_>>> Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 30/7/2012 (20:4) - Página 13- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Enxerto Segunda-feira, 30 de julho de 2012 | Valor | A13 Opinião A natureza da estagnação brasileira José Luis Oreiro O s dados divulgados recentemente pelo Banco Central confirmam a continuidade do estado de semi-estagnação da economia brasileira que eu havia mencionado num artigo publicado em janeiro deste ano no Valor (“O retorno à semi-estagnação”). Naquela ocasião eu havia argumentado que essa semi-estagnação era o resultado de um processo de natureza estrutural que vem se desenvolvendo na economia brasileira nos últimos anos, ou seja, a desindustrialização. Dessa forma, o retorno a taxas de crescimento mais robustas exigem a adoção de políticas que induzam a mudança estrutural da economia brasileira com vistas ao aumento da participação da indústria de transformação no PIB. As políticas keynesianas tradicionais de estímulo a demanda agregada não são a forma mais adequada de se induzir esse processo, pois o problema fundamental da economia brasileira atualmente não é “encher de ar quente um balão semi vazio”, mas sim mudar a natureza do material usado na confecção do mesmo. Em outras palavras, o problema fundamental de nossa economia é mudar a composição da demanda agregada em direção a bens tradeables, em vez de aumentar ainda mais o nível de demanda. A validade dessa afirmação fica comprovada pela simples inspeção da figura ao lado. Nessa figura observamos a evolução da média móvel dos últimos 12 meses da taxa de desemprego (RM) e do grau de utilização da capacidade produtiva da indústria entre fevereiro de 2004 e abril de 2012. No início do período em consideração o grau de utilização da capacidade produtiva era relativamente baixo e a taxa de desemprego era bastante elevada. Nessas condições, a economia brasileira operava como um “balão semi-vazio” de tal forma que o problema econômico fundamental era criar demanda agregada para induzir um maior nível de utilização tanto do capital como da força de trabalho. Isso foi obtido por intermédio da adoção de um modelo de crescimento do tipo “finance-led” no qual a expansão do crédito bancário, aliada a um aumento moderado da renda salarial, estimu- trabalho, além do que um grau de utilização da capacidade produtiva em torno de 82 a 85% parece ser o nível “normal” de longo prazo. Sendo assim, o espaço para a continuidade do crescimento com base na expansão da demanda de consumo é muito restrito. la um forte crescimento dos gastos de consumo das famílias, gerando assim a demanda agregada requerida para viabilizar um uso mais intenso dos recursos produtivos existentes. O problema é que esse modelo de crescimento dá sinais inequívocos de esgotamento. Com efeito, no período analisado constata-se uma tendência de redução da taxa de desemprego e de aumento do grau de utilização da capacidade produtiva. Apesar da desaceleração recente do crescimento, essas variáveis encontram-se em patamares tais que é pouco provável a continuidade do crescimento por intermédio da simples expansão da demanda de consumo. Dificilmente a taxa de desemprego poderá cair muito abaixo de 5% da força de Reduzir impostos e estímular o endividamento das famílias é o contrário do que se deve fazer A retomada do crescimento em bases sustentáveis exige um aumento combinado da capacidade produtiva e da taxa de crescimento da produtividade do trabalho. Isso pode ser obtido se Uso da capacidade e taxa de desemprego Média Móvel dos últimos 12 meses (fev/2004 a abr/2012) Utilização de capacidade Taxa de desemprego Linear (Utilização de Capacidade) Linear (Taxa de desemprego) 84 14 83 12 82 10 81 8 80 6 79 4 78 a demanda agregada for direcionada para aquele setor de atividade econômica que é a fonte dos retornos crescentes de escala e do progresso tecnológico na economia, qual seja, a indústria de transformação. Isso exige que a política econômica seja mudada com o objetivo de produzir uma mudança na composição da demanda agregada, reduzindo-se participação do consumo e aumentando-se a participação do investimento na demanda agregada. Para tanto, é necessária a continuidade do processo de desvalorização da taxa de câmbio, uma redução maior do custo do capital e um aumento significativo do investimento público em infraestrutura. Estimular o consumo por intermédio de reduções semi-permanentes de impostos e estímulos ao aumento do endividamento das famílias são contrários ao que se deve fazer para restabelecer o dinamismo da economia brasileira. Cabe à presidente Dilma Rousseff a tarefa de ouvir as vozes daqueles que, embora critiquem a política econômica do seu governo, estão no mesmo campo político-ideológico que ela, a saber o novo-desenvolvimentismo. 2 77 0 76 Fev Fev Abr Abr Abr 2004 2006 2008 2010 2012 Fonte: Ipea Data. Elaboração do autor. José Luis Oreiro é professor do departamento de economia da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]. Agora compreendemos que as mudanças dizem respeito à nossa geração. Por Jeffrey D. Sachs Nosso verão de verdade climática D urante anos, os cientistas vêm alertando o mundo que o uso intenso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) ameaça o mundo com mudanças no clima. O aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono, um subproduto da queima de combustíveis fósseis, aquecem o planeta e alteram os padrões de chuvas e tempestades e elevam os níveis do mar. Agora, o impacto dessas mudanças podem ser sentidos em todos os quadrantes, apesar de poderosos lobbies empresariais e propagandistas de mídia, como Rupert Murdoch, tentarem negar a verdade. Nas últimas semanas, os EUA entraram em seu pior período de seca nos tempos modernos. O Centro-Oeste e os Estados nas planícies, o celeiro do país, estão ardendo sob uma enorme onda de calor e mais da metade do país está em emergência devido à seca. Do outro lado do mundo, Pequim foi atingida pelas piores chuvas já registradas e as inundações mataram muitas pessoas. O Japão, igualmente, está sofrendo chuvas torrenciais recordes. Duas das regiões áridas africanas — o Chifre da África, no leste do continente, e no Sahel no oeste — tiveram secas e fome devastadoras nos últimos dois anos: as chuvas não vieram, fazendo com que muitos milhares morressem, enquanto milhões passam fome. Os cientistas atribuíram um nome à nossa era, Antropoceno, um termo construído a partir de uma antiga raiz grega para significar “época dominada pelos seres humanos” — um novo período da história da Terra em que a humanidade tornou-se a causa da escala mundial das mudanças ambientais. A humanidade afeta não só o clima da Terra, mas também a química dos oceanos, os habitats terrestres e marinhos de milhões de espécies, a qualidade do ar e da água, e os ciclos de água, nitrogênio, fósforo e outros componentes essenciais que sustentam a vida no planeta. Por muitos anos, o risco de mudanças climáticas foi amplamente considerado como algo distante no futuro, um risco, talvez, com que se defrontariam nossos filhos ou seus filhos. Esse risco seria, naturalmente, motivo suficiente para agir. Mas agora compreendemos melhor que as mudanças climáticas também dizem respeito a nós, à geração atual. O bem-estar humano, e até mesmo sua sobrevivência, dependerão de as evidências científicas e o know-how tecnológico triunfarem sobre ganância míope, timidez política e o fluxo contínuo de propaganda empresarial anticientífica Já entramos numa nova era muito perigosa. Se você é uma pessoa jovem, as mudanças climáticas e outros riscos de danos ambientais causados pela humanidade serão fatores importantes em sua vida. Os cientistas enfatizam a diferença entre clima e tempo. Clima é o padrão geral de temperatura e precipitação pluviométrica em determinado lugar. Tempo é a temperatura e a precipitação em determinado lugar em determinado momento. Como diz o velho gracejo: “Clima é o que esperamos; tempo é o que temos”. Quando a temperatura é particularmente elevada, ou quando as chuvas são especialmente pesadas ou leves, os cientistas tentam determinar se as condições atípicas são resultado de longo prazo das alterações climáticas ou simplesmente refletem a variabilidade esperada. Então, será que a onda de calor atual nos EUA (que torna este o ano mais quente já registrado), a forte inundação em Pequim ou a seca no Sahel, um caso grave de mau tempo aleatório ou apenas o resultado de longo prazo de alterações climáticas induzidas pelo homem? Durante muito tempo, os cientistas não eram capazes de responder a essa pergunta com precisão. Eles não tinham certeza se um particular desastre climático poderia ser atribuído a causas humanas, em vez de a uma variação natural. Eles não podiam sequer ter certeza de que poderiam de- tectar até mesmo se determinado evento era tão extremo a ponto de ficar fora da faixa normal. Nos últimos anos, porém, uma nova ciência de “detecção e atribuição” (de causas) ao clima tem feito grandes avanços, tanto conceitual quanto empiricamente. Meios de detecção determinam se um evento extremo faz parte de flutuações meteorológicas usuais ou são um sintoma de mudanças mais profundas de longo prazo. Atribuição significa a capacidade de identificar as causas prováveis de um evento à atividade humana ou a outros fatores. A nova ciência da detecção e atribuição está aguçando nosso conhecimento — e também nos dando ainda mais motivo para preocupação. Vários estudos no ano passado mostraram que os cientistas podem realmente detectar alterações climáticas de longo prazo na crescente frequência de eventos extremos — como ondas de calor, chuvas pesadas, secas severas, e fortes tempestades. Usando os modelos mais avançados para simulação do clima, os cientistas não estão apenas detectando alterações climáticas de longo prazo, mas estão também atribuindo ao menos alguns dos eventos extremos a causas humanas. Os anos recentes trouxeram uma série chocante de eventos extremos em todo o planeta. Em muitos casos, fatores naturais de curta duração tiveram um papel, em vez da atividade humana. Durante 2011, por exemplo, condi- ções criadas por La Niña prevaleceram no Oceano Pacífico. Isso significa que a água quente ficou particularmente concentrada perto do sudeste asiático, enquanto a água fria ficou concentrada perto do Peru. Essa condição temporária causou muitas mudanças de curto prazo nas chuvas e nos padrões de temperaturas, causando, por exemplo, fortes enchentes na Tailândia. Contudo, mesmo após identificar cuidadosamente tais câmbios naturais de ano para ano, os cientistas também estão descobrindo que vários desastres recentes provavelmente também refletem mudanças climáticas causadas pelos humanos. Por exemplo, o aquecimento do Oceano Índico causado pelo homem provavelmente desempenhou um papel na severa seca no Chifre de África em 2011, que provocou escassez de alimentos, conflitos e fome, afetando milhões de pessoas pobres. A atual megasseca nos EUA reflete, provavelmente, uma mescla de causas naturais, como La Niña, e uma enorme onda de calor intensificada por mudança climática causada pelos humanos. As provas são sólidas e acumulam-se rapidamente. A humanidade está se colocando em crescente perigo devido a mudanças no clima induzidas pelo homem. Como comunidade mundial, teremos de agir rapidamente e decisivamente no próximo quarto de século, abandonando uma economia baseada em combustíveis fósseis e abraçando novas e avançadas tecnologias de baixa produção de carbono de energia. A opinião pública mundial está pronta para ouvir essa mensagem e agir com base nela. Mas, por toda parte, os políticos mostram-se tímidos, especialmente porque as companhias petrolíferas e carboníferas são tão politicamente poderosas. O bem-estar humano, e até mesmo sua sobrevivência, dependerão de as evidências científicas e o know-how tecnológico triunfarem sobre ganância míope, timidez política e o fluxo contínuo de propaganda empresarial anticientífica. (Tradução de Sergio Blum) Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É assessor especial do secretário-geral da ONU no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2012. www.project-syndicate.org Frase do dia “Deveriam fazer como Messi em Pequim. Ele enfrentou o Barcelona e ganhou ouro” O presidente da Fifa, Joseph Blatter, pediu ontem que os jogadores de futebol sigam o exemplo de Lionel Messi, que decidiu defender seu país na Olimpíada de 2008. Cartas de Leitores Energia e ICMS A respeito da matéria “Estados terão compensação para cortar ICMS da energia”, de 25/7, é muito bem-vinda a intenção da presidente Dilma Rousseff de buscar solução para altíssima tributação do ICMS na energia elétrica. É uma boa ideia condicionar a renegociação da dívida dos estados independentemente de mudança legal. Também é correta a redução anunciada do PIS/Cofins na conta de luz. Ambas as iniciativas, porém, só merecerão aplausos se extensivas a todos os brasileiros, uma vez que a energia elétrica faz parte da “cesta básica” de todos os consumidores, sejam eles residenciais, comerciais ou industriais. Claudio J. D. Sales [email protected] Violência Em relação à preocupante escalada da violência, é sempre bom lembrar que a sociedade paulista não dá carta branca para a Polícia Militar matar supostos transgressores e tentar justificar suas ações registrando-as como resistência seguida de morte. É fato notório que os PMs trabalham sob tensão permanente no enfrentamento da criminalidade, sobretudo no período noturno, colocando em risco suas próprias vidas em prol da proteção da comunidade e do restabelecimento da paz social. Cabe ao Governo do Estado coibir a prática da injustificável violência policial, não tolerando a licença para matar, velando sempre pela prevalência dos princípios inerentes ao estado democrático de direito, especialmente no momento da abordagem policial. O objetivo da atividade de policiamento ostensivo é deter suspeitos para que eventualmente sejam processados e punidos. , Claudionor Mendonça dos Santos presidente do Movimento do Ministério Público Democrático Bônus O advogado Marcelo Leonardo, que defende Marcos Valério, anunciou que vai usar recente decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) para provar que o acusado agiu corretamente ao ficar com as bonificações de publicidade que sua agência veiculou para o Banco do Brasil. O fato de a fonte ser legal não significa que o uso posterior do dinheiro seja legítimo. Não tem cabimento qualquer agência ficar com o bônus da empresa que pagou a publicidade. Bônus para as agências? Por quê? Francisco Coutto [email protected] Correção O crescimento de vendas da Unilever no Brasil no primeiro semestre não foi de apenas 1%, conforme publicado em uma nota da seção Valor.com.br da página B4 da edição de 27 de julho. A companhia não informa resultados financeiros por país, mas esclarece que a expansão no Brasil foi de dois dígitos no período e de 11,6% na América Latina. Correspondências para Av. Francisco Matarazzo, 1.500 Torre New York - CEP 05001-100 Água Branca - SP ou para [email protected], com nome, endereço e telefone. Os textos poderão ser editados.