trajar das personalidades, tornando tais pessoas
verdadeiras líderes de moda, ao acabarem por difundir amplamente as
tendências. Como paralelo, atualmente as novelas seriam o canal mais ativo de
divulgação e difusão de novas modas, sendo suas personagens, com sua
personalidade, beleza e carisma, equivalentes às colunáveis de outrora.
A Casa Canadá representou um marco, como líder no domínio da moda
no pós-guerra, organizando um complexo que envolvia a promoção de desfiles,
um ateliê de costura fina e o escoamento de encomendas exclusivas e de um
pequeno estoque de prêt-à-porter. Foi para tal necessária a formação de
equipes de costureiros e manequins, daí emergindo alguns grandes nomes que
vieram a influenciar o mundo da moda.
A partir do final da década de 50, as feiras industriais de moda
ganharam destaque, sendo a principal delas a FENIT (Feira Nacional da
37
Indústria Têxtil), viabilizando muitas transações mercantis. Segundo Durand
(1988, p. 76), "sua existência atesta que o setor atingiu o mínimo de
diferenciação interna e que existem condições mínimas para um certo padrão
de cooperação entre empresas concorrentes e/ou complementares". Foram
nessas feiras também que muitas casas de costura francesas e italianas
buscavam o licenciamento de suas roupas e acessórios no Brasil.
Nas décadas de 50 e 60, portanto, o ramo de confecções e malharias
progrediu bastante, praticamente eliminando o espaço dos alfaiates e
costureiros no trabalho sob medida, o que foi viabilizado tanto por uma maior
oferta de matérias-primas naturais e sintéticas, quanto por uma maior demanda
devido ao crescimento significativo do mercado consumidor interno. Dessa
forma, o setor se expandiu, o que se reflete em um aumento no faturamento,
no número de funcionários e na abertura de novas empresas e fábricas.
No entanto, durante os anos 70, a concorrência se acirrou, fortalecendose as empresas maiores, que se preocupavam mais com a qualidade e estética
do produto ofertado. As demais empresas ficaram estagnadas.
Ganharam destaque boutiques bem-sucedidas por saberem seus donos
"farejar melhor os ventos do gosto e do estilo de vida dos grupos sociais que
'fazem' a moda." (Durand, p. 87).
A moda cada vez mais passava do âmbito exclusivo dos bens de luxo
para o mercado de massa, o que abre espaço para o Marketing de Moda no
Brasil, que vai buscar "administrar" a preferência do consumidor, realizando
38
definições estratégicas no lançamento de roupas e acessórios em grande
escala.
A partir da década de 80, buscou-se um alinhamento aos padrões
internacionais, adequando-se estes às peculiaridades nacionais. Naquele
contexto, não fazia mais sentido resistir à influência estrangeira.
De fato, segundo Rodrigues (1999), a assimilação de tendências
internacionais é muito grande no Brasil nesse fim de século, o que ela chama
de "vício da colonização". No entanto, acrescenta que outros dois fatores se
mostram bastante fortes como influenciadores da moda no país. O primeiro
seria a questão dos regionalismos. Ou seja, num país de dimensões
continentais, muitas tendências são geradas e/ou difundidas apenas em
determinadas regiões, não se alastrando por todo o Brasil. No Nordeste, por
exemplo, são predominantes cores mais quentes, como o vermelho e o laranja.
Já no Sul as cores das roupas costumam ser mais escuras. As diversidades
geográficas e climáticas, derivadas da questão do tamanho do país também
influem bastante, tornando determinados trajes praticamente exclusivos de
determinadas regiões, realizando-se aí mais variações de moda sobre a
mesma peça, como os ponchos no Sul, especialmente na região dos Pampas.
O segundo fator seriam exatamente as novelas e demais programas de
televisão, especialmente os da Rede Globo, por ser esta campeã absoluta de
audiência, especialmente durante o horário de suas novelas. Dessa forma, as
roupas mais expressivas, e/ou trajando as personagens mais populares, são
vistas por milhares de pessoas, o que pode despertar uma curiosidade e um
39
interesse coletivos. A indústria do vestuário, ciente da influência das novelas,
entra então com a fabricação e comercialização de várias peças inspiradas em
determinadas atrizes representando seus papéis. O consumidor vê esse
produto em exposição e realiza então uma série de associações, onde entra a
questão do desejo de imitar os famosos, a personagem carismática e mesmo o
fato daquela roupa já ter passado um tempo sendo observada pela
telespectadora. Ou seja, a aparição da personagem repetitivamente com
aquela roupa, ou estilo de roupa, permite um período de “namoro” com a roupa,
envolvida numa situação cheia de significados, que seria o enredo da novela e
a personagem. O desejo de possuir aquela roupa passa então por uma fase de
amadurecimento muitas vezes, o que pode potencializar essa vontade.
As novelas de fato são poderoso instrumento e canal de influência da
moda no país. Sendo o foco do trabalho, este último fator será detalhadamente
tratado na parte a seguir.
40
4 O PROCESSO DE DIFUSÃO DOS CONCEITOS DE MODA VIA NOVELAS
4.1 Comunicação na televisão
A forma pela qual o meio de comunicação que é a televisão dialoga com
seu público é uma primeira aproximação à questão da difusão de conceitos de
moda através das novelas. No Brasil, as novelas representam um dos
programas, senão o mais popular e significativo da televisão brasileira.
Portanto, compreender a comunicaçäo na TV torna-se essencial para
compreeender a comunicação nas telenovelas, partindo-se de uma abordagem
do mais geral para o mais particular.
Segundo Fiske (1987), a televisão é um agente cultural, criando e
fazendo circular significados entre uma variedade de grupos sociais, que
constituem sua audiência. Assim, para ser televisionado, um evento já estaria
dotado de códigos sociais, que são transparecidos no primeiro nível da
comunicação pela televisão, que é a imitação da realidade. Exemplos desse
tipo de código seriam a aparência física, o comportamento, o discurso e os
gestos das pessoas que aparecem na tela, suas vestimentas, a sua
maquiagem, o ambiente, o som, dentre outros detalhes que, somados,
compõem um código que transmite familiaridade e atrai o telespectador. Num
segundo nível, o da representação – segundo o esquema de Fiske -, estariam
presentes os códigos técnicos, dentre os quais, as técnicas de edição, câmera,
iluminação, música e som. Tais fatores serviriam para modelar as
representações de, por exemplo, narrativas, conflitos, personagens, ação,
diálogos e cenários. Finalmente, o terceiro e último nível é o da ideologia, que é
41
organizada levando em conta a coerência e a aceitação social através de
códigos ideológicos, tais como individualismo, raça, classe, materialismo,
capitalismo, etc. Tal complexo modelo visa, portanto, delinear uma lógica
através da qual o que estaria mais visível à audiência (o primeiro nível) faz uso
dos códigos do segundo nível a fim de atingir o nível ideológico, onde
pensamentos, hábitos e gostos das pessoas estariam sendo influenciados, o
que ocorre no caso da difusão de padrões de moda através das telenovelas.
Santos (1995, p. 61-2) considera que a televisão apresenta-se como
uma "janela para o mundo":
"Na esfera privada o telespectador/cidadão recebe o
mundo público, o desenrolar dos acontecimentos históricos e
políticos, esportes, música, teledramaturgia, discussões éticas e
renovações estéticas são oferecidas para o telespectador."
A televisão seria, portanto, um importante canal de interação entre o
mundo e o indivíduo, trazendo-lhe informação e cultura. A questão das
renovações estéticas engloba o fato desse meio de comunicação de massa ser
capaz de levar a seu público novos conceitos de beleza e moda.
Marcondes Filho (1988), por sua vez, acredita que a televisão se
comunica através de dois sistemas básicos, quais sejam, os signos e os
clichês:
"Em síntese, o signo representa qualquer fato social,
pessoas, objetos, situações, acontecimentos, o mundo real, sem
42
ferir ningúem, pois tudo já vem "domesticado". Os signos filtram
as desgraças, os problemas, as dores reais e, através disso,
fazem com que os telespectadores convivam mais naturalmente
com a miséria, com a violência, tornando mais digerível sua vida.
(…) No clichê, a emoção que havia sido congelada pelo signo é
novamente aquecida. Cativa-se o receptor, embalando-o em
sonhos, transportando-o para outros mundos de felicidade ou
desgraça, bem longe da vida real. (…) São fantasias que mantêm
os telespectadores no mundo das normas, dos valores e das
duras realidades. Antes que o sonho invada a vida do receptor,
tirando-lhe a paz, a estrutura da fantasia-clichê o abate e o
neutraliza." (p. 48-9)
Ainda segundo Marcondes Filho, a linguagem da televisão em cada
país é desenvolvida a partir de sua cultura, seu passado, bem como do
desenvolvimento de outros meios de comunicação. Dessa forma, no Brasil,
embora houvesse significativa produção cinematográfica e teatral, a linguagem
televisiva desenvolveu-se em sua origem com base na linguagem empregada
no circo e no rádio. Isso fica claro através do perfil dos programas de auditório
e do caráter de rádio televisionado que configurava os primórdios da televisão
no Brasil.
Gontijo (1987) oferece um breve relato da ascensão da TV brasileira,
na década de 70:
“Aos poucos, a televisão ia ocupando os espaços do rádio,
ora roubando seus profissionais, ora arrecadando gordas fatias
do mercado publicitário. A TV deixara de ser uma curiosidade
43
eletrônica. No mundo todo, ela estava associada ao nível de
modernização
atingido
pelos
países.
E
o
regime
militar
concentrou esforços na disseminação daquele testemunho de
modernidade pelo Brasil. Se houve um fenômeno cultural na
época, sem dúvida nenhuma esse foi a TV.” (p. 109)
Em 1994, a televisão já possuia a maior penetração dentre todas as
mídias no Brasil, atingindo aproximadamente 95% da população, enquanto os
jornais ficavam na faixa dos 70%, o rádio 90%, o cinema 30%, a revista 45% e
o teatro 15%5. Passamos agora ao estudo do maior canal de televisão aberta
do Brasil.
4.2 A Rede Globo e o papel das novelas
Atualmente, a Rede Globo de Televisão apresenta-se consolidada como
líder absoluta no mercado brasileiro. As demais emissoras de televisão aberta,
dentre as quais as principais são SBT, Bandeirantes e Record, estão fadadas a
um papel secundário. O mercado de TV a cabo até o momento também não
parece abalar a supremacia da Rede Globo, que, segundo Grael (1987), tem a
expansão contínua como sua principal estratégia. Em 1997, a Rede Globo era
considerada a maior rede de televisão privada do mundo fora dos Estados
Unidos6.
5
Informação extraída do caso "O Dia", do Programa MBA Marketing do
Coppead/UFRJ.
6
Informação extraída do caso "Extra", preparado por alunos do mestrado do
Coppead/UFRJ, sob a coordenação do Prof. Agrícola Bethlem.
44
De fato, de acordo com Herz (1991, p. 206):
"A Rede Globo impôs um padrão de produção de televisão
com inovadores recursos de linguagem e com níveis de qualidade
técnica que fundaram um modo brasileiro de produção de
televisão. A Rede Globo constituiu-se num canal privilegiado de
penetração do que há de mais moderno na produção de televisão
do mundo ocidental, importando tecnologia sofisticada. Mas
também produziu uma 'tecnologia nacional' compatível com o
modelo de desenvolvimento 'modernizante-conservador' que o
país passou a viver."
Ou seja, a empresa possui perfil altamente modernizante, preocupada
com o constante aperfeiçoamento tecnológico a fim de oferecer um produto
visivelmente superior ao da concorrência. Do ponto de vista da grade de
programas da emissora, ao lado do Jornal Nacional – noticiário de televisão
mais assistido do país -, de programas apresentados por pessoas carismáticas
e voltados para públicos especificos – como os das apresentadoras Xuxa e
Angélica para o público infanto-juvenil e o de Ana Maria Braga para as donasde-casa – e de filmes e seriados estrangeiros, as novelas possuem lugar
especial na história de sucesso da Rede Globo.
E a telenovela, segundo Grael (1987), teve um papel fundamental para a
bem-sucedida estratégia da empresa de conquista e liderança absoluta do
mercado interno, bem como foi igualmente fundamental para a viabilização da
45
internacionalização da empresa. Uma sucinta descrição desse gênero é feita
em sua dissertação e aqui retratada:
"O produto compõe-se basicamente de uma história
desenvolvida em capítulos, cujo número varia de cento e
cinqüenta a duzentos, apresentada de segunda a sábado, em um
determinado horário. Normalmente o gênero apela para o
suspense ao final de cada capítulo, de modo a atrair o
telespectador para o capítulo seguinte, criando assim um vínculo
com a audiência. As telenovelas são os programas que geram os
maiores índices de audiência para a emissora, sendo estes
crescentes na medida que o final da trama se aproxima. (…)
Para a elaboração dos enredos, o departamento de
produção utilizava os subsídios fornecidos pelo Departamento de
Pesquisa, que mantinha atualizado o perfil dos telespectadores
nos quatro horários estabelecidos para as telenovelas, na faixa do
horário nobre. Para cada novela lançada, a Divisão de Pesquisa
previa os limites estimados para os índices de audiência de seus
cento e cinqüenta capítulos.” (p. 83 e 87)
Ou seja, a elaboração das novelas é minuciosamente programada,
assim como seu acompanhamento. Há sempre a preocupação em se receber
um feedback por parte dos telespectadores, o que em última instância irá
garantir ou elevar ainda mais os níveis de audiência, aumentar a demanda por
colocação de anúncios no intervalo das novelas (o que aumenta o preço do
espaço concedido), e assim por diante.
46
Essa atenção à opinião e ao nível de satisfação do telespectador é
recorrente e é capaz inclusive de alterar o rumo das tramas. Em uma novela
recentemente transmitida – Torre de Babel -, a presença de personagens
polêmicos no início da novela – como um drogado e um casal de mulheres
homossexuais – desagradou tanto ao público que o enredo se alterou,
ocorrendo um incêndio de um prédio onde morreram todas essas personagens
controversas. Em Terra Nostra, telenovela veiculada pela Rede Globo entre
1999 e 2000, a personagem da atriz Débora Duarte estava fadada a morrer
durante o parto, o que foi anunciado nas revistas especializadas. Os
telespectadores,
por
considerarem
a
personagem
muito
envolvente,
demonstraram sua insatisfação com seu destino e assim a morte acabou por
não ocorrer. Assim, pode-se dizer que o diálogo entre telespectador e novela
não se dá de forma unilateral.
Segundo Gontijo (1987, p. 109), desde seu início, “as novelas da Globo
ditavam moda, moral, linguagem, padrão de comportamento e, acima de tudo,
uniam o Brasil de norte a sul, numa imensa aldeia global.” A novela tornou-se
portanto um programa permanente e indispensável. Segundo Marcondes Filho
(1988, p. 60), "o grande público busca, pela telenovela, entrar inteiramente no
social, no conhecimento e no domínio das regras da sociedade."
A antropóloga Rosane Manhães Prado (1987), em sua dissertação de
mestrado, procurou detectar como as mulheres avaliavam as novelas a partir
de seu universo cultural, fornecendo um importante depoimento sobre o papel
das novelas em nossa sociedade:
47
"Acredito que as novelas permitem que se estabeleça um
diálogo 'com a TV', com elas, com suas tramas, suas
personagens, seus valores - quando o telespectador assiste e vai
avaliando o que vê. Como também acredito que permitem que se
estabeleça um diálogo a partir delas - quando os telespectadores
discutem entre si os temas por elas apresentados. As pessoas
acabam por apropriar-se das novelas, direcionando as questões ali
colocadas para os seus próprios mundos, cotejando-as com suas
próprias questões e usando-as num mecanismo de comparação
com suas próprias vidas. Creio que à idéia de que a TV/novela com seus temas distantes do cotidiano e da visão do mundo de
certos segmentos de telespectadores - tem a capacidade de
afastar esses telespectadores de suas referências, pode-se
contrapor uma outra idéia: a de que eles trazem a TV/novela para
dentro de seu mundo e utilizam-na para pensarem sobre si
mesmos e esse mundo. É enquadrando-a em suas referências
que lhe dão sentido." (p. 121)
Um exemplo desse raciocínio é a incorporação de gírias inventadas nas
novelas para o dia-a-dia das pessoas. Mesmo quem não assiste novelas
freqüentemente acaba por render-se ao uso de tais expressões, o que ocorre
de modo recorrente. O uso de roupas que são vistas primeiramente nas
novelas também é outro exemplo da entrada das telenovelas na vida da
sociedade. Ocorre, no entanto, uma filtragem. Isto é, nem tudo que é visto nas
novelas é incorporado à vida real, mas sua influência é visível, inclusive no que
diz respeito à incorporação, refutação ou reforço de valores e sentimentos
48
típicos das relações humanas, como, por exemplo, a postura pessoal frente a
uma situação de homossexualismo.
Outra dissertação na mesma área (Coutinho, 1993), buscou refletir sobre
a telenovela enquanto um importante produto da indústria cultural brasileira, a
partir da análise da narrativa de um texto de uma novela, visando investigar
seu conteúdo de símbolos e representações, que seriam uma espécie de
espelho da sociedade. Na mesma linha, Leal (1983) buscou realizar uma
"leitura social" de uma novela das oito7. Finalmente, Gomes (1991, p. 5) diz que
as telenovelas realizam uma síntese dos processos de classificação
e de
conhecimento. A sociedade, então, dispõe de tal recurso, que vai orientar
escolhas na vida real, “não apenas em relação a valores e sentimentos, mas
em relação ao consumo de bens e serviços, em relação ao modo de classificálos, ordená-los, alocá-los no tempo e no espaço (…)". A novela, portanto, seria
instrumento influenciador tanto das áreas de relacionamento e convivência
humana como do comportamento compratório das pessoas.
Em suma, estes estudos servem para se ter uma amostra da
importância de se analisar a telenovela, enquanto bem cultural assistido,
incorporado e vivenciado pelos brasileiros. Nas palavras de Herzog & Pimenta
(1997, p. 59):
7
O termo "novela das oito", assim como "novela das sete" e "novela das seis"
refere-se às telenovelas veiculadas nestes horários aproximadamente. Vale
mencionar que o público-alvo da novela das seis é um público mais juvenil e de
senhoras que não trabalham fora. A novela das sete possui em geral
linguagem jovial e tom cômico. Finalmente, a novela das oito, ocupando o
"horário nobre" possui público-alvo mais amplo e por isso mesmo costuma ser
a mais comentada.
49
"Independente dos mecanismos de inserção da novela no
cotidiano e de sua maior ou menor influência efetiva, o que se
observa é que, de maneira mais ou menos intensa, mais ou
menos analítica, mais ou menos sofisticada, a novela não só
permite como constitui um espaço para a reflexão sobre a
realidade e a elaboração de sentimentos, atitudes, valores."
É inegável, portanto, a interação entre as novelas e o comportamento
das pessoas sob vários aspectos na vida real. A seguir é iniciada a discussão
dessa influência em um dos campos onde esta é percebida mais fortemente: o
impacto das roupas usadas pelas personagens nas novelas sobre as escolhas
e concepções da moda no país.
4.3 Impacto dos figurinos de novelas
Durand (1988) considera ser a prática do merchandising a relação mais
peculiar entre televisão e vestuário de massa no Brasil. Seguem três definições
– de certa forma complementares - de merchandising, a primeira deste mesmo
autor (p. 98), a segunda de Grael (1987, p. 187) e a terceira de Marcondes
Filho (1988, p. 62):
"É a publicidade dissimulada no próprio interior dos
programas, em particular no espaço ficcional desse fenômeno de
mídia tipicamente brasileiro - a telenovela."
50
"No Brasil, produtos de consumo e serviços podem ser
inseridos na programação da emissora através de uma prática
denominada merchandising. Palavra que na linguagem de
marketing quer dizer 'colocar no mercado', merchandising
assumiu, no Brasil, a conotação de 'anúncio inserido nas cenas',
sendo muitas delas especialmente criadas para este fim."
"O eixo principal da telenovela está fora da representação
em si, a saber, no intervalo comercial, ou nela embutido como um
corpo
estranho
-
merchandising,
isto
é,
a
apropriação
mercadológica do apelo aos sentimentos, medos e emoções das
pessoas que a dramaturgia consegue fazer, instrumentalizando
essas necessidades com outros fins: a obtenção de lucros e a
venda de mercadorias."
Assim, na definição de Durand, percebemos o merchandising como uma
forma de publicidade, que tem como principal característica estar inserida no
próprio conteúdo dramático da telenovela. Dessa forma, a comunicação seria
suavizada. Grael, por sua vez, destaca o fato de que a palavra é empregada no
Brasil com um significado distinto do seu original nos países de língua inglesa.
Também é mencionado aí o fato de muitas vezes serem escritas cenas nas
novelas com o fim específico de se empregar a ação do merchandising.
Finalmente, Marcondes Filho introduz uma visão um tanto quanto crítica do
fenômeno, realçando seu papel dentro do universo da telenovela, como uma
manipulação do roteiro a favor da obtenção de lucros extras, auferidos com o
merchandising. A empresa por trás do produto exposto, por sua vez, estaria
51
alcançando aí seu maior objetivo: expor seu produto a uma grande audiência e
portanto estimular suas vendas.
Cabe dizer ainda que tal a prática do merchandising não é de modo
algum exclusividade do Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, são
recorrentes as cenas de filmes de Hollywood e de seriados de televisão que
expõem produtos, serviços e mesmo conceitos de moda com o intuito de serem
difundidos através desse meio. O que está sendo discutido nesse trabalho, e
que é bastante peculiar do Brasil, é o fato do principal canal de tais práticas
aqui serem as telenovelas, dada sua popularidade. E mais, pelo fato de as
novelas serem mais longas que um filme e apresentarem tramas mais
contínuas que um seriado americano, a percepção e relação que o consumidor
estabelece com o fenômeno também se torna bastante específica, merecendo
portanto um estudo à parte.
Segundo Durand (1988), no início, antes da institucionalização do
merchandising nas telenovelas do país, este se dava sob a forma de propinas
dadas a atores, cenógrafos e contra-regras, que então deveriam deixar
aparecer alguma marca no vídeo "inocentemente", à revelia da emissora.
A Rede Globo então percebeu que estava ocorrendo aí uma perda de
oportunidade, uma evasão de receita ao não aproveitar o "intervalo que vai de
um comercial a outro". Portanto, em 1978, segundo Durand, o merchandising
foi formalizado, criando-se uma agência específica, a Apoio, para tratar do
assunto:
52
"Caberia à Apoio analisar scripts de novela e demais
conteúdos editoriais para antecipar quais empresas e/ou ramos
de negócio poderiam interessar-se por séries ou pacotes de
'ações', tendo seus produtos mostrados, mencionados, elogiados
ou mesmo, no limite, consumidos ao vivo por algum personagem,
tudo dependendo dos acordos entre a emissora, seu pessoal e o
anunciante." (p. 98-9)
Dessa maneira, era formalizado todo o mecanismo através do qual
produtos passavam a ser inseridos nas cenas das novelas, em geral sendo
usados, elogiados ou cobiçados por personagens com características
semelhantes às do público-alvo almejado pela empresa utilizadora da
comunicação via merchandising.
Conforme conta Grael (1987):
"O diretor da Central Globo de Comercialização conta que
a prática do merchandising originou-se da necessidade de
utilizarem-se produtos de consumo nas cenas gravadas. Ao invés
de se evitar a aparição da marca, esta passa a ser evidenciada
mediante contrato firmado entre o fabricante e a rede.
A partir da penetração das telenovelas no mercado interno,
a emissora passou a usufruir da influência de seus artistas no
mercado consumidor e a apresentar aos anunciantes chances de
colocar seus produtos em cena. Artistas do elenco cujos
personagens se identificam com o público-meta visado pelo
anunciante passam a utilizar seus produtos, podendo até
demonstrar suas vantagens ou atrativos." (p. 187-8)
53
Era aberto, assim, um novo e até certo ponto sutil canal publicitário, que
pegaria o telespectador/consumidor desarmado, segundo Durand (1988),
depois de haver assistido a carga explícita e pesada dos comerciais no
intervalo da novela. Com isso, segundo o mesmo autor, a Globo acabou
reunindo alguns exemplos que confirmam, para a TV brasileira da atualidade,
um valor similar ao do apogeu do cinema de Hollywood, no que tange a seu
poder de criar moda. O exemplo clássico é o da novela Dancing Days, exibida
entre 1979 e 1980, que envolve tanto um caso de sucesso de merchandising
explícito de uma marca quanto da difusão de uma nova moda.
No primeiro caso, refere-se ao sucesso de vendas que o jeans Staroup
conseguiu obter após algumas aparições da personagem Júlia Matos,
interpretada pela atriz Sônia Braga vestindo suas calças no salão da boate
"quente" da novela. Isso foi suficiente para, segundo dados fornecidos por
Durand, fazer saltar as vendas de 40 mil para 300 mil calças por mês. Ao final
da novela, o patrocinador já havia coberto todo seu gasto, estimando que as
reapresentações da novela no exterior e as exportações e contratos de licença
proporcionariam ganhos extras. E foi exatamente o que aconteceu, conforme
relata Grael, examinando o caso específico de Portugal:
"O lançamento da marca Staroup no mercado de Portugal
coincidiria com o início da apresentação da telenovela Dancing
Days na Rádio e Televisão portuguesa. (…) a repercussão obtida
no mercado de Portugal foi avaliada pelo volume de vendas
atingido quinze dias após seu lançamento: cem mil peças. O
54
volume previsto para doze meses de vendas era de duzentas mil
peças." (p. 187)
O segundo exemplo, dentro da mesma novela, refere-se mais à difusão
de um conceito de moda do que de uma marca específica: as meias brilhantes
e coloridas e as sandálias altas da mesma personagem, da atriz Sônia Braga,
viraram febre nacional. Segundo Durand (1988), "se espalharam do dia para a
noite, infestando tudo o que era boate, festa ou discoteca dos quatro cantos do
país". É interessante mencionar que, quase 20 anos depois, a imagem de tal
"moda" foi empregada num anúncio de seguros, evidenciando ao mesmo
tempo a força que teve na época de seu lançamento e a questão da
efemeridade dos padrões de moda (refletida na "múltipla escolha" inserida no
anúncio). Tal anúncio encontra-se reproduzido no anexo 1.
Outro exemplo do impacto das novelas sobre a moda é também relatado
por Durand:
"Em Água Viva, Betty Faria, no papel de uma ‘boutiqueira’,
queixou-se meio distraída que andava farta de um certo roxo.
Conta-se que nos dias seguintes o telefone da emissora não
parou de tocar, com confeccionistas loucos da vida pedindo
urgente retificação do 'equívoco', pois o tal roxo rapidamente
encalhava nas prateleiras."
Aí fica evidenciado que, mesmo de forma indireta, as novelas são
capazes de surtir grande impacto sobre a indústria da moda. Um simples
55
comentário de uma personagem pode ser capaz de alterar todas as previsões
de oferta e demanda do setor, exigindo uma grande habilidade por parte dos
fabricantes de roupas, assim como de seus fornecedores e parceiros.
Outra evidência da abrangência do fenômeno da difusão de conceitos
de moda pelas telenovelas é exposto na reportagem de Rodrigues (1999),
onde uma pesquisadora e figurinista relata sua experiência ao ir a um
casamento no interior de Minas Gerais e constatar que todas as convidadas
trajavam vestidos inspirados nos figurinos da personagem da atriz Carolina
Ferraz em Pecado Capital, novela das seis recentemente veiculada. Esta atriz
é na atualidade apontada como um "ideal de modelo", o que é retratado na
capa de revista exposta no anexo 2. Ela e outras figuras assim consideradas
costumam inclusive ganhar um verdadeiro guarda-roupas completo de griffes e
estilistas famosos, que vêem aí um poderoso canal de divulgação de suas
roupas, o que é relatado em recente reportagem da Revista Veja (Paixão,
1999).
Vale ainda destacar o uso intensivo de merchandising para amortecer ou
adiar o impacto de uma tendência da moda internacional, através de um
exemplo citado por Durand (1988):
"Esta é a ordem de razões que se apresenta para uma
novela, passada faz poucos anos, na qual quase todas as
personagens femininas vestiam colantes o tempo inteiro.
Argumenta-se que isso resultou do fato de uma fabricante de fios
sintéticos haver comprado todo o merchandising da novela, a fim
56
de tentar conter a difusão de uma tendência de moda surgida em
Paris e que propunha roupas bem folgadas e livres, dispensando
fios elásticos." (p. 103)
Nesse caso, a novela serviu como defesa contra efeitos não desejados
naquele momento que poderia causar a difusão de determinada tendência
advinda dos grandes centros de moda internacionais. Ou seja, a indústria da
moda nacional enxergou aí uma forma de barrar a chegada de um novo
padrão, por ir contra seus interesses e planejamentos naquele momento.
Especialistas do mundo da moda também não ignoram o impacto das
novelas sobre a moda brasileira. A consultora e jornalista de moda Gloria Kalil
(1997), por exemplo, dá a seguinte "dica" em seu "guia básico de moda e
estilo", o que reflete a força dos programas de TV como ditadores de moda:
"Numa zapeada pelos canais de televisão, é possível, em
um minuto, saber quais são as tendências da moda em uso, da
moda
real.
Locutoras,
apresentadores
de
telejornais,
personalidades, atores desfilam pela tela vestindo as roupas do
momento. Denunciam moda o tempo todo. É informação
instantânea.
A tevê não é só registro. É uma grande lançadora de
modas, ondas e febres. Um pequeno acessório que marque uma
temporada - como o brinco da atriz principal da novela - vira uma
febre nacional." (p. 232)
57
A leitora que quiser estar na moda, portanto, segundo a jornalista, teria a
novela como opção rápida de se atualizar, saber o que está se usando assim
como o que não se vê mais por aí. Por outro lado, a própria TV teria a
capacidade de lançar modas que podem ser velozmente difundidas pelo país.
Um dos informantes da pesquisa etnográfica a ser relatada adiante
também ofereceu um importante depoimento acerca da influência das roupas
que as atrizes das novelas vestem nas novelas e o quão rápido tais tendências
aí lançadas devem ser captadas a fim de se tirar vantagem da situação,
ofertando à consumidora a roupa "da moda" que ela viu na novela há poucos
dias. E os pedidos nesse sentido ocorriam de modo bastante freqüente durante
as conversas com o consumidor.
É importante ainda destacar, conforme lembra Durand (1988), que,
como os capítulos das novelas são filmados com antecedência, os figurinistas
precisam estar antenados ao que não apenas é a moda em "x" como a quais
roupas possuem o potencial de ser moda em "x+1". Para tal, percorrem não
apenas as boutiques como também os pontos de pronta-entrega, pontos esses
que serão estudados com maior ênfase em nossa pesquisa de campo:
"Nesse esquema, o figurinismo de novela está ajudando a
reforçar as tendências de moda desencadeadas no espaço das
boutiques e confecções da zona sul carioca, e que resultam da
adaptação da moda estrangeira, entremeada com 'criações
próprias'. Como o custo do merchandising geralmente não está
ao alcance dessas lojas e confecções, a seleção de quais
boutiques visitar fica a cargo da intuição do figurinista, de suas
relações e da capacidade de ler em que lugares se oferece algo
58
mais notável. Tais efeitos de difusão aumentam ainda mais à
medida que confeccionistas de outros pontos do país, certos de
que a TV é a melhor fonte de consulta, e sem muita preocupação
com sincronia, programam, a prazos mais longos, coleções
baseadas no que a novela acabou de mostrar." (p. 102).
A busca de inspiração, dessa forma, não se dá num sentido unilateral. O
figurinista também necessita percorrer os espaços de venda de vestuário a fim
de captar tendências e selecionar as mais cabíveis ao enredo e,
principalmente, ao perfil das personagens das novelas. Lojas de venda por
atacado e confecções não podem estar de fora dessa “pesquisa de campo” do
profissional da emissora, pois é daí que sai a moda que um pouco mais na
frente estará exposta nas vitrines das grandes lojas varejistas, influenciando o
consumidor final. Há portanto uma troca mútua de idéias entre o figurinista e o
lojista, especialmente o de atacado. Os informantes do Shopping Santa Clara
33 encontram-se em sua maioria em posição tanto de venda para atacado
quanto de venda para varejo, o que torna a pesquisa ainda mais interessante.
Finalmente, é válido perceber ainda que cada vez mais se vê nas
novelas da "atualidade"8 situações e personagens criados para "suavizar" a
ação do merchandising, como a aparição de estabelecimentos comerciais no
roteiro da narrativa e personagens cada vez mais freqüentes como
publicitários, fotógrafos de publicidade, modelos, donos de franquias,
8
Uma vez que novelas de época raramente recebem o emprego do
merchandising. Contudo, vale mencionar que isto parece estar mudando,
conforme veremos adiante.
59
confeccionistas, editores de moda, etc. E a percepção de Durand (1988) vai
além:
"Quando nada disso é possível, por exemplo, em um
lugarejo dos confins como Asa Branca9, então se inventa uma
Porcina10. (…) Personagem assim tão acima de toda coerção de
moda libera a imaginação do figurinista, que pode vesti-la até
mesmo com autênticos Saint-Laurent em ocasiões e lugares tão
estapafúrdios que o costureiro francês jamais imaginaria. Com
essas e outras, o figurinismo de novela acaba criando ruídos
imensos no ritmo de difusão da moda, tal como orquestrado a
partir de suas instâncias próprias." (p. 103)
O mesmo caso vem ocorrendo com algumas novelas de época de maior
repercussão. A recentemente veiculada novela das oito (“horário nobre”), Terra
Nostra, está prestes a apresentar marcas tradicionais em ações de
merchandising, segundo Valladares (1999). Ademais, algumas revistas de
moda já vêm incorporando “modas” do início do século, explorando as
personagens dessa novela, como o “xale da Paola11” e o “lencinho da
Giuliana12”.
Por tudo o que vimos, podemos crer no depoimento da principal
figurinista da Rede Globo, Marília Carneiro, em entrevista a Durand. Segundo
9
Nota da Autora: cidade fictícia onde se passava a novela Roque Santeiro, um
dos maiores sucessos do gênero.
10
Nota da Autora: personagem de Regina Duarte.
11
Personagem da atriz Maria Fernanda Cândido, eleita “a mulher mais bela do
século” pelo público do Fantástico, programa dominical da Rede Globo.
12
Personagem da ex-modelo e atriz Ana Paula Arósio, também apontada como
ideal de beleza da atualidade.
60
ela, a televisão seria o grande desfile de modas do povo brasileiro. Ademais,
como poucas pessoas do campo da moda teriam acesso no país a revistas e
desfiles estrangeiros, a televisão seria para estes também o principal foco do
campo da moda no Brasil. Segundo Spinardi (1999), pode-se dizer que as
novelas lançam mais moda do que todas as griffes nacionais juntas. É
inegável, pois, o impacto que a novela teve no passado e continua tendo no
presente sobre os conceitos de moda no país. E nada sinaliza que isso venha a
mudar, ao menos nos próximos tempos, dado que isso envolveria uma
mudança em questões culturais e sociais arraigadas na sociedade brasileira há
bastante tempo, como o papel e o alcance das telenovelas em vários aspectos
da vida das pessoas. A seguir são expostas algumas teorias do Marketing que
podem ajudar na compreensão do fenômeno acima exposto.
4.4 Lógica do impacto dos figurinos de novelas: a teoria da difusão de
inovações e outros estudos aplicáveis
Nesta parte são abordadas algumas teorias e estudos acadêmicos que
contribuem para a compreensão do processo de difusão da moda através das
telenovelas da Rede Globo. Tais estudos advêm, especialmente, do Marketing,
Sociologia e Antropologia.
A primeira teoria a ser exposta é a teoria da difusão de inovações,
desenvolvida em grande parte no campo do Marketing, por Everett Rogers e
seus seguidores, embora absorva muitas idéias advindas da Sociologia e da
61
Antropologia, segundo Rocha & Christensen (1999). Tal teoria procura
desenvolver um modelo que explique o processo pelo qual se dá a adoção de
uma inovação ao longo do tempo, sendo assim bastante elucidativa para a
questão da difusão dos conceitos de moda através das novelas no Brasil.
A difusão envolveria, segundo essa teoria, quatro fatores. O primeiro
deles é a inovação propriamente dita, e aí entenda-se como inovação tudo que
seja percebido como novo, mesmo que sua criação já tenha se dado há algum
tempo. O que importa portanto é a percepção dos indivíduos e não sua
existência do ponto de vista técnico. O segundo fator são os canais de
comunicação através dos quais a mensagem da inovação será transmitida,
podendo ser impessoais - meios de comunicação de massa - e pessoais "boca-a-boca".
O tempo de adoção da inovação é o terceiro aspecto envolvido, que vai
ser diferenciado conforme o tipo de adotante, conforme veremos à frente, e
assim determinará diferentes durações para cada estágio. Finalmente, o último
fator é representado pelo sistema social, com sua estrutura de comunicação
particular que pode vir a facilitar ou atrapalhar a difusão da inovação.
Os adotantes, segundo Rogers (1983), podem ser de cinco diferentes
tipos:
62
!
inovadores: seriam o elemento fundamental para a importação de uma
inovação, possuíndo um caráter aventureiro, cosmopolita e correspondendo
a aproximadamente 2,5% do total de adotantes13;
!
adotantes iniciais: mais "locais" que os inovadores, sendo bastante
respeitados em seu meio, atuando muitas vezes como líderes de opinião.
Atuariam como uma espécie de filtro durante o processo de adoção,
sinalizando uma redução do risco aos seus seguidores;
!
maioria precoce: seguidores dos adotantes iniciais, não atuando como
líderes de opinião;
!
maioria tardia: apenas adotam a inovação depois que mais da metade dos
adotantes já o tiver feito, não desejando se expor a risco;
!
retardatários: bastante ligados ao passado. Em geral, no momento em que
estão incorporando a inovação outra já está sendo introduzida.
O fato de se pertencer a um grupo ou outro dos apresentados acima
seria determinado por um conjunto de variáveis sócio-econômicas (nível de
instrução, mobilidade social, status social, etc.), variáveis psicográficas
(dogmatismo, racionalidade fatalismo, etc.) e, finalmente, variáveis ligadas ao
processo de comunicação (participação social, exposição a meios de
13
De acordo com Rocha & Christensen (1999), há evidências empíricas de que
a curva de distribuição dos diferentes tipos de adotantes no tempo se
aproximaria de uma curva normal.
63
comunicação de massa e a canais pessoais, busca de informações sobre
inovações, conhecimento sobre inovações, liderança de opinião, etc.).
Ademais, a teoria da difusão de inovações define cinco estágios pelos
quais os indivíduos passariam durante o processo de adoção. A primeira fase é
a do conhecimento, quando se dá a primeira exposição à inovação. A
curiosidade funciona como motivadora nessa etapa, pois o indivíduo ainda não
reconhece aí uma necessidade. Posteriormente, há o período de persuasão,
quando ocorre o desenvolvimento de uma atitude em relação à novidade
apresentada, seja esta atitude positiva ou negativa, o que vai variar conforme o
perfil da pessoa e a forma pela qual a inovação lhe foi comunicada.
O terceiro estágio é representado pela decisão, onde se efetiva a
aceitação ou rejeição à inovação, o que pode ser feito através de uma compra,
por exemplo. A seguir, aqueles que optaram por experimentar a inovação vão
efetivar esse uso, o que se dá durante a etapa de implementação. Por último,
há a confirmação, através da busca de reforço para a decisão já tomada.
Segundo a teoria da difusão das inovações, os diferentes tipos de
adotantes seriam afetados pelos canais de comunicação de forma distinta, ao
serem expostos à inovação, possuindo portanto esses estágios características
e durações variáveis. Aplicando isso ao nosso estudo específico, enquanto
determinado grupo responderia rapidamente à aparição de uma nova moda
numa telenovela, através da demanda por esse novo tipo de roupa ou
acessório, outros poderiam preferir aguardar certo tempo até adotar essa
“inovação”, seja com o intuito de aguardar para ver se a moda “vai pegar”
64
mesmo ou seja por de fato apresentar uma resistência inicial à influência da
novela sobre seu modo de se vestir.
Outros estudos atentam para o papel dos líderes de opinião. Tanto Wills
& Midgley (1973) quanto Katz & Lazarsfeld (1964) demonstram a importância
destes indivíduos. Enquanto os primeiros enfatizam a relevância destes para a
difusão de moda, os segundos demonstram seu importante papel para a
comunicação de massa.
No processo de merchandising nas novelas, a idéia seria, através dos
líderes de opinião em que se transformam os atores e suas personagens (que
seriam os adotantes iniciais ou mesmo inovadores) buscar o máximo possível
de adotantes no menor espaço de tempo possível, como se procurando
acelerar os estágios da curva de adoção para o maior número de
consumidores potenciais possíveis. Para tal, seria desenvolvida toda uma
estratégia que estimulasse esse processo, conforme relata Durand (1988):
"É praxe figurinistas e outros técnicos desenvolverem
pesquisas de campo para conhecer linguagem, gíria, lazer,
hobbies, formas de morar e hábitos de vida em geral das
personagens a serem construídas. Nessa procura do veraz,
condição para a construção de personagens convincentes e que
facilitem a transferência psicológica de que resulta a identificação
do telespectador, o imperativo é vestir cada uma segundo o que
lhe é próprio na vida real." (p. 101).
65
Dessa forma, conhecendo o perfil do telespectador/consumidor, as
novelas saberiam como chegar até eles e, ao lançar inovações, essas seriam
de mais fácil assimilação. O telespectador então se depara com uma situação
onde vê astros e estrelas representando papéis que se aproximam de sua
própria realidade, o que leva a uma maior identificação com a personagem.
Estudo nessa linha, embora mais abrangente, é realizado por Rocha
(1995) ao relacionar os meios de comunicação (e não apenas a TV e suas
novelas, daí seu maior escopo) com os com o fenômeno do consumo,
estudando a relação entre nossa sociedade e o "mundo de dentro" da tela.
Cabe retratar aqui uma das passagens de sua tese:
"… um complexo sistema de classificações - equacionando
produtos, por um lado, e pessoas, emoções, estilos de vida, etc.,
por outro - é elaborado tanto pela publicidade quanto por outras
produções da Comunicação de Massa. (…). Neste sentido, o
consumo pode ser visto como um operador, gerenciando a
distribuição de valores (sensualidade, poder, saber, bom gosto,
cultura, sofisticação, beleza e outros tantos) que classificam e
posicionam grupos e objetos no interior da ordem social." (p. 154)
A consumidora, ao adquirir uma peça de vestuário que viu em uma
personagem da novela, estaria portanto adquirindo não apenas a vestimenta,
mas também todos os significados que ela carrega, tanto para si quanto para
seu grupo social. Por exemplo, vestir a roupa igual a de uma personagem de
uma bela atriz de sucesso, representando uma executiva poderosa, no fundo
66
significaria estar representando um pouco esse papel na vida real, para uma
pessoa que cultivasse esses valores (beleza, sucesso, poder).
Um trecho da reportagem de moda da revista Manequim (1999)
retratado a seguir, bem como sua capa, exposta no anexo 3, são bastante
ilustrativos da linha de raciocínio do antropólogo Everardo Rocha exposta
anteriormente, ao transpormos suas idéias especificamente para a questão do
impacto das roupas e acessórios utilizados pelas personagens das novelas nas
escolhas de consumo das telespectadoras/consumidoras:
"Sofisticada, jovem ou sensual? Qual desses estilos faz
sua cabeça? Seja ele qual for, você o encontra no guarda-roupa
das personagens de Vanessa Lóes, Luana Piovani e Letícia
Spiller em cartaz na novela Suave Veneno, da Rede Globo.
Escolha um deles e sinta-se personagem da novela das oito." (p.
40)
Podemos então também supor que, no limite, ter o guarda-roupa
inspirado em determinada personagem significaria sentir-se a verdadeira
personagem. Ou seja, alguém belo e bem vestido que viveria num mundo
paralelo, onde o “final feliz” é garantido.
Ainda na mesma linha, Inácio (1999) chega a afirmar que, no mercado
da moda, “o que se vende é sonho e status” (p. 8). E continua:
67
“Por isso, as grandes marcas investem tanto em imagem,
porque seus produtos são aceitos pelas associações positivas
que despertam junto aos consumidores. É comum se utilizarem
outros produtos, idéias, pessoas e eventos, com uma adequada
estratégia de associação de imagens para conquistarem o
mercado.
Daí
as
fundações,
a
associação
com
artistas
contemporâneos e a participação em eventos e desfiles.” (p. 19)
A utilização do merchandising nas novelas estaria assim fazendo uso ao
mesmo tempo de artistas de sucesso e de um evento amplamente divulgado, a
própria novela. Essa associação possuiria, portanto, um duplo potencial de ser
bem-sucedida na divulgação de novos modelos de roupas e acessórios para o
mercado consumidor.
Cabe ainda mencionar dois autores estrangeiros que, embora não
tratando especificamente das novelas brasileiras, bem souberam captar a
dinâmica da difusão dos conceitos de moda através da comunicação de
massa.
McLuhan (1964) faz a seguinte relação entre a difusão de moda e a
televisão:
"A moda e o estilo da última década tornaram-se tão táteis
e esculturais que apresentam uma espécie de prova exagerada
das novas qualidades do mosaico da TV. A extensão televisível
da estrutura hirsuta de nossos nervos tem o poder de evocar uma
enchente de imagens relacionadas no vestuário, no penteado, no
caminhar e nos gestos." (p. 368)
Este autor aponta aí para a questão da difusão de padrões de moda, e
mesmo trejeitos, pela televisão. Tal veículo teria então essa função – espelhar
68
e divulgar modas e hábitos - acrescida às suas funções tradicionais, que
seriam basicamente ser meio de entretenimento e informação.
Finalmente, destaca-se o pensamento do sociólogo francês Edgar Morin
(1969) acerca do assunto:
"O
primeiro
motor
da
moda
é,
evidentemente,
a
necessidade de mudança em si mesma, da lassidão, do já-visto e
da atração do novo. O segundo motor da moda é o desejo de
originalidade pessoal por meio da afirmação dos sinais que
identificam os pertencentes à elite. Mas esse desejo de
originalidade, desde que a moda se espalhou, se transforma em
seu contrário; o único, multiplicando-se, vira padrão. E é então
que a moda se renova aristocraticamente, enquanto se difunde
democraticamente. A cultura de massa desempenha esse papel
capital na moda moderna: ela é o instrumento de democratização
imediata do aristocratismo: permite ao público imitar o mais
depressa, a elite. (…) Assim, a cultura de massa efetua uma
dialética de aristocratização e de democratização que funciona
em todos os níveis para, finalmente, padronizar no grande
público, as fruições da superindividualidade aristocrática. E a
cultura de massa, no plano da moda feminina, revela sua função
própria: dá acesso aos grandes arquétipos "olimpianos", procura
os prestígios da alta individualidade e da sedução. Ela permite a
identificação mimética. Ao mesmo tempo, mantém uma obsessão
consumidora das roupas, do enfeite, dos objetos do padrão social
cuja importância como estimulante econômico se torna cada vez
maior nas sociedades ocidentais." (p. 148-9)
69
A citação anteriormente retratada é extremamente rica e faz alusão a
alguns importantes aspectos relativos ao tema deste trabalho. Primeiramente,
Morin aponta para uma questão intrínseca à difusão da moda: algo que é
criado com a intenção de diferenciar, de ser original, de mudar, cada vez mais
é passível de se estender por um maior número de pessoas, através da cultura
de massa. Dessa forma, o desejo de ser original não é realizado, pois é
rapidamente superado pelo desejo de imitação dos líderes de moda, que
seriam essas pessoas que ambicionavam vestir-se de forma particular e
inovadora. Assim, a cultura de massa - aí inclusas sem dúvida as telenovelas,
no caso brasileiro – seria a ponte para alcançar-se padrões de moda e beleza,
estimulando o consumo das roupas nela divulgados pela “elite’ (no caso das
novelas, as famosas atrizes e suas personagens cativantes).
O objetivo desta seção foi, portanto, demonstrar ser a questão central de
nosso estudo possível de ser analisada com a ajuda de teorias e estudos que,
de uma forma ou de outra, apresentam colaborações para o entendimento do
fenômeno da intermediação dos padrões de moda pelas novelas no nosso
país. A seguir, a metodologia empregada na pesquisa a ser discutida é
relatada.
70
5 METODOLOGIA
5.1 O método de pesquisa
A metodologia utilizada na pesquisa realizada com lojistas de um
shopping de lojas de fábrica carioca será discutida nesse capítulo. Dessa
forma, a compreensão do capítulo 6 deverá se tornar mais clara e precisa.
A pesquisa executada é descritiva, tendo como finalidade caracterizar
um determinado grupo que é afetado pelo problema de pesquisa estabelecido.
Quanto aos meios de investigação, a pesquisa é ao mesmo tempo de campo entrevistas com um grupo de consumidores dos conceitos ou peças da moda
expostos nas telenovelas - e bibliográfica - como um embasamento para
instrumentais analíticos.
Portanto, o estudo tenta mostrar a relação entre novela e moda, tal
como percebida pelos "pronta-entreguistas" do Shopping Santa Clara 33. O
objetivo é levar essas pessoas a refletirem sobre a relação entre moda e mídia,
procurando retirar daí uma massa crítica, uma lógica no discurso, uma
recorrência.
O método etnográfico foi utilizado na pesquisa de campo, sendo assim
possível a análise do discurso dos atores, obtido através das entrevistas e da
observação participante. A etnografia foi escolhida justamente por ser capaz de
trazer essa proximidade.
Cabe aqui uma breve revisão bibliográfica do método etnográfico, a fim
de ficar este mais preciso e sua adequação à pesquisa mais evidente.
71
Vergara (1997, p. 14) realiza uma definição bastante clara e objetiva:
"Etnográfico é o método que, apropriado da Antropologia,
exige do pesquisador contato direto e prolongado com seu objeto
de
estudo.
Vale-se,
predominantemente,
da
observação
participante e da entrevista não estruturada para obter dados
sobre pessoas, espaços, interações, símbolos e tudo o mais que
interessar a sua investigação. Embora parta de algum referencial
teórico, o pesquisador não é a ele escravizado. Confronta teoria e
prática o tempo todo e vai reconstruindo a teoria."
O método etnográfico surgiu no início do século XX na Antropologia,
contrapondo-se
ao
evolucionismo,
que
predominara
nos
estudos
antropológicos precedentes. A partir daí, o trabalho de campo passava a ser
muito utilizado pelos antropólogos.
Malinowski (1978) foi o primeiro antropólogo a elaborar uma teoria da
pesquisa etnográfica, a partir de sua convivência com os nativos das ilhas
Trobriand do Pacífico, durante a Primeira Guerra Mundial. De acordo com ele,
o etnógrafo jamais deve perder de vista o objetivo final de sua pesquisa:
"Em breves palavras, esse objetivo é o de apreender o
ponto de vista dos nativos, seu relacionamento com a vida, sua
visão de seu mundo. É nossa tarefa estudar o homem e devemos,
portanto, estudar tudo aquilo que mais intimamente lhe diz
respeito, ou seja, o domínio que a vida exerce sobre ele. Cada
cultura possui seus próprios valores; as pessoas têm suas
72
próprias ambições, seguem a seus próprios impulsos, desejam
diferentes formas de felicidade. (…) Estudar as instituições,
costumes, desejos e sentimentos subjetivos pelos quais ele vive,
e sem o intuito de compreender o que é, para ele, a essência da
felicidade, é, em minha opinião, perder a maior recompensa que
se possa esperar do estudo do homem." (p. 33-4)
Ao realizar a pesquisa com os lojistas do Santa Clara 33, procurei tomar
o cuidado sugerido na colocação de Malinowski. Ou seja, procurei
compreender que aquelas pessoas, por sua história de vida, seus valores, e
mesmo seu ramo de atuação, possuiam visão sobre a questão do papel das
novelas sobre a moda diferente da minha. Suas referências, por serem
distintas da minha ou de um outro grupo social, levaram a uma elaboração
sobre o tema distinta, o que não a torna mais ou menos certa, apenas
diferente. E minha “missão” ali era a de agir exatamente como um etnógrafo,
captando sua percepção das coisas, sua visão de mundo.
Importante destacar nesse ponto a definição de cultura provida por
Geertz (1978). Este a define como sendo teias de significados que o homem
vai tecendo. O objetivo do antropólogo, portanto, seria exatamente procurar
"desvendar" essas teias. Segundo ele, a etnografia possui três características
básicas: "ela é interpretativa, o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e
a interpretação consiste em salvar o 'dito' num tal discurso da sua possibilidade
de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis." (p. 31).
Por fim, vale mencionar, dada a área de minha dissertação, que a
etnografia, originada, como visto, de estudos antropológicos de sociedades
73
tradicionais, mais recentemente passou a ser utilizada na pesquisa de
sociedades
modernas,
inclusive
no
campo
da
administração
e
do
comportamento do consumidor, sendo alguns desses exemplos descritos por
conforme relata Kubota (1999), também autor de uma dissertação em
Administração. Apenas para citar alguns exemplos de produção nesse sentido
no nosso país, Velho (1973) buscou aplicar o método etnográfico no meio
urbano, sendo seus sujeitos moradores de um prédio de Copacabana. Rocha
(1995), por sua vez, realiza um paralelo entre a sociedade do "outro" e a
sociedade de "dentro" dos meios de comunicação de massa, para tal lançando
mão do método etnográfico. Finalmente, Santos (1995) realiza uma etnografia
da audiência da televisão entre descendentes de imigrantes alemães no Rio
Grande do Sul.
Por fim, é preciso dizer que o método etnográfico possui suas limitações,
como qualquer outro. Quanto às entrevistas, deve-se ter em mente que as
entrevistas estão limitadas ao que o entrevistado diz. Quanto ao tratamento dos
dados, a etnografia possui a limitação de ficar restrita àquela sociedade
particularmente analisada e seus símbolos em determinado momento.
Portanto, não é possível a realização de generalizações para outras
sociedades.
O próximo item introduz a pesquisa realizada no Shopping Santa Clara
33, através da descrição dos entrevistados. Ademais, é relatada a abordagem
inicial utilizada.
74
5.2 Os informantes e as questões de pesquisa
A análise foi feita em cima de depoimentos de um grupo que é ao
mesmo tempo consumidor e lançador de moda, que são os donos (ou
gerentes, dependendo do caso) de lojas de pronta-entrega. Como há uma
concentração deste tipo de empresa num determinado prédio de Copacabana,
o Shopping Santa Clara 33, os depoimentos foram todos recolhidos aí. Ao todo,
foram recolhidos 10 depoimentos, o que foi considerada uma amostra razoável
da coletividade daquele grupo.
A fim de se obter os dados necessários para a resolução do problema
de pesquisa, optou-se pela formulação de entrevistas abertas com os sujeitos
selecionados. Havendo permissão dos entrevistados, houve gravação dos
depoimentos, o que possibilitou uma análise mais minuciosa a posteriori.
Simultaneamente, a observação participante também foi empregada, uma vez
que foi utilizado o método etnográfico.
As entrevistas abertas realizadas tiveram o seguinte aspecto geral: a
abordagem inicial foi falar de moda em geral e o próprio entrevistado deveria se
sentir à vontade para ir falando de suas influências e motivações, sendo num
segundo momento colocada a questão da novela como influenciadora da moda
no Brasil.
As questões que serviram de base para as entrevistas são apresentadas
a seguir:
75
1) Profissão, idade, há quanto tempo trabalha no ramo, etc.
2) O que é moda para você?
3) Como você define o Santa Clara 33?
4) Qual o perfil do consumidor que vai ao Santa Clara 33?
5) Como você define seu ramo de negócios (pronta-entrega…)?
6) Quais são as fontes de informação para decidir o que vai vender na loja
(revistas, TV…) a cada mudança de estação?
7) O que para você mais influencia a moda no Brasil?
8) Você acha que as novelas e atrizes influenciam a moda? Como? Tem
exemplos concretos (em sua loja ou mais geral)?
9) Isso impacta especificamente sobre os seus negócios (tanto na decisão de
compra de vocês dos fornecedores como de seus consumidores)?
10) Quais métodos de divulgação você preferiria usar (outdoor, anúncio em
TV, a própria novela, jornais, revistas…)?
11) Você acha merchandising em novela um método eficaz de divulgação?
12) Figurinistas de novela freqüentam o prédio?14
14
Cabe mencionar desde já que a resposta para esta última pergunta foi
negativa. Ou seja, não há procura de roupas por figurinistas no Santa Clara 33
atualmente, pelo menos que seja de conhecimento dos informantes.
76
Como já foi dito, foram recolhidos depoimentos de 10 lojistas do
Shopping Santa Clara 33. Todos os entrevistados eram proprietários ou
gerentes de lojas de moda feminina, sendo portanto concentrada a etnografia
nesse tipo de loja, que é maioria nesse shopping e que se relaciona mais
diretamente com o fenômeno do merchandising de moda nas novelas. A média
de tempo de atuação dos informantes no Shopping Santa Clara 33 foi de
quatro anos, considerada alta, dada a grande rotatividade das lojas no local, o
que é explorado no próximo capítulo.
As entrevistas ocorreram no interior das lojas, em dias e horários
propositalmente de baixo movimento, a fim de não se atrapalhar as atividades
da loja. Algumas abordagens, mesmo assim, não foram bem-sucedidas, pois
alguns lojistas estavam ocupados com outras atividades ou diziam não estar há
muito tempo trabalhando com moda, em geral indicando nesse caso alguma
outra pessoa, geralmente do mesmo andar, que a seu ver fosse mais
"qualificada". A duração das entrevistas variou de 20 minutos a 1 hora e meia,
sendo a média cerca de 50 minutos. A variação deve-se ao fato de que,
enquanto alguns informantes eram bastante objetivos em suas respostas,
outros aproveitavam a oportunidade para discorrer sobre suas idéias e
frustrações sobre o shopping, os outros lojistas, a moda, as novelas, dentre
outros tópicos correlatos.
77
A seguir é apresentada uma breve perfil dos entrevistados, com os
nomes devidamente alterados, conforme determinado pelo método etnográfico:
!
Maria Clara, 48 anos de idade, psicóloga, há mais de 20 anos no ramo de
pronta-entrega;
!
Geovanna, 48 anos de idade, comerciária, há cerca de 10 anos no ramo;
!
Aparecida, 53 anos de idade, professora de idiomas, há 8 anos no ramo;
!
Ana, contadora, 48 anos de idade, há 2 anos no ramo;
!
João Pedro, 67 anos de idade, administrador de empresas aposentado, há 5
anos no ramo;
!
Diogo, 38 anos de idade, empresário, há 15 anos no ramo;
!
Karen, 29 anos, fonoaudióloga, há 3 anos no ramo;
!
Fátima, 46 anos, comerciária, há 28 anos no ramo;
!
Bianca, 27 anos, comerciária, há 2 anos no ramo;
!
Mercedes, 60 anos, comerciária, há 40 anos no ramo.
Portanto, foi esse o grupo que gentilmente cedeu o seu tempo para as
entrevistas, que foram realizadas e analisadas com base no metódo
etnográfico discutido nesse capítulo. No próximo capítulo, relato os resultados
da pesquisa de campo no Shopping Santa Clara 33.
78
6 ETNOGRAFIA DO SANTA CLARA 33
6.1 O local
O Shopping Santa Clara 33, cuja foto é apresentada no anexo 4, está
localizado no bairro de Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, na Rua Santa
Clara, no trecho entre a Avenida Nossa Senhora de Copacabana e a Rua
Domingos Ferreira, a uma quadra da praia. O comércio em torno do shopping é
dos mais variados, aspecto típico do bairro em que se encontra. Há prédios
residenciais e inúmeros estabelecimentos comerciais, dentre os quais: Tele
Rio, lojas de griffes famosas, Bradesco, CCAA, IBEU, "Fashion Center" (outro
shopping com prontas-entregas, porém com menor concentração, intercalandose outros tipos de loja), Dollar Dreams (loja de produtos importados), academia
de ginástica, banca de jornal, farmácia, bar, loja de ferragens, etc. Há também
a presença constante de vendedores ambulantes, pipoqueiros, sorveteiros e os
típicos distribuidores de volantes (especialmente sobre compra e venda de
jóias, oferta de empréstimos e videntes).
O edifício foi originalmente construído, na década de 50, para ser prédio
de consultórios médicos, segundo relato da administração do prédio. Aos
poucos, e espontaneamente, foi se dando a concentração de lojas de prontaentrega de roupas e acessórios. Inicialmente, tais lojas eram voltadas
exclusivamente para o mercado de atacado. Nesse momento, os pontos
continuavam com a aparência das salas de consultórios médicos, não
possuindo vitrines ou portas de vidro. Segundo relato dos entrevistados, a "cara
79
de loja" veio com a tentativa de mudança do posicionamento para o lado do
varejo, o que começou há cerca de dez anos.
São 12 andares com 24 lojas por andar, o que portanto representa um
total de 288 lojas. A maioria das lojas é de moda feminina, mas também há
lojas de calçados, roupas de ginástica, roupas de praia, roupas para tamanhos
especiais, bijuterias, roupa infantil e até algumas poucas lojas de decoração,
que parecem destoar da grande maioria. O horário de funcionamento é de
segunda à sexta das 9 às 18 horas e das 9 às 14 horas aos sábados.
Na portaria há um grande quadro, indicando nome e localização de cada
loja, conforme exposto no anexo 5. Aí fica em geral o porteiro e uma ou duas
moças vestindo a camiseta com o nome do shopping, sendo que uma é
responsável pela organização da subida de elevador, a fim de evitar-se tumulto
no pequeno hall.
As lojas alinham-se em corredores estreitos, compridos e sem janelas.
Há elevador e uma escada lateral. Em geral, o consumidor ao chegar pega o
elevador até o último andar e vai percorrendo os andares de escada. As lojas
são pequenas e sem design padronizado, não havendo também nenhuma
segmentação por andar (como um andar só para sapatarias, outro só para
moda masculina e assim por diante). Ou seja, a variação de estilo e modo de
expor os produtos é grande. O que se observa em geral é a existência de 1 a 3
vendedores por loja e muitas vezes a presença constante do dono, além do
fato da maioria trabalhar atualmente tanto com atacado quanto com vendas a
varejo. Além disso, em cada andar parece se formar uma "turminha". Durante a
80
observação participante, era recorrente notar conversas de vendedores e
donos das lojas nos corredores, com grande troca de informações, idéias sobre
o negócio e mesmo assuntos particulares. Interessante mencionar também
que, quando entrevistei mais de uma pessoa num mesmo andar, as idéias mais
polêmicas - como na bipolarização atacado X varejo - em geral coincidiam.
As lojas são todas alugadas, com um aluguel em média entre 400 e 500
reais mensais. Os proprietários dos imóveis não são muitos, concentrando
cada um grande número de salas. Não foi possível recolher dados agregados
sobre as lojas (como faturamento total, vendas mensais, etc.). O motivo para tal
é a inexistência de uma pessoa ou departamento (do prédio ou externo) que
centralize tais informações. Segundo relato de lojistas mais antigos, já houve
uma coordenação no passado, mas os desentendimentos eram muitos e ela
acabou. A administração gira em torno do síndico, que trata dos assuntos mais
burocráticos e de administração geral do prédio. No relato de um entrevistado,
"falta um homem de marketing". Além disso, outro motivo que dificulta uma
união mais solidificada entre os lojistas, bem como a elaboração de dados
sobre o shopping como um todo, é o fato de que a rotatividade no shopping é
alta, o que é explicado pelo depoimento de um dos porteiros: "A pessoa vem
arriscando: aproveita o movimento de fim de ano, e depois percebe que não dá
pra se manter nos meses fracos.". Por meses fracos, entenda-se os primeiros
meses do ano. Ou seja, o efeito da sazonalidade é bastante forte sobre o
Shopping Santa Clara 33.
81
Dessa forma, cada lojista elabora suas estimativas individualmente e
também contacta seus próprios fornecedores: "é cada um por si", conforme
relata a proprietária de uma das lojas do shopping.
Houve também pesquisas com o consumidor no passado, parte de um
projeto maior de se implementar uma ação de marketing conjunta, o que
acabou por não ir à frente. Sabe-se contudo que a maioria dos consumidores
que vão ao shopping atualmente é o consumidor final, havendo ainda alguns
atacadistas, inclusive provenientes de fora da cidade, do município e mesmo
do Estado do Rio de Janeiro. O consumidor individual é geralmente de classe
média, que vê como principal atrativo do shopping o preço. Segundo uma das
entrevistadas, "eles vêm fugindo dos preços daí de fora e ao mesmo tempo
atrás de uma roupinha mais transada".
Por fim, cabe retratar um trecho do artigo de Gudin (1993), que retrata a
imagem passada para o consumidor sobre o Santa Clara 33:
"Preços competitivos e produtos de qualidade não são
mérito apenas de Miami. A poucas horas - ou minutos -
do
Centro do Rio funcionam verdadeiros pólos de comércio que,
além de abastecerem o estado, exportam para todo o país
mercadorias a custo de fábrica.(…). Além dos preços abaixo do
mercado, garantidos pelo fato da maioria dos lojistas fabricar a
própria produção, o tratamento também é de primeira. Nada mais
corriqueiro do que o cliente ser atendido pelo próprio dono do
negócio.
82
O pólo de artigos de vestuário e acessórios é, no varejo, o
principal contribuinte, respondendo por 1,2% do total arrecadado
com aquele imposto. Além de engordar os cofres do Estado ,
contentar bolsos combalidos -
e as inevitáveis "sacoleiras" -,
esses pólos também geram divisas através do turismo.
(…) O paraíso das lojas de pronta-entrega tem endereço certo: a
Rua Santa Clara, em Copacabana, mais especificamente nos
números 70, 75 e 33. Rony Hadid, dono da loja que leva seu
nome, revela o segredo: 'Preços populares'."
Assim, a reportagem resume o posicionamento que possui o Shopping
Santa Clara 33 na mente do consumidor: um shopping na Zona Sul, que
oferece roupas por atacado e varejo, tendo como diferencial o preço e o
tratamento muitas vezes pelo próprio dono, dado o pequeno porte do negócio.
São atraídos tantos consumidores individuais quanto as famosas "sacoleiras"
(pessoas que vendem roupas de casa em casa) e outras lojas, inclusive de fora
do Rio de Janeiro. O mais importante aí é visualizarmos que o Santa Clara 33
ocupa um lugar bastante específico no mundo da moda, tanto do ponto de vista
da indústria do vestuário quanto do ponto de vista do consumidor, ao exercer
papel de intermediário na difusão da moda, via atacado e varejo.
Após a compreensão do local onde se estabeleceram os informantes da
pesquisa, partimos agora para a análise das entrevistas realizadas.
83
6.2 A percepção dos informantes
A análise desenvolvida a seguir está dividida entre os principais temas
abordados durante as entrevistas. O primeiro tema de discussão foi o
significado do Shopping Santa Clara 33 para os informantes, dado que seu
posicionamento atual parece um tanto quanto confuso. O segundo tema
abordado foi o significado do conceito de moda e o terceiro os fatores
influenciadores da moda no Brasil. Finalmente, o quarto tema diz respeito à
questão da influência das telenovelas sobre a moda.
Vale frisar o objetivo central da pesquisa, qual seja, identificar a
percepção dos pronta-entreguistas do Shopping Santa Clara 33 acerca do
fenômeno da difusão da moda através das telenovelas brasileiras. Assim, não
busco aqui realizar julgamentos sobre seus depoimentos, se estes estão certos
ou equivocados. O objetivo é, sim, relatar suas declarações e procurar
compreendê-las, pois o mais importante é entender como esse grupo representante de um ramo que possui papel relevante na difusão da moda percebe a questão.
6.2.1 O significado do Santa Clara 33
O primeiro tema de debate com os informantes disse respeito ao
significado do Shopping Santa Clara 33 para eles, dadas as mudanças de
posicionamento que ele vem sofrendo nos últimos anos, conforme já
mencionado. Originalmente era exclusivamente um ponto de venda para o
84
atacado e aos poucos foi-se voltando para o varejo também. Além disso, em
sua fachada, conforme mostra o anexo 4, está escrito "lojas de fábrica". Assim,
era importante compreender o que representa o Santa Clara 33 do ponto de
vista de quem nele trabalha.
Entre os infomantes existe a percepção de que o Santa Clara 33 não é
mais o que era antes, ou seja, um centro de lojas voltado para atender ao
atacado, havendo hoje forte presença do consumidor final. As opiniões,
contudo, se dividiram, quanto ao fato de ser esse novo posicionamento melhor
ou pior, confome veremos através dos depoimentos abaixo.
O primeiro depoimento destacado reflete o pensamento daqueles lojistas
que preferiam o perfil anterior, isto é, antes da estratégia de entrada no varejo:
" Ele era uma pronta-entrega. Nós estamos agora com um
novo síndico que fez daqui um shopping. Eu acho que com isso
ele matou a característica do prédio, porque isso aqui era uma
pronta-entrega, ou seja, revenda para lojistas e "sacoleiras"… a
verdade é essa. E era isso que caracterizava o prédio. Isso aqui
era mundialmente conhecido. As pessoas vinham de outros
países e agora matou, porque passou a ser um lugar onde as
pessoas entram e compram uma pecinha. Os atacadistas então
não gostaram dessa mudança e por isso se afastaram.
A decisão não foi realmente democrática porque tem um
dono de imóveis aqui que tem mais da metade e assim, no final
das reuniões a gente sabe que é sempre ele que decide. É ele
quem determina as coisas. Botaram até avião na praia dizendo:
85
está aberto o Shopping 33. Descaracterizou, tirou a imagem do
prédio.”
Antes de prosseguirmos com o mesmo depoimento, devido a sua
riqueza, é necessário realizar uma intervenção nesse ponto. A informante
mostra-se profundamente insatisfeita com a situação atual. O uso do verbo
“matar” reflete o quão radical foi a mudança implementada do ponto-de-vista da
lojista. Além disso, é importante repararmos em sua concepção de que o
posicionamento anterior possuia fama “internacional”, atravessando fronteiras
sua posição de ponto de revenda para atacadistas, que então vinham de vários
locais, pois ali, no Santa Clara 33, encontravam o que almejavam. A tentativa
de atrair consumidores finais descaracterizou o shopping sobre essa ótica,
afastando inclusive o atacadista. E o depoimento sobre esse tema continua:
“Ele (o novo síndico) quis transformar isso num minishopping. Um shopping que não tem uma lanchonete, uma
escada rolante. Outro dia eu vi um rapaz comentando: 'mas que
shopping é esse que nem escada rolante tem?'… e agora ele fez
um banheirinho, até que enfim, lá em cima.
Hoje então é uma pronta-entrega, mas virada para o
consumidor final. Antes era mais atacado (o sucesso era para
quem ia revender. A pessoa não tinha o trabalho de, por exemplo,
ir até Petrópolis, na rua Teresa, e agora é mais varejo. O tempo
que eu dou pra atender 1 é o mesmo tempo que tenho que dar
pra um atacadista que vem comprar 20, 30 peças. Não me
adianta vender uma peça só, porque aí o meu ganho é mínimo.
Vendo então porque tenho que vender, mas não me interessa. E
86
as lojas que estão entrando, já estão entrando com este ramo de
varejo."
Assim, a informante sente que a tentativa está fadada ao fracasso, pois
não há estrutura no prédio para este ser visto pelo consumidor final como um
verdadeiro shopping. No final do depoimento também fica claro que houve uma
queda de lucratividade da sua loja nessa nova situação, pois os ganhos aí
eram por escala e assim as vendas de peças por unidade não sustentam um
negócio originalmente planejado para venda por atacado, exclusivamente.
Um outro lojista abordado já percebe a questão do Santa Clara 33 de
uma outra forma:
" Aqui é shopping, né? Tem tanto para o atacado quanto
para o varejo. Já foi atacado… o forte dele era o atacado. Está
meio sem identidade. Mesmo porque o momento econômico não
é favorável para grandes compras. Mas eu tenho alguns clientes
atacadistas, de Búzios, Manaus etc. É que mesmo os antigos
clientes hoje em dia não estão podendo comprar em grandes
quantidades, com a crise.
O cliente que vem aqui vem em busca de coisa mais
barata porque ele não pode comprar numa loja do Rio Sul ou de
Ipanema. Acho que aqui muitas vezes falta qualidade e bom
gosto."
A informante reconhece o fato de ter havido um posicionamento anterior,
onde o foco era a venda por atacado. No entanto, relaciona a crise econômica
atual como fator principal para a redução nas vendas em maiores volumes,
87
pois mesmo os que compravam por atacado para revender hoje, com a
demanda mais fraca, estão comprando em menores quantidades. O
consumidor final, por sua vez, recorre ao Santa Clara 33 em busca de um
preço menor que o dos grandes e tradicionais shoppings, mesmo que ciente de
que muitas vezes poderá deparar-se com um produto de qualidade e estilo
inferiores.
Um último depoimento que merce ser destacado apresenta uma visão
pouco contestadora, mais “otimista” quanto ao perfil do shopping.
" Aqui temos de tudo. Isso aqui tem sido uma escola de
vida. O Santa Clara 33 permite que a moda atinja um maior
número de pessoas, inclusive através das "sacoleiras". O pessoal
ao invés de subir a serra vem aqui."
O Shopping Santa Clara 33, segundo essa visão, seria capaz portanto
de atender aos revendedores e aos consumidores finais ao mesmo tempo, o
que seria um diferencial no Rio de Janeiro.
Em todos os depoimentos retratados, os informantes reconhecem ser o
Santa Clara 33 voltado atualmente tanto para atacado quanto para varejo. O
que os diferencia é o diferente grau de conformismo com a transformação em
curso no perfil do shopping. Vale dizer que a primeira visão - retratada no
primeiro depoimento -, mais resistente à mudança, era mais recorrente dentre
os lojistas que estavam instalados no shopping há mais tempo. Provavelmente
esses entraram identificando-se com o perfil do Santa Clara 33 de outrora, um
88
centro comercial voltado para atender quase que exclusivamente os
atacadistas. Já os que entraram mais recentemente - como os entrevistados do
segundo e do terceiro depoimentos - já encontraram a nova realidade - venda
tanto para atacado quanto para varejo, sem uma predominância - e certamente
se identificaram com essa proposta.
Quanto ao perfil do consumidor das lojas, todos os informantes citaram
serem procurados tanto por consumidores individuais - predominantemente de
classe média e "média-baixa" - quanto por atacadistas, incluindo as
"sacoleiras", revendedores e lojas do Rio de Janeiro e outros estados. Dessa
forma, não parece haver uma segmentação entre tipos de compradores dentre
as lojas do shopping, o que é espelhado na declaração abaixo:
"Vendemos para todo mundo que se interessar."
Portanto, o recolhimento de opiniões sobre a questão do que seria o
Shopping Santa Clara 33 trouxe à tona uma grande riqueza de sentimentos,
idéias e opiniões. Esse era o momento em que os entrevistados geralmente se
soltavam mais, provavelmente por ser o tópico mais próximo de seu dia-a-dia e
ao mesmo tempo algo polêmico e que lhes despertava uma série de
pensamentos, que eles tiveram facilidade de comunicar durante seus relatos.
De fato, um centro comercial antigo e tradicional, que vem passando por
mudanças estruturais, certamente despertaria contestações e opiniões
divergentes internamente, dependendo do perfil e dos anos de casa de cada
lojista. Foi isso que imaginei antes de realizar as entrevistas, ao observar e
89
entrevistar a administração do prédio, e foi isso que se comprovou durante as
conversas com os lojistas.
6.2.2 O significado da moda
Buscamos aqui fazer um paralelo entre as declarações mais recorrentes
e as reflexões sobre moda analisadas no capítulo 2. Segue o primeiro relato de
um dos pensamentos mais freqüentes:
"Moda é uma forma do indivíduo se enfeitar, agradar a si
mesmo e aos outros. Parece ligado ao espírito humano, que é
novidadeiro."
Essa primeira colocação parece se aproximar de uma das correntes
citadas por Bell (1976), que procuram explicar a moda, qual seja, a corrente
que defende ser a moda um produto da natureza humana. Isto é, o desejo de
estar na moda aí é uma característica intrínseca ao ser humano. Vejamos um
segundo raciocínio que surgiu ao longo das entrevistas:
"Acho que a moda hoje virou uma mesmice muito grande."
Por sua vez, o segundo depoimento reflete a percepção da moda tal
como se encontra esta no momento em que se dá a difusão dela para um
grande número de pessoas, e assim esta parece homogeneizar a coletividade,
90
tal qual ocorre nas fases de crescimento e maturidade do ciclo de vida do
produto, tal como exposto por Kotler (1995). O desejo de ser original não seria
forte o suficiente para fazer frente ao desejo de imitar, por parte da maioria das
pessoas. Uma outra visão observada foi a seguinte:
"Moda de roupa é aquela roupa que todo mundo quer usar
porque todo mundo usa e que todo mundo usa porque todo
mundo quer usar. Mas isso tudo começa mesmo quando alguém
muito em evidência começa a vestir tal roupa."
Esse terceiro pensamento encaixa- se na corrente citada por Bell (1976),
que procura explicar a moda como resultado da ação de um grupo seleto de
indivíduos e também na questão dos líderes de moda, levantada por Kotler
(1995). Além disso, a primeira frase do depoimento reflete a crença na
existência de um desejo coletivo de estar na moda, tal qual argumentado na
teoria da seleção coletiva de Blumer, exposta por Davis (1992). Merece ainda
ser destacado um último relato:
"A pessoa se expressa, expressa seu estado de espírito,
seu modo de vida, ou o que gostaria de ser."
Por fim, o último relato aproxima-se da teoria da diferenciação de classe,
retratada em Davis (1992). A moda carregaria um conjunto de significados que
91
a pessoa desejaria ter como espelho de si. Não seria portanto a roupa
consumida por seu valor de uso mas sim pelo seu "valor de troca signo".
Assim como ao estudarmos as diversas teorias e pensamentos sobre
moda na academia, na pesquisa de campo também foi encontrada uma riqueza
de significados para o conceito de moda, sendo inclusive possível traçar um
paralelo entre os dois, conforme vimos acima. Interessante ainda notar que,
enquanto o primeiro e o quarto relato derão destaque às motivações
intrínsecas ao ser humano para buscar a moda, o segundo e o terceiro atentam
para o desejo de imitar que leva a pessoa a querer “estar na moda”.
6.2.3 As influências sobre a moda brasileira
Quando questionados sobre o que mais influencia a moda no Brasil,
houve praticamente unanimidade, o que se pode notar através dos
depoimentos selecionados e expostos a seguir:
"Os meios de comunicação, especialmente a televisão."
"Televisão influi muito, né? O que tem na TV é sucesso de
moda na certa."
"Eu acho que é a televisão mesmo. Eu acho que é a TV…
novelas e até mesmo outros programas… hoje em dia com os
canais da Net… o que vem dos Estados Unidos."
92
"Acho que a novela tem muita influência. O pessoal gosta
muito de imitar, principalmente imitar os artistas."
O primeiro fragmento introduz o papel dos meios de comunicação,
havendo a noção de ser a televisão o mais impactante quando se trata de
difundir conceitos de moda. O segundo depoimento menciona a televisão
diretamente, relacionando-a à palavra “sucesso”. E sucesso no caso analisado,
seria o fato de uma roupa que aparece na TV obter um aumento significativo
em sua demanda por conta dessa aparição. O terceiro depoimento, por sua
vez, destaca a televisão, mencionando as telenovelas, ao lado de programas
americanos, o que reflete dois importantes fatores influenciadores da moda
brasileira conjuntamente: as novelas e as tendências vindas de fora.
Finalmente, o último relato menciona diretamente as novelas, com a justificativa
de que as pessoas desejam imitar seus ídolos, os artistas desses programas.
Ou seja, a maioria dos depoimentos destacava o papel dos meios de
comunicação de massa, especialmente a televisão, como os maiores
influenciadores da moda brasileira. Mais especificamente, as novelas eram os
exemplos mais recorrentes, e alguns seriados americanos também eram
citados algumas vezes. Interessante notar que, quando as respostas eram
mais objetivas, o que ocorreu em quase todos os casos, de fato a televisão era
o ponto mais mencionado. Por outro lado, quando não se citava a televisão, as
respostas eram sempre vagas, como a retratada a seguir:
93
"Tudo um pouco."
Merecem destaque também as respostas a outra pergunta, qual seja, o
que o entrevistado considerava ser mais determinante nas suas próprias
decisões de exposição de roupa em sua loja, ou seja, quais eram as fontes
utilizadas para o lojista decidir o que vai vender em sua própria loja. Ao
contrário do que talvez se pudesse pensar, as respostas aí foram mais
abrangentes do que no caso da pergunta sobre o que influenciava a moda no
país como um todo, onde em geral a influência da televisão era o grande
determinante. Observemos um tipo de resposta que surgiu durante as
entrevistas:
"Eu me inspiro em revistas que eu compro, tanto nacionais
quanto estrangeiras. Fiz um curso de estilismo aqui na Senador
Corrêa com uma menina que viaja e traz as tendências pra gente.
Agora, eu também vejo muito nesses seriados americanos (Buff,
Friends…), porque a moda do jovem brasileiro vem muito disso. E
as novelas, a Malhação15, também ajudam a direcionar a moda."
Essa resposta abrange diversos fatores influenciadores das tendências
de moda: revistas de moda e programas de televisão, ambos tanto nacionais
quanto estrangeiros. Assim, não há aí um fator predominante na determinação
das decisões de exposição na loja, mas sim um conjunto de fatores que
15
Novela vespertina da Rede Globo, direcionada ao público jovem.
94
sinalizam e inspiram o que deve ser divulgado como moda – que é o seu
objetivo – em suas vitrines.
Um outro tom de resposta bastante recorrente enfatizava a opinião do
cliente, o que condiz com a orientação para o consumidor, muito em voga na
atualidade. Ou seja, o cliente deve ser ouvido, já que é a esse que se deseja
agradar, a fim de se implementar uma estratégia de marketing e vendas bemsucedida. Vejamos alguns exemplos dessa percepção:
" O que geralmente acontece é que os clientes influenciam
mesmo, dando um toque, uma opinião que é anotada."
"Olha, eu ouço muito o que o cliente vem trazendo. Tem
que ver o que que as pessoas tão querendo, o que tá influindo no
gosto dela, ou o que ela acha que vai ser fácil colocar no mercado
(no caso das "sacoleiras" e revendedores)."
"Ouço o cliente sempre. Se chegam aqui por exemplo no
começo da novela pedindo a sainha da fulana da novela das sete,
pode apostar que no final da semana já estou com ela exposta
em minha loja. Essa rapidez é a vantagem do pequeno porte do
meu negócio."
Como se pode perceber pelos relatos acima expostos, a opinião do
cliente foi bastante enfatizada em praticamente todos os depoimentos. A
influência dos meios de comunicação de massa, com ênfase no papel das
95
novelas e filmes americanos também surgia com freqüência. O último relato
nos é particularmente interessante. A influência das novelas é aí claramente
admitida e um outro aspecto também merece destaque: pelo fato das lojas de
pronta-entregas possuirem um pequeno porte, em geral como os “olhos do
dono” sobre todo o processo, há uma grande flexibilidade em se absorver
rapidamente as novas tendências que surgem de um dia para o outro através
de sua aparição numa personagem de telenovela carismática. A seguir, são
expostas as percepções dos informantes sobre a difusão de moda através das
novelas, quando diretamente questionados sobre esse assunto, visto que até
esse ponto da entrevista, quando as novelas e suas personagens foram
mencionadas estas o foram naturalmente, sem ter a pesquisadora tocado no
tópico.
6.2.4 A novela como influenciadora da moda no Brasil
Os informantes reconheceram o papel das novelas como grandes
influenciadoras da moda no Brasil. Abaixo são retratados os depoimentos mais
expressivos:
"Geralmente quando tem uma coisa de destaque na
novela, se o lojista achar favorável, incorpora. Desde que não
quebre o estilo da minha loja, que são malhas. Não vamos lançar
uma peça de couro por conta disso por exemplo… não nos
interessa.
96
Um exemplo disso foi a bolsinha da Júlia, da última novela
das sete, numa loja que trabalhei. Na hora que ele viu (o dono da
loja), já lançou, porque viu que ia pegar. Mas você perceba que
para pegar a Júlia por exemplo ficou usando a bolsinha durante
toda a novela. Se ela tivesse colocado só num dia não ia pegar.
Tem que frisar, tornar um marco. E eu creio que isso é jogada de
marketing, porque quando você faz isso é para ser lançado.
Inclusive eu acho que deve ter empresas/lojas por trás desses
lançamentos."
Dois aspectos merecem ser destacados no comentário anterior.
Primeiramente, a questão de que a lojista só colocará uma peça inspirada
numa personagem de novela e que tende a se tornar moda se esta roupa não
contrastar com o estilo de sua loja. Isso ocorre tanto pelo desejo de manter
determinado perfil quanto pelo fato de que os custos seriam altos, dado que
aquela não seria sua especialidade, tendo que ser comprados outros materiais,
apreendidas outras técnicas, etc. Um segundo pensamento interessante no
depoimento é o de que determinada roupa usada pela personagem da novela
só se torna moda se a atriz aparecer durante vários capítulos da novela com o
mesmo modelo ou estilo de roupa. Se isto ocorre, fica claro, do ponto de vista
da informante, que aquilo tem tudo para virar moda, inclusive porque
certamente haveria uma campanha de marketing de uma indústria ou empresa
por trás desse tipo de merchandising mais sutil, mas nem por isso menos
poderoso. Vejamos agora um segunto depoimento:
"Acho que as modas de novela são muito passageiras…
passam rápido. Mas de fato na minha loja alguns modelos foram
97
baseados na novela, como a bolsa da Júlia. Só pode ter sido por
causa dela, pois era ela que usava, né?
É porque também eu não vejo novela, porque chego em
casa e vou cuidar das coisas da minha igreja. Mas realmente tem
roupas nas novelas que ficam marcadas. O pessoal pede: 'Ah, eu
queria aquela roupa tal da novela tal…'. E geralmente nós sempre
temos."
Esse comentário reflete um pensamento do conceito de moda próximo
ao de modismo, ou seja, de algo passageiro, que não tende a ficar em voga por
muito tempo. A entrevistada não assistia novelas por falta de tempo (e
provavelmente por motivos religiosos também, como aparentou) e assim não
foi capaz de discorrer muito sobre exemplos. Mas, mesmo assim, foi capaz de
reconhecer modelos expostos em sua loja, que dirige junto com a irmã, que “só
pode ter sido por causa da novela”.
A seguir, é retratado um depoimento mais longo mas que considerei
importante retratar na íntegra, dada sua riqueza de significados:
"Eu vi a Luana Piovani outro dia no Jô, por exemplo,
vestindo uma saia - e a gente que trabalha com moda bate logo o
olho na roupa, né? - que até me deu uma idéia linda que eu vou
fazer uma saia que vai ficar maravilhosa! Quer dizer, eu me
inspiro e depois dou uma adaptada, pra não ficar tão
extravagante… aquilo pode te dar idéia pra uma outra coisa
também… e assim vai.
Acho que pra classe mais alta só dá pra tirar a idéia,
porque se ficar igualzinho ele não vai querer (aí é mais 'povão').
Tem que ser uma coisa que você crie em cima com muito bom
gosto. Porque hoje a moda está acessível a todo mundo e aí
começa a sair no camelô…
98
A bolsa da Júlia, por exemplo eu me inspirei na novela mas
criei uma coisa mais soft, pra sair de noite e deixar as mãos livres.
Mas a influência direta eu acho que é pra classe mais baixa. Quer
dizer, você tira a idéia…
Eu acho também que essa camisa social básica que tá
usando muito agora veio de novela, né? Agora eu não sei que
novela, mas foi muito assim de novela também… que o pessoal
começa a usar.
Você que cria moda tem que ficar de olho mesmo… eu me
inspiro em tudo que me encanta."
Essa entrevistada ressaltava o aspecto criativo de seu trabalho, sendo
ela a formuladora dos modelos de sua loja. Contudo, não deixou de mencionar
as artistas das novelas e as personagens das novelas da Rede Globo como
uma de suas principais fontes de inspiração. Frisava, contudo, que o que via
nessas fontes passava depois por um processo de adaptação, a fim de se
adequar à moda procurada por seu público-alvo. A justificativa para tal atitude
está na percepção da informante de que as classes mais altas (seu públicoalvo) não deseja trajar uma roupa que seja reconhecida como idêntica a de
uma personagem de novela. Este desejo seria mais recorrente nas classes
mais baixas, desejando imitar seus ídolos. Mesmo assim, as modas de novela
seriam tão fortes que ao menos uma “idéia” poderia ser aproveitada para o
lançamento de coleções para um público “mais refinado”.
Vale ainda destacar a menção à “bolsa da Júlia”, o que também ocorreu
nos outros dois depoimentos. Tal bolsa, que tornou-se moda nacional, foi
99
inspirada numa personagem de uma novela das sete bastante recente, o que
sugere que a memória quanto a esse tipo de influência é curta, ao menos sem
se refletir profundamente sobre a questão. Ou seja, embora em algumas
entrevistas mais longas os informantes acabassem citando exemplos mais
antigos (até as clássicas meias coloridas de Dancing Days), o que primeiro
vinha à cabeça eram os fatos mais recentes que remetiam ao fenômeno da
difusão da moda pelas novelas. Passemos a um último depoimento sobre as
novelas e sua relação com a moda brasileira:
"Acho que é o que mais influencia no Brasil. Claro que
muitas vezes a gente adapta à mulher brasileira "comum". Eu me
lembro, por exemplo, dos macacões da Carolina Ferraz naquela
novela Por Amor. Eu consegui usar bem isso a meu favor. Minha
loja ficou que era um macacão só… e vendia que era uma beleza.
E tem mais: você nem precisa ter o trabalho de design. Até essa
Terra Nostra, que é de época… tem o xale da Paola, o lencinho
da Giuliana… já vendi muito lencinho aqui. A maioria dos meus
clientes, fora os "mais bestas", vêm aqui e admitem mesmo: 'Eu
quero uma roupa parecida com a da fulana da novela.'. "
Está aí também mencionada a questão de muitas vezes ser necessário
adaptar à “mulher comum”. Além disso, tal relato é rico em exemplos, que
foram todos implementados na própria loja do informante, e transformados em
sucesso de venda. A influência da novela sobre as coleções lançadas por esse
informante aparece de forma bastante evidente e direta.
100
Tomados em conjunto, os comentários indicam que alguns entrevistados
consideram o fato de admitir que vendiam em suas próprias lojas roupas
inspiradas nas novelas como uma espécie de afronta a sua capacidade de
originalidade e criatividade. Por outro lado, admitia-se claramente o impacto
das novelas sobre a moda como um todo, inclusive citando-se exemplos em
sua própria loja e de conhecidos. Conclui-se com isso que nem sempre a
pergunta direta foi capaz de extrair a grandeza do impacto, tal qual foi possível
ao se realizar perguntas não direcionadas às decisões do informante em
particular. Em outros casos, contudo, a revelação se dava de forma bastante
clara e direta, não se observando ambigüidades.
Quando perguntados sobre qual método de divulgação prefeririam usar
para expor suas roupas ao mercado, os informantes deram preferência à
televisão, considerando ser esta o meio de comunicação mais poderoso.
Quanto à opção por anúncio ou merchandising em novelas, as opiniões se
dividiram:
" Se você coloca na novela tem muito impacto, mas em
geral a marca não aparece. Então eu preferiria anúncio normal
mesmo, no intervalo da novela. Mas se eu tivesse muito dinheiro
com certeza. Porque é muito forte, é a Rede Globo, é isso aí
mesmo: 'plin-plin'."
" Eu acho que eu gostaria de usar revista de moda. Eu
acho que não colocaria atriz nenhuma porque aí quem vai fazer o
101
sucesso é a pessoa. Pra eu emplacar minha roupa é ela que tem
que fazer sucesso… e aí as atrizes é que vão querer usar."
Esses dois primeiros comentários refletem as opiniões que não
consideram o merchandising nas novelas o melhor meio de divulgação de suas
roupas. Mesmo assim, ambos não desmerecem seu impacto. O primeiro não
ignora a força do meio, admitindo desejar fazer uso se possuísse muito
dinheiro, ao considerar também que deve ser muito caro ter o produto
veiculado durante a própria transmissão da novela. Já o segundo depoimento
dá preferência às revistas de moda, mas acaba por revelar um desejo de que
as atrizes de novela de sucesso vistam as roupas de sua loja. Observemos
outros dois depoimentos a seguir:
" Ah, se a Regina Duarte por exemplo pudesse usar essa
blusa na novela, acho que teria muito mais efeito do que qualquer
outro meio de divulgação."
" Olha, se eu pudesse ter uma Carolina Ferraz botando na
novela uma roupa que eu pudesse vender aqui, eu não hesitaria.
Porque tem essa parte humana que ajuda a estimular as vendas,
porque as pessoas parece que ligam aquela roupa à pessoa. Às
vezes fico pensando que esse recurso ainda é muito mal
aproveitado pela indústria da moda."
102
Esses dois últimos depoimentos, por outro lado, consideram ser o
merchandising o canal de divulgação mais poderoso, pois aí haveria também
uma “parte humana” relacionada à roupa, o que estimularia ainda mais o
desejo do público de possuir aquela vestimenta.
Em suma, de uma forma ou de outra, a força da difusão da moda via
telenovelas é percebida pelo grupo analisado, formado por proprietários e
gerentes de pronta-entrega, agentes e pacientes desse fenômeno, ao
integrarem a indústria da moda na categoria de intermediários. O método
etnográfico mostrou-se bastante adequado a esse tipo de estudo, ao
possibilitar a análise do discurso simbólico dos atores, enriquecida com a
observação participante e a entrevista não estruturada, que possibilitou uma
maior interação e compreensão do grupo social em questão.
103
7 CONCLUSÃO E SUGESTÕES DE PESQUISAS FUTURAS
Ao final deste trabalho, torna-se importante uma recapitulação dos
principais tópicos abordados a fim de analisar a questão da difusão dos
conceitos de moda através das novelas no Brasil. Assim, foram estudadas
importantes contribuições de diversos autores para a compreensão do
fenômeno da moda. Além disso, o processo de comunicação na televisão foi
analisado, onde ficou também claro o papel de destaque ocupado pela Rede
Globo e suas novelas no país.
Posteriormente, o impacto dos figurinos das novelas na moda, bem
como a busca de uma lógica para tal fenômeno foram tratados. A seguir, o
método etnográfico foi analisado e depois aplicado através de uma pesquisa
com proprietários e/ou gerentes de lojas do Shopping Santa Clara 33. Através
desse estudo, foi possível captar a percepção do grupo entrevistado acerca da
moda brasileira e de sua relação com as novelas. Tal estudo mostrou-se
gratificante por várias razões. Primeiramente, porque de fato a percepção dos
pronta-entreguistas é importante de ser compreendida, à medida que esse
grupo ocupa uma relevante e peculiar posição na cadeia da indústria da moda,
ao lidar tanto com o consumidor final quanto com outros intermediários, ao
vender suas roupas também para "sacoleiras" e outros lojistas.
Ademais, o discurso do grupo foi capaz de trazer um outro ponto de
vista, com colocações que fugiam aos meus olhos e certamente aos olhos de
outros grupos envolvidos de uma forma ou de outra com o complexo da moda.
104
Nesse ponto, vale ressaltar portanto a importância da opção pelo método
etnográfico, sem o qual a transmissão do discurso poderia ter ficado deturpada.
A etnografia no Santa Clara 33 mostrou também a facilidade com que esse
enorme espaço negocial replica a novela nitidamente, através de suas
decisões de compra e venda. Finalmente, foi possível realizar uma conexão
entre pontos abordados ao longo do estudo teórico e o que era relatado nas
entrevistas, o que indica uma aproximação positiva entre teoria e prática.
Cabe mencionar que o presente trabalho é apenas inicial, dada a
complexidade envolvida na relação entre novela e moda. A seguir são
apresentadas algumas sugestões para o desenvolvimento de outros estudos
correlatos.
Uma opção de pesquisa seria procurar compreender como se dá o
processo de merchandising do ponto de vista da empresa que quer expôr seus
produtos, bem como do departamento responsável pelo assunto na Rede
Globo, que é a maior transmissora de novelas do país e a de mais prestígio. A
realização de etnografias de outros grupos de consumidores para captar a
percepção acerca do impacto das novelas sobre a moda e de fenômenos
correlatos também poderia produzir material importante, assim como
entrevistas com os próprios atores e atrizes - a fim de descobrir como eles
vêem seu papel de líderes de moda - e com figurinistas, diretores e escritores
de novelas - a fim de captar sua percepção e seu papel no fenômeno.
Por fim, um estudo complementar ao presente seria adaptar esse
modelo de pesquisa para a realização de pesquisa etnográfica com grandes
105
produtores de moda, como costureiros, estilistas e gerentes de griffes famosas.
Assim como me fixei na análise dos pequenos produtores de moda,
possuidores de características próprias, como uma maior flexibilidade para lidar
com variações súbitas na moda como as causadas pelas novelas, seria
interessante descobrir as peculiaridades dos atores de grande porte igualmente
expostos às variações da moda.
O fato é que, quando se trabalha com moda em Administração de
Empresas, estamos tratando de um setor muito importante para o país. Senti,
contudo, que tal setor é profundamente carente no que diz respeito à existência
de uma organização sistemática. A questão da moda e suas influências é
indubitavelmente complexa e é muito necessária a realização de mais estudos
sobre o tema, especialmente focados nas peculiaridades da indústria da moda
no Brasil.
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