1 MARÇO * TEMA: Literatura e leitura Entrelinhas Por Ludmila Ribeiro Não foi numa biblioteca que Vanilda descobriu o valor de um livro. Muito pelo contrário. Trabalhando de babá numa casa de família, acabou sendo demitida pela ‘‘ousadia’’ de aproveitar os horários livres para se debruçar nos livros da biblioteca particular de sua patroa. Sem emprego, em 1989 ela começou a catar papel nas ruas para manter a renda da família e ainda ter tempo para continuar o trabalho social que sempre desenvolveu: alfabetizar crianças, dar aulas de reforço escolar, fazer e distribuir alimento para pessoas ainda mais carentes que ela. Apesar de se considerar semi-analfabeta, tendo completado apenas a 4ª série do ensino fundamental, Vanilda tornou-se referência escolar para as crianças da comunidade. O que ela não sabia ensinar buscava em outros professores e nos poucos livros aos quais tinha acesso. Numa dessas andanças pelas ruas de Belo Horizonte, à procura de papel para vender, ela encontrou exemplares de enciclopédias largados no lixo e logo os transformou em uma biblioteca. Com um mínimo de material escolar e articulação comunitária, Vanilda reuniu, na Vila Del Rey, professores voluntários, novos alunos e muitos livros. ‘‘Quanto mais vinha menino e adolescente fazer trabalho escolar e pesquisa, crescia a necessidade de ter mais livros e mais informações. Então eu fazia eventos beneficentes, cuja entrada era um livro novo de segundo grau, ou arrecadava dinheiro para comprar novos materiais’’, recorda. O trabalho, que começou em 1990, quando o quarto, a sala e até o banheiro de sua casa abrigavam os livros adquiridos, hoje conta com um acervo de mais de 14 mil livros, entre arrecadações, doações e livros achados nas ruas, abrigados num barracão alugado de dois andares. ‘‘Livro eu nunca vendi. Eu guardava. As pessoas me falavam que assim eu não ia juntar dinheiro, mas não tem problema, eu juntei informação. Aqui tem muito livro achado no lixo, mais de 2 mil exemplares’’, afirma. * Como parte das oficinas, os selecionados Rumos Jornalismo Cultural desenvolveram, periodicamente, reportagens ligadas por um eixo temático comum a todos os participantes. 2 O reconhecimento de seu trabalho fez com que livros chegassem de todos os cantos do país. A multiplicação dessa iniciativa era inevitável. Assim, além da criação da sua biblioteca, chamada Graça Rios, Vanilda incentivou a criação de bibliotecas em outras comunidades e municípios e apoiou até pessoas que já tinham conquistado sua biblioteca comunitária. Prazer em conhecer O Estado de Minas foi o primeiro a divulgar, depois veio Rede Globo, Rede Minas, Record, Folha de S.Paulo, Alterosa... Todo mundo queria mostrar a ‘‘Borrachalioteca’’ de Sabará. Isso mesmo, numa praça do bairro Caeira, na periferia de Sabará, o jovem Marcos Túlio arrumou um canto na borracharia onde trabalha com o pai para montar sua biblioteca e atender às suas demandas e às da comunidade. Fez questão de não ficar parado: ‘‘Quando tínhamos 500 livros mais ou menos, eu mandei um e-mail para o Son Salvador [do Estado de Minas], que mora em Sabará, dizendo: ‘Tenho uma biblioteca dentro da borracharia’. Era uma segunda-feira. No dia seguinte eles vieram até aqui’’, recorda, sorridente. Aliás, a risada forte e cômica desse ‘‘dependente químico do livro’’ expõe sua paixão pelos livros, motivação que o fez criar esse espaço que, com ‘‘uns 70 livros e uma enciclopédia Larousse faltando cinco volumes’’ já era considerado uma biblioteca. A proposta foi tão bem-vinda que o acervo precisa de um lugar próprio, pois os livros, todos doados, invadiram geladeira, banheiro, armários e, é claro, muitos pneus. Só da Vila Del Rey chegaram mais de 2 mil exemplares. Alvo da mídia, Marcos Túlio soube reverter para o seu trabalho e para a comunidade os retornos dessa divulgação. Ele cursa letras na Faculdade de Sabará desde fevereiro deste ano, e é o lado lúdico de viver (fora ou dentro?) dos livros que o marca e o faz diferente. ‘‘Depois da matéria que saiu no Estado de Minas, fui convidado para trabalhar na Faculdade de Sabará e ganhar meia bolsa para estudar. Na preparação para a prova não consegui ler um dos livros pedidos: Cabocla, de Ribeiro Couto, mas segui com os estudos. Faltando uma semana para as provas recebemos uma doação do Centro Espírita do Taquaril. Fomos lá buscar os livros, o carro voltou até pesado. Chegando em casa, tarde da noite, minha companheira disse: ‘Adivinha quem chegou?’. E eu assustei, uma hora dessas? Quem? Era Cabocla, o livro que faltava para o vestibular. Li o livro, fiz a prova bem e ‘sapequei’ um quinto lugar lá’’, recorda. 3 Ele sabe contar uma boa história. ‘‘A poesia me dá muito conforto. Um dia eu precisava de uma poesia para mandar pra minha então namorada e cheguei à biblioteca pública, vi um livro, puxei e abri. E ela faz aniversário em abril, hein? Aí abri o livro sem pretensão, sem nada, e tava lá: ‘Soneto de Abril’.’’ O poema, lembrado de cor, é como a imensidão da vida que se abriu para Túlio a partir da descoberta dos versos de Lêdo Ivo. ‘‘A partir desse dia, todos os dias eu mandava uma poesia pra ela: Fernando Pessoa, Drummond, Adélia Prado, Marcos Reis...’’, inspira-se. As surpresas e estímulos que habitam as prateleiras de uma biblioteca são descobertas que Marcos Túlio pretende difundir, e assim aproximar-se de seu sonho. ‘‘Gostaria de ver todo mundo lendo, porque assim se conhecem os deveres e os direitos, se aprende a fazer, a votar, a ter mais argumento. Isso é bacana, muda a percepção das pessoas, é por isso que eu leio.’’ Em sua opinião, vale de tudo: ‘‘Não tenho preconceito sobre o que ler, contanto que a pessoa leia. Acho que esse é o caminho para fazer uma nova nação de leitores. Quem lê tem mais oportunidade, tem mais visão, tem mais argumento. Ler é fundamental’’, completa. ‘‘Livro-arbítrio’’ Trabalhar para estudar ou estudar para trabalhar? João Amâncio dos Reis não teve dúvida quando trocou o emprego de motorista dos Correios para ganhar menos e trabalhar próximo do conhecimento na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). ‘‘Não me importei muito com a função, queria trabalhar num lugar que possibilitasse os estudos’’, afirma. Aberto a todas as possibilidades, acabou chegando ainda mais próximo do seu objetivo. O projeto Carro-Biblioteca, Leitura e Cidadania, desenvolvido pelo Centro de Extensão da Escola de Ciência da Informação da UFMG era o trabalho mais recusado pelos antigos motoristas, que achavam o carro muito ocioso. ‘‘As pessoas têm mania de achar que não fazer nada é perder tempo, eu já acho que não fazer nada é ter tempo pra fazer alguma coisa. Então no primeiro dia eu assumi a função do carro’’, diz. Isso foi em 1994. Dez anos depois, tendo cursado duas faculdades, de serviço social e filosofia (ironicamente, na PUC/MG), João vive as conquistas do estudo e da leitura. ‘‘Acho que quando a gente estuda, é como se o sonho da gente ampliasse um pouco mais. Quem estuda, mesmo que as coisas sejam difíceis, vida dura, pobreza, tem essa esperança de ver o sonho ampliar.’’ 4 Foi o que ele conquistou. Está de partida para Portugal, onde ficará dois anos estudando para o mestrado. Insistiu na sua vontade de aprender, conquistou frutos e através dele vai reatar os laços que a filosofia um dia parece ter desatado. ‘‘Quando estava fazendo o curso de filosofia, minha esposa foi trabalhar fora do país, dar um tempo, acho que estava meio cansada de mim. Foi uma caminhada importante porque eu estudava e ela tentava compreender por que eu estudava além daquilo que ela achava necessário. Depois que ela foi pra Portugal, resolvi me inscrever no mestrado por lá, tentar uma nova chance’’, comenta. João vai longe, e pode ir até onde a liberdade de pensamento permitir. Mas ele não precisa de tanto. ‘‘As pessoas sempre perguntam se eu vou continuar sendo motorista. Aliás, eu gosto de ser motorista, só porque a gente se forma não precisa deixar de ser motorista. A função às vezes está na cabeça dos outros que fazem coisas pelo status, mas eu não vejo isso como prioridade. Procuro estar bem naquilo que estou fazendo’’, afirma. A vivência no carro-biblioteca é fundamental: ‘‘Quando eu fiz a opção de mestrado fora foi justamente porque eu queria voltar pro carro. Podia ter pedido licença particular, mas aí quando voltasse poderia cair em qualquer outro departamento, e eu quero voltar pro carro, para as comunidades, afinal de contas o que a gente aprende deve ser passado, até mesmo por um compromisso social’’, completa. ‘‘Para gostar de ler’’ Histórias vivem em livros, ou se inspiram neles. Mas leitura não é simplesmente questão de acesso. Existe o gosto da descoberta, das influências. ‘‘Quando a pessoa fala que não gosta de ler, é porque ainda não achou aquilo que a faça despertar. Pode ser uma crônica do Verissimo, da Lya Luft, qualquer coisa’’, considera Marcos Túlio. Gosto pela leitura, Vanilda sempre teve. ‘‘Só não tive oportunidade de estudar. Não tenho dinheiro para viajar, não posso ir ao cinema, nem ao teatro. Tenho uma necessidade muito grande de saber como foi a vida dos meus antepassados e de pensar o que vai ser, como pode ser o futuro. Eu tiro isso dos livros, para contar para os meus filhos e netos, que me perguntam: ‘Mas você viu isso, vó?’. E eu respondo: ‘Não, eu não vi, mas eu li...’’’, conta. Deixar solta a imaginação, ou confirmar alguns sonhos e anseios. São tantas as vantagens para tirar de um livro... Diz João Amâncio: ‘‘Na literatura, principalmente, tem algo criativo em que a gente vai 5 caminhando ora com as idéias do autor, ora com as idéias da gente, é muito prazeroso’’. Para começar a gostar, já escreveu alguém, é só começar. JUNHO TEMA: Identidade Minas musicais Uma identidade formada de diversidades Por Ludmila Ribeiro ‘‘São várias as minas musicais que alimentam o pensamento e o sentimento mineiro. Aventurar-se nesse ecossistema musical pode trazer muitas surpresas’’. Kristoff Silva, músico e compositor mineiro, conhece de perto algumas surpresas dessa diversidade sonora. O trabalho A Outra Cidade, que realizou em parceria com os músicos Makely Ka e Pablo Castro, é um expoente desse ecossistema produzido a partir de um movimento de dupla diversidade: aquela que é percebida ao se escutar o CD --- que tem a participação de mais de 20 músicos e reúne referências da música instrumental de grupos como Uakti e Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, do grupo Tambolelê e os Tambores de Minas, da música experimental do Grivo e da lírica de Milton Nascimento, entre outros --- e a que também se insere naquela outra diversidade musical, conhecida pelo nome de MPB. A música mineira conquistou uma expansão desse conceito ao revelar-se multifacetada quanto à origem dos sons e à incalculável quantidade de referências que a compõem, tendo a mesma base tradicionalmente conhecida por música popular brasileira. Mas essa expansão não é mérito da música mineira e nem necessariamente uma novidade. O antropólogo Hermano Vianna revela no livro O Mistério do Samba uma história semelhante em um tempo bem diferente. Segundo Vianna, desde o início do século XX, o próprio samba --- música considerada o símbolo da identidade nacional, mas ele próprio resultado de uma fusão de estilos --serve como referência na convergência das manifestações musicais que influenciaram o país desde então, e que possibilitaram o afloramento da diversidade musical que, hoje, representa o Brasil. Bons exemplos aconteceram quando o samba se encontrou com o jazz e gerou a bossa nova ou quando se ‘‘remixou’’ com influências dos Beatles e outros rocks e se ramificou pelo Brasil, ganhando nomes 6 variados como tropicália, na Bahia, ou Clube da Esquina, em Minas Gerais. Desdobramentos que continuaram de tal forma que nem dá mais para acompanhar de onde vem e para onde vai a música feita no estado e que vive um processo semelhante ao que acontece no Brasil inteiro. Peguem-se, por exemplo, as referências de Kristoff Silva: ‘‘Posso apontar nomes que foram decisivos para o que eu faço hoje: além dos grandes ícones, Milton Nascimento, Caetano, Gil, música da Lira Paulistana, especialmente Luiz Tatit, tem também Guinga, Uakti e Egberto Gismonti. E Björk, Nick Drake, Bobby McFerrin. São esses os principais’’. Ou então as do também mineiro, músico e compositor Vitor Santana, que está à frente do coletivo Sociedade Independente da Música (SIM), formado por inúmeros músicos de Minas Gerais. Ele tem influências das raízes da música brasileira e suas vertentes nordestina, mineira, além de samba, choro e violão erudito. Sobre a primeira, ele diz ‘‘que tem toda referência de Caetano, Gil, João Gilberto, que são os músicos do litoral, e tem também essa influência mais sertaneja, que é o Elomar’’. De Minas Gerais aponta a referência de Milton Nascimento e dos músicos do Clube da Esquina, que, na sua opinião, ‘‘orbitam todos em torno do Milton’’. A diversidade que compõe o trabalho desses dois músicos da nova geração não dilui por completo a sua mineiridade. Sem dúvida são músicas diferentes, mas não somente porque as influências são outras ou diversas, mas também pelo que eles fizeram com essas fontes, a partir de uma mesma base de elaboração harmônica e melódica, de um certo mistério e introspecção vindos com Milton Nascimento e com as portas que ele abriu com o Clube da Esquina na MPB. Sinais de sincretismos, de uma identidade sempre em movimento. Os sons de Minas Gerais feitos a partir de Milton Nascimento ou a música do Brasil começada no samba contam histórias semelhantes. São dois símbolos de identidade, puramente feitos de diversidade. O caso do samba, Hermano Vianna e sua obra explicam muito bem. Em Minas Gerais, o poeta Fernando Brant, um dos principais letristas do Clube da Esquina, é que conta o ‘‘causo’’: ‘‘O pessoal que gosta de pôr rótulo resolveu rotular de Clube de Esquina o que na realidade era apenas uma turma de amigos que gostava de música, que conhecia literatura e que começava a fazer música uns e outros letra. Cada um no seu caminho, mas com trabalhos completamente diferentes. Quem uniu foi o Milton, que começou a gravar discos e como cantor projetava as composições de todo mundo. Ele era o porta-voz. Ali tinha uma voz única que estava distribuindo o trabalho de todos’’. Nem o Clube, nem o samba. Nenhum outro grupo representa sozinho toda a diversidade brasileira. Buscar uma única música que abarque a identidade nacional foi a ambição de início de século, de um Brasil em princípio de carreira. Tanto é que hoje identidade e diversidade, indissociáveis que são, 7 acabaram ganhando posto oficial no Ministério da Cultura, através da Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural. Ser brasileiro é se reconhecer na diversidade, dispersa aqui e ali numa intensa produção da música mineira, pernambucana ou paranaense, mas em todo lugar claramente identificada como música brasileira. Para ler e ouvir Hermano Vianna, O Mistério do Samba, Jorge Zahar e Editora UFRJ. Tárik de Souza. Tem Mais Samba --- Das Raízes à Eletrônica. Editora 34. Jacyntho Lins Brandão, A Tradição da Diversidade, UFMG. Na rede As bases do samba --- Seleção de músicas brasileiras do início do século XX até a década de 1960. Revista eletrônica da música brasileira atual. Novos nomes da música brasileira. Sociedade Independente da Música (SIM) e os inúmeros músicos que a compõem. A Outra Cidade, Kristoff Silva: [email protected]. Vitor Santana: [email protected]. JULHO/AGOSTO/SETEMBRO Cobertura do Festival Cultura da Nova Música Popular Brasileira Festival Cultura --- A Nova Música do Brasil estréia na programação da TV Cultura resgatando o modelo de festival que fez história na televisão brasileira Por Ludmila Ribeiro As fotos que ilustram o site da TV Cultura, o mesmo produtor responsável pelo evento que é Solano Ribeiro, o formato das eliminatórias e da premiação e outros aspectos denunciam: o Festival Cultura --A Nova Música do Brasil é mais uma tentativa de resgatar a época de ouro dos festivais de música. As 8 referências a esse período são tão explícitas que fica inevitável a comparação do evento da TV Cultura com os grandes festivais que fizeram história na televisão. Ainda presentes no imaginário brasileiro, os inúmeros programas realizados nas décadas de 1960 e 70 marcaram o país ao lançar toda uma geração de grandes músicos e intérpretes, como Chico Buarque, Edu Lobo, Paulinho da Viola, Elis Regina, ou movimentos e bandas como a tropicália, a jovem guarda e os Mutantes, entre outros. Os tempos mudaram, mas o formato se repete, e é preciso reparar bem e esperar para descobrir indícios inovadores nos músicos participantes do festival de 2005. Dentre 5.198 inscritos, 48 artistas foram escolhidos para participar de quatro eliminatórias que vão selecionar seis composições, repetindo esse processo até chegar ao vencedor final. A primeira etapa, realizada na última quarta-feira, dia 3 de agosto, no Sesc Pinheiros, em São Paulo, foi marcada pela diversidade de regiões, estilos e misturas já apontadas em títulos como ‘‘Misturada’’, de Flávio Marchesin, e uma das músicas selecionadas da noite, ‘‘Guri de Acampamento’’, de Luiz Carlos Borges. As fusões se anunciavam em ‘‘Bossanet’’, de Val Milhomem, ou em ‘‘Samba Russo’’, movimentada junção de cuíca e guitarra na música de Paulo de Carvalho. Outras foram marcadas por ritmos mais percussivos, populares ou regionais, como as músicas ‘‘Maracatu, Samba e Baião’’, de Ito Moreno, que teve até torcida organizada e entrou para a semifinal juntamente com ‘‘Barco Negreiro’’, de Sérgio Augusto. Apesar de não estar entre as escolhidas, ‘‘Samba Russo’’ se destacou por ser o único rock-‘n’-roll da noite e pela fórmula não inédita, porém interessante, de ter a base com pesadas guitarras e baixos aliada à típica percussão do samba. Conseguiu entusiasmar a platéia, mas não o júri. Ao contrário, ‘‘Bossanet’’ apresentou uma proposta interessante de fundir grupos vocais, programação eletrônica e citações da música ‘‘Desafinado’’, de João Gilberto, numa roupagem bem contemporânea. O resultado, porém, não foi tão bom quanto a proposta e não entrou na lista. Outras que não se classificaram foram ‘‘Sem Lugar’’, de Carlos Menezes Júnior, e a cômica ‘‘A Moda’’, de Arnaldo Almeida, com uma letra, melhor que a música, engajada numa crítica ao mundo do consumo. Sem grandes inovações, a maioria dos selecionados mostrou muita qualidade, uns mais e outros menos, com músicas que seguem a linha tradicional da MPB, também muito presente na tal era dos festivais. Os selecionados João Cristal, com seu movimentado ‘‘Choro Alegre’’, o reconhecido músico mineiro Toninho Horta, com ‘‘O Sonhador’’, e Márcio Proença, com ‘‘Que Bom Seria!’’, têm em comum o feliz resultado alcançado pela presença de instrumentistas executando arranjos bem elaborados, com letras de mesmo nível, na voz de bons intérpretes. O expoente maior da noite foi a cantora Lúcia 9 Helena, que é sem dúvida a primeira grande revelação deste festival. Em alguns desses aspectos, vale acrescentar também Sérgio Santos, que não emplacou o samba ‘‘Arranca e Dá no Pé’’, mas estava muito bem acompanhado pela banda. Sem mostrar jovens músicos ou compositores, mas sim tendo alguns nomes até familiares da mídia, o Festival Cultura --- A Nova Música do Brasil começou ainda dependente da histórica referência dos festivais. Parece desconhecer a cena contemporânea em que a jovem música independente se fortalece cada vez mais, mas não está representada neste evento, quase um novo marco na era dos festivais que ainda não se encerrou. Confira tudo sobre o festival no site: www.tvcultura.com.br/festivalcultura. Nem verso, nem prosa Críticas rasas e pouca poesia na terceira eliminatória do Festival Cultura Por Ludmila Ribeiro No original, ‘‘rythm and poetry’’, ou ‘‘ritmo, arte e poesia’’, para os brasileiros. O rap, expressão musical do movimento hip-hop, tem se configurado com uma das músicas de maior representatividade nos dias de hoje. O som é eletrônico, acelerado e ritmado na freqüência das grandes cidades, assim como as letras, a poesia concreta de uma realidade marcada por desigualdades. O rap compõe o cenário da música feita no Brasil atualmente. O rap e todo o movimento hip-hop não estão representados no Festival Cultura --- A Nova Música do Brasil. Mas na noite do dia 17 de agosto, quando aconteceu a terceira eliminatória do Festival Cultura, o rapper Thaíde se destacou, mesmo atuando como convidado especial, fazendo as vezes no palco enquanto rolava a votação do júri. Representando o hip-hop e toda uma geração de novos músicos que também ficou de fora deste festival, Thaíde mandou o seu recado. Reforçou a nostalgia que paira sobre este festival de 2005, que realmente busca resgatar ‘‘um tempo bom que não volta nunca mais’’, entoando as clássicas canções de protesto da década de 1960 e 70, ‘‘Roda Viva’’ e ‘‘Pra Não Dizer que Não Falei das Flores’’, com direito a improvisações bem mais atualizadas. Seguiu com seu show retirando a poeira do passado e, vestido a caráter, apresentou músicas de sua autoria, com 10 engajamento, crítica e poesia --- exatamente o que falta à maioria das canções apresentadas neste festival. O contraste entre Thaíde e os músicos concorrentes foi gritante, principalmente no que diz respeito às letras. As legendas, recurso usado pela TV Cultura para destacar as letras das músicas concorrentes (já que essa também é uma das categorias de premiação), confirmaram: tá faltando poesia neste festival. Numa noite de sambas, bossas e músicas pop, saíram vitoriosas as canções ‘‘Classe Média’’, de Max Gonzaga; ‘‘Um Samba a Dois’’, de Eduardo Neves; ‘‘Toada’’, de Mário Séve; ‘‘A Chaga’’, de Fausto Prado; ‘‘Hotel Maravilhoso’’, de Flávio Henrique’’; e ‘‘Sai da Cruz’’, de Élio Camalle. A primeira e a última vencedora são o principal exemplo de uma crítica rasa, feita em cima de versos pobres e de redundantes citações e que permeiam a maioria das canções apresentadas. Tome-se como exemplo um trecho de ‘‘Classe Média’’: ‘‘Estou sempre no limite do meu cheque especial / Eu viajo pouco, no máximo um / Pacote CVC trianual / Mas eu ‘tô nem aí’’’. As citações e as fórmulas musicais estão entre o massificado e o impregnante. As letras são pobres, diretas e pecam pela ausência de poesia. Estes ‘‘novos’’ músicos perderam a possibilidade de ir direto ao assunto e de usar esta que é uma das grandes virtudes da arte: instigar sem limitar as interpretações do público com objetividades. Marcando presença Intérpretes se destacam no Festival Cultura - A Nova Música do Brasil Por Ludmila Ribeiro Quem não conhece ou pelo menos não ouviu falar do sucesso da performance ‘‘helicóptero’’ de Elis Regina cantando ‘‘Arrastão’’? Ou da presença malandra de Jair Rodrigues cantando e dançando ‘‘Disparada’’? Pois é, tem coisas que o tempo não consegue apagar, nem fazer com que deixem de existir. Em qualquer tempo e em qualquer festival a presença de palco e a interpretação são quesitos fundamentais para uma música emplacar ou não. Muitas vezes é papel do intérprete potencializar a canção e fazê-la conquistar público e jurados. Não é papel fácil, e é claro que, se a música e a letra não ajudarem, é investimento em vão. Mas quando se trata de um festival de música para a TV, para o 11 grande público, para uma concorrência que nem sempre é pautada pela qualidade, como é o caso do Festival Cultura --- A Nova Música do Brasil, esse artifício vem a calhar. Foi o que se percebeu em todas as eliminatórias do Festival Cultura, que ocorreram no mês de agosto e se encerraram nesta quarta-feira, dia 24, no Sesc Pinheiros, em São Paulo. Apesar de nem todos os concorrentes terem optado por uma interpretação de peso, e outros terem escolhas não muito impactantes, os intérpretes, alguns conhecidos da mídia e do público, foram uma atração a mais. Já estão no páreo e com forte chance de ganhar o prêmio de melhor interpretação a cantora Lúcia Helena, pela bela canção ‘‘Que Bom Seria!’’; Rita Braga, por ‘‘Choro Alegre’’; a reconhecida Ceumar com ‘‘Achou!’’; Roberta Sá, em ‘‘Girando na Renda’’, com Pedro Luís e a Parede; Luzia Dvorek, com ‘‘Toada’’; e as mineiras Paula Santoro, cantora melhor que ‘‘Um Samba a Dois’’ que interpretou, e Marina Machado, pela forte atuação em ‘‘Hotel Maravilhoso’’. Concorrem ainda outros intérpretes com menos potencial, como Tadeu Franco, que interpretou com nervosismo a canção ‘‘Um Sonhador’’, de Toninho Horta, e os próprios compositores que interpretaram suas canções, uns mais performáticos e talentosos que outros. Nesta última eliminatória, do dia 24, quem se destacou mesmo foi o cantor Marcelo Preto, que, além de ter uma bela voz, usou e abusou das sonoridades corporais que marcam o seu trabalho com o grupo Barbatuques. Fiel à dinâmica tensionada da música ‘‘Startrek de Tacape’’, de Chico Saraiva, Marcelo Preto conquistou o público e entrou na semifinal. Além dele, destacaram-se a ovacionada Fabiana Cozza, com ‘‘Mãe Canô’’, e a sambista Adriana Moreira, que surpreendeu com uma voz aguda e menos potente do que pedia o samba partido-alto ‘‘Lama’’, de Douglas Germano. Passou batido do júri e do público a ótima ‘‘Contrapeso’’, música de Beto Firmino que teve interpretação à altura. As compositoras Uliana Dias e Cláudia Vasconcelos não emplacaram suas canções e, com exceção de Marília Medalha, confirmaram que a participação feminina está restrita à interpretação. O saldo positivo do festival Compositores e intérpretes vão além da competição e aproveitam para trocar experiências na primeira semifinal do Festival Cultura - A Nova Música do Brasil Por Ludmila Ribeiro 12 Em fase de semifinal, o Festival Cultura --- A Nova Música do Brasil começa a definir seus favoritos, com as expectativas que todo encontro gera, seja ele por competição ou não. Bastidores e platéia movimentados lotaram o Sesc Pinheiros, em São Paulo, na última quarta-feira, dia 31 de agosto, quando aconteceu a primeira semifinal. Nessa noite decisiva os músicos e intérpretes estavam afinados. Doze selecionados disputavam uma das seis vagas para a final, e todos bem preparados realizaram uma mostra de alto nível. Paula Santoro arrasou na interpretação de ‘‘Um Samba a Dois’’ e, assim como Luzia Dvorek, pela bela canção ‘‘Toada’’, estava no time das grandes intérpretes. Além dos favoritos Adriana Moreira, de ‘‘Lama’’, e Marcelo Preto, com ‘‘Startrek de Tacape’’, acrescente-se aí também a mineira Marina Machado, que cantou com segurança ‘‘Hotel Maravilhoso’’ e comparou esse desafio a uma prova de natação, 50 metros nado livre: ‘‘É a principal prova do campeonato de natação e só gente fera que nada. Não dá pra errar uma braçada, uma respiração, tudo tem de ser muito perfeito. O festival é bem assim’’. A razão de sua presença ali era a competição: ‘‘Eu fico muito nervosa, acho que música é difícil, não cabe muito a competição, e a gente está aqui pra competir’’, completa. Mas, além disso, a noite era de encontro entre músicos, artistas, conhecidos ou não. Depois de apresentar a música ‘‘Contabilidade’’, a dupla Danilo Moraes e Ricardo Teperman (uns dos poucos artistas da nova geração no festival) caiu na festa. Transitavam descontraídos pela platéia e pelos corredores onde Ricardo Teperman, ou Teté, como é chamado pelo parceiro, cantarolava de memória a música ‘‘Hotel Maravilhoso’’, pouco depois da apresentação de Marina Machado, Flávio Henrique e Chico Amaral. As trocas estão sendo uma constante entre os diversos músicos que participam do festival. Animado e confiante, Ricardo Teperman comentou que no festival ‘‘promessa de parceria já pintou, agora só falta vingar’’, mas preferiu não dizer nomes, com receio de não funcionar e ‘‘ficar frustrado’’. Mais adiante, Marina Machado entregou: ‘‘Eu gostei muito da música ’Contabilidade’. Inclusive eu pedi, e eles vão me mandar uma música. Eu vou gravar um novo disco neste ano e gostei muito da onda deles’’. Encontros assim são inevitáveis e o festival ganha mais essa função de incentivar, mesmo que indiretamente, novas parcerias, novas composições, novos ares para a música brasileira. ‘‘Eu acho bacana o festival, e tudo que se faz para movimentar a música e principalmente para divulgar mais o trabalho de intérpretes, compositores e músicos’’, comentou a cantora paulista Ná Ozzetti, que estava satisfeita com a classificação da música ‘‘Achou!’’, de seu irmão Dante Ozzetti, que foi a mais aplaudida da noite. A própria Ná destacou músicas como ‘‘Hotel Maravilhoso’’, ‘‘Toada’’ e ‘‘Lama’’, principalmente 13 suas intépretes. ‘‘Já conhecia a Marina Machado, sou superfã dela e ela foi magnífica hoje. Gostei muito da Luzia Dvorek, que é uma supernova geração, e achei maravilhosa a Adriana Moreira, que cantou o samba’’, completou. Dessas músicas, apenas ‘‘Achou!’’, de Dante Ozzetti e Luiz Tatit, e ‘‘Lama’’, de Douglas Germano, estarão na final do Festival Cultura, a se realizar no dia 14 de setembro, juntamente com as outras selecionadas ‘‘Um Sonhador’’, de Toninho Horta; ‘‘Contabilidade’’, de Danilo Moraes e Ricardo Teperman; ‘‘A Moça na Janela’’, de Zé Renato; e ‘‘Startrek de Tacape’’, de Chico Saraiva, na firme voz de Marcelo Preto. Antenas ligadas A segunda semifinal acontece na próxima quarta, dia 7 de setembro, com a apresentação dos 12 últimos candidatos. Entre eles estão Max Gonzaga e Celso Viáfora, que marcaram presença na platéia da primeira semifinal assistindo ao vivo à performance dos outros candidatos. ‘‘Estou acompanhando todas as eliminatórias e as semifinais também. A gente vai sentindo nos bastidores a evolução das interpretações e da própria execução das músicas’’, comentou Max Gonzaga, que vai defender ‘‘Classe Média’’ na próxima quarta-feira. Assistir às outras apresentações não implica mudanças na sua apresentação iminente, mas parece intimidar. ‘‘A gente vai continuar com a mesma toada e fazer o possível pra entrar. Vai ser meio complicado porque a noite está bem competitiva, mas vamos lá’’, diz. Celso Viáfora estava empolgado, festejando o encontro de sua banda composta pelos Meninos de Manari, grupo de percussão amazônica de Belém do Pará, e pelo Quinteto em Branco e Preto. Feliz com os encontros e perspectivas de ‘‘abrir outras amizades para o futuro’’, e satisfeito por ver música inédita na TV brasileira, como ele mesmo diz: ‘‘Tem tido muito resgate de obras de compositores e de repente a TV Cultura resgata obras inéditas e principalmente música ao vivo, é muito bom’’. Bom também como uma oportunidade referencial para a nova geração, como ele completa: ‘‘Se você pensar, essa nova geração é completamente desacostumada com espetáculo ao vivo, como a geração MTV, por exemplo, que assiste a shows editados’’. Notas 14 Ressalvas Como era de esperar, a apresentação do veterano Toninho Horta, primeiro concorrente da noite, foi impecável. Tadeu Franco, bem mais seguro, conduziu bem a bela letra de João Samuel, acompanhado por uma banda completa, digna de festival. Além de piano, contrabaixo, sopros, percussão e cordas, a banda de Toninho Horta teve ainda o músico Keko Brandão, que fez arranjos de cordas no teclado, reforçando o que as cordas de verdade estavam fazendo. Keko era um dos músicos que transitavam pela platéia, comemorando este momento do festival, mas também com as suas ressalvas: ‘‘Eu acho que o festival tem uma diversidade muito grande de estilos, o que é muito bacana. Tenho só um pouquinho de dúvida quando eles usam o adjetivo ‘a nova música do Brasil’, porque eu inclusive estou acompanhando um figurão da música. Toninho Horta já faz parte da história da música brasileira, como muitos outros concorrentes também fazem’’. Para ele a ausência de novidades pesou. ‘‘Só faço essa crítica à comissão julgadora: tem muita gente que já está há muito tempo na estrada, inclusive eu. Realmente faltou mostrar coisa mais nova mesmo’’, afirma. Torcidas Se nas eliminatórias anteriores torcidas organizadas, como as de Douglas Germano ou Élio Camalle, já se faziam ouvir, nesta semifinal surgiram outras. Dante Ozzetti teve platéia uniformizada e afinada e Thomas Roth manifestou seus dotes publicitários, equipando sua torcida com cartazes com o escrito ‘‘Ai!’’, nariz de palhaço e outros adereços distribuídos aleatoriamente, numa tentativa de envolver a platéia no seu circo. Era noite dos jingles ‘‘Pra Onde Vamos Nós’’, de Roth, e ‘‘Sai da Cruz’’, de Camalle, que sustentaram suas torcidas, mas ficaram de fora da final, elevando assim o nível de composições na disputa do dia 14 de setembro. Produção Deixou a desejar, mas o Festival Cultura também teve seus acertos. A produção era caprichada, em instantes a sombra ágil dos roadies trocava os instrumentos e preparava um novo palco, para novos artistas que se revezavam em estilos, mas todos encontraram uma infra-estrutura impecável, um alto e 15 bom som. Talvez por ser estritamente voltada à televisão a produção era experiente, mas a platéia às vezes parecia cenário, com os apresentadores e comentaristas mais preocupados em falar para as câmeras do que para o público presente. Feijão-com-arroz Festival Cultura entra em etapa final com os 12 concorrentes definidos Por Ludmila Ribeiro Nesta altura do campeonato a falta de novidade entre os concorrentes não é mais novidade, o papo dos apresentadores continua o mesmo e o programa ganhou rotina. Acentuou toda a previsibilidade de um festival que se propôs a mostrar a nova música do Brasil e foi redundante, se pautou pela diversidade e a resumiu no regionalismo da viola caipira e sertaneja, na melodia poética da MPB e no pop que tá mais pra pular do que pra cantar. Apesar desses pontos fracos, o profissionalismo da produção do evento mais uma vez garantiu suporte para os músicos, protagonistas do festival, continuarem a festa, que se refinou com a escolha dos candidatos à final. Refinou-se, mas poderia ter sido mais, não fosse a longa fila de boas músicas que ficaram de fora da lista do júri. A começar por ‘‘Samba Russo’’, ‘‘Contrapeso’’ e ‘‘Romance Pós-moderno’’, que não passaram das eliminatórias. A seqüência se completa com ‘‘Hotel Maravilhoso’’, ‘‘Choro Alegre’’ e ‘‘Que Bom Seria!’’. Ouvidos atentos sabem o ponto em comum dessas músicas: exatamente a novidade, o diferencial que faltou no geral do festival. Choro, rock, MPB (?), balada, músicas que nem cabe classificar. Parece ousadia demais para o júri levar para a televisão brasileira algo além do feijão-comarroz. A oportunidade de ver na TV músicas inéditas, shows ao vivo, revelando ao brasileiro o que está fora da grande mídia, parece mais uma vez pouco aproveitada. E com tantas previsibilidades já era de esperar um equilíbrio estratégico de ganhadores de regiões variadas e a diversidade dos estilos musicais. Desta segunda semifinal entraram no páreo os paulistas Celso Viáfora, com a música ‘‘Amanhã de Depois de Amanhã’’; Edu Franco, com ‘‘Seresteiro em Perigo’’; e Marília Medalha, carioca de nascimento, mas radicada em São Paulo, com ‘‘Cassorotiba’’. Dentro do eixo, desta vez do Rio de Janeiro entrou Pedro Luís, com ‘‘Girando na Renda’’, e de Minas Gerais veio Renato Motha, com seu ‘‘Hacai Baião’’. Para fechar os classificados, acrescente-se o baiano Ito Moreno, 16 com ‘‘Maracatu, Samba e Baião’’. Esses concorrem na próxima quarta com a maioria paulista formada por Danilo Moraes (‘‘Contabilidade’’), Dante Ozzetti (‘‘Achou!’’), Douglas Germano (‘‘Lama’’) e Chico Saraiva (‘‘Startrek de Tacape’’), além do mineiro Toninho Horta (‘‘Um Sonhador’’) e o capixaba Zé Renato (‘‘A Moça na Janela’’). São esses os 12 selecionados para a grande final, que vão segurar o espetáculo da noite de 14 de setembro, quando acontece o encerramento do festival de música da TV Cultura. Para acompanhar o festival visite o site, mas se abstenha de entrar no link Notícias, que parou no tempo, e contenha a nostalgia das fotos tão antigas quanto o tempo em que a música brasileira soava no rádio, na TV, na imprensa nacional. OUTUBRO TEMA: Novos meios Coletivos em movimento Redes de artistas contemporâneos favorecem trabalhos conjuntos, que rompem barreiras geográficas e questionam padrões de mercado Por Ludmila Ribeiro Arte integrada ao sistema com particularidades. Mercado paralelo, de público diverso que faz a arte contemporânea circular por mídias variadas, sem esbarrar em fronteiras. Cena da arte contemporânea que se cria e se multiplica. Artistas, curadores, teóricos transitam por territórios internacionais tendo a arte como língua comum e assim a comunicação se estabelece. Terreno propício para intercâmbios, articulação e criações coletivas. Isso não é só teoria. Experiências estão acontecendo em todo o mundo, a todo momento favorecidas pela internet e pela globalização. Uma delas é o projeto Contexto, fruto da rede de iniciativas artísticas da Holanda chamada Rain, que congrega coletivos de artistas da Argentina, Indonésia, Mali, sul da África, Brasil e Índia. Imagine em cada um desses países um link, em cada link uma iniciativa que representa uma rede de artistas, em constante movimento e produção. Assim foi que o projeto Contexto surgiu, da iniciativa argentina Trama para a Rain. De onde ele veio, não volta mais. O objetivo é fazer circular artistas e 17 produções artísticas, sempre para a frente. Foi concebido pela argentina Cláudia Fontes, da iniciativa Trama, que proporcionou o desenvolvimento de um trabalho conjunto de uma artista da holandesa Rain com o argentino Jorge Gutierrez, que a partir daí foi ao México trabalhar com Mike, que por sua vez está no Brasil, em Belo Horizonte, trabalhando com o fotógrafo João Castilho, que não vai deixar a rede parar. Em cada país surge uma nova proposta. Agora é a vez de realizar a proposta vinda do México, da iniciativa El Despacho, na pessoa de Mike. Sua idéia, de explorar a cidade sob o olhar de detetives, foi acatada pela iniciativa brasileira Centro de Experimentação e Informação de Arte (Ceia). Esquema básico de rede: um que chama o outro, que traz mais um e, pra coisa continuar, renovar é inevitável. Limitar um circuito por si só restrito, como assim é a arte contemporânea, é perder aos poucos a existência. Com esse pensamento, compartilhado pela Rain, é que entrou o fotógrafo João Castilho, cooptado pelo Ceia, numa tentativa de descentralizar as ações e trazer novos ares para a rede. Palavras de Marco Paulo Rolla, coordenador do Ceia: ‘‘A gente trabalha sempre com indicação. Aproveitamos as oportunidades para trabalhar com gente nova, que está aqui desenvolvendo um trabalho potencial’’. Farsa realista O trabalho desenvolvido por Mike e João Castilho tem prazo de validade. Na meta de finalizar tudo em seis semanas, os fotógrafos entraram na quarta semana de registros fotográficos e relatórios de detetives particulares contratados por uma terceira pessoa, para seguir os fotógrafos e investigar por que eles estão percorrendo a cidade e o que estão fazendo. Sua ação é como a de um terceiro membro da equipe, numa analogia explícita aos teóricos que acompanharam as duas etapas anteriores do Contexto, com a função de analisar a criação resultante do projeto. Com resultados meio desfocados, os teóricos foram substituídos. Sugestão de Mike: ‘‘O detetive dentro do seu contexto está fazendo uma interpretação sua, e é objetivo do trabalho ter essa interpretação, o que ele dá de significado ao trabalho dos fotógrafos. Esse pensamento está sendo o trabalho do teórico, pensar por que fotografamos. É muito interessante porque ele não está teorizando, e sim interpretando o processo de uma maneira mais fresca’’. Imprevistos acabam fazendo parte do processo. O primeiro detetive não seguiu a dupla e apresentou no relatório uma rota previsível de fotógrafos, incluindo estrangeiros: visita a pontos turísticos e 18 registro de contrastes sociais. ‘‘Essa teoria desenvolvida pelo detetive tem gerado resultados inesperados. É uma farsa realista, é o que ocorre de mais óbvio no Brasil’’, acompanha Marco Paulo Rolla. Essa farsa é motivo de reflexão, e vem somar à proposta do trabalho. ‘‘Como o detetive inventou tudo, ele colocou 100% da projeção dele sobre o que é um fotógrafo estrangeiro com outro local fotografando a cidade, do que ele pensa que seja a fotografia’’, afirma João Castilho. A segunda experiência, ainda em andamento, também revela semelhante limitação de conceito. Ao perceber que a dupla visitava a Rua Guaicurus, ponto de prostituição da cidade, o detetive logo se encarregou de informar à contratante que os fotógrafos neste dia resolveram não trabalhar e foram se divertir. ‘‘É como se víssemos só tetas, nádegas e não luz, composição, enquadramento. Ele podia entender também como uma tendência da fotografia erótica, mas só pensou no divertimento’’, argumenta Mike. Pano pra manga para uma primeira discussão: o que é a fotografia? Outro lado da discussão A experiência artística do Contexto, apenas um ponto dessa rede internacional da arte contemporânea, representa também o mercado da arte, restrito e particular em sua organização, nos meios de articulação e relacionamento, onde se discute de tudo, principalmente o próprio mercado. No caso desse projeto, a relação mercadológica da arte, muitas vezes pautada pela figura do curador, é o outro lado da discussão. ‘‘É importante que haja um espaço pra discutir isso. O artista tem sempre de ter um produto maravilhoso pronto para que o curador venha com um conceito’’, provoca Marco Paulo. Por outro lado, o curador acaba sendo uma figura necessária no circuito artístico, afinal de contas estão todos no mesmo barco. ‘‘Não dá pra gente achar, a essa altura do campeonato, que a produção artística é uma coisa só ligada ao momento da exposição ou da produção. Tem milhões de agenciamentos que estão em torno e que são superinteressantes também. Tensionar essa relação é uma coisa superpositiva’’, pondera o crítico de arte e videoartista Eduardo de Jesus. ‘‘O curador surgiu neste universo contemporâneo, quando foi necessária uma série de agenciamentos pra desembaçar o que é arte contemporânea para as pessoas’’, completa. Essa realidade adaptada para o Brasil torna-se um pouco mais crônica, e é compartilhada por outros países do Terceiro Mundo. ‘‘Existe um potencial muito grande, estão todos muito antenados. O que se produz aqui não é tão diferente do que vem de fora. A gente está com o olhar pra fora. As pessoas são 19 muito ligadas. O mais absurdo é o meio não absorver. É preciso criar um meio pra isso’’, afirma Marco Paulo. Pensando novos meios de reverter as adversidades do mercado, Eduardo de Jesus faz referência ao curador independente, uma alternativa interessante, mas que ainda não chegou por aqui. ‘‘Essa natureza de curador independente não existe por aqui. Não tem espaços abertos aqui o suficiente pra você chegar com uma proposta para exposição, por exemplo’’, afirma. O que não se tem se cria. E mais uma vez as redes de intercâmbio e criação coletiva se justificam. E ganham espaço, se fortalecem e mudam a configuração geográfica dos espaços, movimentando o cenário e gerando perspectivas. O diálogo já está acontecendo.